Radmila Silva Franco Teodoro

Responsabilidade extracontratual do Estado 

Mineiros – Goiás

2013

Centro Universitário de Mineiros

Pró Reitoria de Ensino

UNIDADE BÁSICA DAS HUMANAS

Curso: Direito 

Responsabilidade extracontratual do Estado

Radmila Silva Franco Teodoro 

Monografia apresentada ao Curso Bacharelado em Direito, oferecido pela Unidade Básica das Humanidades, mantido pelo Centro Universitário de Mineiros, como requisito parcial para obtenção do Título Bacharel em Direito, sob a orientação do Prof. (Me.)  Fernando Rocha Abrão. 

Mineiros – Goiás

2013

Centro Universitário de Mineiros

Pró Reitoria de Ensino

UNIDADE BÁSICA DAS HUMANAS

Curso: Direito

Responsabilidade extracontratual do Estado

Monografia aprovada pela Banca Examinadora, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito, pela conclusão do Curso: Bacharelado em Direito, oferecido pela Unidade Básica das Humanidades, mantido pelo Centro Universitário de Mineiros.

Mineiros, GO, 29 de novembro de 2013.

 Prof. (Esp.) Fernando Rocha Abrão

Orientador 

 Prof. (Esp.)  Enaldo Resende Luciano

Avaliador 

Prof. (Esp.) Fernando Vieira Sarmento

Avaliador  

Ao meu amado esposo.

Aos meus pais por tudo que fizeram e por tudo que sei que irão fazer por mim.

Ao meu irmão.

Aos meus familiares e amigos pela compreensão e carinho. 

Preliminarmente, rendo graças e reverências a Deus que é minha fortaleza, em quem eu confio.

Ao Prof. Fernando Rocha Abrão por me guiar com sabedoria no estudo e elaboração desta, mas, principalmente, pela motivação e confiança depositada. 

Resumo

A responsabilidade extracontratual do Estado corresponde à obrigação de reparar danos causados a terceiros em decorrência de comportamentos comissivos ou omissivos, lícitos ou ilícitos, imputáveis aos agentes públicos. Em momento pretérito, vigorava a irresponsabilidade estatal por seus atos lesivos, fundamentada no conceito de soberania do período absolutista monárquico. Atualmente, em regra, o ordenamento jurídico brasileiro adota a responsabilidade objetiva, tendo em vista a hipossuficiência do lesado. No entanto, inúmeras são as celeumas quanto ao tema. Diante dos impasses existentes dentro dos Tribunais e as inúmeras divergências doutrinárias, faz-se necessário um estudo aprofundado, analisando a aplicabilidade do direito material ao caso concreto, os sujeitos da relação jurídica, as teorias adotadas, em quais casos haverá a responsabilidade estatal pelo evento danoso, os prazos prescricionais e demais institutos processuais. Objetivamos verificar, no desenvolver das lides, a adequação do ordenamento jurídico pátrio com a realidade social, considerando que o direito é um fenômeno dessa realidade, é um fato social ao propósito da busca e conservação da paz. Para tanto, utilizamos da pesquisa bibliográfica e documental (leis, acórdãos e súmulas) visando, por meio da análise das exposições doutrinárias e textos normativos, compreendermos as aplicações do direito material e processual nos casos concretos pelos Tribunais, a contraposição e contradição de idéias, para, em seguida, sopesar a eficácia das leis, que são, por essência, gerais e abstrata, para cada situação em particular.

Palavras-chave: Responsabilidade extracontratual do Estado. Conduta comissiva. Conduta Omissiva. Teoria do risco administrativo. Teoria civilista. Direito Administrativo. Direito Constitucional.

 

 

 

 

 

 

Sumário

I. Introdução. 8

II. Noções Gerais da Responsabilidade Extracontratual do Estado. 12

2.1. Responsabilidade - Noção Jurídica. 12

2.2. Tipos de Responsabilidade. 13

2.3. Responsabilidade Civil 15

2.4. O dano e a indenização. 18

2.5. Os sujeitos do Cenário. 23

III. Evolução da responsabilidade Extracontratual do Estado. 28

3.1. A Irresponsabilidade do Estado. 29

3.2. Teoria da responsabilidade com culpa. 32

3.3. Teoria da Culpa Administrativa. 35

3.4. Teoria da Responsabilidade Objetiva. 37

3.5. Fundamento da Responsabilidade Objetiva: a Teoria do Risco Administrativo. 40

IV. A Responsabilidade Extracontratual do Estado à luz do ordenamento jurídico Brasileiro  46

4.1. Previsão nas Constituições Brasileiras. 46

4.2. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 52

4.3. O Código Civil brasileiro. 57

4.4. Análise dos elementos Constitucionais. 60

4.4.1. Pessoas responsáveis. 61

4.4.2. Agentes do Estado. 71

4.4.2.1. Diferença entre agente e servidor 75

4.5. A duplicidade das relações jurídicas. 76

4.6. Teorias aplicadas. 77

V. Processualização da teoria da responsabilidade objetiva no Direito brasileiro  79

5.1. Pressupostos. 79

5.2. Ônus da prova: inversão. 81

5.3. Causas excludentes e atenuantes à luz da teoria do risco administrativo. 83

5.3.1. Participação do lesado. 83

5.3.2. Fatos imprevisíveis. 86

5.3.3. Atos de multidões. 89

5.3.4. Fatos de terceiros. 90

5.5. Diferenciação entre as condutas comissivas e omissivas e seus reflexos para a configuração da responsabilidade. 91

5.6. Prescrição. 93

5.7. Sujeito Passivo. 96

5.8. Denunciação à lide e o Direito de regresso. 98

5.9. Responsabilidade por atos legislativos e judiciais. 102

VI. Considerações Finais. 111

VII. Referências Bibliográficas. 115

 

 

I. Introdução

Preliminarmente, devemos salientar que o estudo do Estado é complexo, cabendo inclusive a matérias específicas, como a Teoria Geral do Estado. No presente trabalho nos limitamos tão somente à análise das hipóteses em que o Estado é civilmente responsabilizado por danos causados a terceiros. Tema pertinente ao estudo do Direito Administrativo.

