Quem é o povo? (Friedrich Muller)

           No primeiro momento em contato com a obra “quem é o povo?” De Muller, observamos o seu sarcasmo ao referir-se a “povo” no inicio como pessoas cidadãs, e, no decorrer do primeiro capitulo ele desfoca o sentido povo-cidadão para povo-constituição, trazendo uma melhor explicação de como as novas constituições estão tratando do termo “povo” em suas normas. De fato observando o texto vemos que o emprego da expressão “povo” trata-se da função de legitimação do sistema político-jurídico de um Estado. É exatamente o que ocorre no preâmbulo da Constituição Federativa Brasileira de 1988 e no artigo 1º- paragrafo único onde fala que “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.” Quando Muller cita isso em sua obra torna-se claro que ele busca mostrar o termo a cima, não apenas pelo viés do Direito-Positivo, mas sim pela dimensão de legitimação da expressão “povo”. A obra é divida em quatro partes: a) “Povo” como povo ativo – onde o autor discorre a forma dominante do povo ativo, nesse sentido por intermédio de eleições e em parte por meio da iniciativa popular, onde eles buscam eleger seus representantes, é importante frisar que só é contabilizado povo ativo os titulares de nacionalidade, os estrangeiros que residem em no país há muito tempo pagam impostos e gozam da mesma liberdade que os cidadãos naturalizados, não tem o direito de participar com o “voto” das campanhas politicas. b) “Povo” como instância global de atribuição de legitimidade – onde discorre-se que os Poderes Executivo e Judiciário estão interligados com a noção de Estado de Direito e Democracia, assim a população elege seus representantes no Parlamento, que são responsáveis pela criação de normas abstratas e gerais. As normas passam a ser publicadas onde elas tratam das relações de individuo e estado de forma geral, ou seja, o povo elege seus representantes onde eles passam a criar normas na qual as mesmas entram em vigor e acabar por vincular as ações e interesses dos próprios cidadãos. Tudo isso forma uma espécie de ciclo (Kreislauf) de atos de legitimação, que em nenhum lugar pode ser interrompido (de modo não democrático). Esse é o lado democrático do que foi denominado estrutura de legitimação. (...) Parece plausível ver nesse caso o papel do povo de outra maneira, como instancia global de atribuição de legitimidade democrática. É nesse sentido que são proferidas e prolatadas decisões judiciais em ‘nome do povo’ (p. 60). É nessa passagem de sua obra que ele se respalda quanto a sua linha de pensamento do povo como instância global de atribuição de legitimidade. c) “Povo” como ícone – No capitulo nota-se o “povo” como intocável, ou seja, uma imagem totalmente abstrata tendo sida construída como única e indivisível. Observa-se também que o termo acima não é exatamente classificado a um grupo de pessoas, é totalmente o avesso percebe-se que diz respeito a um povo que é inexistente na vida real. É exatamente este povo- “povo ícone” – que a minoria que detém o poder invoca, observemos o passado de politicas xenófobas, que se respaldavam em seus discursos mentirosos com a frase “em nome do povo”. d) “Povo” como destinatário de prestações civilizatórias do Estado – Este capitulo fala que o fato de um individuo criar suas atividades sociais e laços familiares em um determinado território constitui fenômeno dele ter obrigações com esse determinado estado ou seja suas obrigações se tornaram tributárias, civis e etc..., No caso esse povo é determinado de “povo destinatário” é ao qual se destinam todos os bens e serviços providos pelo Estado Democrático de Direito, fazem parte todas as pessoas, independentemente, também, de idade, estado mental e status em termos de direitos civis. Muller acaba por destacar que a legitimidade do sistema democrático não esta na busca de um conceito jurídico ou politico, mas de levar totalmente a sério esse termo, porque “povo” é uma realidade viva do mundo. Observemos que no decorrer desses capítulos o autor sempre busca apresentar que o povo possui uma ligação muito forte com o Estado de Direito que se define democrático. E esse Estado tem um déficit que esta no seu poder de criar as leis no qual coloca os atributos objetivos para o sujeito