Essa história deveria começar com "Era uma vez". Mas não é um conto de fadas. Tampouco chega perto de fábulas ou contos do imaginário popular. É apenas mais uma história real. Deve estar mais para uma história cheia de hormônios.

Primeiramente, gostaria de deixar claro que acredito em destino realmente. Destino, acaso, sorte, mão divina. Como quer que você chame o destino, eu acredito. E, à medida do desenrolar da história que conto, creio que farei você também acreditar.

Chegar à escola era um verdadeiro martírio. Embora ela ficasse do outro lado da rua. A sensação só cessava quando eu a via se aproximar. Sempre com o casaco roxo, óculos de armação vermelha e mochila preta nas costas. Podia não ser a mais bonita, a mais cobiçada, a mais popular. E talvez a gente não tivesse quase nada em comum. Mesmo assim, era por ela que minha respiração encurtava, minhas células se agitavam e minhas mãos suavam. Eu, com certeza, não era o mais popular da escola. Provavelmente essa fosse à única coisa que nós tínhamos em comum. Ela até andava com um "pessoalzinho descolado". E vai ver que era por isso que eu nunca tivesse coragem para falar com ela.

Na escola, eu não tinha muitos amigos. Os poucos que eu tinha ainda assim não eram muito leais. Mas eu não ligava muito. Sabia que não podia contar com ninguém. Pior seria se pensasse que existia alguém com quem pudesse contar e, na hora que eu realmente precisasse, eu não ia ter ninguém. Apesar disso, eles eram minha ligação com ela, pois a conheciam há um bom tempo. E pelo jeito que eles falavam dela, a garota parecia ser tão diferente das pessoas com quem andava, que com tanta falação, eu acabei criando uma amor quase que com o dos romancistas do século XIX: "A mulher, virgem e intocável. Inalcançável".

Eu também era perseguido pelos ditos "garotos legais" da escola. Todos me zoavam pelo jeito que eu me vestia, pelo jeito que eu era, meio calado, meio, até diria, estranho. Mas eu nunca achei ruim ser vítima de piadinhas sem graça. Afinal, era melhor ser mal vestido e ter um cérebro do que andar com o tênis e a bermuda do momento e só saber falar "creme de banana". Entre tantas ofensas e covardia eu ia levando aquela vidinha mais ou menos de "escola-casa-televisão".

Em casa também as coisas não andavam muito boas. Brigas incessantes com meu pai faziam meu dia ficar cada vez mais carregado. Então, para não ficar em casa e sentir aquele clima horrível, só voltava para dormir. A coragem que eu não tinha para falar com aquela garota era a mesma que me sobrava para desafiar meu pai. Não obstante, comecei a tratar todo mundo muito mal. Sem sentido. Todos falaram que isso era paixão. Outros diziam que era estresse de adolescente. E até alguns rumores de que eu fosse gay e estivesse com medo de contar a "verdade" aos meus pais.

Mal sabiam eles o que realmente se passava: um acúmulo de pressões e depressões, ações e sensações que me corroíam e me corriam pela cabeça, fazendo da vida um grande sacrifício para viver.

Você deve estar se perguntando: Será essa mais uma lição de vida. Uma pessoa resolve ter uma mudança de súbita de hábitos? A resposta é sim. Mas não de um jeito muito convencional.

Eu não queria ver o que estava acontecendo. A cada dia que se passava trancava-me mais e mais para o mundo, não me importando com alguém ou algo que achasse realmente necessário. Eu sempre me iludi que fosse melhorar quando acordasse, mas nunca esperei que esse dia fosse chegar. Chegou.

Revoluções não acontecem do dia para a noite. E não acontecem mesmo. Minha revolução pessoal precisou de dois dias para acontecer. Com tanta pressão na minha cabeça por nunca fazer o que eu queria, agir do jeito que eu queria, com medo do que outras pessoas pensariam sobre mim, depois de martelar a madrugada toda, pensar um jeito de mudar minha vida, vi que o único que podia mudar minha própria vida era eu mesmo. Resolvi acordar de bom humor como há muito tempo não acontecia. Melhor. Nunca acontecia.

Nesse dia, resolvi também usar roupas leves e confortáveis – em vez das roupas escuras e pesadas de sempre- que eu tinha guardadas há muito tempo. Nunca as usava. Minha mãe estranhou um comportamento que não era do meu feitio. Dei um beijo nela e falei que a amava. Nunca havia dito isso.

Em uma vida normal de adolescente, todos os dias parecem ser confusos e proveitosos. Ou o contrário: claramente tediosos. Como se eu pudesse saber, não era apenas mais um dia de aula como qualquer outro.

