A SEGURANÇA NO TRÂNSITO COMO DISCIPLINA NA GRADE
CURRICULAR EM UMA PROPOSTA DE MINIMIZAÇÃO DE RISCOS
E ACIDENTES DE TRÂNSITO ENVOLVENDO CRIANÇAS E
ADOLESCENTES.

RESUMO

Este trabalho procura analisar a situação de insegurança de
crianças e adolescentes no trânsito propondo um programa de ação para a
prevenção de acidentes, com medidas de conscientização, inclusão da
segurança como disciplina escolar, urbanismo, educação, engenharia e
fiscalização de trânsito.
Também é parte deste projeto a existência de um programa de
prevenção de atropelamentos, que consistiria na implantação de um sistema de
informações sobre acidentes de trânsito, na verificação das rotas de circulação
de pedestres e dos principais pontos de travessia, na revisão dos semáforos,
no tratamento, na ação educativa junto às travessias de pedestres, no
tratamento de pontos críticos, na melhoria dos passeios e na ampliação e
melhoria da fiscalização e do atendimento aos acidentados no trânsito.
Se analisarmos o atual sistema brasileiro de educação para o trânsito,
veremos que não é possível mudar comportamentos no trânsito abordando o
tema da forma como tem sido feita, é preciso que atitudes e medidas
renovadoras sejam tomadas para que, então, uma nova proposta seja traçada
no sentido de se reverter a realidade alarmante que vivemos com números
assustadores de acidentes em nossas cidades.
INTRODUÇÃO

Os acidentes de trânsito se transformaram num dos problemas mais
graves que a população brasileira enfrenta nos seus deslocamentos, sejam
eles diários ou não. Somente para se ter uma idéia, em 2005, 34.381 pessoas
morreram e 33.838 ficaram feridas no nosso país (BRASIL, 2004a). Desse
total, segundo as estatísticas oficiais, verificou-se que 10,3% do total de
pessoas mortas (cerca de 3.438 pessoas) possuíam menos de 15 anos e
10,8% dos feridos (aproximadamente 3.761 pessoas) eram adolescentes.
Estes números assustam não somente pela sua magnitude como
também pelo fato de ser comum no Brasil o sub-registro de acidentes de
trânsito (BRAGA, 2002). Um trabalho que busca aumentar as condições de
segurança do tráfego deve ter como meta: reduzir os números globais de
acidentes, de mortos e de feridos; reduzir o risco presente nas vias e reduzir as
conseqüências dos acidentes. Para cada um destes objetivos é necessário terse
um conjunto de medidas apropriadas, mas de caráter distinto.
No caso do primeiro ponto em questão, por exemplo, pode-se lançar
mão de medidas que incentivem os usuários a trocarem o uso de veículos
particulares e passarem a utilizar modos de transporte mais seguros, como o
metrô, por exemplo, (cerca de 95% dos acidentes de transporte no Brasil
ocorrem no modo rodoviário - Brasil, 2004a). Já o segundo ponto, o poder
público pode direcionar seus esforços para uma ação fiscalizadora do trânsito,
identificando e tratando os pontos críticos em áreas urbanas e voltando-se para
a educação para o trânsito. Finalizando, no último ponto de objetivos, pode-se
focar no incentivo ao uso de equipamentos como o cinto de segurança (no
interior de veículos) e o capacete (para ciclistas e motociclistas), ou ainda o
socorro aos acidentados como formas diretas de se diminuir a gravidade dos
acidentes.
Para isso é necessário se conhecer o problema para definir o objetivo
prioritário a alcançar e, a partir daí, escolher as medidas mais apropriadas para
tratar do problema. É nestas bases que um trabalho em segurança de tráfego
deveria ser feito. Entretanto, para a imensa maioria das cidades brasileiras,
esbarra-se no que deveria ser o ponto de partida: faltam informações que

permitam descrever a situação de forma criteriosa e proceder a um diagnóstico
que aponte as soluções mais recomendadas.
Assim sendo, o panorama geral dos acidentes de trânsito no país,
envolvendo a segurança de crianças e adolescentes é muito grave, assim
como também é grave e urgente a necessidade de conscientização desses que
são a base de nosso futuro, alcançando-os ainda na escola por meio de um
programa na grade curricular que possa, desde já, prepara-los em relação à
prevenção dos tipos de acidentes aos quais este grupo de usuários está mais
sujeito.
UM HISTÓRICO DO PROBLEMA

Mesmo com as muitas dificuldades existentes na composição de dados
relacionados ao envolvimento de crianças e adolescentes em acidentes de
trânsito, será feita uma avaliação da extensão do problema com base nas
informações coletadas. A primeira dificuldade em descrever a situação é
relativa à definição das faixas etárias que congregam cada um destes grupos.
Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1993a), é
considerada criança a pessoa até 12 anos de idade incompletos e
adolescentes, aqueles com idade entre 12 e 18 anos.
Entretanto, dados sobre mortalidade em crianças e adolescentes,
compilados pela Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, no ano de
2005, pela Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro e pelo
Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) fornecem estatísticas de
acidentes segundo faixas etárias (de 0 a 24 anos) completamente distintas
daquelas recomendadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente,
dificultando ainda mais a possibilidade de comparações entre os dados.
Apesar de um pouco defasadas, as estatísticas oficiais do Denatran
(BRASIL, 1999a), sintetizadas nas Tabelas 1 e 2 foram compiladas a partir dos
Boletins de Registro de Acidentes de Trânsito (BRAT), preenchidos por
agentes de trânsito no momento do acidente. É interessante ressaltar que,
além dos problemas já mencionados, tais estatísticas ainda apresentam um
percentual significativo de vítimas para o qual a idade é desconhecida.

