Vou apresentar um resumo das partes que considero de maior importância do livro do Bart Ehrman chamado “Quem escreveu a Bíblia?”. Esse livro mostra que os Evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João não foram escritos por Mateus, Marcos, Lucas e João. E que muitas cartas de Paulo, Pedro e João do Novo Testamento não foram escritas por Paulo, Pedro e João. Essa não é uma visão só de Bart Ehrman. Na verdade, a maioria dos estudiosos da crítica textual, a área da teologia encarregada de verificar adulterações nos escritos bíblicos, concorda com Bart Ehrman, de que não foram esses autores que redigiram esses textos. Não estou falando de cristãos fundamentalistas que acreditam cegamente que a Bíblia é infalível, estou falando de estudiosos com doutorado em crítica textual.

Bart Ehrman é Doutor em teologia pela Universidade de Princeton e dirige o departamento de estudos religiosos da Universidade da Carolina do Norte. Ele é especialista em Novo Testamento, Igreja primitiva, ortodoxia, manuscritos antigos e na vida de Jesus.

p. 23 “Outros bandidos hoje eventualmente falsificam um documento apenas para testar se não seriam descobertos. Isso também era algo que já acontecia no mundo antigo. O relato mais famoso é o conhecido caso de Dionísio, o Renegado.

Dionísio era um acadêmico literário e filósofo do século III a.C. Ele acabou recebendo o epíteto de ‘Renegado’ por ter rompido com seus colegas filósofos estoicos ao reparar que seus pontos de vista filosóficos não correspondiam à vida real como ele a experimentava. Os estoicos ensinavam que as pessoas deviam se distanciar mental e emocionalmente da dor e da angústia desta vida para experimentar ter paz de espírito interior. Durante muito tempo, Dionísio partilhou dessa visão. Porém, ficou muito doente, sentiu muita dor e começou a pensar que sua filosofia anterior era uma farsa diante da própria dor. (...)

Dionísio escreveu e colocou em circulação uma tragédia que intitulou Parthenopaeus, alegando ser obra do famoso dramaturgo grego Sófocles”

Dionísio faz isso para fazer Heráclides passar vergonha, ao citar Sófocles, sendo que não era Sófocles que tinha escrito aquele texto, era Dionísio.

“Não encontramos nada tão hilariante ou ultrajante nos escritos dos primeiros cristãos. Na verdade, há poucas evidências sugerindo que autores cristãos falsificaram documentos apenas para descobrir se seriam desmascarados. Ainda assim, houve muitos falsificadores cristãos antigos que produziram muitos documentos falsificados, provavelmente por muitas razões diferentes. Como destaquei na introdução, ainda temos muitos documentos falsificados originários da Igreja inicial, inúmeros evangelhos, atos, epístolas e apocalipses (esses são os quatro gêneros literários do Novo Testamento, todos eles alegando terem sido escritos por apóstolos.”

Os livro incluídos na Bíblia fazem parte do que é chamado de cânone, os que foram deixados fora são chamados de apócrifos. Existe outro livro do Bart Ehrman que explica como o cânone foi formado. Basicamente foi uma disputa de popularidade por textos inventados e teologias cristãs diferentes nos primeiros séculos, mais decisões da Igreja Católica. Como esse não é propósito do livro que vou resumir, então não será dito em detalhes como foi formado o cânone.

“Mas há um relato assim no Evangelho de Pedro. Nele, Jesus sai caminhando do túmulo apoiado em dois anjos altos como montanhas, ainda que ele fosse ainda mais alto; atrás deles, saindo do túmulo, vem a cruz, que fala a Deus no céu. Outros evangelhos ‘apostólicos’ contam outras histórias impressionantes sobre Jesus ou registram ensinamentos bizarros, supostamente ditos por ele; evangelhos alegadamente escritos por Tomé, irmão de Jesus, seu discípulo Filipe e sua companheira Maria Madalena. Todos esses livros se diziam autênticos, mas cada um deles foi classificado como ‘falsificação’ por outros cristãos antigos que não acreditavam que os apóstolos de fato os haviam escrito.

Também há atos não canônicos, livros que contam as aventuras dos apóstolos de Jesus após sua ascensão, como os Atos de Paulo, no qual Paulo prega que, para ter a vida eterna, os seguidores de Jesus devem se abster do sexo mesmo sendo casados, e evitar o casamento sendo solteiros. Esse livro foi inventado por um líder da Igreja da Ásia Menor (atual Turquia) no século II. Sabemos disso porque um famoso pai da Igreja, Tertuliano, indica quem a pessoa foi apanhada e julgada pela Igreja por produzir o relato e depois afastada, sem cerimônias, de sua posição de liderança. A maioria dos líderes da Igreja não apreciava documentos inventados. Mas havia muitos deles. Ainda hoje temos muitas cópias de Atos de João, Pedro, André e Tomé, bem como fragmentos de obras anteriores que não sobreviveram intactas.

Também havia epístolas falsificadas, incluindo um conjunto de cartas entre Paulo e o mais famoso filósofo da época, Sêneca, mostrando não apenas que Paulo era íntimo das maiores mentes do Império Romano, mas também respeitado e reverenciado por elas. Alguns líderes posteriores da Igreja sustentaram que essas epístolas eram autênticas, mas outros consideraram que tinham sido falsificadas com o objetivo de criar uma boa imagem para Paulo. (...)

Hoje, temos conhecimento de mais de cem escritos dos quatro primeiros séculos que um autor cristão ou outro alegou terem sido falsificados por colegas cristãos

ANTIGAS FALSIFICAÇÕES CRISTÃS

A maioria dos casos que acabei de mencionar é de falsificações da época dos próprios apóstolos, dos séculos II, III e IV da era cristã. A maioria dos livros do Novo Testamento, por outro lado, foi escrita no século I. Há alguma evidência de falsificações nesse período anterior? Na verdade, há evidências muito boas, e elas nos chegam pelas páginas do próprio Novo Testamento.

Há no Novo Testamento 13 epístolas alegadamente escritas por Paulo, incluindo duas aos tessalonicenses. Na segunda epístola aos tessalonicenses, encontramos um versículo intrigante, no qual o autor diz a seus leitores que não devem ser desencaminhados por uma carta ‘que se diga vir de nós’ indicando que ‘o Dia do Senhor’ já estivesse próximo (2,2). O autor, em outras palavras, tem conhecimento de uma carta que circula alegando ser de Paulo mas que, na verdade, não é. (...)

