DA AQUISIÇÃO À GENERALIZAÇÃO MOTORA: introdução à obra de Kephart

 

Ozinei dos Santos Chaves

 Graduando do Curso de Pedagogia da UNICEL – Faculdade Literatus da turma: 3PED1/11N sob a orientação da Profa. Samara Feitosa da disciplina Tópicos Emergentes.

 

RESUMO

 

           Segundo Kephart, somente com o desenvolvimento perceptivo-motor adequado é que a criança se ajusta ao seu mundo exterior. Isso quer dizer que toda percepção motora não desassocia de outras percepções. Nesse sentido, a criança tem que experimentar e vivenciar as noções do tempo, as atribuições do cotidiano e suas percepções para que não se frustre. Dessa forma, se a criança não vivenciar suas experiências de espaço e de tempo, ela não vai transpor cada etapa do seu desenvolvimento e nem vai teorizar o mundo exterior. Hebb propõe a ideia de que as espécies mais evoluídas são capazes de processos de aprendizagem mais complexas. Isso quer dizer que o homem é o animal mais complexo capaz de desenvolver ações que jamais outros animais desenvolvem. Nesse sentido, faz necessário perceber que a criança se desenvolve além das áreas envolvidas na percepção sensorial, ou seja, naquilo que ela recebe e na expressão motora, sua ação que vai executar a partir dos estímulos. Ele dá maior importância à aprendizagem perceptiva precoce, afirmando que quanto mais largas as áreas associativas mais tempo se dá para que exerçam controle sobre as áreas sensoriais. Devido à natureza dos processos de aprendizagem humana serem mais complexas do que dos animais, levam mais tempo para estruturar-se. De acordo com Kephart, os seres vivos necessitam de oportunidades precoces para aprender, no sentido de desenvolver o seu máximo potencial. Ele afirma que não há separação entre percepção, cognição e ação. Dessa maneira, as atividades perceptivas e motoras não podem ser pensadas como duas entidades separadas. Tendo em vista, que todos os comportamentos, sejam reflexos, automáticos ou voluntários, são produzidos pela motricidade que se materializa por meio da contração muscular. Logo, o desenvolvimento motor torna-se crucial ao desenvolvimento perceptivo e cognitivo, porque participa na elaboração e na organização da estrutura funcional do cérebro de acordo com uma organização progressiva e estrutural. À medida que ele se organiza, a atividade motora torna-se mais diferenciada, variada e flexível. A partir dessas ideias, Kephart quer dizer que toda a aprendizagem escolar, é um processo de relação perceptivo-motora. Com isso torna-se evidente, que é pelo o desenvolvimento e pelo comportamento perceptivo-motor que a criança aprende o mundo, sua noção de espaço, de tempo, de corpo passando pelas esferas motoras, perceptivas até chegar às aptidões cognitivas das aprendizagens simbólicas, entendendo assim, o universo que a envolve. De acordo com Kephart o padrão motor, é uma ação motora especifica dividida em vários movimentos de grande precisão e controle. Logo, a ação é sinônimo de competência ou aquisição motora. Dessa maneira, a generalização motora é uma ação motora de menor precisão. Essa ação é referida como fator de disponibilidade e de flexibilidade comportamental que permite ao ser humano organizar, interpretar e manipular o mundo dos objetos de forma significativa e adaptada. Portanto, a generalização motora corresponde, a generalização intelectual constituída por combinações dos conceitos contidos nas componentes superiores que caracterizam o pensamento e também, uma combinação integrada de muitos padrões motores e de movimentos complexos. E que o desenvolvimento global da criança depende do comportamento perceptivo-motor. Kephart refere-se que o maior problema de aprendizagem do organismo humano é o ajustamento suficiente e harmonioso que ele tem de estabelecer com o universo que o rodeia, de forma que a vida seja viável e suas necessidades básicas possam ser satisfeitas. A aprendizagem decorre, portanto, do numero e da qualidade das interações que o organismo estabelece com o mundo exterior, através das quais a informação sobre o ambiente é generalizada e sistematicamente retida no organismo para uso em interações futuras. O desenvolvimento perceptivo-motor da criança pode conceber-se, na complexidade crescente das interações entre o organismo e o seu meio. A captação de informações  exterior e a produção de respostas interiores, vão-se intricar hierarquicamente ao longo da infância da criança em sete estágios. 1. Estágio motor: as primeiras interações do bebê com o ambiente podem-se considerar essencialmente motoras, na medida em que, depois de abandonar a dependência motora da mãe, nos três primeiros meses, a criança vai ter de conquistar o mundo à sua volta com a sua motricidade vertebrada. Primeiro interessa-se mais pela a ação do que pelos efeitos; ela aprende a mover-se e move-se para aprender, aprende quais são os instrumentos do seu corpo mais disponíveis e como utilizá-los e controla-los; com o corpo e sua motricidade, a criança entra em contato com o mundo exterior e apropria-se de sua informação, exatamente porque a motricidade expressa por ela gera um informação perceptiva concomitante. 