Os dados sobre vítimas fatais e não fatais em todo o território nacional
no ano de 1997, segundo BRASIL (1999a) encontram-se na Tabela 1, nos
mostrando que, já naquela época, 2,45% das vítimas fatais tinham entre 0 e 4
anos de idade e 7,85% entre 5 e 14 anos, enquanto 2,56% das vítimas não
fatais tinham entre 0 e 4 anos de idade e 8,29% entre 5 e 14 anos. A letalidade
dos acidentados com menos de 15 anos é de 6,58%, comparada com a de
6,91% para os de todas as idades.
Pela tabela 2 pode verificar que a situação das capitais brasileiras é a
seguinte: 2,28% das vítimas fatais tinham entre 0 e 4 anos de idade e 7,74%
entre 5 e 14 anos, enquanto 2,40% das vítimas não fatais tinham entre 0 e 4
anos de idade e 8,13% entre 5 e 14 anos. A letalidade dos acidentados com
menos de 15 anos é de 4,60%, comparada com a de 4,83% para os de todas
as idades.
Quase 70% dos acidentes com vítimas ocorrem nas áreas urbanas,
devido principalmente à alta concentração de atividades e de população:
209.151 acidentes na área urbana e 92.684 acidentes na área rural. Seria
interessante comparar os indicadores de acidentes de trânsito nas áreas
urbana e rural por faixa etária, no entanto só existem informações sobre o
número de acidentes, agregados para todas as idades.
Se considerarmos que os percentuais da Tabela 2 podem dar um
panorama do que acontece na área urbana do Brasil (o número de habitantes
destas capitais varia desde 110.668 para a cidade de Palmas, até 9.927.868
12
para a cidade de São Paulo) pode-se deduzir que a letalidade dos acidentados
nas áreas rurais deve ser maior que nas áreas urbanas, provavelmente pelas
altas velocidades desenvolvidas nas estradas.
Para as pessoas com menos de 15 anos, a letalidade é de 4,60% nas
capitais e 6,58% para todo o Brasil. Os esforços para prevenir os acidentes e
suas conseqüências devem ser os mesmos tanto nas áreas urbanas quanto
nas rurais, no entanto, observando-se as características de cada uma: maior
número de acidentados nas áreas urbanas e maior letalidade dos acidentados
nas áreas rurais.
As mortes violentas de crianças e adolescentes incluem, além dos
acidentes de trânsito, outras causas, como: afogamento, arma de fogo, arma
branca, queimaduras, quedas, choque elétrico, estrangulamento e
enforcamento. Segundo dados fornecidos pelo Instituto Médico Legal de 13
estados brasileiros (MA, GO, CE, AL, RR, PR, MG, MS, ES, RS, AM, PE e SE),
os acidentes de trânsito são a principal causa de mortes violentas de 0 a 14
anos de idade, sendo ultrapassados apenas pelas mortes por arma de fogo,
para a faixa etária compreendida entre 15 e 18 anos (Brasil, 1993b). A Tabela 3
mostra os percentuais relativos aos atropelamentos e a outros tipos de
acidentes de trânsito para as várias faixas etárias.
Os dados mais recentes da área da saúde sobre as mortes de pessoas
de 0 a 19 anos (BRASIL, 2004a) por acidentes de trânsito, para o país como
um todo, são do ano de 2004: 6.797 óbitos, o que corresponde a 30,2% do total
de óbitos por causas externas para este grupo etário. Os acidentes de trânsito
lideram o ranking, seguidos por casos de agressão, com 6.170 registros. Estes
dados ainda não foram desagregados por faixas etárias. Existem pesquisas

mais atualizadas onde há a desagregação por faixa etária, mas apenas para
algumas capitais brasileiras, como para a cidade do Rio de Janeiro (Tabelas 4
e 5).
Se observarmos bem, veremos os dados apresentados pela Secretaria
Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, sobre a quantidade de óbitos de 1996,
referente a uma ampla pesquisa realizada sobre as mortes por causas externas
nesta época (Tabela 4). Os atropelamentos de crianças e adolescentes
representaram 66,2% das causas de morte por acidentes de transporte. As
crianças de 5 a 9 anos morreram mais por atropelamentos (80,9%) que por
outras causas de acidentes de transporte (19,1%).
Naquele ano, morreram 101 pessoas de 15 a 19 anos, quase a metade
(46,1%) de todas as vítimas fatais de 0 a 19 anos. Uma alta proporção desses
acidentes ocorre no trajeto casa-escola. No Brasil, não foi realizada pesquisa
que identificasse o percentual de acidentes no trajeto casa-escola. Na
Inglaterra, este percentual ultrapassa os 25% (GRAYSON, in BRADSHAW,
1995).