No entanto, há uma ironia terrivelmente interessante ligada a essa passagem. A segunda epístola aos tessalonicenses, na qual aparece a passagem, é em si considerada por muitos acadêmicos como não pertencente a Paulo, ainda que alegue ter sido escrita por ele (veremos as razões para pensar assim no capítulo 3). (...) Pode haver pouca dúvida sobre a resposta: um  dos truques usados por antigos falsificadores para assegurar aos leitores que seus próprios escritos eram autênticos era alertar para escritos que não eram. Os leitores naturalmente presumem que o autor não está fazendo aquilo que condena.”

Mesmo que não seja Paulo que tenha escrito 2 Tessalonicenses, há uma descrição de algo que acontecia, pessoas escrevendo cartas no nome de outra pessoa.

No fim do século IV, surgiu um livro chamado de Constituições Apostólicas. Este livro alegava ter sido escrito por Clemente (supostamente era o quatro bispo de Roma, um “papa” inicial). Porém, o livro foi escrito três séculos após Clemente ter sido sepultado. Ou seja, é uma falsificação. Nesse livro, são transmitidos conselhos dos apóstolos, que usam o pronome em primeira pessoa: “Eu, João...”. E, nesse livro, é escrito no final um alerta aos leitores, para não lerem livros que aleguem ter sido escritos por apóstolos, não o sendo. Irônico, não? Estratégia dos falsificadores para conferir credibilidade ao próprio livro.

Mesmo antigamente, quando não se tinha todas as técnicas que temos hoje, alguns textos do Novo Testamento foram acusados de serem falsificações.

“O caso mais famoso é o livro do Apocalipse. Um acadêmico cristão de Alexandria (Egito), do século III, chamado Dionísio argumentou que o livro, na verdade, não foram escrito pelo discípulo João, filho de Zebedeu. O argumento de Dionísio era bom e continua a ser bom para os estudiosos de hoje. Ele sustentava que o estilo de redação do livro é tão diferente daquele do Evangelho de João que eles não poderiam ter sido escritos pela mesma pessoa (estudiosos modernos discordam de Dionísio apenas em pensar que também o evangelho provavelmente não foi escrito por João. (...) Existiram predecessores a Dionísio, que alegavam que o Apocalipse da Bíblia não foi escrito por João, mas por um herege chamado Cerinto, que falsificou o relato com o intuito de promover seu falso ensinamento de que haveria um futuro paraíso de mil anos sobre a face da Terra.”

E epístola de Judas foi declarada falsa por alguns cristãos. O livro de 2 Pedro foi rejeitado por alguns pais da Igreja. Outros questionaram se 1 e 2 Timóteo de fato eram de Paulo. O livro de Hebreus também foi questionado.

Ortônimo: livro escrito pela pessoa que o livro diz que está escrevendo.

Pseudoepigráfico: ou livros que não alegam ter sido escritos por alguém, mas, posteriormente, é atribuído a uma pessoa errada, ou o autor escreve um livro alegando ser outra pessoa. Este último caso que Ehrman chama de falsificação, quando o autor escreve um livro alegando ser outra pessoa.

p. 33 “Os autores sempre tiveram numerosas razões para querer escrever uma falsificação. No mundo moderno, como já vimos, a principal motivação é ganhar dinheiro, como no caso de Konrad Kujau e os diários de Hitler. Essa não parece ser a principal razão para falsificações na Antiguidade. O mercado para tais ‘livros originais’ era limitado porque a indústria editorial era muito modesta – livros não poderiam ser produzidos em massa e publicados amplamente. Mas havia casos em que livros falsificados podiam gerar lucro, como aprendemos com um autor famoso chamado Galeno, um médico do século II que vivia em Roma.

Duas importantes bibliotecas da Antiguidade (Biblioteca de Alexandria, no Egito, e de Pérgamo, na Ásia Menor) estavam dispostas a pagar por cópias originais de Platão, Aristóteles, Hipócrates, dentre outros. Segundo Galeno, começaram a surgir falsificações feitas por autores inescrupulosos, interessados apenas no dinheiro.

Atualmente existem muitos evangelhos e epístolas falsificadas também. Como foi o caso com o “Evangelho secreto de Marcos”, “descoberto” por Morton Smith em 1958. Outro caso é “A vida secreta de Jesus Cristo” que foi “descoberto” por Notovitch. Outro caso é “A crucificação de Jesus, por uma testemunha ocular”. Outro é o Long-Lost Second Book of Acts, também chamado de segundo livro de Atos. Outro é “A confissão de Pôncio Pilatos”, outro é “The Gospel of the Holy Twelve”.

 E existe uma reconstrução histórica de Jesus que parece mais um filme de ficção: “The Passover Plot: A new Interpretation of the Life and Death of Jesus”.

Voltando aos tempos antigos. O historiador Josefo relata que um inimigo de Alexandre, o filho do rei Herodes, falsificou uma carta em nome de Alexandre e foi descoberto.

No século III, o imperador romano Aureliano tinha um secretário particular chamado Eros. Eros falsificou uma lista de nomes que o rei pretendia matar. As pessoas da lista mataram o rei.

Nos escritos do autor pagão do século II Luciano de Samósata está prevista a história de Alexandre, que falsificou um conjunto de tabuletas de bronze e as enterrou em um famoso templo de Apolo, na cidade de Calcedônia. As tabuletas diziam que Apolo se mudaria para Abonuteichos, então Alexandre abriu um templo nesse local e atraiu muitos seguidores.

Um judeu do século II a.C. falsificou uma carta se passando por Aristeas, que supostamente era um pagão integrante da corte do rei egípcio Ptolomeu Filadelfo (285-246 a.C.). Nessa carta, “Aristeas” descreve como o rei decidiu incluir cópias das Escrituras judaicas em sua biblioteca. Para isso o rei chamou acadêmicos e por uma intervenção divina eles conseguiram produzir a redação exata para traduzir as Escrituras. É essa carta, falsificado, que registra o processo lendário da produção da Septuaginta. (p. 74)

Diógenes Laércio indica que Diótimo forjou cinquenta cartas obscenas em nome de Epicuro e as colocou em circulação.

