“Até quando?” é uma pergunta muitíssimo repetida pelo Brasil, por parte da população que se vê envolvida pelos mais diversos problemas sócio-econômicos.”Até quando tanta violência?”, “Até quando nossas crianças vão permanecer vagando abandonadas nas ruas?”, “Até quando nossas estradas vão continuar esburacadas?”, “Até quando tanto aumento?”... A resposta a essa pergunta, embora hoje no Brasil poucos se disponham a criá-la com prática, é mais lógica do que se pensa.

 

A resposta mais comum ao “Até quando?”, no caso dos problemas resolvíveis por intervenção do poder público, é “até o governo tomar as providências necessárias”. Mas aí origina-se a pergunta “Até quando o governo vai se omitir?” A resposta mais lógica para esse caso, vistos os episódios de protesto cidadão em vários lugares do mundo, é “até quando o povo mostrar realmente que quer o fim de tal situação”.

 

Grande parte dos problemas que vivemos todos os dias e poderiam ser remediados, como  dito indiretamente, por governantes comprometidos – mas não o são justamente porque nosso governo não tem tal compromisso – poderiam ter sua resolução invocada pela manifestação popular. Numa democracia de verdade, o governo deve ter sua ação cobrada e fiscalizada pelo povo, deve agir com receio de a população forçar o fim antecipado de seu mandato.

 

Em muitos países, o “Até quando?” tem sido respondido com prontidão pelo próprio povo. Assim foi na então Iugoslávia de 2000, onde o povo mostrou estar cansado dos desmandos e desonestidades de Slobodan Milosevic, que havia tentado fraudar as eleições. Foi às ruas num protesto sem muitos episódios significativos de violência e, em outubro daquele ano, o ditador viu-se forçado a renunciar. A pergunta “Até quando teremos que aguentar esse crápula no poder?” foi resolvida pelo próprio povo.

 

A Argentina das últimas semanas de 2001, onde a crise econômica grassava e as contas bancárias dos cidadãos estavam bloqueadas, também merece destaque. O governo havia fracassado na contenção da recessão. O povo não queria mais continuar naquela situação e, em vez de perguntar aos céus “Até quando teremos que suportar essa crise tão corrosiva?”, foi buscar a resposta nas ruas. Embora muitos tenham usado de violência e os parlamentares peronistas tenham tido importância decisiva na renúncia de Fernando de la Rúa, o levante popular, conhecido como “Argentinazo”, foi o elemento-chave que levou ao fim aquele governo inepto e trouxe ao poder Eduardo Duhalde, aquele que começou a reconstruir a economia argentina.

 

No Brasil, estudantes em várias cidades responderam à pergunta “Até quando vamos suportar esses aumentos nas passagens?”. Com destaque para Florianópolis, onde muitos passageiros, destacando-se massas estudantis, barraram por dois anos seguidos – 2004 e 2005 – os aumentos das passagens de ônibus com insistentes atos nas ruas. Houve os manifestantes violentos, mas isso não tirou o brilho do exercício da cidadania, o qual foi o motivo maior dos recuos.

 

Recife também merece destaque no mesmo quesito por, em 2005, muitos estudantes terem bloqueado a avenida central Conde da Boa Vista e conseguido, depois de dias de manifestação e intransigência perante episódios de repressão policial, garantir o primeiro reajuste para baixo nas tarifas na história do transporte coletivo da metrópole recifense, dado em 2006.

 

Nesse caso e em outros, nos quais o “Até quando?” se dirige à inépcia e descaso do próprio governo ou sobre maus atos que ele mesmo promove, não é aplicável a resposta “até o governo tomar as providências necessárias”. Faz-se a pergunta “Até quando o governo vai permanecer agindo contra o bem comum?”, e a única resposta plausível é a cobrança, a população forçar a mudança de conduta por parte dos governantes.

 

Na mesma cidade, perguntava-se “Até quando a prefeitura vai continuar promovendo esse absurdo sangrento da carrocinha?”. Movimentos de defesa dos animais encabeçados pelo grupo Ativistas pelos Direitos dos Animais foram para a ilha do Recife Antigo responder. Ao final, depois da insistência pacífica dos manifestantes, a prefeitura aceitou conversar e iniciar um processo de negociação que deverá (este artigo é de janeiro de 2009) promover a substituição do sistema de matança pela disponibilização dos animais para esterilização, vacinação, adoção e, dependendo do comportamento do animal, soltura.

 

A cidadania prática, aquela que leva os cidadãos às ruas pela insatisfação com a opressão sócio-econômica e o descaso governamental para as mais variadas situações, é capaz de responder a muitas aplicações do “Até quando?”. O responder prático da questão depende da população, que deverá, em vez de insistir na pergunta crendo que não está envolvida em sua solução, buscar as respostas certas em sua própria vontade de viver num país melhor. A resposta universal à pergunta “Até quando?”, exceto quando envolve a maioria dos problemas estrangeiros ou internacionais, é: até o dia em que o povo começar a mostrar que é ele que manda no país.