Fui à escola com o maior sorriso do mundo e, embora não houvesse motivos aparentes para sorrir, eu só sorria. Resolvi também mudar o jeito de andar: desencurvei a coluna, estufei o peito, levantei a cabeça e senti o vento batendo diretamente no rosto. Descobri que essa era uma ótima sensação! Meu celular tocou. Atendi com a voz calma. Não conhecia o número. Logo depois que disso "alô", desligaram.

O sorriso continuava estampado no rosto e aquela ótima sensação me abatendo. As pessoas, que sempre me olhavam com desprezo, passaram até a estranhar um comportamento assim, vindo de mim principalmente. "Quer saber? Cansei de ser o mesmo", pensava comigo mesmo. Parecia que tinha deixado de ver a minha vida de camarote e passei a ser o astro principal, como sempre deveria ter sido. As melhorias não paravam por aí. O simples fato de me corrigir na postura já me fazia um bem tremendo. Entrei na escola com a mesma postura.

- Olha ai o Zé Mane, tomou injeção de ânimo.  - disse o mais sem-cérebro de todos os que me perseguiam. Então foi só uma fagulha para começar o incêndio. Não dei moral, mas insultos mais pesados começaram. Como a mudança era total, resolvi não ignorar mais.

- O que você está falando aí seu idiota? – a adrenalina me deu coragem.

- Vai fazer o quê? – perguntou-me num tom de desdém. Foi apenas o tempo dele dizer essas palavras para eu ver que o sangue dele já corria no meu punho fechado. Tudo bem. Depois disso, todos os amigos dele queriam partir pra cima de mim. Eu me sentia tão poderoso que pensei em enfrentar todos ali mesmo. Felizmente, o diretor da escola passava por lá e apartou a briga. Levou todos à direção.

Chegando à sala do diretor, à exceção de mim, todos na sala falavam. Quando se calaram, o diretor tomou a palavra, dirigindo-se a mim:

- O que aconteceu? – perguntou.

- Eu bati nesse idiota. – respondi com força na voz.

O sem cérebro segurava uma bolsa de gelo ao nariz, que ainda sangrava, dizendo, com dificuldade, que eu bati sem motivos. Não o desmenti. Já não estava me importando com nada. Fui suspenso por um dia enquanto eles não sofreram nenhuma punição. O diretor me deixou ficar na escola durante aquele dia. Eu ia aproveitar para fazer tudo o que a mudança de hábito sugere.

A notícia da briga já havia se espalhado pela escola inteira. Até minha mãe já ficara sabendo. Meu celular tocou. Atendi com a voz calma, pois não conhecia o número. Quer dizer, era o mesmo número que havia me chamado, dado um "alô" e desligado.

Como não podia assistir aula, fiquei no pátio, aguardando dar a hora de ir embora. Meus colegas chegaram. Todos falavam alto sobre a briga. Com eles, chegou a garota do casaco roxo. Enquanto todos falavam, eu e ela nos olhávamos calados. Quando todos se calaram, ela disse uma coisa que nunca esperaria ouvir de alguém como ela:

- Já era hora de alguém dar uma lição nesse babaca… – todos se assustaram.

Precisei de um tempo para digerir toda aquela situação. Estava nervoso por dentro. Por fora, mantia-me inabalável. Ainda ouvindo da garota por quem tinha certa afeição que eu estava certo. Aquilo me deu mais gás ainda para continuar uma revolução em mim.

Todos saíram ao toque do sinal. Ficaram apenas eu e ela. Olhei meio com vergonha, mas não deixei de mira-la nos olhos.

-É, eu vou pra aula. – disse.

- Fica – falei com a maior convicção – sua aula nem é tão importante.

Ela se sentou ao meu lado, como se estivesse esperando apenas um convite. Começamos a conversar. No começo, meio sem jeito um com o outro. Mas o papo fluiu bem. Cada vez que ela falava meu nome, um friozinho na barriga me acometia. Ela não sabia do meu suposto interesse. E, então, finalmente nos despedimos.

Saí da escola debaixo de vaias e aplausos que só minha cabeça escutava. Andei mais depressa do que o costume de sempre. Cheguei em casa, minha mãe já me aguardava na porta.

- Você está bem?

- Mãe, nunca me senti melhor! – e o sorriso estampado.

Era a mais pura verdade. Respirei fundo. Entrei na sala e vi meu pai sentado. Ele já se preparava para um sermão.

- Resolver as coisas na pancada não é atitude de homem. Mas eu sei que se eles apanharam, mereceram.

