Por: José Carlos de Oliveira Ribeiro

 espaço sempre foi o lócus da produção. A ideia de produção supõe a ideia de lugar. Sem produção não há espaço e vice-versa. Mas, o processo direto da produção é, mais que as outras instâncias produtivas (circulação, repartição, consumo), tributário de um pedaço determinado de território, organizado por uma fração da sociedade para o exercício de uma forma particular de produção.

 O fato de que o espaço total seja indivisível não nos impede de, nele. Distinguir as frações (estradas, condutos, vias e meios de comunicação) utilizadas para permitir que a produção e os seus fatores circulem: pode-se falar num espaço de circulação? Pode-se admitir que haja pedaços de território cuja única função seja a de assegurar a circulação? Cremos que, além disso, deve-se, mesmo, reconhecer que tais espaços de circulação prestam-se de maneira diferente à utilização pelas firmas diversas dentro de uma cidade, região ou país. Ouso seletivo do espaço se daria sobretudo através desse processo, uma vez que, nas condições atuais de circulação rápida do capital, isto é, pela necessidade de rápida transformação do produto em mercadoria ou capital-dinheiro, isto é, nas condições atuais de reprodução, a capacidade maior ou menor de fazer rapidamente o produto é condição, para cada firma.

            A questão pode assim, como vimos ser colocada em termos nacionais e locais: no tocante à produção e à circulação, o dado nacional avulta, graças à hegemonia de que, sem contestação, dispõem as firmas mais poderosas. Quanto ao consumo, sobreleva o dado local, a partir das múltiplas formas de acessibilidade dos bens e serviços, cuja manifestação termina por se dar em termos, sobretudo locais.

 O espaço, como realidade, é uno e total. É por isso que a sociedade como um todo atribui, cada um dos seus movimentos, um valor diferente a cada fração do território, seja qual for a escala da observação, e que cada ponto de espaço é solidário dos demais, em todos os momentos. A isso se chama a totalidade do espaço.

 Hoje, e com grande insistência, que a antiga noção de região não pode resistir às configurações atuais da economia, governada, nos diversos países, por uma internacionalização do capital que abarca novas formas. Houve um momento em que a região era considerada como a categoria do estudo espacial.

 A insistência de uma integração nacional, nos países subdesenvolvidos, favorecia laços mais diretos de cada subespaço nacional (ou, pelo menos, de certos deles, em casos espaciais) em relação com os centros do sistema mundial, cada área exercendo funções reclamadas aos pais (ou colônia) como um todo, mas estritamente localizadas. A inexistência de uma fluidez espacial, isto é, de mobilidade dos fatores, deixava, porém, a impressão de que cada área funcionava segundo uma lógica própria, independente das relações do país como um todo com o sistema mundial.

 Nos países desenvolvidos, as relações eram, sobretudo, regiões históricas, criadas antes da revolução dos transportes, onde o peso do passado, influindo tanto na configuração do espaço na vida econômica e cultural, assegurava a manutenção de um grande número de relações internas, mais facilmente identificáveis, mais empiricamente comprováveis e, sobretudo, mais presentes na interpretação dos estudiosos, pondo, desse modo, na sombra, as relações externas, das quais as relações internas dependiam em última análise.

 A internacionalização do capital produtivo, paralela à fase técnico-científico atual do imperialismo, veio pôr à debilidade do conceito, pelo menos em sua noção clássica. O processo de acumulação ganha novo ritmo e a localização das atividades mais rentáveis se torna mais seletiva.

 Uma região é, na verdade, o lócus de determinadas funções da sociedade total em um momento dado. Mas, pelo fato de que, no passado, o mesmo fenômeno se produziu, as divisões espaciais do trabalho precedentes criaram, na área respectiva, instrumentos de trabalho fixos ás diversas órbitas do processo produtivo, aos quais se vem juntar novos instrumentos de trabalho necessários às atividades novas e renovadas atuais.

 A região se definiria, assim, como o resultado das possibilidades ligadas a uma certa presença, nela, de capitais fixos exercendo determinado papel  ou determinadas funções técnicas e das condições do seu funcionamento econômico , dadas pela rede de relações acima indicadas. Pode-se dizer que há uma verdadeira dialética entre ambos esses fatores concretos, um influenciando e modificando o outro.

 Assim, o regional seria dado exatamente por formas, consideradas, porém, como formas técnicas, exceto se já não funcionam, jamais deixam de ser portadores de um conteúdo, isto é, de um sistema de relações ligado à lógica interna de firmas ou instituições e que resistências à lógica mais ampla, de natureza geral, nacional.

 A penetração, no campo, das formas mais modernas do capitalismo conduz a dois resultados complementares. De um lado, novos objetos geográficos se criam, fundando uma nova estrutura técnica, de outro, a própria estrutura do espaço muda. Designações tais como região urbana ou zona rural ganham um novo conteúdo. Numa área onde a composição orgânica do capital é elevada, onde quantidade e qualidade das estradas favorece a circulação e as trocas, onde a proximidade de uma grande cidade e a especialização produtiva e espacial conduz a complementação, o campo se industrializa, torna-se objeto de relação de capital avançadas , claramente distintas das que têm lugar tanto nas regiões agrícolas tradicionais, quanto naquelas que, sendo modernas, estão distanciadas das áreas urbanas mais desenvolvidas.

O que distinguiria a região urbana e a região agrícola não será mais a espacialização funcional, mas a quantidade, a densidade e a multidimensão das relações mantidas sobre o espaço respectivo. A noção de oposição cidade-campo torna-se, desse modo, mudança, para dar lugar à noção de complementaridade e seu exercício sobre uma porção do espaço. Sem dúvida, o espaço total de um país é solidário, portanto complementar. Aqui, porém, trata-se de cooperação a uma escala inferior, isto é, à escala do processo imediato da produção e/ ou consumo.                

BIBLIOGRAFIA

SANTOS,Milton. Espaço e Método. Nobel, São Paulo, 1985 (p. 61-70)