SANTIFICAÇÃO: SINERGISMO ENTRE O PAI E SEUS FILHOS

HEBREUS 12: 1-13

Embora a partir do verso 14 o autor da carta aos Hebreus fale a respeito da santificação de forma prática e direta, os treze primeiros versículos abarcam a temática de forma tão profunda que muitos incidem no erro de achar outro tema central. Nos versos de 1-3 o autor incentiva os filhos de Deus a perseverarem na fé, olhando para Jesus como o exemplo a ser seguido e o alvo a ser alcançado. No processo de santificação é requerido um esforço da nossa parte, demonstrado em perseverança na caminhada de fé. Do verso 4-11 é enfatizada a paternidade do Senhor demonstrada por meio da disciplina como objetivo de nos fazer participantes de sua santidade (v.10). Os versos 12 e 13 concluem a primeira seção do capítulo com um incentivo pastoral ao progresso na maratona da fé e ao cuidado com os irmãos mais fracos.

 

1-    CABE AOS FILHOS PERSEVERAR NA FÉ, RESULTANDO NO PROCESSO DE SANTIFICAÇÃO

(1-3)

O autor da carta faz uma ligação da caminhada cristã com os esportes da época, como diz Kistemaker (2003): “Do mundo dos esportes, o autor toma emprestado a imagem dos espectadores, a roupa, a condição dos competidores e a própria competição”.

            Ele tem em mente os mártires que acabaram de ser mencionados no capítulo 11, a conjunção “portanto” faz essa ligação entre o presente capítulo com o anterior. A expressão “nuvem de testemunhas”, quer dizer uma multidão, uma platéia. Mas não é uma platéia qualquer, não são simples testemunhas, como diz Kistemaker (2003) são testemunhas que falam, “...Abel...embora esteja morto, pela fé ainda fala” (11.4), esses mártires falam por meio das páginas das escrituras, incentivando os filhos de Deus, que são seus irmãos, a prosseguirem na maratona da fé.

O escritor também é um competidor, ele utiliza a primeira pessoa do plural “nós”, ele também está rodeado por essa platéia, e motivados pelo exemplo dos mártires, devem avançar nessa corrida tirando tudo o que os impede e que os atrapalha. Assim como um corredor utiliza roupas apropriadas e possui um bom condicionamento físico para prosseguir de forma eficaz em uma maratona, assim também os filhos de Deus, os lavados e remidos pelo sangue de Jesus devem prosseguir nessa caminhada em santidade da vida cristã “deixando todo o embaraço e o pecado que tão de perto os rodeia” (v.1).

Jesus é o alvo, o objetivo, “o autor e consumador da fé” (v.2). Essa maratona é feita com os olhos fitos n’Ele. Ele foi o ponto de partida e também é o de chegada. Ele é o Alfa e o ômega (Ap 21.6). Enquanto temos na arquibancada os nossos irmãos que morreram pela fé, temos nos esperando na linha de chegada, o nosso irmão mais velho, que suportou toda a agonia da cruz, não levando em conta a maldição que Ele receberia de Deus (Dt 21.23) em nosso lugar, pois ao fim de todo esse sofrimento o mesmo Deus lhe havia preparado gozo, e concluída sua obra na terra Ele assentou-se a destra do trono de Deus, em seu lugar de honra.

            O escritor da carta então usa o imperativo, a segunda pessoa do plural, “considerem”, no grego (analogisasthe). Segundo Guthrie (1983), nos papiros essa palavra é usada com sentido matemático de “tirar a soma”, subentendendo uma cuidadosa avaliação. O autor fala para os corredores, os filhos de Deus que estão na maratona analisarem cuidadosamente o sofrimento de Jesus, pois este suportou tamanha oposição dos pecadores contra si mesmo” (v.3). Enquanto os maratonistas da fé possuem testemunhas ao seu redor, em certo sentido lhes incentivando a prosseguir, Jesus correu sozinho o seu percurso até o calvário não tendo incentivo, pelo contrário, teve acusadores, Ele suportou a afronta dos homens. O autor apresenta o seu objetivo após pedir que os seus leitores considerem o sofrimento de Jesus, ele diz: para que não vos fatigueis, desmaiando em vossa alma (v.3). É forte a inclinação do competidor para desistir e desanimar devido o cansaço e o longo percurso da maratona, mas se eles atentarem cuidadosamente para a caminhada de Jesus e ao mesmo tempo em que o vêem na linha de chegada lhes esperando, considerarem o que Ele teve que passar para concluir a maratona, adquirirão fôlego, e até “da fraqueza tirarão força” (11.34) para terminar essa jornada.

