Julio Roberto Araujo de Amorim*

A irrigação é uma prática agrícola muito antiga e bastante utilizada no mundo inteiro, principalmente nas regiões tropicais em que predomina o clima quente e seco, como, por exemplo, o Semi-Árido do Nordeste brasileiro, cuja taxa de evapotranspiração excede a de precipitação pluvial durante a maior parte do ano. Nessas áreas, em que as culturas não dispõem de água suficiente para suprir suas necessidades hídricas durante todo o ciclo vegetativo, a irrigação assume papel de fundamental importância no que se refere à garantia de boas safras agrícolas.


 

Entretanto, civilizações antigas – nascidas graças ao emprego da técnica de irrigação – tiveram o seu declínio e desaparecimento em virtude do manejo inadequado da água e do solo, e conseqüente da salinização deste (ARAR, 1971). Isso porque a qualidade da água aplicada durante a estação de cultivo, bem como a quantidade, não só influencia o rendimento das culturas, como também modifica as propriedades físicas, químicas e microbiológicas dos solos; e isto pode afetar sensivelmente a produtividade obtida nos anos subseqüentes. Sem dúvida, o não reconhecimento desse fato tem levado vários projetos de irrigação ao completo fracasso.

O processo de salinização dos solos e das águas subterrâneas e superficiais é um dos mais importantes problemas de degradação ambiental, com seus efeitos prejudiciais sendo mais pronunciados nas áreas de regiões áridas e semi-áridas, e que vem crescendo rapidamente em diversas partes do globo, causando problemas de grandes proporções na produtividade das culturas agrícolas. Numa escala mundial, existe uma área de aproximadamente 400 milhões de hectares de terras utilizada com agricultura, porém cuja produção vem sendo severamente restringida pela salinidade (Bot et al., 2000).

A intemperização dos minerais primários (que compõem a rocha ou o material de origem do solo) é a fonte indireta de quase todos os sais presentes nos solos, embora sejam poucos os casos em que haja acumulado suficiente quantidade de sal desse modo (salinização primária ou pedogenética) para formar solos salinos. E as terras salinizadas por meio desse processo natural, que pode dá origem a solos afetados por sais, tais como: Planossolo Solódico, Solonetz Solorizado, Solonchack Solonétzico, não têm as suas áreas tão drasticamente aumentadas, se comparadas à intensidade do crescente aumento da extensão das terras salinizadas pela ação antrópica.

Por sua vez, a água de irrigação, independente de sua origem, é o principal meio de aporte de sais ao solo (salinização secundária ou antrópica). Como todas as águas naturais – sejam elas de origem meteórica (chuva), superficial (rios, lagos, açudes, etc.) ou subterrânea (aquíferos) – contêm quantidades variáveis de sais solúveis, a aplicação de água ao solo pela irrigação implica, necessariamente, adição de sais ao seu perfil. Os sais, que são transportados pelas águas de irrigação e depositados no solo, acumulam-se neste após se concentrarem, à medida que a água se evapora ou é consumida pelas plantas. E, se estes sais – que vão progressivamente se acumulando na zona radicular – não forem eliminados por meio de lixiviação (lavagem dos sais do solo) e drenagem, a salinização do solo será inevitável e poderá atingir níveis que tornem a sua exploração economicamente inviável.

Em áreas irrigadas, é comum o surgimento de solos afetados por sais causados pelo manejo inadequado da irrigação, principalmente, e de outras práticas, de modo que importantes extensões de terras férteis e agricultáveis, no muito inteiro, vêm cada vez mais tornando-se salinas. Isso se verifica, no entanto, em decorrência de práticas de manejo que não visam à conservação da capacidade produtiva do solo, como inexistência de sistema de drenagem eficiente, uso de águas em quantidade e com qualidade não adequadas, além do emprego incorreto e excessivo de adubos químicos.
    
    A salinização do solo pode provocar, ainda, um efeito indireto bastante adverso ao crescimento das plantas: a destruição da estrutura do solo e conseqüente compactação deste. Tal ocorre devido à dispersão das partículas de argila causada pela substituição dos íons cálcio (Ca++) e magnésio (Mg++) presentes no complexo de troca pelo sódio (Na+), resultando, assim, na elevação da sodicidade do solo. Ou seja, na porcentagem de sódio trocável (PST), que, em última instância, é o principal fator responsável pela deterioração das propriedades físicas dos solos afetados por sais (sódicos, ou alcalinos, e salino-sódicos). Além dos efeitos negativos decorrentes da facilidade ao encharcamento e da má aeração, comuns em solos compactados, a alta PST torna a atividade agrícola quase impraticável e antieconômica em solos sódicos, por ser o seu manejo bastante difícil e a sua recuperação muito dispendiosa.

As culturas agrícolas, em sua grande maioria, não são tolerantes a níveis altos de salinidade, de modo que aquelas mais sensíveis são drasticamente afetadas pelos efeitos deletérios dos sais, que podem restringir – ou até mesmo impedir – o crescimento e a produção de muitas espécies vegetais. Tais efeitos prejudiciais são devidos, sobretudo, a: 1) o menor potencial osmótico do solo e conseqüente aumento na resistência à absorção de água pelas plantas; 2) a obstrução dos processos metabólicos essenciais à nutrição vegetal; e 3) a toxicidade resultante da elevada concentração salina e de íons específicos, como o Na+ e o Cl-, principalmente se o método de irrigação adotado for o da aspersão convencional, em que a água salina molha a folhagem da planta acelerando o processo de absorção dos sais solúveis.

A salinidade, portanto, tem-se constituído num dos mais sérios fatores limitantes da produção agrícola, especialmente em áreas irrigadas sob condição de temperatura elevada e pluviometria baixa, onde o problema pode tornar-se ainda mais agravado pelo uso de águas de má qualidade para irrigação. Ademais, o melhoramento das propriedades do solo, por meio da sua recuperação com a prática da drenagem e o uso de condicionadores físico-químicos (matéria orgânica e resinas), químicos (gesso agrícola, etc.) e biológicos (plantas halófitas), nem sempre é viável sob os pontos de vista prático e econômico.

Felizmente, nem todas as culturas respondem de maneira semelhante à salinidade; algumas são capazes de produzir satisfatoriamente em condições de concentrações elevadas de sais em que outras não o conseguiriam. Assim, nas situações em que a salinidade/sodicidade do solo não pode ser mantida num nível aceitável para a(s) cultura(s) explorada(s), mediante um manejo adequado do solo e da água de irrigação, a alternativa viável é a seleção criteriosa de espécies ou cultivares que, ao mesmo tempo, sejam mais tolerantes aos danos causados pelos sais e possam obter produções economicamente rentáveis.

Bibliografia Consultada:
ARAR, A. Irrigation and drainage in relation to salinity and waterlogging. In: SALINITY SEMINAR BAGHIDAD. Rome: FAO, 1971. p. 86-108. (FAO. Irrigation and Drainage Paper, 7).
BOT, A., NACHTERGAELE, F.; YOUNG, A. Land resource potential and constraints at regional and country levels. Rome: FAO, 2000. (FAO. World Soil Resources Report, 90).