Mais recentemente, foi realizada outra pesquisa sobre a morbidade e
mortalidade na Cidade do Rio de Janeiro por DESLANDES (2004), onde foi
analisado quantitativamente o impacto da violência nos serviços de emergência
em dois hospitais municipais do Rio de Janeiro: Hospital Municipal Miguel
Couto e Hospital Municipal Salgado Filho, em maio e em junho de 2003,
respectivamente, durante um mês, 24 horas por dia. Estes hospitais atenderam
diariamente, em média, 15 vítimas da violência do trânsito, de todas as idades.
A maioria dos acidentes deveu-se a atropelamentos. Da Tabela 5, verifica-se
que das vítimas de acidentes de trânsito atendidas naqueles dois hospitais: a)
quase 12% eram crianças e adolescentes, e b) do total de pessoas de 0 a 19
anos, 53% tinham de 15 a 19 anos.
Quase na mesma época também no Rio de Janeiro, em 2003,
PINHEIRO et al. (2004) entrevistaram 739 crianças e adolescentes, de 9 a 17
anos, de quatro escolas da Zona Sul: duas públicas e duas privadas, de modo
a investigar os reflexos da violência urbana. Os alunos, estimulados a definir o
que é a violência, deram depoimentos muito expressivos, como por exemplo:
"Violência é quando a gente não pode andar na rua".
Setenta e dois por cento e 64% dos alunos das escolas públicas e
particulares, respectivamente, sofreram algum tipo de violência. A violência
mais comum contra os entrevistados é o assalto: 56,6% foram assaltados pelo
menos uma vez desde que começaram a estudar. Segundo os autores, "nas
escolas privadas, o sentimento dominante é a desesperança em relação a
conviver com a violência, ao passo que na escola pública há mais
inconformismo em ter sua mobilidade tolhida".
Analisando as informações contidas nas Tabelas 3, 4 e 5, é possível
buscar explicações para a ocorrência destes tipos de acidentes, segundo a
faixa etária. De 0 a 4 anos, presume-se que os acidentes ocorram sobretudo
quando estas crianças estão a bordo de veículos de passeio. No entanto, não é
possível definir sem maiores informações, se os atropelamentos acontecem
quando estão acompanhadas ou sós. Nos eventos deste último tipo (crianças
não acompanhadas por adultos), é possível que as ocorrências se dêem
também durante as brincadeiras nas ruas.

De 5 a 11 anos, elas continuam a se envolver em acidentes a bordo de
veículos, mas a proporção de atropelamentos cresce. Nesta idade, muitos se
utilizam de bicicletas; entretanto, não há informação se este tipo de acidente
está incluído nos atropelamentos ou nos outros tipos de acidentes de trânsito.
Provavelmente, várias viagens são feitas de forma autônoma, mas falta ainda
conhecimento suficiente sobre a convivência com o trânsito, para permitir a
travessia segura das vias. Este grupo começa a ingressar na escola, expondose
ainda mais ao tráfego urbano no trajeto de e para a escola. Uma pesquisa
realizada pelos autores deste artigo, ainda não publicada, em novembro de
1995, em quatro escolas públicas de primeiro grau na região suburbana do
município do Rio de Janeiro, entrevistando 507 alunos e 174 pais, confirma o
risco ao qual as crianças desta faixa etária são submetidas diariamente: 15%
do total de alunos de 6 a 8 anos vão sozinhos à escola.
De 12 a 14 anos e, em seguida, de 15 a 18 anos, cai a proporção de
mortes violentas por envolvimento em acidentes de trânsito, em comparação
com outras causas. É bem provável que esta redução proporcional seja
explicada pelo aumento da mortalidade por outras causas externas. É bom
lembrar que alguns já começam a dirigir veículos, embora não estando
habilitados para tanto.
Pesquisa realizada na cidade de São Paulo, com 60 motoristas do
sexo masculino, revelou que 63,3% deles haviam começado a dirigir
antes de obter a Carteira Nacional de Habilitação. Em alguns casos,
a experiência havia iniciado aos 12 anos de idade (BRAGA, 2002).
É possível que o risco para alguns destes grupos seja maior em função
de algumas características, próprias dos jovens, que passam a contribuir para
seu envolvimento em acidentes. Por um lado, estes não têm a mesma
percepção que os adultos das situações de risco que caracterizam alguns
comportamentos no trânsito.
Os jovens podem estar mais motivados a assumir comportamentos
de risco na medida em que sentem necessidade de autonomia
(contrapondo-se à autoridade dos pais e das normas sociais),
necessidade de novidades e de sensações, bem como necessidade
de auto afirmação, quando o risco caracteriza-se como uma fonte de
prestígio e de competitividade. Existe ainda um fator complicador, o

sexo, uma vez que o risco não tem o mesmo significado para
homens e mulheres (BAJORNET et al., 2001).
É possível que este fato explique, em parte, o envolvimento diferenciado
em acidentes de trânsito e outras mortes violentas, para jovens do sexo
masculino e do sexo feminino.
A avaliação da situação existente permite apontar alguns
encaminhamentos de um trabalho que tente minimizar o risco para crianças e
adolescentes. Em primeiro lugar, é fundamental investir numa reorganização
do trânsito e das áreas urbanas que proporcione uma relação mais harmoniosa
entre a população que está sendo enfocada aqui, principalmente, e o ambiente
de tráfego. Finalmente (e este ponto deve ser prioritário), há necessidade
urgente de investir na educação para o trânsito e na prevenção dos
atropelamentos, medidas que beneficiariam não apenas estas faixas etárias,
mas todos os outros usuários.
A NECESSIDADE DE SE REORGANIZAR O TRÁFEGO E AS
ÁREAS URBANAS
Estudos internacionais comprovam que os programas de redução
dos acidentes de trânsito mais eficazes são aqueles que propõem
ações conjuntas de educação, de engenharia e de esforço legal
(OCDE, 2001).
É visível o caos e a falta de harmonia entre o tráfego urbano - tal como
está estruturado atualmente na grande maioria das cidades brasileiras - e uma
parcela altamente significativa dos usuários - os pedestres -, particularmente,
as crianças e os adolescentes. O planejamento, a operação e a fiscalização do
tráfego devem ser concebidos levando-se em consideração as necessidades e
especificidades de todos os tipos de usuários do sistema de tráfego.
Historicamente, as ações voltadas para o tráfego não têm considerado,
de forma balanceada, as demandas dos diferentes tipos de usuários. As
medidas adotadas têm, sistematicamente, privilegiado o trânsito de veículos
motorizados: o alto número de atropelamentos é um indicador desta situação.
Esta prática obriga os pedestres a se adaptarem ao meio ambiente de tráfego e