No entanto, para que possamos compreender quem são os sujeitos que compõe o tema aqui estudado, carece salientar que o Direito Administrativo,

inclui normas reguladoras do exercício de atos administrativos praticados por quaisquer dos poderes estatais, com escopo de atingir finalidades sociais e políticas ao regulamentar a atuação governamental, estruturando as atividades dos órgãos da administração pública; a execução dos serviços públicos; a ação do Estado no campo econômico; a administração dos bens públicos e o poder de polícia. (DINIZ, 2009, p. 261, grifo nosso)

Compete ao Poder Público, por meio de seus atos administrativos, atingir os interesses estatais, consequentemente, os interesses sociais, pois, a sociedade de um Estado é composta por sua substância humana, ou seja, sua população, que somada a um governo soberano e a um território formam a estrutura que compõe esse Estado. Logo, os interesses estatais devem ter liame com os interesses da população que o sustenta.

Nesse sentido, nos valendo da justificação segundo Rousseau (MALUF, 2003, p. 72), o Estado advêm de convenção, da manifestação dos indivíduos em sua maioria. A convenção firmada origina a sociedade civil, no entanto, para mantê-la é mister que cada membro se submeta a supremacia da direção e do interesse da vontade geral.

A liberdade consiste, em última análise, em trocar cada um sua vontade particular pela sua vontade geral. Ser livre é obedecer ao corpo social, o que equivale a obedecer a si próprio. O homem transfere o seu eu para a unidade comum, passando a ser parte do todo coletivo, do corpo social, que é a soma de vontades da maioria dos homens. O povo, organizado em corpo social, passa a ser o soberano único, enquanto a lei é, na realidade, uma manifestação positiva da vontade geral. (MALUF, 2003, p. 72)

Desse modo, como manifestação da vontade social e tendo como escopo regulamentar a vida em sociedade o direito deve também atender os anseios sociais, atingindo o fim para o qual tem sua essência: a pacificação.

Portanto, devem estar condizentes aos anseios sociais tanto a instituição estatal como a lei. Cabe aquele, proporcionar meios de defesa e proteção dos indivíduos, pois, do contrário não se justificaria a associação dos mesmos, privando de sua vontade particular e submetendo a uma vontade geral, se não gozassem da proteção pessoal e patrimonial.

Todos os membros desse corpo estão submetidos aos mesmos deveres e assegurados dos mesmos direitos. Como todos contribuem para a vida em sociedade de modo isonômico, não pode um membro suportar os encargos dessa associação em benefícios dos demais. Deve haver uma pulverização equitativa dos encargos da vida em sociedade.

Dentro desse raciocínio, podemos destacar o princípio da solidariedade social, norteador da responsabilidade extracontratual do Estado, por pregar que os encargos suportados de modo isolado por alguém devem ser distribuídos igualmente a todos, tendo em vista que se os benefícios da atuação estatal abarcam a todos, não poderá os ônus ser padecidos individualmente.

Com efeito, o Poder Público, como sujeito de direito, pode também gerar prejuízos a alguém resultando no dever de recompor o agravo, seja oriundo de ilicitude ou licitude, de ação ou omissão. Demais disso, as funções estatais geram danos mais potenciais, vez que, o Estado é a manifestação da vontade geral, ele é quem regulamenta, administra e julga. Sua relação com os indivíduos que o compõe é intensa e preestabelecida pelo próprio Estado.

Fica evidente que os administrados estão em grau de hipossuficiência em relação ao Pode Público, pois, ao se unirem transferiram suas forças para o Estado, deveras

a responsabilidade estatal por danos há de possuir fisionomia própria, que reflita a singularidade de sua posição jurídica. Sem isto, o acobertamento dos particulares contra os riscos da ação pública seria irrisórios e por inteiro insuficiente para resguardo de seus interesses e bens jurídicos. (MELLO, 2011, p. 1005).

Impende dizer, nesse ínterim, que ao deixar de resguardar os interesses dos administrados, lesando-os de modo potencial e não os ressarcindo, garantindo-os pessoal e patrimonialmente, o Estado não atinge o fim para o qual destina.

Noutro ponto, vivenciamos um Estado de Direito em que todos estão sob a égide das leis, devendo se submeter a elas. Assim, quando reconhecemos que todas as pessoas jurídicas estão no mesmo nível em relação ao ordenamento jurídico vigente, todas devem responder pelos atos que violam direito de outrem.

É certo, desse modo, que seria antijurídico que o Estado detendo o poder normativo não se submetesse ao mesmo, se fazendo superior.

Entretanto, em outro tempo assim se fez. No período absolutista a figura do rei se confundia com a do próprio Estado. Não se tinha como justificação estatal a vontade geral e a submissão a essa vontade. O que se fazia presente era a vontade do rei e a submissão à vontade desse. Nesse período não era atribuído responsabilidade ao Estado, pois, considerando o direito divino dos reis, seria o mesmo que reconhecer que o rei, representante de Deus na terra, era responsável, logo, estava submetido a outro poder, devendo ressarcir o dano que dera causa.

Todavia, na França, grande influenciadora da evolução da responsabilidade extracontratual do Estado, havia a relativização da irresponsabilidade estatal ante a existência de previsão expressa no texto legal, bem como por danos provenientes da gestão de domínio privado do Estado e os causados pela coletividade. No entanto, foi com aresto Blanco, ocorrido em 1873, em que Tribunal de Conflitos da França passou a adotar teoria diversa da irresponsabilidade estatal.

Admitida a responsabilidade, começa a sua evolução caminhar por inúmeras teorias, prevalecendo atualmente no nosso ordenamento jurídico a teoria do risco administrativo. Por ela não impende que o administrado comprove a culpa do Poder Público, pois, é considerada sua hipossuficência nessa relação. Cabe, todavia ao Estado provar as excludentes de responsabilidade. Assim, a Fazenda Pública não pode se valer, nos casos em que é aplicado o artigo 37, § 6°, da Constituição Federal de 1988, o qual consagra a referida teoria, da alegação de que sua ação não decorre de culpa. Porém, em casos em que o dano decorre da omissão estatal, em que se aplica a teoria civilista, deverá o lesado provar além do fato administrativo e o nexo causal, a culpa da Administração Pública.

