Ressocialização do Egresso do Sistema Prisional

Juliana Porto de Mattos

Introdução

A partir do princípio de que o ego se estrutura como uma etapa de adaptação evolutiva do indivíduo e que esse pode internalizar características de alguém valorizado, sentindo-se como ele, pode-se também dizer que essa identificação é um processo necessário no desenvolvimento humano. Ocorre no início da vida, porém manter-se nessas identificações ou imitações acarretam “danos” à identidade do indivíduo.

Esses “danos” podem, de uma certa maneira, fazer com que a identidade dessas pessoas não se desenvolva efetivamente. Temos como exemplo disso, pessoas que se envolvem no mundo do crime para seguir o mesmo caminho de alguém que seja idealizado por elas e não porque é uma necessidade própria.

Assim, devido ao fato de que o indivíduo não consegue ter essa identidade própria, é que os sistemas prisionais poderiam ajudar-lhe nessa problemática, o reeducando, impondo regras, oferecendo trabalhos e atividades que possam auxiliar em um desenvolvimento maior desse indivíduo, enfim colaborarem para que possa haver uma ressocialização desses indivíduos ao ponto de poderem reintegrar-se à sociedade, respeitá-la e serem respeitados pela mesma. Além disso, adquirirem uma identidade própria para serem capazes de discernir o que é bom para si e para a humanidade e que pode colocar em risco sua liberdade novamente. 

 Referencial teórico

Durante a Idade Média, o prisioneiro era torturado até a morte para que servisse de exemplo para o restante da massa o que acontecia aos que desrespeitassem a lei e a ordem.

O homem da penitenciária é a imagem do mundo do trabalho burguês, na qual mostra que o indivíduo fraco, atrasado, animalizado tem que passar por sofrimentos. Isso faz com que a violência introvertida nele, muitas vezes, se repita.

De acordo com Adorno (1985),os prisioneiros são pessoas doentes. A maioria deles já está doente quando cometem o crime, porém isso não ocorre apenas no caso desses doentes, mas sim com pessoas sadias, que devido às circunstâncias e aos estímulos submetidos, também podem transgredir a lei.

Os prisioneiros são indivíduos que sofrem e a punição a que são submetidos, muitas vezes é um castigo cego, uma desgraça, uma moléstia.

Segundo Tocqueville, as repúblicas burguesas, ao contrário das monarquias, castigam a alma, não apenas o corpo, apodrecendo espiritualmente dentro das prisões, que só o nome, na prática, se difere dos manicômios.

Em relação ao desenvolvimento do ego desses indivíduos, ele surge como uma instância que se diferencia a partir do Id, servindo de intermediário entre o desejo e a realidade. Diferenciado a partir de uma formação instintiva, para Freud, o Ego se estrutura como uma nova etapa de adaptação evolutiva do sujeito. Isto o leva a afirmar que o Ego é acima de tudo corporal, ou seja, biológico.

O Ego dá o juízo de realidade, funcionando pelo processo secundário. O Id dá o nível do desejo, o nível do querer independentemente das possibilidades reais de o desejo ser satisfeito ou não. O Ego partirá do desejo, da imagem formada pelo processo primário para tentar construir na realidade caminhos que possibilitem a satisfação do desejo. Outra característica do Ego é ser intermediário entre os processos internos (Id-Superego) e a relação destes com a realidade. Cabe ao ego organizar uma síntese atual, tornando o indivíduo único e original e permitindo-lhe uma adaptação ativa ao mundo presente em que vive.

É a sede da angústia, como instância adaptativa. O Ego é o responsável pela detecção

dos perigos reais e psicológicos que ameaçam a integridade do indivíduo.

No ego, se desenvolve também uma instância capaz de isolar-se do resto daquele ego e entrar em conflito com ele. A essa instância chamamos de ideal de ego e, a título de funções, atribuímos-lhe a auto-observação, a consciência moral, a censura dos sonhos e a principal influência na repressão. Ele é herdeiro do narcisismo original em que o ego infantil desfrutava de auto-suficiência; gradualmente reúne, das influências do meio ambiente, as exigências que este impõe ao ego, das quais este não pode sempre estar à altura; de maneira que um homem, quando não pode estar satisfeito com seu próprio ego, tem, no entanto, possibilidade de encontrar satisfação no ideal do ego que se diferenciou do ego. O valor da distância entre esse ideal de ego e o ego real é muito variável de um indivíduo para o outro e que, em muitas pessoas, essa diferenciação dentro do ego não vai além da que sucede em crianças.

Além disso, é diante de sentimentos de inadequação, que o sujeito internaliza características de alguém valorizado, passando a sentir-se como ele. A identificação é um processo necessário no início da vida, quando a criança está assimilando o mundo. Mas permanecer em identificações impede a aquisição de uma identidade própria. Os movimentos fanáticos também se estruturam sobre a identificação: pessoas que se sentiam vazias passam a sentir-se valorizadas por se identificarem com o líder, ou com as propostas do movimento.

