Retrocesso e Inconstitucionalidade na Lei n. 12.016/09

(Lei do Mandado de Segurança)

 

 

JOSÉ OLAVO PONTE FILHO[1]

Francisco Leonardo Ponte[2]

Prof. Flávio Maria Leite Pinheiro[3]

RESUMO

Este artigo trata do mandado de segurança, mas se detém especificamente ao mandado de segurança coletivo, do qual expõe conceito, origem, fundamentação legal, objeto e legitimados. Posteriormente analisa a Lei nº. 12.016/09, sobretudo, disposição do art. 21, sobre objeto e legitimados para interpô-lo. Tal análise, baseada nas lições doutrinárias e em entendimentos jurisprudenciais, permitiu constatar que a lei, em vez de efetivar os direitos fundamentais, permitindo mais acesso à justiça e aumentando o número de legitimados para proteção dos direitos coletivos, retrocede, caminhando na contramão dos direitos humanos e incorrendo, em inconstitucionalidade, pois restringe direito já garantido pela Carta Constitucional.

Palavras-chave: Mandado de segurança coletivo, direitos fundamentais, retrocesso, inconstitucionalidade.

ABSTRACT

This paper deals with the safety warrant, but specifically holds the collective writ of mandamus, which exposes concept, origin, legal basis, object and legitimized. Later analyzes the Law nº. 12,016 /09, especially provision of the article 21 on the standing to file it. This analysis, based on doctrinal and jurisprudential lessons understandings, it was established that the law instead of effecting fundamental rights, allowing more access to justice and increasing the number of standing to protection of collective rights, kicks, walking in the opposite direction of rights human and incurring in unconstitutional, because it restricts the right already guaranteed by the Constitutional Charter .
 
Keywords: Collective Writ of Mandamus, fundamental rights, regress, unconstitutionality.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo se propõe a tratar do mandado de segurança coletivo, abordando os aspectos constitucionais, legais e jurisprudenciais do instituto no que concerne à legitimidade para o seu ajuizamento, bem como os direitos que podem ser objeto de mandado de segurança coletivo.

Para isso, impende fazer uma breve recapitulação histórica e conceitual do mandado de segurança individual com exposição de seu conceito, objeto, legitimação dentre outros, a fim de melhor preparar o tema, ao qual se visa abordar, haja vista este preceder àquele.

A discussão proposta, em seguida, se torna oportuna na medida em que se tem publicada lei infraconstitucional para regulamentar o mandado de segurança coletivo, porém mitiga o número de legitimados para impetrar tal garantia constitucional quando se tem direito líquido e certo ameaçado ou que já tenha sido lesionado.

Se tudo que vier a contrariar a Carta Constituinte deve ser de pronto expurgado do ordenamento jurídico nacional, valerá a pena analisar se na Lei 12.016/09 há indícios de inconstitucionalidade para que não sobreviva mais uma anomalia que venha a denegar direitos.

2. MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL

Segundo o que pode apreender da leitura de Dantas (2004. v. 2 p. 325), tem-se que mandado de segurança é uma invenção brasileira inserida em nosso ordenamento pela Constituição de 1934, sendo relegado apenas pela Constituição de 1937, mas restabelecido na Constituição de 1946 e mantida na de 1967, na de 1968 e na atual. Tendo suas regras fundamentais regulamentadas pela lei n. 1.553/51 e em outros dispositivos, estando, atualmente regulamentado pela Lei n. 12.016/09.

Na Constituição Federal vigente está reconhecido o mandado de segurança em seu art. 5º, LXIX, in verbis:

“Art. 5º inc. LXIX: conceder‑se‑á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;”

Pelo que se infere na lição de PACHECO (2002. p. 124-148 apud LENZA, 2010. p.810), o mandamus [4], como é conhecido, pressupõe ato de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício do Poder Público que venha a lesar direito líquido e certo, que não gozem da proteção do habeas corpus e do habeas data. O que, nas palavras de Alencar e Távora (2012, p. 1.211), faria do writ of mandamus uma ação subsidiária, isto é, toda vez que não se couber habeas corpus ou de habeas data, não caberá mandado de segurança.

Nesta mesma senda, para Ary Florêncio Guimarães, citado por MORAIS (2008, p. 151),

“O mandado de segurança é conferido aos indivíduos para que eles se defendam de atos ilegais ou praticados com abuso de poder, constituindo-se verdadeiro instrumento de liberdade civil e liberdade política.”