Pausânias, do século II d.C., descreve uma história na qual Anaxímenes escreveu um tratado sob o estilo de redação de Teopompo, chamando a si mesmo de Teopompo, sendo agressivo para com cidadãos de três cidades (Atenas, Esparta e Tebas). Assim Teopompo se tornou persona non grata, embora não tivesse escrito aquilo.

p. 37 “Nos círculos cristãos, temos apocalipses em nome de Pedro, Paulo e do profeta Isaías. Em círculos judaicos, apocalipses em nome de Daniel, Enoque, Abraão e mesmo Adão! (...) A realidade é que os antigos de fato acreditavam que eram escritos pelas pessoas que alegavam estar escrevendo, como vemos repetidamente nos antigos testemunhos. Os autores desses livros também sabiam disso. Eles assumiam nomes falsos justamente porque seus escritos se mostravam mais eficazes dessa forma.”

Pessoas escreviam relatos de coisas que não eram testemunhas e fingiam ser alguém . importante, como Pedro, João.

“Essa motivação existia em círculos cristãos e não cristãos. Sabemos disso porque autores antigos nos dizem. Por exemplo: um comentarista dos escritos de Aristóteles, um estudioso pagão chamado David, indicou: ‘Se alguém é carente de influência e desconhecido, mas que que seu escrito seja lido, escreve em nome de alguém que veio antes dele e era influente, de modo que, por intermédio de sua influência, ele pode ter seu trabalho aceito.’”

p. 38-39 Um líder da igreja chamado Salviano, no século V d.C., escreveu uma carta fingindo ser Timóteo, um famoso companheiro do apóstolo Paulo quatrocentos anos antes. A carta se chama “Timóteo à Igreja”. Mas, de algum modo, o bispo de Salviano desconfiou e confrontou Salviano, e este admitiu que tinha falsificado a carta, e uma das suas desculpas foi de que se ele mesmo escrevesse uma epístola às igrejas, ninguém prestaria atenção.

p. 39 “Muitos poucos falsificadores no mundo antigo eram apanhados com a mão na massa. Os motivos parecem bastante óbvios. Para começar, os estudiosos antigos eu se dedicavam a identificar falsificações não tinham sofisticados métodos de análise de que dispomos hoje, com computadores, base de dados, análises intrincadas de estilos literários e assim por diante”

Anthony Grafton, da Universidade de Princeton, mostra que, ao longo dos séculos, a arte da falsificação se tornou cada vez mais refinada. Os falsificadores davam o melhor de si para imitar o estilo literário e o vocabulário do autor. Outro truque era colocar verossimilhanças em seus escritos, ou seja, um comentário que os leitores esperariam estar em escritos originais. Assim, os falsificadores colocavam comentários pessoais sobre os destinatários de uma carta, mesmo que não a estivessem enviando a ninguém. Outra coisa que se fazia era colocar uma advertência ou ameaça contra os falsificadores no próprio texto falsificado.

p. 41 “Já vimos um tipo de verossimilhança em nossa discussão anterior. Tanto em 2 Tessalonicenses, do século I, quanto em Constituições Apostólicas, trezentos anos depois, o autor pseudônimo  diz a seus leitores para não ler escritos pseudônimos. Ou, sendo mais preciso, o falsificador alerta seus leitores para não ler falsificações. Por quê? Em parte porque isso deixa os leitores menos propensos a suspeitar de que o livro que têm seja ele mesmo uma falsificação.”

p. 57 “Temos uma série de livros dos primórdios do cristianismo que contam histórias sobre Pedro. Eles são quase inteiramente ‘feitos’ por um ou outro contador de histórias cristão. Segundo minha definição, essas histórias não são falsificações; não são relatos que alegam falsamente terem sido escritos por Pedro. Em vez disso, poderiam ser chamados de ‘invenções’, histórias criadas sobre Pedro.”.

Existem relatos sobre Pedro em uma carta falsificada em nome de Tito, existem relatos sobre Pedro nos Atos de Pedro. Ehrman resume várias dessas histórias sobre Pedro, mas não vou falar delas aqui.

No Evangelho de Pedro, datado do século II d.C., são descritas várias histórias. Uma delas é de Jesus saindo do túmulo como um gigante e apoiado em anjos gigantes. “E, atrás deles, a própria cruz sai do túmulo. E vem do céu uma voz perguntando: ‘Você pregou a aqueles que estão dormindo?’ E a cruz responde: ‘Sim’. Então, na ressurreição, temos um Jesus gigante e uma cruz que anda e fala.”

Acerca do “Evangelho de Pedro”: “O que é claro a partir do versículo final é que esse evangelho, diferentemente dos evangelhos do Novo Testamento, é escrito na primeira pessoa. O autor alega ser Pedro. Mas não há como ele ser Pedro. É um autor alegando ser quem não é. É uma falsificação.

O motivo pelo qual Simão Pedro não podia ter escrito esse relato é o fato de o texto datar do século II, pelo menos sessenta anos após a morte de Pedro. Praticamente todos os estudiosos concordam com isso, por motivos convincentes. Para começar, o antijudaísmo exacerbado combina mais com o século II, quando se tornou comum”

Outro livro que alega ter sido escrito por Pedro foi a “Epístola de Pedro”, na qual Pedro defende que os cristãos devem observar as leis do Velho Testamento e ataca a visão de Paulo, que defendia que essas leis não precisavam mais ser observadas. Não foi escrita por Pedro.

p. 70 “Não discutirei extensivamente neste livro como chegamos aos 27 livros do Novo Testamento, isto é, como o cânone foi formado e como alguns escritos foram incluídos e outros deixados de fora. Muitos outros livros descrevem mais detidamente esse processo. Mas posso dizer que alguns escritos ‘passaram perto’ e quase entraram, assim como outros quase foram deixados de fora, mas acabaram incluídos. Um dos livros que quase entrou é chamado de Apocalipse de Pedro.

Sabemos por autores como Eusébio que, mesmo no século IV, ainda havia comunidades cristãs acreditando que o Apocalipse de Pedro devia ser incluído no cânone, ou no lugar do Apocalipse de João, que acabou sendo incluído, ou juntamente com ele.” Esse livro não foi escrito por Pedro.

Agora vamos às falsificações em nome de Pedro que entraram no cânone, ou seja, que foram incluídas no Novo Testamento há milênios.

1 Pedro

Pedro foi um “apelido” dado por Jesus à Simão. Não existem relatos de pessoas chamadas Pedro nos primórdios do cristianismo. Portanto, o autor de 1 Pedro com certeza alega ser “aquele” Pedro. “Isso é revelado por seu comentário em 5,1 de que foi ‘testemunha dos sofrimentos de Cristo’.” 1 Pedro é uma falsificação. Os motivos serão mostrados a seguir.

