Não é preciso ter uma resignação estóica para resistir ao modismo de best-sellers. Um livro que percorre todos os meandros entre sua produção e divulgação em nível planetária chega aos nossos olhos como uma bomba de letras: resenhas, matérias pagas, brindes de livrarias, banners na internet e outros acessórios do marketing moderno.

Perdi a conta dos best-sellers que (tive) que ler e lamentei como parca melancólica o tempo perdido com os mesmos. Recentemente meu estômago e minha paciência sofreram muito com coisas chamadas O Enigma do Quatro e O Código da Vinci. Existem outros dejetos literários, mas por respeito à sensibilidade do leitor, não os enumero aqui.

A menina que roubava livros, do australiano Markus Zusak, é uma agradabilíssima exceção dos best-sellers “leia e jogue fora”. Confesso que, como publicitário, o mote escolhido pela editora brasileira – Quando a Morte conta uma história, você deve parar para ler – pareceu-me criativo e ousado. Então, folheando a esmo algumas páginas, decidi verificar capítulo por capítulo por que o livro de Zusak ficou mais de seis meses na lista dos mais vendidos, segundo pesquisa do The New York Times.

A história, como já sabem, é contada pela própria Morte e o personagem principal chama-se Liesel Meminger, uma órfã que vive na Alemanha nazista: Holocausto, fome, destruição. Claro, quando falamos de meninas em tempos de guerra lembramos imediatamente de Anne Frank – que continua a fazer chorar leitores mundo a fora – e da não menos trágica Zlata, uma sobrevivente da guerra civil na Bósnia-Herzegóvina. Seus diários são comoventes, mas seus autores não oferecem uma riqueza de linguagem e estilo que mereçam uma análise literária mais detalhista.

A menina que roubava livros é uma das mais eloqüentes metáforas da recente literatura mundial. E que bom que tenha sido escrito por um australiano, e não por mais um europeu ou norte-americano. Assim os xenófobos ficam sabendo que na Austrália não existem apenas canguru e barreira de corais.

Markus Zusak, talvez usando a maestria de quem também escreve para crianças, faz da fábula um documentário, da dor um processo de autoconhecimento e dos livros uma fuga. Não a fuga de si mesmo: a fuga das bombas e da miséria humana. A corajosa Liesel Meminger roubou os poucos livros da sua coleção para ascender acima do horror diário que a cercava.

Usando a técnica dos preâmbulos em cada capítulo – tão comum nos romances de cavalaria e nos folhetins do século XIX – Zusak sintetiza o que vem nas próximas páginas e o que nos ultrapassa a todos: a Morte conta a história de Liesel, mas conta a sua história, leitor, a minha e a dos demais mortais. Cada um que encontre os meios para sua sobrevivência. Escrever é um deles. O envolvimento da pequena alemã com os livros é narrado com brilhantes trechos de prosa poética. O capítulo onde a menina recebe um livro de presente escrito só para ela – A sacudidora de palavras – é algo que não pode ser definido pela metalinguagem. É melhor dizer: é Poesia.

A edição brasileira deste best-seller recebeu um tratamento gráfico de uma das melhores designers do país: a carioca Mariana Newlands, conhecida não só pelo seu talento mas pela delicadeza do traço e das idéias. A capa produzida por Mariana é maravilhosa.

Nascido em Sidney em 1975, Markus Zusak estreou na literatura em 1998 com The Underdog – um diário de um adolescente de 15 anos, Cameron Wolfe. Depois vieram Fighting Ruben Wolfe, When Dogs Cry e The Messenger. Com o sucesso mundial de A menina que roubava livros certamente todos eles em breve serão traduzidos e publicados aqui. E quem sabe a história de Liesel Meminger seja convertida para um roteiro de cinema. (Que as Musas e o bom senso nos poupem de uma adaptação medíocre).