Mas além, vai Hely Lopes Meirelles, também citado por mesmo doutrinador, assegurando que mandado de segurança

... é meio constitucional posto à disposição de toda pessoa física ou jurídica, órgão com capacidade processual, ou universalidade reconhecida por lei, para proteção de direito individual ou coletivo, líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, lesado ou ameaçado de lesão, por ato de autoridade, seja de categoria for e sejam quais forem as funções que exerçam. (MORAIS, 2008, p. 151).

Como se pode concluir, trata-se de uma ação constitucional, de natureza civil, cujo objeto é proteger direito líquido e certo prejudicado ou ameaçado de lesão por ato ou omissão de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.

A despeito de natureza civil, para Ada Pellegrine Grinover (apud Morais, 2008, p. 152), não impede o ajuizamento em matéria criminal, inclusive contra ato de juiz criminal, praticado no processo penal.

Noutras palavras, como todo remédio constitucional, o mandado de segurança é uma garantia para que o direito não venha a ser o que Fredie Diddier chama de flatus vocis, ou seja, boca sem dente. O que significa dizer que, ter um direito sem ter uma ação adequada para defendê-lo é não poder exercê-lo, o que fere de morte a promessa constitucional e a força normativa da Constituição que dela decorre. DIDIER, (2009, on line).

2.1 Objeto do MS Individual

Sabendo que o objeto do mandado de segurança é o direito líquido e certo, faz-se necessário esclarecer o que a doutrina e a jurisprudência entendem sobre o que vem a ser liquidez e a certeza do direito, haja vista haver discussões a cerca desses conceitos.

MORAIS (2008, p. 154), sustenta que direito líquido e certo é aquele capaz de ser provado de plano por documentação inequívoca. O que, de certo modo, se ajunta ao entendimento do STF:

“A noção de direito líquido e certo, para efeito de impetração de mandado de segurança, ajusta-se, em seu específico sentido jurídico, ao conceito de situação que deriva de fato incontestável, vale dizer, de fato possível de comprovação documental imediata e inequívoca”.[5]

Na mesma direção caminha LENZA (2010, p. 811) lecionando que

“O direito líquido e certo é aquele que pode ser demonstrado de plano mediante prova pré-constituída, sem a necessidade de dilação probatória. Trata-se de direito manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração”.

Desta forma, o que se pode entender é que se trata de direito incontestável, incontroverso, não dependente de dilação probatória, pois as provas já se fazem pré-constituídas conferindo o direito e possibilitando a impetração de mandado de segurança a fim de garanti-lo.

2.2 Legitimidade do MS individual

Compreendida a questão pertinente ao objeto, convém resumidamente tratar da legitimidade do writ of mandamus que se verificará ativa e passiva.

A legitimidade ativa para impetrar o mandado de segurança individual é qualquer pessoa que venha a ter direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público vier a lesá-lo o ameaça-lo.

Na lição de LENZA (2010, p. 812),

“Assim dentro do rol “detentor de direito líquido e certo” incluem-se: pessoas físicas (brasileiras ou não, residentes ou não, domiciliadas ou não), jurídicas, órgão públicos despersonalizados, porém com capacidade processual (Chefias dos Executivos, Mesas do Legislativo), universalidades de bens e direitos (espólio, massa falida, condomínio), agentes políticos (governadores, parlamentares), o Ministério Público, etc.”

Percebe-se que houve o interesse do legislador originário de assegurar o direito de impetrar o mandado de segurança individual ao maior número possível de legitimados para que pudessem proteger seu direito líquido e certo tolhido por autoridade coatora.

Já no que pertence a legitimação passiva, tem-se claramente pela leitura do art. 5º, LXIX, da CF/88 e pelo que comunga a doutrina que é a autoridade coatora, responsável pela ilegalidade ou abuso de poder, autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuição do Poder Público.

O art. 6º da Lei n. 12.016/09, considera autoridade coatora a que tenha praticado o ato impugnado ou da qual emane ordem para sua prática.

A jurisprudência tem entendido como autoridade coatora para efeito de mandado de segurança, o agente público investido de poder de decisão para anular o ato atacado ou para suprir omissão lesiva de direito líquido e certo, não se confundindo, pois, com a pessoa jurídica de direito público da qual é integrante.[6]

Realizada breve, porém necessária recapitulação do mandado de segurança individual, vamos ao que, precipuamente, é o objetivo deste estudo.

3. MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO

Como já se chamou a atenção no introito, este artigo tem por propósito tratar do mandado de segurança coletivo, abordando aspectos constitucionais, legais e jurisprudenciais concernentes à legitimidade para ajuizá-lo, bem como os direitos que perfazem seu objeto. Trata-se dos aspectos que vieram à tona com a publicação da Lei n. 12.016/2009 que, se analisada à luz da Constituição, apresenta indícios de inconstitucionalidade.

Iniciemos, então, atentando que as considerações sobre direito líquido e certo, ilegalidade e abuso de poder, legitimação passiva, característica residual, previamente, estudadas quando do estudo do mandado de segurança individual, deverão ser adotadas para o mandado de segurança coletivo. Assim, nos ateremos somente à análise de regras específicas, principalmente as que dizem respeito à legitimidade ativa e ao objeto.

"Os princípios básicos que regem o mandado de segurança individual informam e condicionam, no plano jurídico-processual, a utilização do writ mandamental coletivo." (MS 21.615, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 13/03/98)

3.1 Origem do MS Coletivo

Se o mandado de segurança individual foi invenção do direito brasileiro inserida no ordenamento jurídico a partir da Constituição de 1934 e retirada na Carta autoritária de 1937, mas restabelecida na Constituição de 1946 e mantida em todas as outras. Não muito diferente, o mandado de segurança coletivo constitui-se inovação no ordenamento jurídico brasileiro a partir da Constituição Cidadã, em seu art. 5º, inciso LXX, in verbis:

Art. 5º, inc. LXX da CF/88 – o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:

a) partido político com representação no Congresso Nacional;

b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados;

Sobre o assunto, a doutrina é uníssona em dizer que se trata de grande novidade no âmbito de proteção aos direitos e garantias fundamentais, pois tem a virtude de ser mecanismo de substituição processual visando racionalizar a prestação jurisdicional (CAVALCANTI, 2009. p. 155).

Nessa mesma senda, Alexandre de Morais calcula que:

“A Constituição Federal ampliou os instrumentos de defesas contra condutas, omissivas ou comissivas, do poder. Assim, além dos já tradicionais mandado de segurança, ação popular, direito de petição e habeas corpus, previu novos institutos: mandado de segurança coletivo, mandado de injunção e habeas data. A ratio do legislador constituinte foi aperfeiçoar a defesa da legalidade e não restringi-la.” (MORAIS, 2008. p. 167)

Para o mesmo autor, com a criação do mandado de segurança coletivo

“O legislador quis facilitar o acesso ao juízo, permitindo que pessoas jurídicas defendam o interesse de seus membros ou de seus associados, ou ainda da sociedade, como um todo, no caso dos partidos políticos, sem necessidade de um mandato especial, evitando-se multiplicidade de demandas idênticas e consequente demora da prestação jurisdicional e fortalecendo as organizações classistas. (MORAIS, 2008. p. 167)

Vale a pena observar que tais opiniões desse autor foram manifestadas antes da publicação da Lei n. 12.016/2009 (Lei do Mandado de Segurança Individual e Coletivo). De 1988 até 2009, são vinte e um anos sem a lei que regulamentasse o mandado de segurança coletivo, e segundo Fredie Didier[7], era melhor ter ficado sem a lei, porque, ao invés de ela realmente ter inovado e facilitado o acesso ao juízo, ela regride, inclusive com sinais de inconstitucionalidade.

3.2 Objeto e legitimados para interpor o writ of mandamus

 

O que provocou tamanha celeuma jurídica é o que motiva o componente de análise deste artigo, que é o objeto e a legitimidade ativa do mandado de segurança coletivo.

Ora, entende-se que a grande diferença entre mandado de segurança individual e o coletivo está em seu objeto e na legitimação. Para compreender isso melhor, teceremos breve análise comparativa entre ambas as ações.

Desta forma, comecemos pela leitura do art. 21 da Lei n. 12.016/2009 que traça o perfil do remédio constitucional sub examine:

“Art. 21. O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por partido político com representação no Congresso Nacional, na defesa de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária, ou por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há, pelo menos, 1 (um) ano, em defesa de direitos líquidos e certos da totalidade, ou de parte, dos seus membros ou associados, na forma dos seus estatutos e desde que pertinentes às suas finalidades, dispensada, para tanto, autorização especial.”