2 Pedro

Também é uma falsificação, na qual o autor alega mais claramente ainda ser Pedro, pois se diz Simão Pedro, que viu a transfiguração de Jesus.

p. 76 “Uma das razões pelas quais quase todos os acadêmicos concordam que Pedro não escreveu essa carta é que a situação suposta surge em época muito posterior. Quando o próprio Pedro morreu – digamos, o ano 64 d.C., sob as ordens de Nero – ainda havia uma expectativa ansiosa de que Jesus retornasse logo; nem uma geração inteira se passara desde a crucificação. Foi apenas com o passar do tempo que a alegação cristã de que tudo aconteceria ‘nesta geração’ (Mc 13, 30) e antes de que os discípulos houvessem 'provado a morte (9,1) começou a soar vazia. No momento em que 2 Pedro foi escrita, os cristãos estavam tendo de se defender de oponentes que debochavam de sua visão de que o fim deveria ser iminente.”

Nessa explicação do motivo de Pedro não ter escrito a carta, vocês já encontrarão o motivo para nenhum dos apóstolos, exceto Paulo, ter escrito qualquer coisa que vocês leem no Novo Testamento. p. 76-79 “Estudiosos da Antiguidade foram diligentes nos últimos 25 anos, aproximadamente, em tentar entender todos os aspectos da alfabetização e da educação daquele tempo. Para o que é hoje um estudo clássico, o livro Ancient Literacy, de 1989, William Harris, professor de história antiga da Universidade de Colúmbia, mostra que as suposições modernas acerca da alfabetização não se aplicam aos tempos antigos. (...)

Harris argumenta que no mundo antigo, nas melhores épocas, apenas cerca de 10 % da população era razoavelmente alfabetizada. Por melhores épocas ele quer dizer Atenas, um centro de conhecimento, no auge do seu poder intelectual, durante os dias de Sócrates e Platão (séculos V-IV a.C.). A maioria desses 10% era de homens, como esperado de uma sociedade patriarcal. E todos pertenciam às classes superiores, a elite social e econômica que tinha o tempo livre e o dinheiro (bem, seus pais tinham o dinheiro) para pagar uma educação. As classes inferiores não aprendiam a ler, muito menos escrever. (...)

Não há nada de inerente a aprender a ler que necessariamente ensine a escrever. Sei disso muito bem. Posso ler grego, hebraico, francês, alemão e uma série de outros idiomas, mas não consigo redigir uma carta em nenhum deles. (...)

O estudo mais completo, mais extensamente pesquisado e mais amplamente influente sobre a alfabetização na Palestina na época do Império Romano é de Catherine Hezser. Após estudar todas as evidências, Hezser conclui que, na Palestina romana, a melhor estimativa é que algo em torno de 3% da população fosse capaz de ler, e que a maioria desses viveria em cidades e vilas maiores. A maior parte das pessoas fora das áreas urbanas dificilmente teria visto, algum dia, um texto escrito. Algumas cidades menores e aldeias poderiam ter um índice de alfabetização em torno de 1%. Ademais, essas pessoas alfabetizadas eram quase sempre a elite das classes superiores. Aqueles que aprendiam a ler liam hebraico, não grego.

E ainda por cima, de novo, muito mais pessoas podiam ler em vez de escrever. As pessoas que sabiam escrever eram principalmente homens do sacerdócio.”

Durante todo o século I d.C., só se tem certeza de duas pessoas que produziam obras literárias, o historiador judeu Josefo e um homem chamado Justo de Tiberíades.

Pedro era um pescador de Cafarnaum, na Galileia. Segundo o arqueólogo americano da Palestina, Jonathan Reed, Cafarnaum era uma aldeia historicamente insignificante do interior da Galieia. Pedro era um camponês analfabeto.

p. 81 “Na verdade, isso não devia ser surpresa. Há no Novo Testamento evidências do nível de educação de Pedro. Segundo Atos 4,13, Pedro e seu companheiro João, também pescador, eram agrammatoi, uma palavra grega que significa literalmente ‘iletrados’, ou seja, ‘analfabetos’.”

p. 81 “É possível, claro, que Pedro tenha decidido ir para a escola após a ressurreição de Jesus. Nessa hipóteses imaginativa (para não dizer imaginária), ele aprendeu o alfabeto, aprendeu a pronunciar as sílabas e depois as palavras, aprendeu a ler e aprendeu a escrever. Depois fez aulas de grego, dominou o grego como língua estrangeira e começou a decorar trechos da Septuaginta, depois teve aulas de composição em grego e aprendeu a construir frases complicadas e eficazes; então, no fim de sua vida, escreveu 1 Pedro.

Esse cenário é plausível?”. O cenário não é plausível, e não existem relatos de educação para adultos na Antiguidade.

Alguns acadêmicos sugeriram que não foi Pedro que escreveu diretamente 1 Pedro, mas uma pessoa que escrevia o que ele ditava. Alguns observaram que a carta é escrita “por intermédio de Silvano” (5, 12) e acharam que foi Silvano que escreveu os pensamentos de Pedro.

Os acadêmicos atuais em geral reconhecem que quando o autor indica ter escrito o livro “por intermédio de Silvano” está indicando o nome da pessoa que levava a carta aos destinatários, não o nome do secretário (pessoa que escreve o que outra diz).

“Pedro não podia ter ditado essa carta em grego para um secretário mais do que podia tê-la escrito em grego. Isso teria exigido que ele fosse fluente em grego, dominasse técnicas retóricas em grego e tivesse um grande conhecimento das Escrituras judaicas também em grego. Nada disso é plausível. Nem é fácil pensar que ele ditou a carta em aramaico e o secretário a traduziu para o grego. A carta não soa como uma tradução para o grego de um original aramaico, mas como uma composição originalmente grega, com floreios retóricos gregos.” E a carta pressupõe grande conhecimento do Antigo Testamento grego.

É possível que Pedro tivesse orientado alguém a escrever a carta, dizendo mais o menos o que escrever? Então essa carta seria dessa outra pessoa, não de Pedro. E essa outra pessoa nunca é citada. “Mesmo nas cartas de Pedro, que são escritas em parceria (quase todas elas), ele cita os outros” E há bons motivos para pensar que essas cartas foram escritas após a morte de Pedro. 1 Pedro faz alusão à destruição de Jerusalém por Roma, no ano 70 d.C., que foi depois da morte de Pedro, segundo as tradições, que ocorreu em 64 d.C..

