RESUMO DO LIVRO ¹TEORIA DO CONTO

 

Três acepções da palavra conto

 

Para Julio Casares há três acepções da palavra conto, que Julio Cortázar utiliza no seu estudo sobre Poe: 1. Relato de um acontecimento; 2. Narração oral ou escrita de um acontecimento falso. 3. Fábula que se conta às crianças para diverti-las.

Todas apresentam um ponto comum: são modos de se contar alguma coisa e, enquanto tal, são todas narrativas. Pois “toda narrativa consiste em um discurso integrado numa sucessão de acontecimentos de interesse humano na unidade de uma mesma ação” afirma Claude Brémond, ao examinar a “lógica dos possíveis narrativos”.

O conto: falso ou verdadeiro?

 

O contar (do latim computare) uma estória, em princípio, oralmente, evolui para o registrar as estórias, por escrito. Mas o contar não é simplesmente um relatar acontecimentos ou ações. Pois relatar implica que o acontecido seja trazido outra vez, isto é: re (outra vez) mais latum (trazido), que vem de fero (eu trago).

O conto, no entanto, não se refere só ao acontecido. Não tem compromisso com o evento real. Nele, realidade a ficção não têm limites precisos. Um relato copia-se; um conto inventa-se, afirma  Raúl Castagnino.  A esta altura, não importa averiguar se há verdade ou falsidade: o que existe é já a ficção, a arte de inventar um modo de se representar algo. Há textos que têm intenção de registrar com mais fidelidade a realidade nossa.

O conto literário

 

A história do conto, nas suas linhas mais gerais, pode se esboçar a partir desse critério de invenção, que foi se desenvolvendo. Antes, a criação do conto e sua transmissão oral. Depois seu registro escrito. E posteriormente, a criação por escrito dos contos, quando o narrador assumiu esta função: de contador-criador-escritor de contos, afirmando, então, o seu caráter literário.

A voz do contador, seja oral ou escrita, sempre pode interferir no seu discurso. Há todo um repertório no modo de contar e nos detalhes do modo de como se conta – entonação de voz, gestos, olhares, ou mesmo algumas palavras e sugestões – que é passível de ser elaborado pelo contador, neste trabalho de conquistar e manter a atenção do auditório.

O conto maravilhoso

 

O conto, segundo a terceira acepção de Julio Casares, entendido como “fábula que se conta às crianças para diverti-las”, liga-se mais estreitamente ao conceito de estória e do contar estórias, e refere-se, sobretudo, ao conto maravilhoso, com personagens não determinadas historicamente. E narra como “as coisas deveriam acontecer” satisfazendo assim uma expectativa do leitor e contrariando o universo real, em que nem sempre as coisas acontecem da forma que gostaríamos.

A epifania (James Joyce)

 

Um dos momentos especiais é concebido como o que se chama de epifania. Epifania, tal como a concebeu James Joyce, é identificada como uma espécie ou grau de apreensão do objeto que poderia ser identificada com o objetivo do conto, enquanto uma forma de representação da realidade. Para Joyce, segundo um dos capítulos do seu Stephen Hero, epifania é “uma manifestação espiritual súbita”, em que um objeto se desvenda ao sujeito.


Um flash dos novos tempos

 

É justamente por esta capacidade de corte no fluxo da vida que o conto ganha eficácia, segundo alguns teóricos, na medida em que, breve, flagra o momento presente, captando-o na sua momentaneidade, sem antes nem depois. É o caso, entre outros, da escritora Nadine Gordimer, para quem o conto representa o real como que através de flashes de luz, intermitentes como o piscar de vagalumes.

A questão da brevidade

 

O conto é uma forma breve. Esta afirmação, que aparece toda vez em que se tenta definir o conto, nos leva a um conhecido ditado:

“No conto não deve sobrar nada, assim como no romance não deve faltar nada”.

Para Alceu Amoroso Lima, numa conferência que fez sobre o conto na Academia Brasileira de Letras, em 1956, o conto é: uma obra de ficção; uma obra de ficção em prosa; uma obra curta de ficção em prosa. E completa:

O tamanho, portanto, representa um dos sinais mais característicos de sua diferenciação. Podemos mesmo dizer que o elemento quantitativo é o mais objetivo dos seus caracteres. O romance é uma narrativa longa. A novela é uma narrativa média. O conto é uma narrativa curta. O critério pode ser muito empírico, mas é muito verdadeiro. É o único realmente positivo.

Considerações finais

Cada conto traz um compromisso selado com sua origem: a da estória. E com o modo de se contar a estória: é uma forma breve. E com o modo pelo qual se constrói este seu jeito de ser, economizando meios narrativos, mediante contração de impulsos, condensação de recursos, tensão das fibras do narrar.

Porque são assim construídos, tendem a causar uma unidade de efeito, a flagrar momentos especiais da vida, favorecendo a simetria no uso do repertório dos seus materiais de composição.

¹Texto extraído da obra de GOTLIB, Nádia Batella. Teoria do conto. Editora Ática S.A. São Paulo, 1991.

 

 * Geone Angioli é especialista em Literatura Brasileira e Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas – Campus/Parintins.