Desta feita, pode-se notar como sugerido acima, que a diferença entre um tipo de mandado e outro reside tanto em relação ao objeto, quanto no que se refere à legitimação ativa.

Enquanto no mandado de segurança individual busca preservar ou reparar os interesses individuais, o mandado de segurança coletivo visa à proteção dos interesses transindividuais, sejam homogêneos ou coletivos. É o que se pode compreender do disposto no parágrafo único do artigo em comento, in verbis:

Art. 21. Parágrafo único. Os direitos protegidos pelo mandado de segurança coletivo podem ser:

I – coletivos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo ou categoria de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica básica;

II – individuais homogêneos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os decorrentes de origem comum e da atividade ou situação específica da totalidade ou de parte dos associados ou membros do impetrante.

Já no que diz respeito à legitimidade ativa, enquanto no MS individual, conforme exposto acima, qualquer pessoa poderia impetrá-lo, desde que sofresse abuso de poder de autoridade coatora a prejudicar direito líquido e certo e que não fosse amparado por habeas corpus ou habeas data.   

Diferentemente, no MS coletivo, de acordo com o art. 21 da lei em exame, só quem pode impetrá-lo é partido político com representação no Congresso Nacional e organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados.

É nesse aspecto, no tocante a legitimidade dos partidos políticos, que começa a figurar a celeuma teratológica pela lei em comento, pois há de se perguntar: Estes poderão representar somente seus filiados e na defesa de seus interesses políticos ou o interesse da sociedade como um todo?

Ora, a leitura do dispositivo legal leva ao entendimento de que só poderiam intervir para defender os interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária, mas isso não viria a contrariar a vontade do legislador constituinte de aperfeiçoar a defesa da legalidade de pronto a permitir a defesa de interesses da sociedade, como um todo, não só de seus membros?

A fim de superar tal questão recorremos à jurisprudência do STJ em sede de Mandado de Segurança, manifestando-se favorável á restrição numa interpretação literal e restritiva do dispositivo. Leia-se:

“Quando a Constituição autoriza um partido político a impetrar mandado de segurança coletivo, só pode ser no sentido de defender os seus filiados e em questões políticas, ainda assim quando autorizado por lei ou pelo estatuto. Impossibilidade de dar a um partido político legitimidade para vir a juízo defender 50 milhões de aposentados, que não são, em sua totalidade, filiados ao partido, e que não autorizaram o mesmo a impetrar mandado de segurança em nome deles.” (STJ, MS 197/DF, 20.08.1990. RSTJ, 12/215)

No entanto, recorrendo-se ao prisma doutrinário percebemos que tal entendimento jurisprudencial se configura inconstitucional, justamente pelo fato de ponderar o caso sem considerar o preceito constitucional disposto no art. 1º, parágrafo único da CF/88, em cuja leitura se divulga que:

Art. 1º Parágrafo único da CF/88: Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Ou seja, se o direito emana do povo, que pode ser representado, os partidos políticos nada mais estariam a fazer do que representando o povo naquilo que a Carta Política já estabelecera. Aplicar uma interpretação restritiva seria incorrer no erro de mitigar a possibilidade de o povo exercer o direito direta ou indiretamente.

Igual entendimento se infere na lição de LENZA (2010, p. 814) que entende que os partidos políticos podem defender qualquer direito inerente à sociedade, pela própria natureza do direito de representação previsto no art. 1º, parágrafo único.

Vale a pena notar que a posição adotada pelo o STJ, segundo o constitucionalista, restringe o previsto na CF/88, burlando o objetivo maior de defesa da sociedade, já que o constituinte originário não colocou qualquer limitação à atuação dos partidos políticos, a não ser a representação no congresso nacional. LENZA (2010, p. 814).

Também, vale dizer que o art. 21 da Lei 12.016/2009, além de restringir os legitimados, restringe o objeto de direito, o que provocou reação imediata da doutrina como se pode verificar em Interpretação de acordo com a Constituição por Fredie Diddier.

Para o autor, é inconstitucional quanto ao objeto do mandado de segurança coletivo, aos direitos coletivos em sentido estrito e aos direitos individuais homogêneos, pois viola o princípio da inafastabilidade (art. 5º, XXXV, CF/88), que garante que nenhuma afirmação de lesão ou de ameaça de lesão a direito será afastada da apreciação do Poder Judiciário.