E, mais importante, não temos nenhum relato antigo de que coisa semelhante ocorria, ou seja, uma pessoa escrever um relato para outra pessoa e colocar o nome da outra pessoa nele, e não o seu próprio nome.

p. 76 “o autor de 2 Pedro escreve numa época em que já circulava uma coletânea de cartas de Pedro, esses cartas eram consideradas no mesmo plano das ‘Escrituras’ do Antigo Testamento (3,16). Isso não poderia ter sido enquanto Pedro era vivo”.

Falsificações em nome de Paulo.

Temos os Atos de Paulo, que não foi escrito por Paulo.

p. 89 “Há muitas falsificações em nome de Paulo nos primórdios da Igreja, todas elas, pelo que podemos dizer, escritas para ‘autorizar’ certas visões com o nome desse grande autor. Algumas dessas falsificações foram preservadas; sabemos de outras que existiram, mas desapareceram desde então.”

3 Coríntios

p. 93 “Era muito comum para os cristãos ‘ortodoxos’ (isto é, cristãos que partilhavam as visões teológicas que acabaram sendo aceitas por todo o cristianismo) acusar os ‘hereges’ (aqueles que ofereciam ‘falsos ensinamentos’) de forjar documentos em nome dos apóstolos com o intuito de sustentar seus pontos de vista. Veremos muito mais sobre esse fenômeno no capítulo 6. O Evangelho de Pedro, por exemplo, foi acusado de ser herético por ensinar uma visão docética de Jesus. Mas os cristãos ortodoxos também falsificavam seus documentos. Temos muito mais desse tipo de falsificação, já que era maior a probabilidade de que escritos ortodoxos fossem preservados para a posteridade, mesmo não sendo de fato escritos pelos autores alegados.”

Percebam que muitos do livros do Novo Testamento, considerados a visão ortodoxa, foram falsificados.

Esse livro de 3 Coríntios não consta do Novo Testamento, mas é um exemplo de livro falsificado em nome de Paulo. Outro exemplo são cartas de Paulo a Sêneca, famoso filósofo daquela época. São 14 cartas, 8 de Sêneca e 6 de Paulo. Todas as 14 são falsificações para dar a impressão de que Paulo era considerado importante por outros grandes pensadores de sua época.

Há 13 cartas de “Paulo” no Novo Testamento. 6 delas não foram escritas por Paulo. 7 foram escritas por Paulo (Romanos, 1 e 2 Coríntios, Gálatas, Filipenses, 1 Tessalonicenses e Filemon). Acadêmicos chamam essas 6 epístolas de deuteropaulinas. Três dessas 6 parecem ter sido escritas pela mesma pessoa (1 e 2 Timóteo e Tito), essas três foram chamadas de epístolas pastorais.

p. 101 “Uma incrível parcela de erudição foi dedicado às epístolas pastorais nos útimos trinta ou quarenta anos, dois séculos após Schleiermacher. Grande parte delas é tediosa para seres humanos normais, mas fascinante para acadêmicos anormais. Não posso resumir tudo aqui. Em vez disso, vou oferecer três razões para pensar que todas as três cartas foram escritas pela mesma pessoa, e que essa pessoa não foi Paulo.”

p. 102 “O motivo é que elas partilham conexões verbais e semelhanças demais para que seja acidental. Veja apenas como começam:

1 Timóteo: ‘Paulo, apóstolo de Jesus Cristo [...] a Timóteo [...] graça, misericórdia, paz da parte de Deus Pai e de Jesus Cristo, nosso Senhor!’

2 Timóteo: ‘Paulo, apóstolo de Jesus Cristo [...] a Timóteo [...] graça, misericórdia, paz da parte de Deus Pai e de Jesus Cristo, nosso Senhor!’

São praticamente iguais. E, mais importante ainda, não há outra carta de Paulo que comece assim. (...) As duas cartas têm em comum palavras e frases não encontradas em nenhuma das outras cartas atribuídas a Paulo, como: ‘a promessa de vida’, ‘com uma consciência pura’, ‘de um coração puro’, ‘guarde o depósito (de fé)’, Paulo é um ‘apóstolo, mensageiro e mestre’ etc. O impressionante é que não só essas frases e muitas outras sejam encontradas nessas duas cartas, mas que sejam encontradas apenas nelas.”

p. 103 “Em 1921, o estudioso britânico A. N. Harrison escreveu um importante estudo das epístolas pastorais no qual apresentou muitas estatísticas sobre a utilização de palavras nesses textos. Um dos números mais citados é que há 848 palavras diferentes usadas nas epístolas pastorais. Delas, 306 – mais de um terço! – não aparecem em nenhuma das outras epístolas paulinas do Novo Testamento. É um número muito alto; em especial, considerando-se o fato de que cerca de dois terços dessas 306 palavras são usadas por autores cristãos vivendo no século II. Isso sugere que esse autor está usando um vocabulário que se tornava mais comum depois da época de Paulo, e que, portanto, também ele viveu após Paulo. (...)

Ao mesmo tempo, não se deve dar peso demasiado a simples números. Afinal, todos usam palavras diferentes em ocasiões diferentes, e que a maioria de nós tem um vocabulário muito mais rico do que aquele revelado em determinada carta ou conjunto de cartas que escrevemos.

O problema é que um grande número de fatores parece apontar na mesma direção, mostrando que esse autor não é Paulo. Para começar, algumas vezes o autor usa as mesmas palavras de Paulo, mas com significados diferentes. O termo ‘fé’ era de suprema importância para Paulo. Em livros como Romanos ou Gálatas, fé se refere à confiança que a pessoa tem em Cristo para dar a salvação por meio da morte. Em outras palavras, o termo descreve uma relação com o outro; fé é confiança ‘em’ Cristo. O autor das pastorais também usa o termo ‘fé’. Mas não diz respeito a uma relação com Cristo; fé passa a significar o corpo de ensinamentos que compõe a religião cristã. É ‘a fé’(ver Tito 1,13). Mesma palavra, significado diferente. Da mesma forma com outros termos fundamentais, como ‘retidão’.”

Nas pastorais, o autor insiste que os líderes da igreja sejam casados. Nas cartas de Paulo, este diz que é melhor que as pessoas não sejam casadas, e que pessoas solteiras deveriam permanecer solteiras (1Coríntios 7).