APLICAÇÃO

Não é fácil para o crente perseverar nessa maratona. Percebemos nesses três versos as diretrizes e o incentivo do escritor à seus leitores que prossigam firmemente no caminho. Os filhos de Deus devem ser perseverantes e progredir nessa jornada em santificação.

O pecado nos afasta de Deus, quebra a nossa comunhão com o Criador. Nós pecamos quando não reservamos tempo para falar com Ele, pecamos quando “sabemos” muito acerca d’Ele, mas não temos comunhão com Ele, pecamos quando estamos tão envolvidos com sua obra, mas muito pouco envolvidos com o Dono da obra.

Recentemente passei uma experiência marcante com Deus. O cansaço resultante dos afazeres no seminário estava me consumindo, tirando meu sono, tirando minha alegria, tirando meu prazer até em estudar, e ao meu ver, tirando meus momentos de prazer diante de Deus, eu estava o tempo todo fazendo a obra de Deus, aprendendo acerca de Deus, no entanto cada vez mais me distanciando d’Ele. Um dia então abri meu coração e falei: “Senhor, eu não aguento mais, eu preciso de mais fome e sede de Ti, estou com saudade de Ti, não quero que o pecado me domine, eu sou teu filho e quero estar constantemente em comunhão contigo”, eu saí após aquela oração renovado, o prazer em trabalhar para o Senhor agora estava novamente atrelado ao viver com o Senhor, deixando todo o embaraço e o pecado que tão de perto me rodeia (v.1)

Como filho de Deus devo almejar a santificação e persegui-la, e isso é um processo gradativo no qual exige perseverança, pois a santidade plena só poderei alcançar na eternidade, quando estiver junto do meu Pai Celeste.

2-    O PAI OPERA NO PROCESSO DE SANTIFICAÇÃO EM SEUS FILHOS ATRAVÉS DA DISCIPLINA

(4-11)

Embora as palavras estejam sempre sendo dirigidas aos filhos de Deus, é somente a partir do verso 4 que o autor os trata especificamente como tais. Os leitores, cuja maioria eram judeus convertidos já tinham a idéia que o Israel coletivo era filho de Deus (Ex 4.22; Os 11.1), no entanto a perspectiva apresentada pelo autor traz uma conotação de particularidade, ou seja, cada individuo torna-se filho de Deus ao aceitar o sacrifício substitutivo de Cristo para salvação (Ef 1.5), e isso aqueles leitores já haviam feito.

A paternidade de Deus é exposta de forma bela, e é evidenciada por meio da disciplina. O que o autor foca não é a disciplina, e sim a paternidade de Deus. A disciplina é o meio pelo qual o Pai opera no processo de santificação em seus filhos.

 

Lembrando-os da condição de filhos (4-8)

            O verso 4 é a ponte que liga a primeira seção do capítulo à segunda. O processo de santificação também é uma luta, é uma corrida que exige perseverança e uma luta contra o pecado onde o combatente deve permanecer em pé. Segundo Kistemaker (2003) o autor faz uma transição da arena de corrida para o ringue do pugilismo, embora os competidores tenham sofrido golpes nessa luta, eles ainda não chegaram a derramar o próprio sangue, ou seja, a situação deles ainda não havia chegado ao extremo.

            Após atravessar a ponte que é o verso 4 como eu disse no parágrafo anterior, o autor transporta os seus leitores de um cenário esportivo para um ambiente familiar, fazendo-os lembrar que eles têm um Pai, pois provavelmente eles tinham esquecido essa condição de filhos de Deus devido as muitas aflições da caminhada cristã (10.32-34). Ao citar provérbios 3.11 e 12 nos versos 5 e 6 (Filho meu, não menosprezes a correção que vem do Senhor, nem desmaies quando por ele és reprovado) como uma palavra de ânimo aos seus leitores, o autor apresenta a disciplina do Senhor como uma forte evidência da sua paternidade. Percebemos isso a partir do verso 7 onde ele dá sequencia a sua argumentação mostrando o sinergismo que há no processo de santificação na vida do Filho de Deus, pois na medida que este persevera suportando a disciplina que é aplicado por seu Pai Celeste, tornar-se-á participante de sua santidade (v.10).

            O autor é persistente em sua argumentação e não quer deixar nenhuma dúvida pairando o pensamento de seus leitores quanto a filiação que eles tem em Deus, por isso prossegue com uma pergunta retórica seguida de uma afirmação: pois que filho há que o pai não corrige?  Mas, se estais sem correção, de que todos se têm tornado participantes, logo, sois bastardos e não filhos (7b,8). O autor está querendo lhes transmitir que as provações e adversidades não são corroboras que Deus esqueceu-se deles, deixando-os a mercê das tribulações provindas das circunstâncias naturais, ou do Diabo. Pelo contrário, essas adversidades são efetuadas pelo próprio Deus, pois assim como um pai corrige ao filho que ama, da mesma forma Deus age com os seus. O que esta sentença quer dizer é que os leitores deveriam se preocupar se não tivessem passando por aflições, pois um filho ilegítimo, ou bastardo, não recebe o cuidado do pai, pois este não se acha responsável pelo filho. Mas o Pai Eterno ama seus filhos de forma demasiadamente incondicional, por isso aplica a disciplina para o bem próprio dos mesmos.