em si se identificar como povo. O contexto histórico se despediu da pratica de constituições paralelas, da vigências provisória e das leis regulamentadoras e complementares, que talvez levem o perfeccionismo ao absurdo. O povo legitimador nos textos normativos de direto constitucional com caráter obrigatório, deixam vincular-se a realidade de um povo ativo. No capitulo VI ele faz seguinte pergunta: A que grupos reais correspondem os modos de utilização do termo “povo”? onde o mesmo enfatiza mais uma vez que “O povo como instância de atribuição está restrito aos titulares da nacionalidade, de forma mais ou menos clara nos textos constitucionais; o povo ativo está definido ainda mais estreitamente pelo direito positivo (textos de normas sobre o direito a eleições e votações, inclusive a possibilidade de ser eleito para diversos cargos públicos). Por fim, ninguém está legitimamente excluído do povo-destinatário; também não e.g. os menores, os doentes mentais ou as pessoas que perdem_ temporariamente_ os direitos civis.” (P. 79, 80). Conclui-se sobre a obra que na teoria política e constitucional, povo não é um conceito descritivo, mas operacional: não designa uma realidade definida e inconfundível da vida social, mas pretende encontrar um sujeito para a atribuição de certas prerrogativas e responsabilidades coletivas, no universo jurídico-político.
Cabe lembrar que os conceitos de democracia e poder constituinte vêm cada vez mais se identificando, quase sempre correspondentes. Ou seja, o poder constituinte, antes tido apenas como fonte onipotente e expansiva de produção de normas constitucionais dos ordenamentos jurídicos, agora é cada vez mais visto como sujeito desta produção igualmente onipotente e expansiva. Sobre a desigualdade e exclusão somos obrigados a concordar com Muller que em seu pensamento em países de grande desigualdade social como o Brasil, “o aperfeiçoamento democrático não passa necessariamente tal como sucede em países igualitários, pela atribuição de maiores poderes decisória ao povo, através da ampliação do uso obrigatório de referendos e consultas populares. É que justamente esses poderes acrescidos não serão de fato exercidos pelo povo, enquanto corpo coletivo unitário, mas sim pelos detentores do verdadeiro poder supremo efetivo, no seio do povo. Em suma, pelos oligarcas de sempre. São eles – e unicamente eles – que constituem na realidade...”. Concordamos ao  afirmar que o grande problema no Brasil, residia no fato de que nunca fomos um povo. Portanto, mais do que definir materialmente no texto normativo (matriz jurídica), as categorias conceituais estabelecendo na práxis o titular do sujeito político para o termo povo, precisa-se no Brasil garantir substancialmente os direitos humanos fundamentais nas suas diversas dimensões. (vigência) E para a viabilização deste núcleo pétreo a todos os brasileiros em quaisquer situações, será necessário romper com os ranços mais arraigados no Estado brasileiro (universo relacional, patronato, escravismo, cordialidade...), estabelecendo um povo que possa fazer-se reconhecido através de seus universos socioculturais segregados e vivências político-econômicas estratificadas por séculos de negação de ser, pelo mandar inato nacional. Outra questão, por fim, será como garantir o não aprisionamento da vontade popular nas instituições garantindo o recall, o plebiscito e o referendo e práticas como orçamento participativo. Acredita-se que com o processo gerado pelo reconhecimento de si e para si como protagonista no jogo político institucional brasileiro (soberania popular direta) e reconhecimento de direitos, sem apadrinhamentos ou tutelas estatais ou de qualquer ente paraestatal ou mesmo do terceiro setor, este quadro possa começar a se reconfigurar. Por fim ficamos com a resposta ao seu questionamento – quem é o povo? – com as seguintes palavras: “Trata-se de ‘todo’ o povo dos generosos documentos constitucionais; da população, de todas as pessoas inclusive das (até o momento) sobre integradas e das (até o momento) excluídas”. Isso conclui a resposta da obra - quem é o povo?- na perspectiva do autor e na perspectiva do leitor.

"A democracia é o governo do povopelo povo, para o povo." (Abraham Lincoln).

Por: Ábia Almeida