Com isso o autor adverte no mesmo artigo que:

“Esse princípio garante o direito ao processo jurisdicional, que deve ser adequado, efetivo, leal e com duração razoável. O direito ao processo adequado pressupõe o direito a um procedimento adequado, o que nos remete ao mandado de segurança, direito fundamental para a tutela de qualquer situação jurídica lesada ou ameaçada, que garante o direito.(DIDDIER, on line)

Veja que é reclamado o direito ao processo e ao procedimento adequados, mas para tanto, adverte que o mandado de segurança é direito fundamental na tutela de interesses lesados ou ameaçados. Sendo assim, é figura que não se pode mitigar, já que existe para garantir o direito.

Continuando seu raciocínio, este autor no mesmo texto, afirma que com o art. 21 da lei em tela, “Afasta-se a possibilidade de o direito difuso ser tutelado por mandado de segurança, um excelente instrumento processual para a proteção de direitos ameaçados ou lesados por atos de poder.” (DIDDIER, on line)

Perceba que o autor faz crítica à restrição feita pela lei que mitigou a possibilidade dos direitos difusos serem também protegidos por mandado de segurança coletivo.  Chamando atenção para o descompasso do texto normativo com a evolução da tutela coletiva no direito brasileiro, especialmente o mandado de segurança coletivo.

O autor reforça, ainda, que nos primeiros anos de aplicação, muito se discutiu se o mandado de segurança coletivo deveria tutelar apenas direitos coletivos (interpretação literal), direitos individuais homogêneos (direitos acidentalmente coletivos) ou também direitos difusos.

Destaca, então, que a tese vencedora na doutrina e na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal foi a que garantiu a maior amplitude da tutela, alcançando todos os direitos coletivos lato sensu (difusos, coletivos stricto sensu e individuais homogêneos).

Nesse sentido: “...expresso meu entendimento no sentido de que o mandado de segurança coletivo protege tanto os interesses coletivos e difusos, quanto os direitos subjetivos.” (RE 181.438-1/SP, STF, Tribunal Pleno, rel. Min. Carlos Velloso, RT 734/229).

Ainda com o fito de sustentar sua tese, o vigilante autor invoca o voto da Min. Ellen Gracie, no STF, Pleno, RE n. 196.184, j. em 27.10.2004:

À agremiação partidária, não pode ser vedado o uso do mandado de segurança coletivo em hipóteses concretas em que estejam em risco, por exemplo, o patrimônio histórico, cultural ou ambiental de determinada comunidade. Assim, se o partido político entender que determinado direito difuso se encontra ameaçado ou lesado por qualquer ato da administração, poderá fazer uso do mandado de segurança coletivo, que não se restringirá apenas aos assuntos relativos a direitos políticos e nem a seus integrantes. (RE 196.184, transcrições, Bol. Inf. do STF nº. 372).

Por fim ele aduz que uma interpretação literal do art. 21 da Lei n. 12.016/2009 implicaria grave retrocesso social, com prejuízo a tutela constitucionalmente adequada (art. 5º, XXXV c/c art. 83 do CDC – princípio da atipicidade das ações coletivas). Cabe ao aplicador dar a interpretação conforme do texto normativo, para adequá-la ao microssistema da tutela coletiva e à Constituição Federal.

Em outro artigo, Fredie Didier em parceria com Hermes Zaneti Jr., (2013, on line), torna a investir contra a disposição do artigo 21 da lei em comento. Vejamos:

É absolutamente irrazoável defender que as demais associações civis e o Ministério Público (outros legitimados à tutela coletiva não previstos no texto constitucional) não têm capacidade processual para valer-se do procedimento do mandado de segurança. Podem valer-se de qualquer procedimento previsto em lei (art. 83 do CDC), mas logo em relação ao mandado de segurança, que é direito fundamental, lhes faltaria capacidade processual. Perceba: podem levar a juízo a afirmação de um direito coletivo por meio de um procedimento comum, mas não podem fazê-lo por meio do procedimento especial do mandado de segurança. Partindo da premissa de que um direito fundamental pode sofrer restrições por lei infraconstitucional, desde essa restrição encontre fundamento constitucional, pergunta-se: qual a justificativa constitucional para a restrição do direito fundamental de acesso à justiça por meio do mandado de segurança ao Ministério Público, associações civis e outros legitimados não mencionados no inciso LXX do art. 5º da CF/88?” Nenhuma. (DIDDIER, 2013, on line)

Dessa vez, o estudioso se reporta ao fato de ser restrito a apenas aos legitimados previstos na lei a capacidade de processar mandado de segurança coletivo. Chamando irrazoável o fato do Ministério Público e outras associações não poderem defender direitos difusos através de mandado de segurança.