Comparação (9,10)

O autor da carta sempre faz comparações entre o eterno e o passageiro, o maior e o de menor relevância, como por exemplo: O Filho e os anjos (1.4-2.18), Jesus Cristo e Moisés (3.1-6), Jesus e o sacerdócio Araônico (4.14-5.10), o tabernáculo terreno e o celestial (8.1-6). Embora o autor preserve a sua forma literária, a comparação presente nos versos 9 e 10 é mais curta, pois o autor não se detém em muitas linhas para provar o teor da comparação como ele fez nas anteriores.

Ao incluir-se na sentença, usando novamente a primeira pessoa plural, o escritor faz a comparação entre os pais humanos com o nosso Pai Celestial (o Pai dos Espíritos), usando como objeto da comparação a submissão dos filhos e o objetivo da disciplina aplicada por ambos os pais, os humanos e o Espiritual.

No verso 9 o autor os lembra da submissão que tinham aos pais, principalmente eles, que em sua maioria eram judeus[1]. Segundo Paulo (Ef 6.2) e como também é observado em Êxodo 20, o mandamento de honrar os pais é o primeiro mandamento com promessa. Se eles submetiam-se aos seus pais humanos de forma tão dedicada, e amparados por um mandamento divino os respeitavam aceitando a correção por eles imposta, quanto mais digno de respeito e de submissão é o Pai por excelência, que não é somente o criador da Lei que estes seguiam ao obedecer seus pais terrenos, mas é o criador do universo (11.3), e de todos os seres humanos, o Grande Pai, o Pai Celestial, e por ser Celestial, a obediência a Ele como diz Kistemaker (2003), resulta em vida eterna.

 Após ser trabalhada a submissão dos filhos de Deus ao seu Pai Espiritual, no verso 10 o autor compara o objetivo da disciplina aplicada pelos pais terrenos com o da aplicada por Deus. Os pais humanos além de disciplinarem por um curto período de tempo (pois a vida é passageira, logo os filhos crescem e se casam, as vezes os filhos vão para longe, e como é a lógica da vida, antes dos filhos os pais se despedem deste mundo) aplicam a disciplina de acordo com o que eles entendem ser o melhor, objetivando o crescimento de seus filhos em todas as áreas. Entretanto os pais humanos são falíveis, e vez por outra como diz Kistemaker (2003), erram na aplicação da disciplina, como também erram no objetivo proposto para seus filhos. Mas com Deus é diferente, e mesmo recebendo a sua disciplina podemos descansar em saber que Ele não erra, Ele não falha, e tem como objetivo nos tornar santos como Ele é.

Resultado da disciplina (11)

Essas palavras até aqui embora não pareçam, são palavras de refrigério, os leitores ao que tudo indica estavam esmorecendo devido as tribulações, porém o autor os certifica que essas tribulações vem do próprio Deus como uma forma de disciplina, pois eles são seus filhos. Mas a disciplina a principio não é algo prazeroso, ela causa dor, incomodo, desconforto. A disciplina pode promover inquietação, ela gera tristeza, pois vai de encontro ao que estamos fazendo, ela promove um redirecionamento, faz emergir um confronto as vezes consigo mesmo ou em sua maior parte com o aplicador da disciplina. O lado bom é que tudo isso produz fruto. Uma lagarta para transformar-se em uma borboleta passa por um período de isolamento em um casulo apertado, o ouro para ser transformado em um objeto utilizável passa pelo fogo, e assim muitos outros exemplos podem demonstrar esse fator natural que se encaixa com a disciplina na vida do ser humano. A disciplina quando aplicada com amor visando o aperfeiçoamento de quem a recebe por mais que gere toda essa turbulência como acima citado, futuramente produz frutos de justiça e paz acompanhados de alegria e gratidão.

É interessante analisar que não só neste capítulo, mas também em toda a carta aos Hebreus há um esforço da parte do escritor em instigar os seus leitores à perseverança nessa caminhada em santidade da vida cristã, e a tribulação enviada por Deus em forma de disciplina é parte essencial neste processo. Paulo ratifica essa verdade ao dizer: E não somente isto, mas também nos gloriamos nas próprias tribulações, sabendo que a tribulação produz perseverança;” (Rm 5.3)

APLICAÇÃO

É tão bom saber que somos cuidados por Deus, e que a disciplina aplicada por Ele por mais dolorosa que seja nos traz benefícios e opera em nossa vida de forma eficaz, nos tornando mais santos e como consequência disso nos aproximando d’Ele. Pois é isso que significa santificação, separação do pecado, e á medida que nos separamos do pecado nos achegamos a Deus. Assim percebemos que Deus nos aplica a sua disciplina para que nos aproximemos d’Ele.