às situações criadas, onde freqüentemente estes usuários se encontram em
desvantagem face aos motoristas e passageiros de veículos. As crianças e
adolescentes transitando a pé são ainda mais prejudicados, tendo em vista as
características comportamentais destes grupos, já mencionadas anteriormente.
É fundamental, portanto, reorganizar o tráfego e as áreas urbanas, de
modo a se garantir os direitos do cidadão-pedestre e de se romper com as
práticas que promovem a segregação e o isolamento de comunidades, tão
prejudiciais ao convívio social e à movimentação a pé.
Para tanto, é urgente rever a hierarquização do sistema viário nas zonas
urbanizadas. As vias não possuem as mesmas características físicas,
pertencem a áreas com usos do solo e densidades de ocupação distintas e,
portanto, com movimentação diferenciada de veículos e de pessoas. A
hierarquia estabelecida para os componentes da rede viária deve levar em
conta estas diferenças.
A função das vias é a ligação das partes da área urbana através de rotas
eficientes (no que diz respeito ao escoamento do fluxo de veículos e de
pedestres) e seguras, além de permitir acesso a atividades lindeiras e
possibilitar o estacionamento de veículos e ainda propiciar um ambiente para
lazer e convivência social. Isto só é possível se o fluxo de tráfego em cada via
e o desempenho de cada uma delas forem compatíveis com as funções
esperadas, a partir da hierarquização estabelecida para a rede viária em
questão.
A definição clara das funções e tipos de vias deve promover um
equilíbrio entre a sua capacidade de tráfego, o meio ambiente local,
as velocidades desenvolvidas pelos veículos, as condições de
segurança e de conforto dos usuários (IHT, 2000).
Quando a via não consegue acomodar, em condições de equilíbrio,
demandas e usos conflituosos, é urgente uma restruturação que estabeleça, na
prática, o papel que a via desempenha dentro da rede, para qual de suas
finalidades dever ser dada prioridade e qual a relação existente com outras vias
da mesma área.
Este tipo de intervenção também é uma maneira de utilizar o espaço
viário como uma ferramenta, um mecanismo para viabilizar a existência de
áreas ambientais, fazendo distinção entre vias com função predominante de

escoamento do tráfego e outras que podem abrigar o acesso às edificações, o
deslocamento de pedestres e ciclistas, atividades individuais e comunitárias.
É fundamental ressaltar que deve-se considerar também os ganhos mais
gerais em qualidade de vida, além do aspecto segurança, que medidas como a
hierarquização viária podem trazer. Ao tratar de uma reorganização das áreas
urbanas, dentro de uma perspectiva de minimização do risco para crianças e
adolescentes, deve-se avaliar os impactos ambientais aceitáveis, ao determinar
o tráfego máximo de veículos (de diferentes tipos) que a área em questão pode
suportar.
Para tanto, deve-se estabelecer a capacidade da via ou área para
acomodar veículos em movimento ou estacionários, considerando a
necessidade de se manter padrões ambientais pré-estabelecidos (para ruído,
poluição atmosférica, etc.). Esta capacidade, dita ambiental, pode ser inferior à
capacidade de tráfego da via (HMSO, 2001) e deveria ser vista como um limite
não menos importante que a capacidade de tráfego.
A insegurança no trânsito para crianças e adolescentes está relacionada
também com o urbanismo, ou seja, com a forma como as cidades são
planejadas e construídas. Os administradores não levam em conta as
características e o olhar das crianças e dos adolescentes. A maioria das
cidades, enquanto espaço público, apenas atende às necessidades de lazer
deste público, através da construção de praças. No entanto, eles também
precisam andar nas ruas com segurança.
A percepção que o cidadão tem do meio ambiente de tráfego vai
influenciar seu comportamento no trânsito e seu relacionamento com os outros
usuários (Braga, 1989).
As informações das quais se dispõe indicam uma relação de conflito
entre os diversos usuários do sistema de tráfego que se traduz, em
parte, em acidentes. A imagem de um bom ambiente dá, a quem a
possui, um sentido importante de segurança emocional. Pode
estabelecer uma relação harmoniosa entre si e o mundo exterior
(LYNCH, 2002).
Para mudar a relação (atual) das pessoas, em especial das crianças e
adolescentes, com o tráfego urbano, é de grande importância promover uma
harmonia entre o cidadão e o meio ambiente de tráfego.

COMO SE PREVENIR OS ATROPELAMENTOS
O segundo elenco de medidas recomendadas neste trabalho diz respeito
a tratamentos voltados para a prevenção dos atropelamentos, principal
problema no caso das crianças e dos adolescentes. Algumas medidas são
direcionadas especificamente para este grupo e outras beneficiam todos os
usuários das vias públicas. Na sua maioria, são medidas de engenharia de
tráfego, mas também utilizam, em alguns casos, enfoques de educação,
fiscalização, urbanismo e paisagismo.
SISTEMA DE INFORMAÇÕES
Como determina o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), é competência
do Denatran a gerência das informações sobre acidentes de trânsito. Ele deve
definir um novo modelo de Boletim de Ocorrências de Acidentes de Trânsito
(BOAT), em substituição ao BRAT, que inclua uma série de informações
relevantes para o diagnóstico da situação existente no local do acidente e para
o estudo e o tratamento de áreas e pontos críticos, trechos de vias e
cruzamentos, sem perder de vista os aspectos legais e jurídicos dos acidentes
de trânsito: a identificação do acidente; as condições presentes no momento da
ocorrência e os fatores contribuintes; os dados sobre o tipo de acidente; os
veículos e as pessoas envolvidas; o croqui do acidente; e as descrições
adicionais que porventura se fizerem necessárias.
A partir do BOAT, o Denatran deve implantar um sistema de coleta e
tratamento de informações, definindo assim todos os dados a serem coletados
pelos demais componentes do Sistema Nacional de Trânsito: cadastro viário,
fluxo de veículos, registro de acidentes de trânsito, etc.