Todavia, trata-se de tema controverso. Como a viga baldrame do direito denomina-se anseio social, impende que o mesmo regulamente de forma justa as relações dos administrados com a Administração. O Estado não é garantidor universal, de fato necessita que sua ação lesiva detenha as características que ensejam o dever ressarcitório. Noutro modo, não se pode olvidar o princípio da primazia do interesse da vítima.

É nesse ponto, portanto, que o estudo do tema aqui proposto se faz necessário. O Estado, se justificando na convenção social, deve proteger seus membros e o pratrimônio dos mesmos. Estes, em contrapartida, devem contribuir para com o Estado. A problemática se encontra em distinguir quando um membro ou uma parte deles estará suportando os ônus da atividade ou abstenção estatal, devendo distribuí-lo a todos, e quando o erário não deverá arcar com o dano, sob pena se enriquecimento ilícito de um membro suportado pelos demais.

O objetivo, assim, do presente estudo é analisar o modo em que se dá tal problemática no nosso ordenamento jurídico e como tem sido sua aplicação nos casos concretos.

Para tanto nos valemos de pesquisas bibliográficas, e nos deparamos nesse ponto com grande divergência doutrinária; normativas, analisamos tanto normas em vigor quando já revogadas, para compreendermos o caminhar da responsabilidade extracontratual no nosso ordenamento; e jurisprudenciais, buscando visualizar a aplicação das leis referente ao tema.

Por fim, em visão per summa capita dos pontos que serão abordados, podemos arrolar que o primeiro capítulo se limita a conceitos e noções gerais necessárias para compreensão do tema. No segundo capítulo, por sua vez, trataremos do desenvolvimento histórico e teórico do tema. Essa questão é de suma importância para podermos compreender o tema em si e sua aplicação aos casos concretos hodiernamente. Vencido tais pontos, na terceira parte nos caberá analisar o tema dentro do nosso ordenamento jurídico e sua aplicação aos casos concretos. Finalizaremos, com o quarto capítulo, em que estudaremos alguns pontos da sistemática processual e a responsabilidade extracontratual aplicada também a atos do Poder Legislativo e Judiciário, frisando-se os limites, divergências e contrapontos atuais.

Portanto, pretende-se com o presente trabalho, além da contribuição para a compreensão do tema, demonstrar a evolução rápida e constante em que ainda se encontra a responsabilidade extracontratual do Estado e como esse tema está presente no nosso cotidiano.

  1. II.              Noções Gerais da Responsabilidade Extracontratual do Estado

 

 

2.1. Responsabilidade - Noção Jurídica

Registre-se, inicialmente, que a terminologia responsabilidade deriva do vocábulo verbal latino responsus, particípio passado de respondere (responder, prometer em troca): re-, de volta, para trás; spondere, garantir, prometer.

Nesse sentido, noção jurídica de responsabilidade surge em face do descumprimento obrigacional. Segundo Venosa (2012, p. 1)

o termo responsabilidade é utilizado em qualquer situação na qual uma pessoa, natural ou jurídica, deva arcar com as consequências de um ato, fato ou negócio danoso. Sob essa noção, toda atividade humana, portanto, pode acarretar o dever de indenizar. Desse modo, estudo da responsabilidade civil abrange todo o conjunto de princípios e normas que regem a obrigação de indenizar. (VENOSA, 2012, p. 1)

Logo, diante a necessidade natural humana de viver em sociedade, em face de uma ação ou omissão lesiva a interesse moral ou material, surge a necessidade de reparação dos danos acarretados ao lesado, porque cabe ao direito preservar ou restabelecer o equilíbrio moral e patrimonial violado pelo dano. Equilíbrio este que é fonte da responsabilidade civil.

No estudo das Ciências Jurídicas, quando nos deparamos com o termo responsabilidade, de imediato nasce a concepção de um agente e a obrigação de reparar dano causado a outrem.

Vale transcrever o entendimento do ilustre doutrinador e mestre Carvalho Filho (2013, p. 547), “quando o Direito trata da responsabilidade, induz de imediato a circunstância de que alguém, o responsável, deve responder perante a ordem jurídica em virtude de algum fato precedente.”

Abstraí-se daí dois pontos fundamentais: o fato e a imputabilidade ao agente. Não há o que se falar em responsabilidade sem que haja um fato gerador, que deve ser entendido tanto como ato lícito ou ilícito, por ser irrelevante a ilicitude do ato para como fato configurante da responsabilidade da qual aqui será tratada, pois o

Poder Público foi atingido pela responsabilidade sem culpa em virtude da amplitude de sua atuação diante dos cidadãos, tendo em vista a constatação de que a prestação de serviços públicos cria riscos de eventuais prejuízos. Tal possibilidade sepulta de vez o conceito do Estado Mal da Idade Média [...], justamente pela sobreposição de um novo conceito de Estado Soberano, qual seja o Estado Provedor, decorrentes da Revolução Francesa (em 1793, os parisienses passaram a pintar na fachada de suas casas o lema de revolução: “unidade, indivisibilidade da república; liberdade ou a morte”) e da independência norte americana. (TARTUCE, 2012, p. 296).

Ao final, necessário pontuar que constitui pressuposto indispensável da responsabilidade a imputabilidade do fato ao agente, uma vez que este será imputado somente se tiver aptidão para responder perante a ordem jurídica pela ocorrência do fato, o que em relação ao tema em tela, ao Estado não será imputado os danos decorridos de atos de terceiro, fatos imprevisíveis ou atos de multidões, se não provada, neste caso, culpa do ente estatal.

2.2. Tipos de Responsabilidade

Primeiramente, frise-se que uma das características perceptíveis no estudo do Direito como ciência é a interdisciplinaridade de seus ramos. Exigem-se, assim, conhecimentos amealhados de diversas áreas do Direito. Tal interdisciplinaridade é o fator responsável pela dificuldade que se nota para diferenciar a responsabilidade civil da responsabilidade administrativa e penal.