A identificação é conhecida pela psicanálise como a mais remota expressão de um laço emocional com outra pessoa. Ela desempenha um papel na história primitiva do complexo de Édipo. Um menino mostrará interesse pelo pai, gostaria de crescer como ele, ser como ele e tomar seu lugar em tudo. Podemos dizer que toma o pai como seu ideal.

Ao mesmo tempo, essa identificação com o pai, ou pouco depois, faz com que o menino comece a desenvolver uma catexia de objeto verdadeira em relação à mãe. Apresenta então, portanto, dois laços psicologicamente distintos: uma catexia de objeto sexual e direta para com a mãe e uma identificação com o pai que o toma como modelo.

Pode acontecer que o complexo de Édipo se inverta e que o pai seja tomado como objeto de uma atitude feminina, objeto no qual os instintos diretamente sexuais busquem satisfação; nesse caso, a identificação com o pai torna-se a precursora de uma vinculação de objeto com ele.

É fácil enunciar numa fórmula a distinção entre a identificação com o pai e a escolha deste como objeto. No primeiro caso, o pai é o que gostaríamos de ser; no segundo, o que gostaríamos de ter, ou seja, a distinção depende de o laço se ligar ao sujeito ou ao objeto do ego.

Existe um terceiro caso, particularmente freqüente e importante, de formação de sintomas, no qual a identificação deixa inteiramente fora de consideração qualquer relação de objeto com a pessoa que está sendo copiada. O mecanismo é o da identificação baseada na possibilidade ou desejo de colocar-se na mesma situação.

Enfim, primeiramente a identificação constitui a forma original de laço emocional com um objeto; segundo, de maneira regressiva, ela se torna sucedâneo para uma vinculação de objeto libidinal, por assim dizer, por meio da introdução do objeto no ego; e, terceiro, pode surgir como qualquer nova percepção de uma qualidade comum partilhada com alguma outra pessoa que não é o objeto do instinto sexual. Quanto mais importante essa qualidade comum é, mais bem sucedida pode tornar-se essa identificação parcial, podendo representar assim o início de um novo laço.

A manutenção dessas imitações e identificações, pode fazer com que prejudique a construção de identidade própria em cada indivíduo, iniciando, talvez, aí uma vida criminosa.

Um crime seria um ato no qual esse indivíduo transgrediu a lei de um Estado, sendo tanto culposo como doloso. De acordo com o MIRABETE (2006),o crime doloso é quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzí-lo. O crime culposo é quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.

Mais especificamente, o homicídio, é um crime contra a vida, um crime material e se consuma com a morte da vítima. Pode ser doloso (simples, privilegiado e qualificado) ou culposo (simples e qualificado). O homicídio, punido desde a época dos direitos mais antigos, era definido como a ocisão violenta de um homem injustamente praticada por outro homem.

Consumado ou tentado, quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, é considerado como “crime hediondo”.

O homicídio como crime comum que é, pode ser praticado por qualquer pessoa. O ser humano, só ou associado a outros, empregando armas ou não,é o sujeito ativo do crime.

  • Tipo objetivo

Tratando-se de crime de ação livre, pode o homicídio ser praticado através de qualquer meio, direto ou indireto, idôneo à extinguir a vida.

Os meios diretos são utilizados pelo agente ao atingir a vítima de imediato (disparo de arma de fogo, propinação de veneno, etc). São indiretos os que operam através de outra causa provocada pelo ato inicial do agente (coagir alguém ao suicídio, deixar a vítima em situação de não poder sobreviver, etc).

Os meios podem ser físicos (golpes de punhal, disparos de revolver etc), patogênicos ou patológicos (transmissão de moléstia por meio de vírus, por exemplo) ou também psíquicos ou morais (consistentes na provocação de emoção violenta a um cardíaco, etc).

  • Tipo subjetivo

O dolo do homicídio é a vontade consciente de eliminar uma vida humana, de

matar, não se exigindo nenhum fim especial.

Por fim, a prova do homicídio é fornecida pelo laudo do exame de corpo de delito. Já, a tentativa é quando inicia a execução com o ataque ao bem jurídico, vida. Não se verifica a morte por circunstâncias alheias à vontade do agente. Como não se pode penetrar no íntimo do agente, a demonstração de que houve vontade de matar e não a de apenas ferir, deve ser deduzida indiretamente de conjecturas ou circunstâncias exteriores (arma utilizada, por exemplo).

Em relação aos Sistemas Prisionais vigentes, os criminosos são submetidos a viverem nesses estabelecimentos, que na sua maioria, não oferecem condições dignas para a convivência humana.

A ressocialização dificilmente pode ser conseguida numa instituição como a prisão. Os centros de execução penal, as penitenciárias, tendem a reproduzir e agravar ainda mais as contradições que existem no sistema social exterior. A pena privativa de liberdade, geralmente, não ressocializa, ao contrário, estigmatiza o recluso, impedindo sua plena reincorporação ao meio social. Enfim, as prisões acabam não cumprindo uma função ressocializadora. Serve como instrumento para a manutenção de estrutura social de dominação.

De início, a ciência da criminologia não acredita em prisões como recuperação de regras para a boa convivência. No entanto, a cultura das punições estará viva na história pelo menos por vários séculos. Se a Execução Penal, entretanto está em crise, é aspecto que se deve considerar a partir de um exame na política geral de governo e na necessidade das comunidades reduzirem a criminalidade e a violência.