Verificação das rotas de circulação de pedestres e dos
principais pontos de travessia

É comum verificar que os órgãos gestores do trânsito das cidades
brasileiras sinalizam os locais para a travessia das vias sem um estudo das
rotas de circulação de pedestres, não atendendo, assim, às necessidades dos
pedestres, que continuam arriscando-se no trânsito.
A metodologia desenvolvida na década de 60 por FRUIN (1970) para
identificar "linhas de desejo" de pedestres e os critérios propostos para o
projeto de implantação de infra-estrutura para pedestres, ainda é aplicável nos
dias de hoje e deve ser utilizada quando se pretende elaborar um programa de
ação para melhorar a segurança de crianças e adolescentes.
REVISÃO DOS SEMÁFOROS
No Brasil, os semáforos padecem de uma completa falta de
padronização, com diversos símbolos para indicar o direito de passagem do
pedestre nas travessias, alguns ininteligíveis e outros conflitantes. A adoção de
uma mesma simbologia nos focos semafóricos dos pedestres vai beneficiar
principalmente as crianças, face às suas limitações naturais de apreender
símbolos e de representação da realidade.
Os tempos destinados aos pedestres nas travessias semaforizadas,
quase sempre, são dimensionados sem levar em conta as características das
crianças e dos adolescentes: seu tempo de percepção e reação, que é maior
do que o de um adulto, e sua velocidade, que é menor do que de uma pessoa
adulta. Assim, nem sempre há tempo suficiente para garantir uma travessia
segura a estes usuários, que precisam correr para conseguir completar a
travessia.
A manutenção inadequada da sinalização de trânsito é mais perigosa do
que a sua falta, pois qualquer sinalização induz o usuário a acreditar em suas
indicações. No Brasil, os semáforos, principalmente os de pedestre, não
recebem uma manutenção adequada. Os órgãos gestores do trânsito, quando
o fazem, priorizam a manutenção dos blocos semafóricos veiculares nas
interseções. Se os pedestres sempre obedecessem às indicações semafóricas,

sem antes verificar seu funcionamento, o número de atropelamentos poderia
ser bem maior do que o atual.
AÇÃO EDUCATIVA JUNTO A TRAVESSIAS DE PEDESTRES
Uma das experiências atuais mais bem sucedidas de aluno-guia ou
patrulha escolar ocorreu no início dos anos 90, na cidade de Joinville, que
realizou um amplo programa de educação, engenharia e segurança no trânsito.
Juntamente com ampla campanha educativa em diversas formas de mídia e
com a sinalização e a implantação de obras de engenharia nas portas das
escolas públicas e particulares, da pré-escola à oitava série do primeiro grau,
alguns de seus alunos foram treinados pela Polícia Militar, para orientar a
travessia das ruas em frente às escolas.
Além de motivar as crianças e os adolescentes sobre a questão da
segurança no trânsito, este programa conseguiu, no primeiro ano de sua
aplicação, uma redução de 59,2% no número de mortes (PISKE, 1991). Esta
experiência deve ser reavaliada para os dias atuais, mas com a condição de
envolver a participação da comunidade e ações de educação, engenharia e
esforço legal, para que tenha amplas possibilidades educativas e de redução
dos atropelamentos de crianças e adolescentes.
Mesmo nos locais onde não se consiga implementar programas de
educação do tipo aluno-guia, os pedestres e, particularmente, as crianças e os
adolescentes, devem ser orientados por agentes de trânsito ou por professores
e pais de alunos, preparados para esta tarefa, sobre como se comportar no
trânsito, utilizando a persuasão e outros métodos mais justos e eficazes para
garantir sua obediência. Algumas cidades como São Paulo, Belo Horizonte e
Niterói já têm utilizado agentes contratados para esta tarefa, sobretudo nas
áreas centrais.
TRATAMENTO DE TRAVESSIAS
A ocupação irracional do espaço urbano e as deficiências da infraestrutura
de transportes geram inúmeros conflitos entre veículos e pedestres
que são acentuados pelo despreparo destes usuários, com nítida desvantagem