Assim sendo, esclareça-se que cada um dos três âmbitos de responsabilidade tem características próprias e é regido por normas específicas e independentes entre si, resultando em sanções próprias a cada tipo, o que por sua vez, pode gerar três tipos de responsabilidades singulares. 

A diversidade de responsabilidades também pode recair sobre qualquer dano causado a um bem de interesse público. Guardando em seu seio a mesma autonomia e a independência entre si.

Por pertinente, o próprio Código Civil em seu artigo 935 estampa a independência das responsabilidades:

Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.

Referida autonomia existe diante a natureza das normas nas quais prevêem a responsabilidade, ou seja, sendo normas de natureza penal, administrativa ou civil, a responsabilidade será de cunho penal, administrativo ou civil. São elas autônomas e independentes entre si, logo, as responsabilidades têm, por consequência, as características segundo a natureza das respectivas normas que a prevêem. O que não afasta uma possível simultaneidade de responsabilidades se a conduta do agente violar normas de naturezas distintas. O mesmo ato danoso, assim, pode gerar mais de um tipo de responsabilidade, sem que seja possível separar que parte do ato leva a que tipo de responsabilidade.

Neste sentido Carvalho Filho (2013, p. 548):

O fato gerador da responsabilidade varia de acordo com a natureza da norma jurídica que o contempla. Essa variação é que propicia tipos diversos de responsabilidade ou, em outras palavras, a diversidade de normas corresponde à diversidade dos tipos de responsabilidade. Temos, então, que se a norma tem natureza penal, a consumação do fato gerador provoca responsabilidade penal; se a norma é de direito civil, teremos a responsabilidade civil; e finalmente, se o fato estiver previsto em norma administrativa, dar-se-à a responsabilidade administrativa. Como as normas jurídicas, no caso acima, são autônimas entre si, a consequência é a de que as responsabilidades também serão, em princípio, independentes. (CARVALHO FILHO, 2013, p. 548)

Neste ínterim, também é possível perceber a ocorrência da simultaneidade da responsabilidade e sua autonomia nas jurisprudências dos tribunais, conforme o RMS 20544, julgado pelo Supremo Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. INQUÉRITO POLICIAL. ARQUIVAMENTO. INSPEÇÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AUTONOMIA CIVIL E PENAL. PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356/STF. 2823561. A autonomia das responsabilidades civil e penal está estampada nos artigos 935 do Código Civil (art. 1.525 do CC/16), 66 e 67 do Código de Processo Penal. 2. O arquivamento do inquérito policial não implica o reconhecimento de isenção na esfera administrativa. 3. Por disposição constitucional (art. 71, II e IV, da C.F), é função do Tribunal de Contas [...]. 5. Recurso ordinário em mandado de segurança provido. (20544 MG 2005/0138594-0, Relator: Ministro CASTRO MEIRA, Data de Julgamento: 20/02/2006, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJ 13.03.2006 p. 231) – (grifo nosso)

Destarte, no mesmo sentido do artigo 935 do Código Civil encontra-se o artigo 126 da Lei n° 8112/90, que traz a seguinte regra geral:

Art. 126. A responsabilidade administrativa do servidor será afastada no caso de absolvição criminal que negue a existência do fato ou sua autoria. (grifo nosso)

Percebe-se, em síntese, que caso seja instaurado tanto processo criminal como processo administrativo contra servidor, em razão da imputabilidade de um mesmo fato, se absolvido criminalmente sob a negativa de materialidade ou de autoria, deve ele, obrigatoriamente, ser absolvido na esfera administrativa, não havendo obrigatoriedade, no entanto, se tratar de absolvição sob outro argumento.

Pelo exposto, forçoso se faz concluir que a independência entre as três esferas não é absoluta, mas, relativa.

2.3. Responsabilidade Civil

Ressalte-se, em análise inicial, que a responsabilidade civil foi introduzida no Brasil por José de Aguiar Dias, o qual asseverava que “toda manifestação humana traz em si o problema da responsabilidade” [1]. Essa responsabilidade deriva da agressão a um interesse jurídico em virtude do descumprimento de uma norma jurídica pré-existente, contratual ou não. A lei busca reconstituir o ordenamento jurídico violado.

No que concerne ao Estado, seu comportamento unilateral comissivo ou omissivo, legítimo ou ilegítimo, material ou jurídico, pode causar dano à pessoa ou ao seu patrimônio o que gera a obrigatoriedade, em determinados casos, de recompor o patrimônio afetado. Neste impasse reside a questão da responsabilidade extracontratual do Estado.

“Como qualquer outro sujeito de direito, o Poder Público pode vir a se encontrar na situação de quem causou prejuízo a alguém, do que lhe resulta obrigação de recompor os agravos patrimoniais oriundos da ação ou abstenção lesiva.” (MELLO, 2011, p. 1001.)

No Código Civil vigente trata do tema nos artigos 186, 187 e 927, vejamos:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê‑lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa‑fé ou pelos bons costumes.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará‑lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

O termo responsabilidade é utilizado em qualquer situação na qual uma pessoa, natural ou jurídica, deve arcar com as consequências de um ato, fato, ou negócio danoso. Em princípio, toda atividade que acarreta prejuízo gera responsabilidade ou dever de indenizar.

As regras esculpidas no referido Código Civil são genérica e abrangem tanto a responsabilidade extracontratual como a contratual. No que tange o tema em questão, é importante distinguir ambas.