É imprescindível a participação da comunidade desde que seja a principal, a primordial vítima da criminalidade, cabendo a esta sugerir e decidir sobre o melhor tratamento destinado aos presos, através de reuniões, discussões e diálogos, enfim programas e atividades que atendam às necessidades em clima de reciprocidade, atendendo aos princípios morais e éticos, sem preconceitos ou discriminações. Além disso, a comunidade deverá ser responsável pela fiscalização da Lei, sempre cobrando as reais condições de tratamento previstas para o condenado.

A legislação brasileira acredita na recuperação do condenado. Assim, há impedimentos constitucionais que dizem respeito à pena de morte, a prisão perpétua e o desterro, primam por respeito á dignidade humana, abominam tratamentos cruéis ou degradantes como castigos físicos, proíbem instalações de presídios em lugares de difícil acesso ou insalubres; tendo a pena a capacidade ou o propósito de inibir novos crimes.

O Centro de Ressocialização, criado em 2.002, tem a finalidade de devolver à sociedade o indivíduo que errou, estando ele o mais recuperado possível para o convívio social, procurando eliminar tabus e a compreensão de que aqueles internos precisam de segurança máxima. Em convênio com a rede oficial, atende na área de saúde, justiça, educação, religião, sociologia, trabalho e da psicologia.

De acordo com a obra “Sistema Presidial: Reinserção Social?” FALCONI (1998), distingue os termos reeducação e reinserção social.

“Reeducar” para ele pressupõe dar educação novamente. O termo possui caráter de dominação, de acordo com o que se percebe pelo tom do relacionamento entre funcionários, gestores e internos das prisões brasileiras. O sistema é de obediência cega, correspondendo ao estilo militar, no qual o respeito às regras se impões não pela conscientização, mas pela ameaça e, do outro lado, pelo temor que o universo do cárcere lhe transmitiu.

Para explicar a ressocialização, FALCONI se vale do filósofo ESPINOZA e explica a existência de três correntes doutrinárias básicas a serem consideradas. A primeira que entende ser o delinqüente uma pessoa passível de tratamento psiquiátrico. Outra corrente trata a problemática da pena como medida que castiga para ressocializar, essa embasada nas teorias Psicanalítica e na Marxista. A Psicanalítica afirma ter o Estado o direito de aplicar a pena, tendo se fundamentado nos ensinamentos de Freud, enquanto que a Marxista, teve apoio nas interpretações de Adler.

Para FALCONI (1998), apenas as punições carcerárias não são suficientes para formar nova mentalidade no recluso e deixá-lo preparado para se reeducar ou se ressocializar.

A reedeucação, a ressocialização e a reinserção social do detendo deverá passar por reciclagens no quadro funcional do presídio, devendo haver sincronização entre o trabalho sociocultural agregado aos labores próprios dos programas de ressocialização, até que se atinja a reinserção social – trabalho de equipe. Toda essa operacionalização deverá estar comprometida com o conteúdo epistemológico.

Segundo FOUCAULT (apud Alves 2003),a prisão moderna é “uma empresa de modificar indivíduos” tendo, portanto, duas obviedades fundamentais na forma simples da privação de liberdade e, no papel, suposto ou exigido, de ser um aparelho de transformar indivíduos.

Nesse sentido, a prisão deve representar um aparelho disciplinar, exaustivo: um reformatório integral que prescreve princípios de isolamento em relação ao mundo exterior à unidade penal, aos motivos que o levaram à infração, conduzindo-o através dessa isolação, à reflexão, ao remorso e à submissão total, ao reconhecimento do preso sobre o poder que a ele se impõe; de um tipo de trabalho que tem como objetivo regular, acabar com a agitação, impor hierarquia, vigiar, constituindo, assim, uma relação de poder, de uma espécie de prisão, que extrapola a simples privação de liberdade, ao tornar-se um instrumento de modulação da pena.

Portanto, a prisão é um espaço que não atende às reais necessidades da sociedade. O Estado se preocupa muito em impor a disciplina, e acaba deixando de propor alternativas que possibilitem a ressocialização em si. Porém, por falta de outras alternativas que substituam essas prisões, elas não deixam de existir.

Referências Bibliográficas

 ADORNO, T. W. Dialéticadoesclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar, 1985. 

ALVES, J. D. Do tratamento penal à reinserção social do criminoso. Tese de Pós Graduação. Universidade do Paraná, 2003. 

FALCONI, R. Sistema presidial: Reinserção social. São Paulo: Ed. Ícone, 1998 

FREUD, S. Psicologia de grupo e análise do ego e Dois verbetes de enciclopédia. Rio de Janeiro: Ed. Standart Brasileira XVIII. 1976. 

FOUCAULT.M. Resumo dos cursos do Coliege de France. (1970-1982). Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar, 1997. 

MIRABETE, J. F. Manual de Direito Penal II. São Paulo: Ed. Atlas, 2006.

 

 1- Psicóloga do Centro de Referência Especializado de Assistência Social