para os pedestres. As metodologias utilizadas pelos técnicos brasileiros para
sinalizar os locais de travessia de pedestres são derivadas de condições
diferentes da nossa realidade. Assim, sem fazer os ajustes necessários às
especificidades locais ou, então, usando critérios subjetivos sem fundamentos
técnicos que os justifiquem plenamente, têm sido implantadas travessias
inadequadas e inseguras.
O tratamento correto dos locais de travessia, aliado a campanhas
educativas, pode efetivamente reduzir os atropelamentos. O Manual de
Segurança de Pedestres do Denatran (BRASIL, 1979) dá boas indicações e
orientações sobre alguns tratamentos de travessias de pedestres.
Uma outra fonte de informação, orientação e treinamento para os
técnicos dos órgãos de trânsito foi desenvolvida por FARIA (1994), que
elaborou o Sistema Especialista para o Tratamento de Travessias de Pedestres
segundo uma metodologia que auxilia na decisão sobre a real necessidade e o
tipo mais apropriado de tratamento a ser implantado nas travessias exclusivas
de pedestres.
TRATAMENTO DE PONTOS CRÍTICOS
Tradicionalmente, os atropelamentos têm sido abordados dentro do
tratamento de pontos críticos, locais da área urbana onde se concentra a
ocorrência de acidentes de trânsito. Também podem ser objeto de estudo em
estratégias que enfocam especificamente um determinado tipo de deficiência
(por exemplo, equipamentos em travessias de pedestres) ou determinado tipo
de acidente (atropelamentos, por exemplo).
Todas estas estratégias têm por base informações sobre a concentração
destes acidentes nas áreas urbanas, os horários nos quais eles ocorrem com
menor freqüência, a variação em função dos dias da semana ou dos meses do
ano e ainda que tipo de usuário está mais sujeito ao envolvimento em
atropelamentos.
Os órgãos gerenciadores de trânsito, principalmente os das
administrações municipais que recentemente passaram a atuar no
trânsito, a partir do CTB, podem utilizar o Sistema Especialista para
Diagnose e Tratamento de Interseções Urbanas Críticas que visa a

orientar os usuários no diagnóstico e tratamento de interseções
urbanas identificadas como perigosas, através de medidas corretivas
que minimizem a gravidade e a quantidade dos acidentes de trânsito.
(FARIA & VIEIRA, 1994)
É comum em outros países que os acidentes envolvendo usuários mais
vulneráveis (pedestres e ciclistas) não se concentrem nos chamados pontos
críticos (IHT, 1990). Se este for o caso também do Brasil, a alternativa de se
utilizar outras estratégias trará benefícios para estes usuários, uma vez que os
locais de risco, sobretudo de atropelamento, podem estar mais distribuídos na
rede viária.
De fato, tem crescido em importância, em países como aqueles do
Reino Unido, a estratégia de tratamento por área (substituindo a relevância
dada, no passado, a abordagens voltadas para pontos específicos da rede
viária urbana).
Neste enfoque, uma área que congrega um conjunto de vias de
características semelhantes é tratada como um todo, levando-se em
conta todos os fatores possíveis de afetar a segurança do tráfego e
tendo como base a hierarquização viária para a escolha destes
locais (IHT, 2001).
Nesses casos, situações semelhantes recebem tratamentos idênticos,
mesmo que as estatísticas de acidentes não sejam iguais. Entretanto, a
segurança não é o objetivo único deste tipo de abordagem: sua amplitude visa
a promover um equilíbrio entre o uso do solo local, o meio ambiente, a fluidez
do tráfego e as condições de segurança. Os benefícios advindos são, portanto,
de melhoria da qualidade de vida.
MELHORIA DOS PASSEIOS
A maioria dos passeios públicos nas vias dos centros urbanos apresenta
características que dificultam e tornam insegura a circulação de pedestres:
largura insuficiente, pisos escorregadios e em mau estado de conservação,
desníveis abruptos, ausência de facilidades para deficientes físicos, má
instalação de equipamentos urbanos, presença de elementos decorativos,
vendedores ambulantes, carros estacionados, bancas de jornais
desproporcionais e muitos outros elementos que contribuem para a redução da

capacidade ou para tornarem problemáticos os deslocamentos de pedestres
nas calçadas.
Dessa forma, um projeto de infra-estrutura para pedestres, a melhoria do
nível de serviço e das condições de manutenção e a fiscalização do uso das
calçadas podem contribuir para a redução dos atropelamentos de crianças e
adolescentes.
Existem diversas metodologias para análise de projetos de passeio: ITE
(1982), TRB (1985), ABISHAI (1993)] que podem ser utilizadas. FARIA et al.
(1993) propõem uma sistemática para analisar a circulação de pedestres nos
passeios dos centros comerciais urbanos, que pode ser bastante útil como uma
ferramenta para o poder público e para a comunidade, na discussão sobre a
ocupação do espaço urbano, indicando parâmetros racionais para a
negociação entre os agentes envolvidos na questão.
FISCALIZAÇÃO E CONTROLE
A redução no número de mortos e feridos no trânsito conseguida com o
anúncio da entrada em vigor do CTB demonstrou a forte influência do esforço
legal na segurança de trânsito. Todas as regras de circulação, estacionamento
e parada contidas no CTB devem ser fiscalizadas; no entanto, para reduzir os
atropelamentos de pedestres crianças e adolescentes, algumas merecem ser
fiscalizadas com mais intensidade: estacionamento sobre calçadas, avanço de
sinais, excesso de velocidade e consumo de bebida alcoólica.
ATENDIMENTO AOS ACIDENTADOS
As chances de vida e de redução no grau das seqüelas aumentam com
a presteza e a qualidade destes serviços. Neste sentido, as rodovias brasileiras
deveriam ser dotadas de serviços de atendimento de emergência, oficiais ou
particulares, assim como o Corpo de Bombeiros, deveriam ser mais bem
aparelhados para o atendimento aos acidentados.
EDUCAÇÃO PARA O TRÂNSITO NAS ESCOLAS