Preliminarmente, cabe salientar os conceitos que a doutrina estabelece para responsabilidade civil.  Nesse sentido, a professora Diniz (2012, p. 867)

Responsabilidade civil é a obrigação de reparar dano causado a outrem por fato de que é autor direto ou indireto. A responsabilidade civil é, portanto, a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou por simples imposição legal. (DINIZ, 2012, p. 867)

Monteiro (2007, p. 502), por sua vez, conceitua responsabilidade civil como:

[...] reparação dos danos morais e materiais oriundos da ação lesiva a interesse alheio, único meio de cumprir-se a própria finalidade do direito, que é viabilizar a vida em sociedade, dentro do conhecimento ditame de neminem laedere. (MONTEIRO, 2007, p. 502)

Nas palavras do mestre e professor Tartuce (2012, p. 293) responsabilidade civil

[...] surge em fase do descumprimento obrigacional, pela desobediência de uma regra estabelecida em um contrato, ou por deixar determinada pessoa de observar um preceito normativo que regula a vida. Neste sentido, fala-se, respectivamente, em responsabilidade civil contratual ou negocial e em responsabilidade civil extracontratual. (TARTUCE, 2012, p. 293)

Responsabilidade civil extracontratual ou extranegocial[2] tem sua base na prática de um ato que cause dano a outrem; é a violação de um dever fundado em algum princípio geral de direito, visto que não há vínculo anterior entre as partes, por não estarem ligadas por uma relação obrigacional.

No que pese a responsabilidade civil contratual ou negocial, esta se situa no âmbito da inexecução obrigacional, é aquela que decorre de contrato, atos unilaterais de vontade geral e negócios jurídicos, é a falta de adimplemento ou da mora no cumprimento de qualquer obrigação que gera esse ilícito contratual. A força obrigatória do contrato oriunda do princípio pacta sunt servanda, que prevê o respeito das cláusulas contratuais, sob pena de responsabilidade daquele que descumprir por dolo ou culpa.

No entanto, a responsabilidade que incidirá sobre o comportamento unilateral comissivo ou omissivo do Estado, legítimo ou ilegítimo, material ou jurídico, causador de dano à pessoa ou ao seu patrimônio é a responsabilidade civil extracontratual, uma vez que não se trata de responsabilidade nativa de acordos celebrados pela Administração Pública com terceiros, a qual se resolve no alicerce das cláusulas contratuais.

Como discorre de modo brilhante Mello (2011, p. 1002), a responsabilidade extracontratual do Estado não diz respeito à obrigação de indenizar – como, além de inúmeros outros, na desapropriação, tombamento, servidão, requisição, chamada de ocupação temporária -, a qual deverá ser prévia, justa e em dinheiro, ou em títulos da dívida pública, conforme as hipóteses dos artigos 182, §4°, III e 184 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88). Aqui a ausência de prévia indenização coloca-se como obstáculo constitucional ao poder da Administração Pública, conferido pela ordem jurídica, de investir diretamente contra o direito de terceiros, sacrificando interesse privado em virtude da supremacia do interesse público.

Com efeito, impende mencionar surge como pila da responsabilidade civil extracontratual, prevista no Código Civil a prática de ato ilícito (art.186 do CC/02) e o abuso de direito (art. 187 do mesmo diploma legal). Entretanto, a necessidade de reparar o dano nasce para o Estado até mesmo de fatos lícitos. “Nesse ponto, a caracterização do fato como gerador da responsabilidade obedece ao que a lei estabelecer a respeito.” (CARVALHO FILHO, 2012, p 419). Logo, é perceptível a diferenciação entre a aplicabilidade e as características da responsabilidade extracontratual decorrente das relações entre particulares com aquela entre a Administração Pública e terceiros.

Esta última relação, da qual decorre a responsabilidade do Estado, rege-se por princípios próprios, conjugados segundo a particularidade de sua posição jurídica, e, por isso mesmo, mais extensa sua responsabilidade, tendo em vista que as funções estatais rendem ensejo à produção de danos mais intensos que os suscetíveis de serem gerados pelos particulares.

Portanto,

há casos em que o Estado é autorizado pelo Direito à prática de certos atos que não têm por conteúdo próprio sacrificar direito de outrem. Sem embargo, o exercício destes atos pode vir a atingir direitos alheios, violando-os, como mero subproduto, como simples resultado ou sequela de uma ação legítima. [...] O direito de alguém é atingido, é transgredido, como sequela de uma atividade legítima que tinha em mira satisfazer outro interesse jurídico; [...] consideramos inclusos no tema responsabilidade os casos em que uma atividade lícita do Estado, orientada para certo fim não necessariamente entrechocante com direito de outrem, vem, todavia, a compor situação na qual este resulta transgredido, como consequência mediata do comportamento estatal lícito. (MELLO, 2011, p. 1004)

Por fim, a responsabilidade do Estado além de ser aquela que deriva das inúmeras atividades estatais sem vínculo pactual, poderá preceder de ato lícito de cause dano a terceiro, o qual tem condão de conceber obrigação de reparar o dano diante a comissão ou omissão lícita ou não, de cunho jurídico ou material, imputáveis aos agentes públicos.

2.4. O dano e a indenização

O dano é um dos elementos que constitui os pressupostos da responsabilidade civil. Assim, não há o que se falar em responsabilidade civil sem que a conduta haja provocado um dano.

Impende salientar a pontuação refeita por Acquaviva (2010, p. 267), ao citar Agostinho Alvim (1965)[3]:

  • o dano pode ser considerado em sentido amplo ou estrito. Em sentido amplo é ‘todo prejuízo que alguém sofre na sua alma, corpo ou bens’; num sentido estrito é a lesão do patrimônio’, tido este como ‘o conjunto das relações jurídicas de uma pessoa, apreciáveis em dinheiro’. (ALVIM, 1965 apud ACQUAVIVA, 2012, p. 267)

Por oportuno, vale registrar que o dano deve ser concreto, ou seja, deve existir. Nunca poderá ser hipotético ou especulativo. Deverá o dano ser ressarcido de tal forma que o lesado deveria ser restituído ao seu estado anterior (status quo ante). Também se relembra aqui, o princípio da restitutio in integrum, ou seja, a reposição completa da vítima a situação anterior a lesão, por meio de uma reconstituição natural, buscando uma situação material correspondente ou por uma indenização mais próxima possível do valor do prejuízo.