Para Paulo, a salvação era pela morte e ressurreição de Cristo. Mas em 1 Timóteo 2 é dito que as mulheres serão salvas tendo filhos. Não dá para saber o que isso quer com exatidão, mais não significa o que Paulo queria dizer.

Paulo fala de obras no sentido de observar a lei judaica. Mas, nas pastorais, a lei judaica não é mais um problema.

P. 104-105 “O maior problema em aceitar as pastorais como sendo de Paulo envolve a situação histórica que elas parecem pressupor. Paulo, como Jesus antes dele, acreditava viver no fim dos tempos. Quando Jesus foi erguido dentre os mortos, esse foi o sinal de que o fim já começara e de que a futura ressurreição dos mortos estava prestes a acontecer. Segundo a crença judaica, a ressurreição aconteceria quando esta era chegasse ao fim. Por isso, Paulo chamou Jesus de ‘primícias dos que morreram’ em 1 Coríntios 15, 20. É uma metáfora agrícola. Os agricultores celebram o primeiro dia de colheita com uma festa à noite. E quando eles vão pegar o resto da colheita? No dia seguinte – não vinte ou dois mil anos depois. Jesus é o primeiro fruto, porque com ele serão erguidos para o julgamento. Por isso Paulo acha que ele mesmo estará vivo quando Jesus retornar do céu (ver 1Ts 4, 14-18).

(...)

A única coisa que Paulo não faz é escrever aos líderes da igreja de Corinto e dizer a eles para dar um jeito nos paroquianos. Por quê? Porque não havia líderes na igreja de Corinto [na época de Paulo]. Não havia bispos ou diáconos. Não havia pastores. Havia um grupo de indivíduos, cada um deles com um dom do Espírito, nesse breve tempo antes do fim que se aproximava.”

p. 110 “O que a maioria dos milhões de pessoas que acredita no breve retorno de Jesus, enquanto estivermos vivos, não sabe é que sempre houve cristãos que pensaram isso de sua própria época. Esse era um ponto de vista destacado entre cristãos conservadores no começo do século XX, fim do século XIX, no século XVIII, no século XII, no século II, no século I – na verdade, em quase todos os séculos. A única coisa que todos aqueles que já pensaram isso têm em comum é que todos estavam irrefutavelmente errados. (...)

Quando Jesus retornar em glória nas nuvens do céu, ‘os que morreram em Cristo ressurgirão primeiro; depois nós, os que ainda estamos na terra, seremos arrebatados juntamente com eles sobre nuvens ao encontro com o Senhor, nos ares’ (4, 16-17). [1 Tessalonicenses] Leiam os versículos com cuidado: Paulo espera ser um daqueles que ainda estarão vivos quando isso acontecer.”

Há uma separação, os que morreram e os que ainda estão aqui, na terra, como Paulo. Ou seja, os que ainda estão vivos, em contraponto aos que estão mortos. E os que estão vivos serão arrebatados, incluindo Paulo, depois dos mortos, ou seja, Paulo ainda estará vivo quando for arrebatado.

Paulo escreve que o fim virá subitamente e que é iminente. O autor de 2 Tessalonicenses, alegando ser Paulo, argumenta que o fim não se dará imediatamente. Rebelião política ou religiosa acontecerá, uma espécie de anticristo surgirá, e outras coisas acontecerão até o fim chegar.

P 111 “Em outras palavras, os tessalonicenses podem ficar tranquilos de que ainda não estão no momento final da história quando Jesus reaparece.” Eles verão que o fim está chegando quando esses acontecimentos se cumprirem.

“É particularmente interessante que o autor de 2 Tessalonicenses indica que já ensinou essas coisas a seus convertidos quando esteve com eles (2,5).” Mas com explicar 1 Tessalonicenses. Paulo nunca ensinou essas coisas.

O autor de 2 Tessalonicenses diz que assina a carta de próprio punho, e diz que essa é uma prática comum (3, 17), mas não é como termina a maioria das epístolas incontestáveis de Paulo.

EFÉSIOS

p. 114 “As razões para pensar que Paulo não escreveu essa epístola são muitas e convincentes. Para começar, o estilo de redação não é o de Paulo. Paulo normalmente escreve frases curtas e incisivas; as sentenças de Efésios são longas e complexas. (...) Alguns acadêmicos apontaram que nas cem sentenças de Efésios cerca de nove delas têm mais de cinquenta palavras de extensão. Compare isso com as cartas do próprio Paulo. Filipenses, por exemplo, tem 102 sentenças, com apenas uma delas com mais de cinquenta palavras; Gálatas tem 181 sentenças, mais uma vez com apenas uma acima de cinquenta palavras. O livro também tem um número incomum de palavras que não ocorre nos outros escritos de Paulo: 166 no total – bem acima da média (50% mais que em Filipenses, por exemplo, que tem aproximadamente o mesmo tamanho).”

Em Efésios 2, 1-10, Paulo afirma que antes de ser cristão, era desviado “pelos desejos da carne, satisfazendo às vontades da carne e seus impulsos”. Já nas epístolas escritas por Paulo ele diz que antes de ser cristão, era “irrepreensível” quanto à “justiça que há na lei” (Fl 3,6)

O verbo salvar só era usado no futuro nas cartas de Paulo. As pessoas ainda serão salvas, salvação não é algo que as pessoas já tenham, é o que elas irão ter quando Jesus retornar e poupar seus seguidores da ira de Deus. Mas Efésios fala que as pessoas já foram salvas pela graça de Deus.

Paulo dizia que a ressurreição era um acontecimento físico futuro, Paulo era enfático nesse ponto, como 1 Coríntias 15 demonstra. E Paulo combatia, na sua carta aos coríntios, a visão de que os crentes já desfrutavam de uma existência ressuscitada em Cristo.