            Lembro-me do meu pai, que sempre me corrigiu, nunca deixou nada passar despercebido, mas isso sempre me mostrou a sua presença em minha vida. Sua preocupação e cuidado eram a forma de demonstrar o seu amor para comigo. Todas as vezes que ele me corrigia ele dizia: “Eu estou fazendo isso porque eu te amo, para que eu fazendo, ninguém tenha o direito de fazer”, em outras palavras: “Eu te corrijo porque eu não quero que a polícia ou qualquer outra pessoa te faça isso pelo fato de eu ter sido omisso e ausente em sua criação”. A correção do meu pai deu bons resultados, a sua correção não me afastou dele, pelo contrário foi o instrumento pelo qual eu percebi o seu amor e isso me fez cada vez mais próximo dele.

            Se o meu pai, mesmo sendo humano e muitas vezes falhando na aplicação de sua disciplina, mas com a graça de Deus soube me conduzir, quanto mais o nosso Pai Celestial continuará a nos conduzir com sabedoria nessa caminhada, com todo amor e cuidado agindo por meio da disciplina para nos aproximar d’Ele.

3-    INCENTIVO PASTORAL AO PROGRESSO NA MARATONA DA FÉ E AO CUIDADO COM OS IRMÃOS MAIS FRACOS (12,13)

O escritor agora dirigi-se à conclusão do parágrafo iniciando com a expressão “por isso” seguido das citações de Isaías 35.3 e Provérbios 4.26, incentivando os seus leitores a levantar as mãos decaídas e os joelhos vacilantes, e a fazerem caminhos direitos para os pés para que o que manqueja se não desvie inteiramente, antes seja sarado . Dos versos 1-13 o autor da carta trabalha com dois tipos de figuras, o esportivo e o familiar. Ele inicia o capítulo com a figura esportiva das maratonas da época para simbolizar a corrida da fé, transportando-se no segundo parágrafo da seção para um ambiente familiar, e do final do verso 11-13 ele retoma novamente a figura esportiva incentivando os seus leitores a se reerguerem e tomarem um novo impulso na corrida. Assim como um técnico incentiva seus atletas, o escritor da carta com seu cuidado pastoral o faz com suas ovelhas-atletas, é como se ele estivesse correndo do lado e dizendo: “Vamos, vamos eu acabei de vos falar que vocês tem um pai amoroso que se preocupa com vocês, eu quero ver ânimo nesses rostos, ombro para cima, pés firmes”. Ele ainda aconselha a fazerem caminhos direitos. Kistemaker (2003) assemelha esse conselho ao que os corredores fazem antes das corridas, eles observam a pista de corrida analisando os desníveis e os buracos para que assim esses empecilhos sejam tirados. O interessante é que nessa corrida não há competição entre os corredores, afinal eles são irmãos, são filhos do mesmo Pai Espiritual, essa análise da pista de corrida é feita em favor do outro, em favor do manco, do mais franco, assim, nenhum deles tenta produzir armadilhas para o outro corredor, pelo contrário, eles desfazem as que existem, para que assim esse corredor siga seu caminho em santidade, e em vez de desviar-se da rota ou desistir, ele chegue ao final juntamente com os outros, não mais fraco ou manco, mas agora sarado.

APLICAÇÃO

Nós também estamos nessa corrida, e assim como os primeiros leitores, recebemos a mesma palavra de ânimo. Temos Deus como o nosso Pai que se preocupa conosco e está operando em nossas vidas, Ele é um Pai presente, o meu dever é perseverar, se eu estava desanimado eu devo agora me reanimar, pois eu sei que eu tenho um Pai junto de mim. Mas além disso, eu devo me preocupar com o meu irmão mais fraco, que está manquejando, eu devo cuidar dele, e me preocupar com ele para que ele seja sarado. Nós somos uma família, nessa maratona nós não competimos um contra o outro, mas juntos competimos contra o pecado, visando a linha de chegada em que está presente o nosso Irmão mais velho.

CONCLUSÃO

            Essa maratona exige esforço, e o trabalho é mútuo, o nosso Pai Espiritual, por um lado, nos treina e nos habilita durante essa corrida através da disciplina. Nós por outro lado, devemos perseverar inspirados com o exemplo dos que já completaram essa maratona e motivados pela visão daquele que nos espera na linha de chegada, Jesus Cristo.