Neste artigo, transcrito da revista vozes[1], e, posteriormente, publicado na série Dispersos[2], Mattoso Câmara ressalta a grande importância do mestre Said Ali para os estudos lingüísticos de língua portuguesa.

Mattoso declara que Said Ali era homem à frente de seu tempo e se sobreleva entre outros estudiosos pela maior firmeza de propósitos e clareza de doutrinas. Isto devido ao seu conhecimento da lingüística européia, sobretudo a alemã.

Vale dizer que Said Ali não era professor de língua portuguesa e sim de alemão, no entanto isso não o impediu de trilhar caminhos profundos na estrutura de nossa língua.

Entre muitas de suas obras, necessário é destacar duas: a Gramática Histórica, que contém um estudo da cadeia de mudanças, a partir do latim vulgar, dos sons vocais, das formas gramaticais e construções sintáticas; e ainda a Gramática Secundária da Língua Portuguesa em que o autor expõe, detalhadamente, seus estudos gramaticais.

Said Ali contribuiu de forma ímpar para o estudo da língua portuguesa e Mattoso Câmara atesta algumas dessas contribuições no artigo em questão. Veremos, em primeiro lugar, as formas verbais em –ria (cantaria, temeria, partiria) que para Alié como uma modalidade de futuro, ou seja, um futuro em relação a um momento realizado no pretérito.

Câmara usa a sentença "disse que viria" para explicar que a vinda foi prevista como um fato futuro no momento em que o sujeito "ele" falou; e no momento da fala, essa vinda já foi realizada ou deixou de ser, concluindo como um fato passado ou irreal.

Epifânio Dias, por sua vez, continuou preso a antiga noção de modo condicional, atribuindo às formas em –ria uma possível homonímia para cada verbo, conforme o tipo de frase, a saber: "disse que viria" – futuro do pretérito e "se pudesse, viria" – modo condicional.

Já Said Ali prende a segunda construção à primeira mostrando uma espécie de correlação dos tempos verbais, em que o futuro do pretérito se correlaciona com o imperfeito do subjuntivo: "disse que viria" e o futuro do presente, com o futuro do subjuntivo: "se puder, virá". Obviamente não queremos afirmar que essas formas estão presas umas às outras, mas sim que existe uma possível relação entre elas.

Em segundo, Ali trata dos tempos compostos. Para ele, são modalidades dos tempos simples com um valor de ação concluída, como exemplo: "tenho cantado" que indica o início e o término do ato de cantar até o momento presente; já em "tinha cantado" iniciava e concluía o ato de cantar até o momento considerado no passado.

Em terceiro, Said Ali trata da problemática da partícula se em construções do tipo: "aluga-se, quebrou-se, dir-se-á". O filólogo nega ao se o caráter de "partícula apassivadora" e sugere um verbo sem sujeito. Para ele, não há igualdade de sentido nas sentenças: "vende-se uma casa" e " a casa é vendida". Esta última teria como sinônima a oração "a casa está para vender". Todavia, Câmara considera essa doutrina um "fato inseguro e discutível" [3].

Mattoso ainda pontua que Said Ali era avesso ao purismo, pois empoprecia a expressão espontânea, além de ser opor a idéia de obediência aos modelos de escrita dos clássicos dos séculos XVI e XVII, sob pena de nos tornarmos contrários ao nosso tempo e aos costumes lingüísticos da época.

Alguns de seus estudos, presentes na obra Meios de expressão e alterações semânticas, se inclinam à exegese gramatical e estilística dos diálogos constantes de romances modernos de autores como Camilo Castelo Branco, Machado de Assis e outros. Mattoso nos revela que Said Ali tinha uma "aguda sensibilidade pela língua cotidiana viva" [4] e isto lhe permitiu perceber e apreciar o fenômeno fonético da "entonação" ou modulação de voz na frase, em artigo que compõe a obra Dificuldades da língua portuguesa - estudo pioneiro para língua portuguesa.

BIBLIOGRAFIA

CÂMARA, J. Mattoso. Dispersos. Rio de Janeiro: Lucerna, 3ª. Ed., 2004.

CÂMARA, J. Mattoso. Dicionário de Filologia e Gramática. Rio de Janeiro: J.Ozon Editor, 4ª Ed. refundida e ampl., 1970.

FREITAS, Horácio Rolim de. Princípios de morfologia. Rio de Janeiro: Lucerna, 5ª Ed., 2007.



[1] Revista Vozes: Petrópolis, 55(6) 415-9,1961.

[2] CÂMARA, J. Mattoso. "Said Ali e a língua portuguesa" in Dispersos, Rio de Janeiro: Lucerna, 3ª Ed., 2004, p.223

[3] Idem, p.225

[4] CÂMARA, J. Mattoso. "Said Ali e a língua portuguesa" in Dispersos, Rio de Janeiro, Lucerna, 3ª Ed., 2004, p.226