Segundo Carvalho Filho (2013, p. 549),

o dano nem sempre tem cunho patrimonial, como era concebido no passado. A evolução da responsabilidade culminou com o reconhecimento jurídico de duas formas de dano – o dano material (ou patrimonial) e o dano moral. (CARVALHO FILHO, 2013, p. 549) (grifo do autor)

Neste ínterim, a classificação do dano é dividida pela doutrina em dois grandes grupos que se denominam de patrimoniais ou econômicos, definidos como lesão a interesse juridicamente protegido componente do patrimônio da vítima, suscetível de avaliação pecuniária; e extrapatrimonial ou moral, que, por sua vez, é a lesão a interesse juridicamente protegido que não integrante do patrimônio, aqui se atinge a esfera interna, moral e subjetiva do lesado, provocando-lhe, um profundo sentimento de dor. Refere-se a violações a direitos fundamentais (liberdade, igualdade), direitos de personalidade (imagem, honra, nome) e violações à integridade física ou psicológica da vítima (dor, humilhação), não são meros aborrecimentos.

Ainda, sobre o dano e suas classificações, não se pode esquecer que o dano patrimonial pode ser subdividido em: dano emergente: que é o efeito danoso, direito e imediato, de um ao ilícito. São as consequências primárias de tal ato, ensejando reparação. É o efetivo prejuízo da vítima, sua diminuição patrimonial; lucro cessante: que é o efeito danoso, indireto e mediato, de um dano direito e imediato. Representa o que o lesado lucraria na inocorrência do lucro cessante. É o que a vítima razoavelmente deixou de ganhar (e se ganharia) de acordo com curso normal e expectativa; perda de uma chance: expressão peculiar do direito francês (perte d’ une chance), que denomina o efeito lesivo de um benefício posterior à ocorrência danosa; e, por fim, dano por ricochete: é aquele que atinge, além da vítima direta, uma terceira pessoa, distinguindo-se do dano indireto exatamente porque neste a mesma vítima suporta dano direto e indireto.

O dano, juntamente com os demais pressupostos que dá ensejo a responsabilidade, tem com consequência uma sanção. Em se tratando de responsabilidade civil, a sanção aplicável é a indenização.

Indenizar significa tornar indene, ou seja, incólume, íntegro, ileso, enfim, como se não houvesse ocorrido dano. Ela é espécie de ressarcimento pecuniário, objetivamente mensurável, a que se obriga o lesante no dano material.

Para Carvalho Filho (2013, p. 578) indenização

é o montante pecuniário que traduz a reparação do dano. Corresponde à compensação pelos prejuízos oriundos do ato lesivo. A indenização devida ao lesado deve ser a mais ampla possível, de modo que seja corretamente constituído seu patrimônio ofendido pelo ato lesivo. Deve equivaler ao que o prejudicado perdeu, incluindo-se aí as despesas que foi obrigado a fazer, e ao que deixou de ganhar. Quando for o caso, devem ser acrescidos ao montante indenizatório os juros de mora e a atualização monetária. Tendo havido morte, incide a regra do art. 948 do Código Civil, que fixa os fatores suscetíveis de serem indenizados. Por outro lado, corresponde lesões corporais ou redução de capacidade de trabalho, aplicam-se os arts. 949 e 950 do mesmo Código. (CARVALHO FILHO, 2013, p. 578)

Urge, todavia, mencionar que alguns autores traçam uma distinção entre ressarcimento e reparação, outros, no entanto, tratam como sinônimos. Assim, ressarcimento, para alguns, somente deve ser utilizado quando se tratar de indenização por dano material, ao passo que reparação pode ser utilizada tanto para dano moral como material.

Cahali (2012, p. 11 et seq.) aponta que no direito administrativo a palavra ressarcimento é utilizada quando a Administração Pública pratica ato ilícito que gera dano.

Distinções à parte, impende salientar que não é qualquer dano relacionado com os comportamentos do Estado, seja comissivos ou omissivos, para que nasça o dever de indenizar. Para tanto, é cogente que o dano apresente certas características.

Primeiramente, o evento danoso deve causar lesão ademais da econômica, lesão jurídica, ou seja, impende que se trate de um bem jurídico protegido pelo sistema normativo, consequentemente, reconhecido como um direito do indivíduo. Logo,

inexiste responsabilidade por inexistir agravo a um direito, isto é, porque foram atingidos apenas interesses econômicos, embora também eles lícitos (mas sem possuírem a consistência de direito ou sequer dos chamados “interesses legítimos”, da doutrina italiana).

Não basta para caracterizá-lo a mera deterioração patrimonial sofrida por alguém. Não é suficiente a simples subtração de um interesse ou de uma vantagem que alguém possa fruir, ainda que legitimamente. (MELLO 2011, p. 1030)

Assim, não cabe a Administração Pública indenizar o dano meramente patrimonial ou econômico, ou seja, prejuízo incidente na perda total ou parcial de patrimônio já consolidado ou que se consolidará. Em verdade, mister sua existência, porém, transcende a mesma, tendo em vista que contusa o lesado do direito ao bem. Fere o patrimônio que a ele se faz jus; que a ordem jurídica lhe garante.

Como já destacamos alhures, não se considera aqui a licitude ou ilicitude do dano para que este venha gerar o dever indenizatório para o Estado, ou seja, a juridicidade ou antijuridicidade não afasta a responsabilidade do Estado quando este atinge bem juridicamente protegido, uma vez que, se considera a ilegitimidade do dano e não da ação estatal.

Contudo, nem sempre será reparado o dano econômico e juridicamente protegido. Haverá situações em que não se terá a economicidade pressupondo o dano, ou seja, não se afetará um bem propriamente material, mas, por existir proteção jurídica haverá responsabilização da Administração Pública. É o que ocorre com o dano moral. Um comportamento lesivo ao patrimônio moral pode ou não acarretar consequência de cunho econômico, entretanto, independente da referida economicidade, caberá indenização por dano moral.

Calha referir que o art. 5°, inciso X, da CRFB/88 prevê a indenização por dano moral, todavia, não traça distinção do agravo entre pessoa de Direto Público ou Privado, como se constata:

Art. 5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo‑se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Outra característica do dano indenizável pela Administração Pública é que o mesmo seja certo, real, não eventual.