“Contudo, compare essa afirmação com o que diz Efésios: ‘Quando ainda estávamos mortos em consequência de nossos pecados, [Deus] deu-nos vida juntamente com Cristo, [...] juntamente com ele nos ressuscitou e nos fez assentar nos céus.’ (2, 5-6). Ali os crentes já experimentaram uma ressurreição espiritual e desfrutaram de uma existência celestial aqui e agora. Esse é o ponto de vista contra o qual Paulo argumentou em sua carta aos coríntios

COLOSSENSES

p. 116-117 “As razões para crer que o livro, na verdade, não foi escrito por Paulo são em grande parte as mesmas do caso de Efésios. Entre outras coisas, o estilo de redação e o conteúdo do livro diferem significativamente daqueles das epístolas não questionadas de Paulo. De longe o mais convincente estudo do estilo de redação de Colossenses foi feito pelo acadêmico alemão Walter Bujard há cerca de quarenta anos. Bujard analisou todos os tipos de traços estilísticos da epístola: o tipo e a frequência das conjunções, infinitivos, particípios, orações subordinadas, sequência de genitivos e uma série de outros elementos. Ele se interessou sobretudo por comparar Colossenses com epístolas de Paulo de tamanho similar: Gálatas, Filipenses e 1 Tessalonicenses. As diferenças entre essa carta e os escritos de Paulo são chocantes de convincentes. Apenas como prova:

Frequência com que a epístola usa ‘conjunções adversativas’ (por exemplo, ‘embora’): Gálatas, 84; Filipenses, 52; 1 Tessalonicenses, 29. Colossenses, apenas 8.

Frequência com que a epístola usa conjunções causais (por exemplo, ‘porque’): Gálatas, 45; Filipenses, 20; 1 Tessalonicenses, 31. Colossenses, apenas 9.

Frequência com que a epístola usa uma conjunção (por exemplo, ‘que’, ‘como’) para introduzir uma declaração: Gálatas, 20; Filipenses, 19; 1 Tessalonicenses, 11. Colossenses, apenas 3.

A lista continua por muitas páginas examinando todo tipo de informação, com inúmeras considerações, toas apontando na mesma direção: é alguém com um estilo de redação diferente do usado por Paulo.

E mais uma vez, aqui, o conteúdo do que o autor diz está em contradição com o que Paulo pensava, mas é coerente com Efésios” O de que os cristãos já foram elevados com cristo quando batizados, apesar de Paulo combater essa visão e falar que a ressurreição era futura (ver Cl 2, 12-13).

Hipótese do secretário

Aqui o Bart Ehrman refuta a ideia de que essa falsificações não foram falsificações, porque o estilo literário diferente nas cartas se deve a um secretário que escrevia enquanto Pedro ou Paulo as ditava. Primeiro Ehrman concorda que Paulo usava um secretário em certas cartas.  P. 137 “Em Romanos 16, 22, lemos: ‘Eu, Tércio, que escrevi esta carta, vos saúdo no Senhor’. Tércio não quer dizer que foi o ‘autor’ da carta.”

p. 137 “Paulo usou um secretário para todas as suas cartas. Impossível dizer. Os secretários contribuíram com o conteúdo das cartas? Isso é mais fácil dizer. A despeito o que os estudiosos frequentemente alegam, todas as evidências de que dispomos sugerem que a resposta é não. A mesma evidência se aplica aos autores de 1 Pedro, 2 Pedro, e a todos os outros escritores cristãos iniciais”

Não existe nenhuma evidência no mundo antigo de pessoa que pediu a um secretário para escrever uma carta extensa, com argumentação, e deixou o nome do secretário de fora e só colocou o seu nome, como se fosse ele que tivesse feito a carta.

A única pessoa que fez algo próximo a isso na Antiguidade, de que temos conhecimento, foi Cícero que pediu a Tiro para escrever uma rápida e curta carta como se fosse ele, Cícero, que tivesse escrevendo.

E nessas cartas falsificados em nome de Paulo e Pedro não há referência a secretário. E mesmo quando era usado um secretário, ele só escrevia o que o autor ditava, o que não mudava o estilo literário do próprio autor que estava ditando.

“O que é mais provável: um cenário que não tem qualquer analogia conhecida (Pedro pedindo a alguém para escrever uma tratado em seu nome) ou um cenário com muitas analogias, já que acontecia o tempo todo? Falsificações aconteciam o tempo todo. Certamente essa é a melhor explicação para o que está acontecendo aqui.” O mesmo se aplica às cartas de Paulo.

Falsas atribuições

p. 218 “Porém, quando os pais da Igreja estavam decidindo quais livros incluir nas Escrituras, era necessário ‘saber’ quem escrevera esses livros, já que apenas escritos com claras ligações apostólicas podiam ser considerados Escritura oficial”. Estava circulando quatro evangelhos antigos anônimos com o nomes de Mateus, Marcos, Lucas e João. O livro de Atos foi atribuído a Lucas. O livro de Hebreus foi atribuído a Paulo, embora muitos estudiosos antigos soubessem que não era de Paulo, como os acadêmicos de hoje concordam. Três escritos com algumas semelhanças com o evangelho de João foram chamados de 1, 2 e 3 João. Nesses casos, não são falsificações, porque não é o autor fingindo ser outra pessoa, é uma atribuição falsa de autor a um escrito.

Muitas vezes, em textos da Bíblia, os autores escreviam anonimamente para aumentar a autoridade. Pois assim não era a versão da história de fulano, era “a” história. P. 221 Esse é o caso dos livros de Josué, Juízes, 1 e 2 Samuel e 1 e 2 Reis. Todos esses são livros anônimos do Antigo Testamento.

p. 222 “O anonimato dos escritores dos evangelhos foi respeitado durante décadas. Quando os evangelhos do Novo Testamento eram referidos ou citados por autores do começo do século II, nunca eram intitulados, nunca nomeados. Mesmo Justino Mártir, escrevendo por volta de 150-160 d.C., cita versículos dos evangelhos, mas não indica que eles tinham nomes. Para Justino, esses livros eram conhecidos coletivamente como as ‘Memórias dos apóstolos’. Cerca de um século após os evangelhos começarem a circular, eles foram definitivamente chamados e Mateus, Marcos, Lucas e João. Isso acontece pela primeira vez nos escritos do pai da Igreja e futuro heresiólogo Irineu, por volta de 180-185 d.C.”

“Para Irineu, assim como o evangelho de Cristo tinha sido espalhado pelos quatro ventos do céu, para os quatro cantos da Terra, só poderia haver quatro evangelhos, e eles são Mateus, Marcos, Lucas e João.”

Existiam muitos evangelhos circulando na época, e Irineu queria limitar os evangelhos que poderiam ser utilizados àqueles que eram compatíveis com sua visão teológica. Então os que não eram compatíveis com sua visão teológica ele considerava heréticos.