Pesquisas e estudos realizados acerca do tema da segurança no
trânsito ressaltam que é fundamental investir em educação, mesmo que seus
resultados sejam de complexa monitoração ou que devam ser esperados, pelo
menos, a médio prazo.
A educação para o trânsito, e especialmente a do público infanto-juvenil,
é um dos instrumentos que podem contribuir para a redução a médio e a longo
prazo dos índices alarmantes de acidentes no trânsito, pois um trânsito
efetivamente seguro só será conseguido quando os cidadãos forem mais
conscientes de sua responsabilidade individual e mais respeitadores dos
direitos dos outros. A sociedade pode conseguir mais facilmente que seus
cidadãos desenvolvam estes valores se, desde cedo, as crianças e os
adolescentes forem educados, para que, quando adultos, tornem-se pedestres
e, principalmente, motoristas mais conscientes.
A ESTRUTURA BRASILEIRA DA EDUCAÇÃO PARA O
TRÂNSITO
Nos últimos anos, alguns setores da sociedade brasileira têm se
esforçado para resgatar a importância de se educar crianças para o trânsito
urbano. Apesar do Conselho Federal de Educação ter estabelecido a portaria
678/91, que determinou a difusão de temas e conteúdos específicos da
educação para o trânsito na grade curricular das escolas para alunos de 7 a 18
anos, poucas cidades (Belo Horizonte, Vitória, Florianópolis, Goiânia,
Campinas, Santos, Campo Grande, São Paulo, Curitiba, Joinville e Canoas)
seguiram esta orientação, que consiste na abordagem da educação para o
trânsito em todas as disciplinas afins.
O Programa Volvo, que foi encerrado sem justificativas em 1996, reunia
especialistas de todo o Brasil e do exterior para discutir e propor medidas para
fomentar a educação para o trânsito. O CTB (BRASIL, 1997), que tem um
capítulo específico sobre educação para o trânsito, torna obrigatório em todo o
território nacional o ensino desta matéria nas escolas particulares e públicas,
em todos os níveis. Estas tentativas são bastante recentes, mas pode-se

estimar que, no Brasil, nem 10% dos alunos das escolas brasileiras têm acesso
às informações sobre educação para o trânsito.
Atualmente, no Brasil, existem dois tipos de abordagens em relação à
educação para o trânsito. Algumas cidades a consideram como uma disciplina
específica, outras adotam o conceito de interdisciplinaridade, ou seja, o tema
da educação para o trânsito não constitui uma nova matéria escolar; ele é
abordado em todas as disciplinas.
A prática brasileira na educação para o trânsito é falha por diversos
motivos:
 Fundamenta-se na experiência estrangeira que, principalmente, ensina
como se "safar dos perigos do trânsito", sem estudos necessários para
sua adaptação à nossa realidade;
 A maioria das escolas aborda o tema trânsito apenas no seu aspecto
cognitivo, não atendendo desta forma, às suas peculiaridades, que
exigem uma sensibilização quanto aos seus aspectos éticos, à
importância da cooperação no trânsito, ao respeito aos direitos dos
outros, etc.;
 Acredita-se que o ensino das regras de trânsito e das conseqüências
legais da sua inobservância sejam suficientes para modelar o
comportamento dos alunos, quando forem futuros motoristas;
 As abordagens pedagógicas utilizadas nesta área são desenvolvidas de
acordo com uma concepção tradicional onde os técnicos/adultos
identificam os conceitos e os aspectos do tema, bem como produzem os
instrumentos necessários para tanto. Alguns manuais de educação para
o trânsito, como o da prefeitura de Joinville (Joinville, 2000), consideram
importante que uma criança da 6a série, com 11 ou 12 anos, classifique
os veículos quanto à espécie e categoria (oficial, particular, diplomático,
etc.) ou que um adolescente da 8a série, com 13 ou 14 anos, saiba quais
as funções dos órgãos normativos e executivos de trânsito;
 Por esta concepção, o ponto de vista, a percepção e a expectativa do
público a atingir não são pesquisadas, nem tampouco levadas em

consideração e o tema é abordado somente de forma cognitiva, o que
nem sempre resulta na adoção de comportamentos adequados no
trânsito ou na mudança de comportamento;
 O ensino da educação para o trânsito também sofre reflexos da situação
da educação em geral, onde muitas crianças ainda não têm acesso à
escola: baixa remuneração falta de incentivo e de reciclagem dos
professores; ausência de material e instalações satisfatórias.
O currículo interdisciplinar nacional para a educação para o trânsito, a
ser elaborado pelo CONTRAN e pelo MEC, deverá consolidar esta falha prática
brasileira, com suas metodologias pedagógicas e conteúdos.
As possibilidades de insucesso do ensino de educação para o trânsito,
como está proposto no CTB, são grandes, pelos motivos expostos
anteriormente e também porque o ensino tradicional adotado na maioria das
escolas brasileiras fragmenta os conteúdos em disciplinas e em
especialidades, enquanto a proposta do MEC e do DENATRAN não é
fragmentada. Nesta proposta, não existe a figura de um professor que faça a
"costura" dos conteúdos dispersos pela grade curricular.
EDUCAÇÃO PARA O TRÂNSITO: UMA PROPOSTA VIÁVEL
Entre 1996 e 1998, os autores entrevistaram mais de 40 especialistas
em todo o Brasil (FARIA & BRAGA, 1999), que definiram quais deveriam ser os
principais objetivos da educação para o trânsito e quais as condições
necessárias para o sucesso de programas de educação para o trânsito. Entre
outras, pode-se citar:
 Atuação do poder público, em todos os níveis, reduzindo os conflitos na
disputa pelo espaço viário e reduzindo o tempo de exposição ao risco,
garantindo sua continuidade de uma administração para outra;
 Coordenação adequada das ações privadas ou oficiais;