O perspicaz doutrinador, em tom de exortação, denuncia a situação em que a lei sub examine é infraconstitucional, no entanto está restringindo um direito fundamental de acesso à justiça, dizendo, ele, não haver justificativa constitucional para que tal se dê.

Com este raciocínio, é que o mencionado estudioso considera inconstitucional o disposto no art. 21 da Lei n. 12.016/09, pois não reconhece a capacidade processual dos demais legitimados à tutela coletiva para valer-se do procedimento do mandado de segurança coletivo.

Para não se apoiar apenas nas observações feitas por Fredie Didier que é a mais recente, vale ressalvar, que a maioria dos doutrinadores compartilha do pensamento de que não é taxativo o rol de legitimados para propor mandado de segurança coletivo. Entre os quais Rodrigo Klippel e José Antônio Neffa Júnior (2010.  p. 197) sobre as expressões “interesses do partido relacionados à fidelidade partidária” e “interesses de seus filiados” afirmam que:

“São duas expressões que realmente restringem a abrangência do mandamus impetrado pelo partido político e se harmonizam ao teor do art. 21, parágrafo único da lei, visto que são referências claras a direitos coletivos stricto sensu e a direitos individuais homogêneos”.

De acordo com o ensinamento dos mencionados autores, não atuou bem o legislador infraconstitucional, ao restringir a utilização do madamus. Porque segundo o artigo 1º da Lei 9.096/95[8],

 

Art. 1º - O partido político, pessoa jurídica de direito privado, destina-se a assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo e a defender os direitos fundamentais definidos na Constituição Federal.

 

Permite-se, desta forma, alegar que os partidos políticos, desde que representados no Congresso Nacional, poderão impetrar mandado de segurança coletivo na defesa de todos os direitos fundamentais, previstos na Carta Magna, defendendo interesses não só de seus membros e filiados, mas também qualquer direito metaindividual, não tendo por que restringir a abrangência do citado instituto (KLIPPEL e NEFFA Jr, 2010. p. 197).

Segundo entendimento que se tem das garantias fundamentais, a interpretação deve ser para ampliar direitos, observando o princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais, e não para restringi-los (BULOS, 2010). Portanto, se o constituinte originário não limitou a legitimidade ativa dos partidos políticos para impetrar o writ of mandamus, não cabe ao legislador infraconstitucional fazê-lo. Neste sentido, afirma categoricamente Ada Pellegrini Grinover (1990, p. 78) que “o partido político está legitimado a agir para a defesa de todo e qualquer direito, seja ele de natureza eleitoral, ou não”.

4. CONCLUSÃO

Diante do que foi exposto, pode-se compreender que o mandado de segurança coletivo é uma ação constitucional que serve para proteger o direito coletivo líquido e certo que não seja amparado por habeas corpus ou habeas data, ante lesão ou ameaça de lesão de autoridade coatora.

No entanto, é preciso entender que a diferença entre o mandado de segurança individual e o coletivo está no objeto do direito e na legitimidade para impetrá-los. Enquanto o primeiro tem como objeto direito líquido e certo, pudendo qualquer pessoa impetrá-lo; no segundo o objeto é o direito líquido e certo, mas não mais individual, e sim de interesses transindividuais, podendo ser individuais homogêneos ou coletivos.

Como se presumia, foi possível perceber, quanto à legitimidade ativa do mandado de segurança coletivo, que, ao restringir o rol de legitimados, a Lei n. 12.016/09 contrariou a Constituição, pois dificulta o acesso à justiça e afasta um instrumento que serve como garantia tutelar de outros direitos.