Existiam boatos, registrados em escritos de Pápias, por volta de 120-130 d.C. de que o discípulo Mateus tinha escrito as falas de Jesus em hebraico e que outro traduziram em grego. E que Marcos tinha organizado a pregação de Pedro sobre Jesus e tinha criado um livro. O Evangelho de Mateus não é uma coletânea de falas de Jesus, contém relatos de acontecimentos e milagres, e está em grego. E não há nada no Evangelho de Marcos que sugira que seja uma versão de Pedro.

p. 224 “Por fim, acabou sendo necessário atribuir nomes de autores aos quatro evangelhos mais utilizados nos círculos ortodoxos, para distingui-los dos ‘falsos’ evangelhos usados por heréticos. Não é difícil identificar esse processo no primeiro e no quarto evangelhos. Como se acreditava que Mateus havia escrito um evangelhos (daí Pápias), um dos evangelhos recebeu o seu nome, aquele que parecia ser o mais judaico em sua orientação, uma vez que, afinal Mateus era judeu. Acreditava-se que o quarto evangelho pertencia a um personagem misterioso citado no livro como ‘o discípulo amado’ (ver, por exemplo, João 20, 20-24), que precisaria ter sido um dos seguidores mais próximos de Jesus. Em nossas tradições iniciais, os três mais próximos de Jesus eram Pedro, Tiago e João. Pedro era citado explicitamente no evangelho, por isso não poderia ser o discípulo amado; Tiago era conhecido por ter sido martirizado nos primórdios da história da Igreja, portanto não poderia ter sido o autor. Isso permitia que fosse João, o filho de Zebedeu.”

Marcos foi companheiro de Paulo, e acreditava-se ser o braço direito de Pedro. Assim, a versão de Marcos era como a versão de Pedro.

O terceiro evangelho, de Lucas, parecer ter sido escrito pelo mesmo autor de Atos, que alega em Atos ser companheiro de Paulo. No livro de Atos é dito que o cristianismo fez mais sucesso entre os gentios, então o próprio autor poderia ser gentio. Como se acreditava que havia um companheiro gentio de Paulo chamado Lucas, então o terceiro evangelho foi atribuído a Lucas.

Mas nenhum desses livros parece ter sido escrito por alguma testemunha ocular da vida de Jesus ou por algum companheiro de Pedro ou de Paulo. Inicialmente não se supunha que tinham sido esses os autores. Nesses evangelhos, os autores não falam em primeira pessoa relatando os eventos. Nunca alegam estar presentes nos eventos que narram. Os livros são claramente anônimos. E cristãos, posteriormente, teriam ótimos motivos para atribuir nomes com autoridade apostólica a esses escritos que eram favoráveis a sua visão teológica, condenando outros evangelhos como heréticos.

Durante séculos, houve cristãos que queriam que a “Epístola de Barnabé” fosse incluída no cânone, ou seja, nos livros considerados “oficialmente” inspirados por Deus.

A maioria dos estudiosos de Crítica Textual, a área da Teologia responsável por identificar falsificações e adulterações, concorda que esses livros já mencionados não foram escritos pelas pessoas que os autores alegam ser ou foram atribuições erradas de autores. Mas parte dos estudiosos relutam em chamar isso de falsificação, por vários motivos. E é essa incoerência que o Bart Ehrman vai mostrar a partir de agora.

p. 122 “Algumas vezes, acho um pouco estranho que, quando alguns estudiosos se referem a livros com falsas alegações de autoria fora do Novo Testamento, não têm pudores em chamá-los de ‘falsificações’, mas quando se referem a livros assim dentro do Novo Testamento, os chamam de ‘pseudoepigráficos’. Talvez seja melhor usar o termo técnico mais antisséptico para lidar com a Bíblia? Ou talvez, em vez disso, seja melhor falar com clareza. Estamos lidando com o mesmo fenômeno, seja um livro incluído no cânone ou não.

Neste capítulo, vou abordar as formas pelas quais alguns estudiosos tentaram contornar o problema de o Novo Testamento conter falsificações. Algumas vezes o fazem com explicações que se tornaram muito comuns e disseminadas a ponto de parecer senso comum para algumas pessoas. Entre outras coisas, costuma-se dizer que a prática de fazer falsas alegações de autoria era aceitável em escolas filosóficas da Antiguidade, de modo que era desculpável para um seguidor de Pedro ou Paulo. Ou afirma-se que epístolas supostamente pseudoepigráficas podem ser explicadas imaginando que Pedro ou Paulo usaram secretários para produzir esses escritos. Como veremos, há muito poucas evidências que sustentem qualquer desses ponto de vista.”

p. 126 “Um dos melhores estudiosos alemães a discutir a falsificação no mundo antigo, Norbert Brox afirma explicitamente após repassar todas as discussões antigas:

O conhecimento contemporâneo sobre falsificação mostra, sem qualquer dúvida, que a falsificação literária, mesmo naquela época, levantava a questão de sua própria moralidade e não era absolutamente tolerada com uma prática comum, puramente rotineira e aceitável.”

Os autores que defendem que na Antiguidade era aceitável socialmente e moralmente escrever textos fingindo ser outra pessoa não apresentam nenhuma evidência disso. Ao passo que existem inúmeras evidências de que na Antiguidade isso não era moralmente aceitável.

Existe o poeta Marcial, que ficou furioso por outros poetas escreverem poemas fingindo ser Marcial. Existem críticas ferozes de cristãos contra falsificadores de escritos de Orígenes, Jerônimo e Agostinho.

Heródoto, um historiador grego antigo, fala de Onomácrito de Atenas, que inventou uma profecia de um ser divino e a atribuiu ao antigo bardo Museu, um personagem fictício. Quando as pessoas descobriram que Onomácrito fingiu ser quem não era, as pessoas ficaram bravas com isso. O governante de Atenas, Hiparco, baniu Onomácrito da cidade.

Diótimo falsificou cartas obscenas em nome de Epicuro. Os seguidores de Epicuro não gostaram, e um deles, chamado Zeno, assassinou Diótimo.

O historiador Josefo falou que alguém falsificou uma carta em nome de Alexandre, filho do rei Herodes, indicando um plano de Herodes para matar o pai. O secretário do próprio rei era o responsável pela falsificação, e foi morto por isso.

Serapião permitiu que o Evangelho de Pedro fosse utilizado por uma das igrejas de sua jurisdição. Depois ele percebeu que esse Evangelho ensinava o docetismo, uma crença herética para ele, e considerou que o Evangelho era falsificado, tecendo duras críticas ao Evangelho de Pedro.