 A incidência do dano sobre um direito, bem como sua certeza são suficientes para classificar o comportamento como danoso e “ensejar a responsabilidade estatal em certos casos: nos de lesão por comportamento ilícito, quer sejam atos ou fatos, comissivos ou omissivos.” (MELLO, 2011, p. 1030.)

O avesso se dá diante atos comissivos lícitos, pois, para que haja a responsabilização estatal, além do dano ser certo e sobre direito, deve guardar consigo a especialidade e a anormalidade. Somente assim, em se tratando de ato comissivo lícito, o Estado deverá indenizar o lesado.

O dano especial não é genérico, comum a todos na sociedade. Sua especialidade se dá por lesar um ou alguns indivíduos dentro da sociedade e não sobre a coletividade ou genérica e abstrata categoria de pessoas.

Por sua vez, o dano anormal, também atinge abstratamente o indivíduo ou alguns indivíduos, no entanto, se distingue da especialidade, pois, é aquele que sobrepuja os corriqueiros danos patrimoniais consequentes da vida em sociedade. São os danos que superam aqueles comuns a todos os membros, os quais não têm caráter indenizatório por serem ocasionais e transitórios, cuja gênese é correlata da abstenção, da sujeição e da consequente necessidade humana de viver em um grupo organizado.

Com efeito, indubitável esclarecer que os atos omissivos, para responsabilizarem o Estado dependem da ilegitimidade da omissão. Assim, efetivar-se-á quando o ente público deixar de agir diante do dever legal de impedir a ocorrência do dano é que será responsável civilmente e obrigado a repara os prejuízos. Logo, estará presente a responsabilidade civil do Estado por conduta omissiva quando da compleição dos elementos que caracterizam a culpa.

Em síntese final, é bom mencionar que, além de outras hipóteses necessárias, como a ocorrência do fato administrativo e o nexo causal, deverá haver o dano para que se configure a responsabilidade do Estado. Assim, o evento só será danoso se

[...] for certo (possível, real, efetivo, aferível, presente – exclui-se, pois, o dano eventual, isto é, o que poderá acontecer), especial (individualizado, referido à vítima, pois, se geral, configuraria ônus comum à sociedade), anormal (excedente aos inconvenientes naturais dos serviços e encargos decorrentes do viver em sociedade), referente a uma situação protegida pelo Direito (incidente sobre uma atividade lícita; não são protegidos, por exemplo, os danos decorrentes da destruição de uma plantação de maconha) e de valor economicamente apreciável (não tem sentido a indenização de dano de valor econômico irrisório). (GASPARINI 2011, p. 1117)

Portanto, se não estiver presente no dano tais características não será passível de reparação pela Administração Pública, seja esse dano material ou moral.

2.5. Os sujeitos do Cenário

De início, necessário se faz rememorar o conceito de Estado. Desse modo, a concepção de Jellinek, Estado é “a corporação de um povo, assentado num determinado território e dotada de um poder originário de mando” (PORTELA, 2012, p.181). Para Accioly e Silva, Estado é definido como “agrupamento humano, estabelecido pernamentemente num determinado território e sob um governo independente.” (PORTELA, 2012, p.181). Por sua vez, Maluf (2003, p. 22) conceitua Estado como sendo “o órgão executor da soberania nacional.” No entanto, para Portela (2012, p.182) Estado é “o ente formado por um território, uma comunidade humana e um governo, dotado da capacidade de exercer direitos e contrair obrigações e não subordinado juridicamente a qualquer outro poder, externo ou interno.”

Como é possível avaliar, o Estado é a associação de pessoas politicamente organizada, em um território, que segundo a teoria contratualista, defendida por Jean Jacques Rousseau (1712-1778), se justifica na convenção, ou seja, resulta da vontade geral. Esse convênio determinante da sociedade civil. Seria, portanto, resultado da submissão individual à vontade coletiva.

Assim, ao Estado é atribuída capacidade civil. A personalidade jurídica depende da própria ordem jurídica. Além da pessoa natural existem figuras jurídicas que por ficção, acham-se dotados de personalidade; são as pessoas jurídicas. Trata-se de uma realidade ideal, jurídica, não sensível.

O Estado caracterizado como Federal, por sua vez, é pessoa jurídica de direito público. É o resultado da aglutinação de estados federados, agindo em nome próprio e em nome da federação, por consequência, é dotado de autonomia, pois, exerce competência atribuída pela Constituição, na condição de entidade máxima do poder federal, manifestando soberania.

Segundo o Código Civil[4], as pessoas jurídicas podem ser de direito público interno ou externo, e de direito privado. São de direito Público interno: a União, os Estados, o Distrito Federal e os Territórios, os Municípios e as autarquias e demais entidades de caráter público criadas por lei. São de direito público externo os Estados estrangeiro e todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público – as quais não são pertinentes no estudo do tema em questão. E por fim, quanto às pessoas jurídicas de direito privado, são: as associações, as sociedades, as fundações, as organizações religiosas e os partidos políticos.

Por conseguinte, a Constituição Federal, no art. 37, §6º, o qual será analisado pormenorizadamente em momento oportuno, traz a seguinte redação:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

  • 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

O Código Civil, por sua vez, dispõe no art. 43 que:

Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.

Ambos os preceitos normativos, acima transcritos, referem-se que os responsáveis objetivamente, são tanto as pessoas jurídicas de direito público (a União, os Estados, o Distrito Federal e os Territórios, os Municípios e as autarquias e fundações públicas de natureza autárquica), quanto às de direito privado prestadoras de serviços públicos.

Nesse raciocínio, diante da arquitetura normativa esboçada alhures, pode-se considerar como classificadas na categoria as pessoas privadas da Administração Indireta, quando se dedicam a administração de serviços públicos, salvo as que se enquadrarem no art. 173, §1º da CRFB/88[5], e os concessionários e os permissionários de serviços públicos, referidos no art. 175 da CRFB/88[6].

