REVISÃO CONSTITUCIONAL: LIMITES E POSSIBILIDADES

 

Dayanne Estrêla[1]

Gabriel Cruz[2]

 

 

1. DESCRIÇÃO DO CASO

 O Deputado Federal Luis Carlos Santos, apresentou em meados do ano de 2003 uma Proposta de Emenda Constitucional, PEC 157/2003, a qual prevê a criação de uma Assembleia de Revisão Constitucional, formada por membros do Congresso Nacional. Segundo a PEC a revisão seria consubstanciada em apenas um ato, de modo que as emendas seriam promulgadas após a aprovação de seus textos em dois turnos de discussão e votação, tendo-se considerada aprovada pela maioria dos membros da referida Assembleia.

Aduz o Deputado que o texto Constitucional de 1988 está contrastando com o cenário político, apresentando, por isso, dificuldades técnicas e políticas, eis que seu “caráter excessivamente analítico produz evidentes inconvenientes, sobretudo nos Capítulos e Seções formulados com a finalidade de impor diretrizes programáticas à promoção do bem-estar social”. Tal característica induz que a Constituição Federal seja modificada a cada governo que se elege, porquanto a CF/88 apresenta obstáculos, embaraços e impedimentos de toda ordem, se apresentando, assim, num instrumento de ingovernabilidade, de forma que a revisão total da Constituição seria um verdadeiro instrumento de reforma política de que o país necessita.

Por fim conclui: “Nesse sentido, a presente proposta tem por objetivo instituir regime especial de reforma da Constituição, ofertando ao país nova oportunidade de proceder tão necessária profilaxia constitucional. Mediante a convocação de uma Assembléia de Revisão Constitucional, busca-se corrigir rumos, adequar instituições, eliminar artificialidades e pormenores, revitalizando o primado do Estado de Direito e a governabilidade do país.”

Em observância com o ordenamento constitucional implementado a partir promulgação da Constituição de 1988, tal proposta seria constitucional?

2. ANÁLISE DO CASO

A discussão da matéria que tramita no Congresso Nacional remete a um problema da seara do Direito Constitucional, englobando temas como Poder Constituinte Originário e Derivado, rigidez constitucional e inconstitucionalidade. Assim, busca-se saber se a convocação de uma Assembléia de Revisão Constitucional caracteriza-se como procedimento constitucional ou não.

De inicio, cabe conceituar e estabelecer os tipos de poderes constituintes, originário e derivado. De acordo com Gilmar Mendes[3] Poder Constituinte originário é a força política e consciente de si que resolve disciplinar os fundamentos do modo de convivência na comunidade política. Aponta-se três características desse poder: ele é inicial, porque esta na origem do ordenamento jurídico; é ilimitado, pois não se inclui em nenhuma ordem jurídica, o direito anterior  não o alcança e nem limita sua atividade; e,por fim, incondicionado, não podendo ser regido nas suas formas pelo direito preexistente.

O Poder Constituinte Derivado ou Poder de Emenda é o legítimo responsável pelas alterações feitas em face do texto constitucional elaborado pelo Poder Constituinte Originário. Hoje, a competência para realizar tais reformas constitucionais foi conferida, pela própria constituição, ao Congresso Nacional. Conclui-se, desta maneira, que o único procedimento formal de reforma constitucional ora admitido é a Emenda à Constituição. O Congresso Nacional é, então, compreendido como poder constituinte derivado, ou melhor, um poder instituído com competência constituinte derivada[4]. Diferentemente do poder constituinte originário, como dito alhures que é ilimitado, ele deve seguir o regramento Constitucional e suas formalidades.

Sendo assim, a Constituição de 1988 prevê duas maneiras de reforma: a Emenda Constitucional, prevista em seu art. 60, e a Revisão Constitucional, que se encontra no art. 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. A última, como previsto, realizou-se após cinco anos da promulgação da Constituição, em sessão unicameral do Congresso Nacional, decida pela maioria absoluta dos membros. Como norma constitucional transitória, e já tendo sido realizada tal revisão, sua eficácia encontra-se esgotada, ou seja, não mais é possível realizar nova revisão constitucional. Assim, “qualquer mudança formal na Constituição só deve ser feita legitimamente com base no seu art. 60, ou seja, pelo procedimento das emendas com os limites dali decorrentes”.[5]

Adentra-se ao tema de rigidez constitucional, peculiaridade da nossa Carta Maior.  Rígidas são as constituições que somente são alteráveis por meio de procedimentos especiais, mais complexos e difíceis do que aqueles próprios à atividade comum do poder legislativo.[6]

As constituições rígidas como a nossa, marcam a distinção entre poder constituinte originário e os constituídos, inclusive o de reforma; reforçam a supremacia da Constituição, na medida em que repelem que o legislador ordinário disponha em sentindo contrario do texto constitucional; e levam, afinal, à instituição de mecanismos de controle de constitucionalidade de leis, como garantia real da superlegalidade das normas constitucionais[7].