Meu pai nunca havia me elogiado antes. Não sei por que não achei estranho, mas me senti tão feliz. E continuou:

- Você não deve deixar jamais ser pisado por alguém. Mas não deve pisar em ninguém, me entendeu?

Acenei com a cabeça e um leve sorriso no rosto. E saí.

Lembra que eu falei de acreditar em destino? Pois é. Ele começou, ou melhor, eu comecei a perceber sua presença naquele dia. Um simples acordar de bom humor e dizer um "eu te amo" a quem realmente se ama faz toda a diferença num dia! Mesmo com a ficha suja na escola, e com algumas pessoas querendo me bater, eu me sentia muito leve e sem pressão nenhuma.

Depois do almoço, saí de casa e comecei andar e reparar coisas que nunca tinha notado na minha rua. Olhei para os lugares de ângulos pelos quais nunca tinha olhado. Ao fazer isso, vi que tudo era diferente. Novo. Estranha sensação.

O jantar foi o mais legal do dia. Sentados à mesa, meu pai foi tão engraçado quanto nunca tinha sido. Minha mãe fez um delicioso jantar. Depois, assistimos televisão juntos, um filme que minha mãe adorava. Esperei todos dormirem, e fui me deitar com a impressão de que estava fazendo todos ao meu redor mais felizes. Pela primeira vez em anos, deitei e, apenas, dormi.

No outro dia fui à escola antes de todos acordarem em casa. Algo me dizia pra deixar um bilhete destinado à minha mãe. Escrevi e saí.

Chegando à escola, fui recebido pelo doce som da voz dela. Mais uma vez, aquilo me deu frio na barriga. Ela falou meu nome. Respondi singelamente: "Oi". Entramos juntos na escola. Pessoalmente, não achava que podia acontecer alguma coisa entre nós.

Porém, ela veio comigo até a porta da sala conversando ainda sobre a briga. Na hora de nos despedir-mos, com beijinhos no rosto, o dela e o meu foram para a mesma direção. Levemente nossas bocas se encontraram. Rapidamente, nos distanciamos um do outro. Eu com um pouco de vergonha mas ainda ligeiramente feliz. Não consegui ver a reação dela.

O intervalo foi muito bacana. Não pelo fato de um monte de gente que eu nem conhecia ter vindo falar comigo. Mas pelo simples fato de ter conseguido fazer o que queria. Com musica, eu dancei, falei alto. Falei palavrão, ri muito. Vi que meus amigos que eu não achava tão leais eram, no mínimo legais.

Ela ficou rindo comigo durante o intervalo. Não sabia da minha veia cômica. Mais uma vez, todos nos deixaram e ficamos sozinhos. De novo. E em meio ao falatório e tantas risadas, subitamente, eu a beijei. E ela… ela se deixou beijar. Pareceu-me que durou uma hora. Foram os três minutos mais longos da minha vida!

Ela se despediu e disse que não queria me ver naquele dia. Eu não entendi, mas não perguntei o porquê. Ela virou-se. Eu consegui perceber um soluço: "Será que disse algo errado?", matutei. Bom, segui meu cominho também.

O último sinal tocou e o alvoroço da saída começa. Eu vi que, lá longe, ela já se ia, enquanto eu ficava esperando algo. Como se tivesse esquecido algo. Coisa estranha. Abro a mochila, reviro e reviro. Acho um papel: um número de telefone muito familiar. Pego o celular. É o mesmo número que estava no papel. Aliás, era o número que havia me ligado e logo depois desligado. Olho o verso e, para meu espanto, era o número dela.

Enquanto olhava admirado e incrédulo para aquele papel, uma gritaria e certo tumulto aconteciam a uns cinco metros de mim. Vi cinco pessoas correndo em minha direção com um brilho negro na mão. Apaguei.

Gente à minha volta, choro, desespero. Tudo escuro.

- Salva meu filho! – era a voz da minha mãe.

- Oxigênio! Oxigênio! – voz de urgência. Tudo escuro.

- Me deixa dormir! – respondia fora de mim, quase que em delírio. – Tudo escuro novamente. Prá sempre.

Mãe, não me espere pro jantar hoje.

Adorei ontem à noite. Sua comida

estava ótima. Fala pro meu pai que

eu quero conversar com ele. Queria

nunca mais brigar com ele. Sabe,

utimamente tenho visto você meio

triste, acho que é por causa das nossas

brigas. Já sei. Vamos assistir um filme hoje,

como ontem a noite?

Te amo muito mãe.

P.S.: Não vou tomar café, deu vontade de

chegar cedo na escola hoje, tem uma pessoa

que eu quero muito ver…

Depois eu explico tudo direitinho.

Beijos, do seu filho.