 Melhoria das condições da infra-estrutura viária e da operação do
tráfego, principalmente junto às escolas;
 Participação intensa da iniciativa privada e da comunidade;
 Planejamento levando em conta o nível de conhecimento do público alvo
e monitoração durante e após sua execução.
Não é possível mudar comportamentos no trânsito abordando o tema
como tem sido feito no Brasil. O tema precisa ser inserido num contexto mais
amplo, onde a criança e o adolescente possam refletir sobre os aspectos éticos
do comportamento no trânsito, para assim entender os motivos das regras de
trânsito (a segurança para todas as pessoas) e adotar comportamentos
humanos no trânsito.
O tema trânsito pode ser abordado no ensino de ética, que está proposto
no documento "Parâmetros Curriculares Nacionais" do Ministério da Educação
e do Desporto (BRASIL, 1998b) como um tema transversal. Assim, o professor
de ética, se treinado para isso, poderá assumir o papel de fazer a ligação entre
os diferentes conteúdos transmitidos nas diversas disciplinas que farão parte
do currículo interdisciplinar sugerido pelo CTB.
Em síntese, um programa de educação para o trânsito, que transforme o
estudante em um agente ativo no processo ensino/aprendizagem e que
contribua para a adoção de comportamentos humanos no trânsito e para a
mudança de comportamentos de risco, deverá ter como meta contribuir para o
processo de formação de cidadãos conscientes de sua responsabilidade
individual e respeitadores dos direitos dos outros.
Deve também desenvolver o tema de uma maneira abrangente nos seus
diferentes aspectos (histórico, social, local, legal, comunitário, etc.), de forma a
favorecer a compreensão do aluno de sua realidade local e da relação desta
com o conjunto da sociedade. Só assim, um programa educativo tem
condições de promover de modo mais efetivo a adoção de comportamentos
adequados e a mudança de comportamento de risco dos usuários dos
sistemas de transporte.

CONCLUSÃO
A estimulação constante do modelo econômico capitalista, egoísta e de
consumo exagerado, tornou acabou por afastar o homem, neste processo de
desenvolvimento e de acúmulo de bens, da cidadania, alterando a raiz de seus
valores e conhecimentos, de tal forma que o respeito ao indivíduo não tivesse
mais espaço em suas atitudes, diminuindo consideravelmente o valor da vida
humana. Diante disso, os acidentes de trânsito são um reflexo desta crise de
valores que passamos, se transformando num dos mais graves problemas que
a população brasileira enfrenta nos seus deslocamentos, principalmente para
as crianças e adolescentes.
Qualquer programa de redução de acidentes deveria seguir três etapas
fundamentais: a) conhecimento do problema, através de dados e informações -
incluindo uma reflexão sobre os aspectos relacionados com a estrutura política
e social; b) definição dos objetivos prioritários a alcançar; e c) escolha das
medidas mais apropriadas para tratar do problema - que não se restrinjam à
abordagem da engenharia de tráfego, mas também da fiscalização e da
educação para o trânsito e do urbanismo.

Neste trabalho , procurou-se analisar a segurança de
crianças e adolescentes, com base nas informações limitadas que se dispõe e
na experiência com relação à prevenção dos tipos de acidentes no qual este
grupo de usuários está mais sujeito.
A avaliação da situação existente me permite apontar dois
encaminhamentos de um trabalho que possa minimizar o risco para crianças e
adolescentes: a) é necessário e urgente investir numa reorganização do
trânsito e das áreas urbanas, na prevenção dos atropelamentos e na educação
para o trânsito; b) é fundamental reorganizar o tráfego e as áreas urbanas, de
modo a garantir os direitos do cidadão-pedestre (segurança e qualidade de
vida), através da hierarquização do sistema viário, efetivada principalmente por
intervenções físicas. A reorganização das áreas urbanas deve levar em conta
as características e o olhar das crianças e dos adolescentes. Eles não desejam
apenas locais para lazer, mas também precisam andar nas ruas com
segurança.
Como os atropelamentos são os principais problemas para crianças e
adolescentes, são necessárias medidas voltadas para a sua prevenção, tais
como: implantação de um sistema de informações sobre acidentes de trânsito;
verificação das rotas de circulação de pedestres e dos principais pontos de
travessia; revisão dos semáforos; tratamento e ação educativa junto às
travessias de pedestres; tratamento de pontos críticos; melhoria dos passeios;
ampliação e melhoria da fiscalização de trânsito e do atendimento aos
acidentados.
A educação para o trânsito - e especialmente a do público infanto-juvenil
- é também um instrumento que pode contribuir consideravelmente para a
redução dos acidentes de trânsito a médio e a longo prazo, através da
mudança de comportamentos de risco e do desenvolvimento de
comportamentos adequados, da consciência da responsabilidade individual e
do respeito aos direitos dos outros.
A sociedade pode conseguir mais facilmente que seus cidadãos
desenvolvam estes valores se, desde cedo, as crianças e os adolescentes

forem educados, para, quando adultos, tornem-se pedestres e, principalmente,
motoristas mais conscientes.
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8.0 ANEXOS
Apresentação e veto da comissão de educação e cultura sobre o projeto
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o Deputado Murilo Zauith
COMISSÃO DE EDUCAÇÃO E CULTURA
PROJETO DE LEI Nº. 215, DE 2003.
Autoriza o Poder Executivo a incluir o ensinamento do Código Nacional
de Trânsito na grade curricular das escolas públicas e privadas, do maternal,
ensino fundamental, ensino médio e curso normal, em todo território nacional e
dá outras providências.