Sabedoria e Qualidade, em Falta na TV
Publicado em 29 de dezembro de 2009 por Robson Fernando
Uma enquete criada pelo colunista de assuntos televisivos Ricardo Feltrin apontou para algo que, apesar da endemia de alienação e mau gosto cultural, é, mais que uma verdade, uma necessidade prima da população. Em 29 de dezembro, 46,4% de cerca de 9200 pessoas compartilhavam uma opinião que merece muita atenção: deveria haver veiculação de sabedoria na TV aberta. Isso reflete o estado a que ela chegou. Ou melhor, de que nunca saiu.
Pergunte-se: "e não há um pouco de sabedoria?", para eu responder: onde? Só se for um extremo mínimo, totalmente insuficiente para civilizar uma nação afundada em violência urbana, deseducação, alienação e descaso popular generalizado para assuntos públicos. O que vem fazendo o peso do conteúdo da televisão, em contrapartida, é o que há de mais podre, alienante e inibidor de soluções.
Nesta década, em vez de evolução, temos visto um recrudescimento da programação idiótica, apesar da decadência do gênero da baixaria explícita – Ratinho, Márcia Goldschmidt, o "exilado" João Kleber e companhia saíram de moda. As novelas da nove da Globo, embora decaindo ininterruptamente em audiência desde aquela "mediocridade americana" que fazia apologia a rodeios, ainda fazem o gosto popular, com o agravante da inserção do "inferno dramático", vide as rotineiras brigas, discórdias, nervosismos, violências, mortes e baixarias d'A Favorita, perceptíveis até mesmo por quem já vive longe da TV. O jornalismo vem, como sempre, manipulando e formando visões de mundo distorcidas e míopes e preservando os interesses de quem tem muito poder sócio-político-econômico. Todas as tentativas do SBT de ressuscitar sua audiência, sem exceção, consistem em lançar programas fúteis ao máximo, que nunca têm nada a oferecer de edificante. Nenhuma outra emissora de TV aberta que não a constante TV Brasil vem investindo propriamente em cidadania, educação e responsabilidade sócio-ambiental em sua programação. Assim fica bem difícil as emissoras desejarem um mundo melhor, já que elas o estão fazendo ainda pior.
Há uma notável e feliz exceção. O CQC da Band vem fazendo a diferença com sua fórmula de jornalismo inteligente mais engajamento mais humor sábio e inquietante. Se (vira essa boca para lá) a emissora ousasse tirá-lo do ar, seria uma perda crônica para esse panorama televisivo contemporâneo que tanto carece de qualidade. Mas ainda assim é apenas um elemento entre o imenso mar de lama televisivo.
Quem esperava o que pareceria mais lógico, a evolução da televisão e o crescimento da exigência cultural por parte da audiência na década em que a internet consolidou sua popularidade e deu cabo a várias revoluções de mídia alternativa, quebrou a cara, entristeceu-se e mandou o televisor hibernar. É uma tristeza ver que um instrumento com enormes potenciais de prover e promover em massa educação cotidiana de qualidade, incentivar o pensamento autônomo e edificar a sabedoria popular, a criatividade, a cultura construtiva, cidadã e solidária venha fazendo exatamente o contrário. Mastigando e regurgitando deformadas e obsoletas visões de mundo prontas, manipulando opiniões, semeando preferências culturais bastante idiotas e fúteis, desencorajando a cidadania participativa e manifestante, prestando contribuições quase nulas para a evolução da educação e dos valores das pessoas. É esse diabo a tal TV do século 21?
É por isso que cada vez mais gente que desistiu de procurar cultura decente na TV vem seguindo a sugestão feita pela MTV alguns anos atrás: "desliga a televisão e vai ler um livro!". Convido todos que ainda têm uma porção do cérebro livre da alienação e do emburrecimento promovidos pela telinha a fazerem o mesmo. Quanto aos demais, contaminados por completo, apreciadores da estupidez, só me resta no momento lamentar e perguntar "até quando".