Em um sistema rígido as alterações do texto não podem ser feitas em qualquer sentido. Assim, surgem as limitações impostas ao legislador derivado. Uma primeira classificação, indicada por Silva, distingue limites temporais, circunstanciais e materiais. Temporal é, por exemplo, o aplicado para o caso da revisão constitucional prevista na Carta de 1988. Esta aconteceria cinco anos após a promulgação pela Assembléia Constituinte e se esgotaria. O limite encontra-se encerrado no tempo. Circunstancial, no caso brasileiro, é o que se refere à impossibilidade de reforma na vigência de intervenção federal, estado de defesa ou estado de sítio. Material, refere-se às cláusulas pétreas que não podem ser suprimidas por Emenda Constitucional, conforme prevê o art. 60 § 4º da Constituição Federal.

 José Afonso da Silva[8], seguindo os ensinamentos de Nelson de Souza Sampaio, acrescenta outros limites que devem ser observados:

- As concernentes ao titular do poder constituinte, pois uma reforma constitucional não pode mudar o titular do poder que cria o próprio poder reformador;

- As referentes ao titular do poder reformador, pois seria despautério que o legislador ordinário estabelecesse novo titular de um poder derivado só da vontade do constituinte originário;

- As relativas ao processo da própria emenda, distinguindo-se quanto à natureza da reforma, para admiti-la quando se tratar de tornar mais difícil seu processo, não a aceitando quando vise a atenua-lo.

 

Da Conclusão

Ante o exposto, entende-se a PEC apresenta vícios materiais que vão de encontro com os preceitos posto na Constituição Federal de 88. Se aprovada, é cabível a interposição de uma ação de inconstitucionalidade. Pois, segundo Barroso[9], “inconstitucionalidade material expressa uma incompatibilidade de conteúdo, substantiva, entre a lei ou ato normativo e a Constituição”. O reconhecimento de inconstitucionalidade da emenda produz a consequência jurídica de invalidar a norma, cuja tendência é ter sua eficácia paralisada.

Primeiro porque, conforme visto, a revisão constitucional prevista pelo Poder Constituinte Originário, que possui eficácia exaurida, já foi realizada em 1993, assim, pode ser criada uma nova Assembleia Constituinte Revisional.

Ademais, a PEC cria na ordem constitucional um novo quorum para a sua aprovação, que será o de maioria absoluta em cada Casa Legislativa, com votações separadas, que deverá passar por dois turnos de discussão e de votação, sendo que a discussão das propostas será realizada em sessão unicameral. Ora, o art. 60 dispõe que a Carta só poderá ser emendada mediante proposta de um terço, no mínimo, dos membros do Senado Federal, ou mediante proposta do Presidente da República ou de mais da metade das Assembléias Legislativas, com a maioria relativa de seus membros. Somente após é que a proposta é discutida e votada, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, e só será aprovada se, em ambos os turnos, obtiver o voto favorável de três quintos de seus membros.

Em suma, realizada a revisão constitucional prevista no ADCT esta teve sua eficácia esgotada, sendo cabível doravante apenas o procedimento da Emenda Constitucional como forma de revisão da Carta Magna. O Congresso Nacional, como poder constituinte derivado, submete-se aos preceitos estabelecidos pelo legislador originário, deste modo, a tentativa de impor uma alteração em contrário significa usurpação de poderes e, consequentemente, uma ruptura institucional. A utilização de um referendo popular não validaria tal ato, posto que o povo representaria o poder constituinte  originário e este não poderia ser chamando a se manifestar apenas para convalidar um ato, mas sim, para instituí-lo.

REFERENCIA

 

BARROSO, Luis Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2011.

J.H, Meirelles Texeira. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Florence Universitaria, 1991.

MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2009.



[1] Aluna do 8º período noturno do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB, turma 2009.1. E-mail: [email protected].

[2] Professor orientador

[3] MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009. p.232

[4] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2009. p

[5] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2009. p 50

[6] MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 247

[7] J.H, Meirelles Texeira. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Florence Universitaria, 1991.

[8] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2009. P 51

[9] BARROSO, Luis Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 51