2. Estágio motoperceptivo: nesse estagio a criança não dispõe de controle dos órgãos sensoriais exteroceptivos (visão e audição), com isso ela não pode utilizar a visão e audição de forma complexa, mas vai aprendendo a controla-las e integrá-las em ações cada vez mais diferenciadas. Nesse trajeto, a visão associa-se à mão, já apreensiva, mais experimentada e controlada, começando ambas a estabelecer conexões oculomotoras para futura manipulação de objetos. A criança explora o objeto primeiro com a mão e, mais tarde, já o faz com a visão, mas é a mão que inicialmente fornece os dados adequados e os limites da sua exploração. 3. Estágio perceptivo-motor: a criança começa a depender cada vez mais da exploração perceptiva, uma vez que é mais eficiente, veloz, precisa e quantificativamente mais perfeita; a visão assume a função de controle, uma vez que, na unidade de tempo, é o sistema sensorial que mais sistematicamente fornece informações dos objetos e das imagens; a informação prioritária deixa de ser motora para ascender ao plano perceptivo; a visão que lidera e guia a mão, servindo apenas para seguir, confirmar ou aumentar a informação daquele órgão sensorial; a informação perceptiva se torna mais madura e consistente, assumindo o papel prioritário da categorização perceptivo-motor. 4. Estágio perceptivo: a criança pode predizer e selecionar respostas mais eficientes; ela passa a viver em dois mundos complementares, mas distintos: um mundo perceptivo, onde pode ver ouvir, saborear, cheirar, e um mundo motor, por meio do qual ela se comporta, responde se adapta e aprende; aprende na escola ou em qualquer outra situação em certa medida ilustra a categorização bem-sucedida entre a informação perceptiva e a informação motora. 5. Estágio perceptivo-conceitual: nesse estágio a criança pode chegar à noção de conceito, um novo patamar do desenvolvimento dela. O conceito de bola, por exemplo, emerge da abstração de semelhanças entre percepções resultantes de inúmeras experiências com várias bolas. O conceito é uma abstração, uma abstração composta de relações entre percepções; o conceito é assim, uma abstração verdadeira, que pode emergir de uma grande quantidade de percepções, ou seja, a percepção origina a conceptualização. Uma vez atingindo p processo conceitual, a criança passa a dispor de um instrumento muito eficaz para lidar com a multiplicidade da informação e muitas experiências perceptivas podem se combinadas em um único ato psicológico; por ser manipulada simultaneamente, a informação, por mais vasta e complexa que seja, pode ser compreendida e comunicada com mais clareza. 6. Estágio conceitual: é o momento de estabelecer relações entre conceitos, evocando uma espécie de construção ampliada e inter-relacionada de informação. Uma vez que o conceito não envolve informação perceptiva imediata, sua emergência deve-se à informação perceptiva retida, disponível e armazenada. A facilidade com que se manipulam símbolos é a chave adaptativa deste estágio. 7. Estágio conceituo-perceptivo: a criança torna-se cada vez mais dependente da manipulação conceitual da informação, pois vai usando cada vez menos a percepção como primeira fonte, usando-a, como função de confirmação; a conceptualização vai controlando progressivamente a percepção; o conceito assume a função de liderança, sujeitando percepções às suas exigências, compensando-as ou alterando-as em conformidade. Devido a esta função superior, acabamos por ver não o que está presente, mas o que queremos ou desejamos ver. São os nossos conceitos que acabam por guiar as nossas percepções, o que acaba por ilustrar um processo de integração, de extrapolação e de re-representacao, em suma, a informação perceptiva é alterada, apagada ou aumentada para se coadunar com a conceitualização. Kephart considera a motricidade como a base do comportamento, não apenas nos primeiros meses de vida, mas ao longo da vida, uma vez que todas as formas de comportamento, do mais simples ao mais complexo, do reflexo à reflexão, são concretizadas por meio de uma resposta adaptativa motora ou muscular. Para o autor as seguintes capacidades motoras básicas são: a postura, lateralidade, direcionalidade e imagem corporal. A postura surge como a capacidade básica ou como o padrão motor básico que torna possível a existência de todas as outras; é o ponto de referencia primacial do universo de cada indivíduo. Toda a nossa orientação no mundo depende da maneira como controlamos a postura, tanto que é a postura ereta e bípede, exclusiva do ser humano, o ponto de apoio e de suporte de toda a motricidade humana. A postura, como ponto zero de orientação no espaço e eixo gravitacional do corpo, é o ponto de origem de todas as direções e orientações no espaço e é a origem ou o abecedário do sistema espacial. A lateralidade surge como a capacidade