Como exorta (BARROSO, 2010), para que não se incorra em retrocesso, é preciso, tanto no processo criativo como de interpretação de leis, que se observem os princípios constitucionais norteadores do sistema jurídico. Logo, deve respeitar, dentre outros, o princípio da supremacia da constituição e o da máxima efetividade dos direitos fundamentais, algo que a lei em comento não considerou, vindo a diminuir a margem de proteção e garantia desses direitos via mandado de segurança.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALENCAR, R. R. e TÁVORA, N. Curso de Direito Processual Penal. Salvador: Editora JusPodivm, 2012. 

BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. Ed. 7º. São Paulo: Saraiva, 2009.

CAVALCANTI, Francisco. O novo regime jurídico do mandado de segurança: comentários à Lei n. 12.016, de 07 de agosto de 2009. São Paulo: MP Ed., 2009.

GRINOVER, Ada Pelegrini. Mandado de Segurança Coletivo: legitimação, objeto e coisa julgadaRevista de Processo, São Paulo, v. 15, n. 58, p. 78, abr./jun., 1990.

DIDIER Jr., Fredie; ZANETI Jr., Hermes. Mandado de segurança coletivo e os direitos difusos: Art. 21, par.ún., da Lei n. 12.016/2009. Interpretação conforme a Constituição Federal. Processos Coletivos, Porto Alegre, vol. 1, n. 1, 10 out. 2009. Disponível em: http://www.processoscoletivos.net/~pcoletiv/revista-eletronica/18-volume-1-numero-1-trimestre-01-10-2009-a-31-12-2009/85-mandado-de-seguranca-coletivo-e-os-direitos-difusos-art-21-par-un-da-lei-n-12-016-2009-interpretacao-conforme-a-constituicao-federal - Acesso em: 13-Sep-2014.

DIDIER Jr., Fredie. Entrevista: As alterações no mandado de segurança e seus reflexos no meio jurídico, na visão do jurista Fredie Didier. Publicado por Procuradoria Geral do Estado de Sergipe (extraído pelo JusBrasil).Disponível em: http://pge-se.jusbrasil.com.br/noticias/2114821/entrevista-as-alteracoes-no-mandado-de-seguranca-e-seus-reflexos-no-meio-juridico-na-visao-do-jurista-fredie-didier Acesso em: 13-Sep-2014.

PACHECO, José da Silva. Mandado de segurança e outras ações constitucionais típicas. 4. ed. p. 124-148. ver. atual. e ampl. – São Paulo: Revista dos tribunais, 2002.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 14. ed. ver. atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2010.

KLIPPEL, Rodrigo e NEFFA Jr., José Antônio. Comentários à Lei de Mandado de Segurança Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

MORAIS, Alexandre de. Direito Constitucional. 15. ed. rev., ampl., e atual. São Paulo: Atlas, 2008.



[1] Acadêmico de Direito da Faculdade Luciano Feijão. Professor efetivo da rede pública de ensino médio do Estado do Ceará. Graduado em Letras pela Universidade Estadual Vale do Acaraú. Especialista em Estudos Linguísticos e Literário pela Universidade Estadual Vale do Acaraú.

[2] Acadêmico de Direito da Faculdade Luciano Feijão.

[3] Professor orientador: Professor do Curso de Direito da Faculdade Luciano Feijão (FLF), da Universidade Federal do Ceará (UFC), da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA) e da Academia Estadual de Segurança Pública (AESP). Especialista em Direito Constitucional, em Direito Empresarial, em Direito Processual e em Biodireito. Mestrando em Filosofia. Procurador Autárquico Federal.

[4] José da Silva Pacheco em sua obra Mandado de segurança e outra ações constitucionais típicas, 4. ed. p. 124-148, explica que, na Inglaterra, o Mandamus é utilizado para mandar a autoridade que não observou uma norma obrigatória a cumpri-la.

[5] STF – Pleno – MS nº 21.865-7/RJ – Rel. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I, 1º dez. 2006, p. 66)

[6] STJ – 3ª seção – MS nº 3.864 – 6 /DF – Rel. Min. Vicente Leal, Diário da Justiça, Seção I, 22 set. 1997, p. 46.321.

[7] Entrevista: as alterações no mandado de segurança e seus reflexos no meio jurídico, na visão do jurista Fredie Didier. Publicado por Procuradoria Geral do Estado de Sergipe (extraído pelo JusBrasil) – em 2010.

[8] Dispõe sobre os partidos políticos e regulamenta os artigos 17 e 14, § 3º, inciso V, ambos da Constituição Federal de 1988.