perceptivo-motora interiorizada que traduz a percepção integrada dos dois lados do corpo: o lado esquerdo e o lado direito. Todas as noções espaciais básicas, como as de cima-baixo, por cima-por baixo, frente-trás, dentro-fora, antes-depois, esquerda-direita, que são noções relativas, estão estruturalmente dependentes de lateralidade. As direções que atribuímos ao espaço exterior são baseadas nas atividades motoras e sensoriais que emanam do organismo, porque não recebemos fora organismo nenhuma informação direta relacionada com direção. A importância da lateralidade é, portanto, determinante na relação e na interação com o mundo (Piaget et al.,1948). Para a nossa consciência operar bem, a lateralidade é fundamental, sua falta ou falha não permitiria a orientação ou a navegação no universo, e não seria possível domesticar, muito menos representar e manipular, o espaço. A direcionalidade surge como a capacidade de transferir a nação de esquerda e de direita do corpo para a discriminação da noção de esquerda e direita dos objetos no espaço do entorno ou dos símbolos. As relações e as direções espaciais desenvolvem-se primeiro em relação com a própria criança, consubstanciando uma componente subjetiva da imagem corporal. A direcionalidade representa um nível de organização espacial mais complexo, porque está associada ao controle motor dos olhos, mecanismo básico da chamada inteligência espacial. Outro aspecto original que Kephart dá à noção de direcionalidade está intimamente relacionada com a imagem corporal, ou seja, com a noção de linha media do corpo, algo de difícil integração bilateral em muitas crianças com problemas de coordenação motora ou de aprendizagem. A imagem corporal envolve a capacidade de organização neurológica e integrada das capacidades motora anteriores (postura, lateralidade e direcionalidade). É a noção que a criança tem do seu corpo em todas as vivencias interiores e nas situações de exploração e de orientação no mundo exterior. A imagem corporal representa a diferenciação funcional de suas várias partes e respectivas relações com o mundo exterior e com os objetos, daí ser indispensável a independência dos vários segmentos corporais nas aprendizagens, operando como coordenações apoiadas na postura. Os objetos com os quais lidamos são orientados no espaço em referencia à posição e à localização que o nosso corpo ocupa nele. As sensações (informações) que recebemos e que nos permitem formar imagens nas nossas mentes representam, no fundo, o modo como o corpo nos surge como síntese da nossa vivência. A imagem corporal fornece ao indivíduo uma consciência motora como uma referência constante, a partir da qual podemos explorar relações externas a nós próprios. Para que a criança esteja disponível para o mundo exterior e, consequentemente, para as aprendizagens escolares básicas, torna-se necessário para Kephart, que a criança passe por determinadas generalizações motoras: equilíbrio e controle postural, locomoção, contato, recepção e propulsão-devolução. O equilíbrio e o controle corporal são entendidos como uma generalização motora, que está relacionada com a vigilância e o suporte do corpo face à forca da gravidade. A locomoção é entendida como a aprendizagem ou habilidade através da qual a criança estabelece, por um lado, as relações entre si e os objetos e, por outro, as relações e explorações entre si e o próprio espaço, incluindo nessa locomoção os seguintes padrões: reptacao, quadrupedia, marcha, corrida, salto, saltitar e trepar. O contato é entendido como o meio pelo qual a criança se informa sobre os objetos através da sua manipulação e manuseio, que, para o autor, compreende três atividades essenciais: abordagem, preensão e libertação dos objetos, isto é, apanhar-manipular-largar. São estas atividades que permitem à criança a investigação dos objetos através das avenidas sensoriais (ver, cheirar, ouvir, saborear e sentir). A recepção e propulsão são entendidas como as atividades motoras pelas quais a criança aprende o movimento dos e com os objetos. Kephart considera estas atividades (agarrar, puxar, empurrar, lançar e bater) como atividades dinâmicas. Ele afirma que a criança tem a necessidade de explorar os objetos, primeiro de uma forma egocêntrica, em que seu corpo constitui, para este efeito, o centro do universo, e, depois, de forma heterocêntrica. Segundo o autor, a criança deve aprender a diferenciar três planos médios do corpo: plano sagital (lado esquerdo e direito); plano frontal (anterior e posterior); plano horizontal (em cima e em baixo). Portanto, o autor considera que, enquanto a recepção se refere às atividades que a criança observa quando os objetos se dirigem na sua direção ( quando recebe um bola ou agarra um objeto), a devolução ( propulsão) se refere às atividades que a criança executa quando os são movimentados a partir de si própria ( quando lanca uma bola a um colega, atira a bola ao gol, empurra um objeto ou atira uma pedra ou um dardo a um alvo determinado).