Outro ponto salutar dos supracitados artigos diz respeito ao fato das pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderem pelos danos que seus agentes.

Carvalho Filho (2013, p. 550) alerta que

importa lembrar que o Estado, como pessoa jurídica, é um ser intangível. Somente se faz presente no mundo jurídico através de seus agentes, pessoas físicas cuja conduta é a ele imputada. O Estado, por si só, não pode causar danos a ninguém. (CARVALHO FILHO, 2013, p. 550)

Agente público, segundo Di Pietro (2011, p. 526), “é toda pessoa física que presta serviços ao Estado e às pessoas jurídicas da Administração Indireta”. Gasparini (2011, p. 191), no entanto, define agentes públicos como “todas as pessoas físicas que sob qualquer liame jurídico e algumas vezes sem ele prestam serviços à Administração Pública ou realizam atividades que estão sob sua responsabilidade.”

Neste cerne, Mello (2011, p. 1016) ensina, com sabedoria, que:

Como pessoa jurídica que é, o Estado, entidade real, porém abstrata (ser de razão), não tem vontade nem ação, no sentido de manifestação psicológica e vida anímica próprias. (...) Tal fato não Significa, entretanto, que lhe faltem vontade e ação, juridicamente falando. Dado que o Estado não possui, nem pode possuir, um querer e um agir psíquico e físico, por si próprio, como entidade lógica que é, sua vontade e sua ação se constituem na atuação dos seres físicos prepostos à condição de sua agentes, na medida em que se apresentem revestidos desta qualidade.

Assim como o Direito constrói a realidade (jurídica) “pessoa jurídica”, também constrói para ela as realidades (jurídicas) vontade e ação, imputando o querer e o agir dos agentes à pessoa do Estado.

A relação entre a vontade e a ação do Estado e de suas agentes é uma relação de imputação direta dos atos dos agentes ao Estado. Esta é precisamente a peculiaridade da chamada relação orgânica. O que o agente queria, em qualidade funcional – pouco importa se bem ou mal desempenhada -, entende-se que o Estado quis, ainda que haja querido mal. O que o agente nestas condições faça é o que o Estado fez. (MELLO, 2011, p. 1016)

Prontamente se faz claro que, o enquadramento do Estado como ente responsável se dará diante do dano abrolhado pelo sujeito na qualidade de agente estatal. Faltando, destarte, referida qualidade ao agente, não há o que se responsabilizar a Administração Pública.

Pondera-se, pelo exposto, que não haverá responsabilidade somente pelos atos produzidos pelo agente público no exercício de suas funções, mas, pelos atos praticados estando ele investido, e somente por isso produzidos, do status jurídico de agente público, independente de dolo ou culpa, tendo em vista que a responsabilidade, em regra, é objetiva.

Por conseguinte,

não importará, para tais fins, o saber-se se os poderes que manipulou de modo indevido continham-se ou não, abstratamente, no campo de suas competências específicas. O que importará é saber se a sua qualidade de agente público foi determinante para a conduta lesiva. Se terceiros foram lesados, em razão de o autor ser funcionário, ocorreu o bastante para desenhar-se hipótese de responsabilidade estatal. (MELLO, 2011, p. 1018)

Por fim, ministra Carvalho Filho (2013, p. 550):

Sendo assim, o cenário concernente ao tema que estudamos se compõe de três sujeitos: o Estado, o lesado e o agente do Estado. Neste cenário, o Estado, segundo o direito positivo, é civilmente responsável pelos danos que seus agentes causarem a terceiros. Sendo-o, incumbe-lhe reparar os prejuízos causados, ficando obrigado a pagar as respectivas indenizações. CARVALHO FILHO, 2013, p. 550)

Face ao exposto, compõe um dos polos da relação o Estado, que por ser pessoa jurídica lhe é impossível possuir vontade e ação oriunda da manifestação psicológica e física próprias, por meio dos atos praticados pelos seus agentes, os quais devem exteriorizar a vontade coletiva visando o interesse público, uma vez que “o Estado é a nação encarada sob o ponto de vista de sua organização política.” E o sujeito lesado pela ação do agente do Estado.

III. Evolução da responsabilidade Extracontratual do Estado

 

Preliminarmente cumpre ressaltar que, em tempos hodiernos o princípio a irresponsabilidade do Estado está superado, sendo aceita a responsabilidade civil estatal universalmente, consenso esse pacificado nas doutrinas e jurisprudências internas e nos ordenamentos jurídicos comparados.

Tendo em conta essa evolução, cabe salientar que os dois últimos países que sustentavam a irresponsabilidade extracontratual do Estado, quais sejam, a Inglaterra e os Estados Unidos da América, acabaram por abandoná-la.

Destarte, é unânime a obrigação estatal de recompor os danos que seus agentes causem aos administrados. Porém, não se faz indispensável à análise, per summa capita, da evolução do instituto, contudo, abordando os pontos fundamentais à compreensão do tema em sua formação atual.

Considerando ainda, segundo dispõe Mello (2011, p. 1008), a direção contínua do tema no sentido de ampliar a proteção aos administrados, deveras que o direito é dinâmico e não se estagna ante a evolução social.

 O instituto em comento tem granjeado tratamento diverso no tempo e no espaço. Cahali (2012, p. 17) registra quanto à evolução que:

Revela-se preciso o esquema proposto por Duez: a) numa primeira fase, a questão inexistia; a irresponsabilidade aparece como axioma, e a existência de uma responsabilidade pecuniária da Administração é considerada como entrave perigoso à execução dos seus serviços; na ordem patrimonial, os administrados têm á sua disposição apenas uma ação de responsabilidade civil contra o funcionário; b) numa segunda fase, a questão se põe parcialmente no plano civilístico: para a dedução da responsabilidade pecuniária do Poder Público, faz-se apelo às teorias do Código Civil, relativas aos atos dos prepostos e mandatários; c) numa terceira fase, a questão se desabrocha e se desenvolve no plano próprio do direito público; uma concepção original, desapegada do direito civil, forma-se progressivamente no quadro jurídico da faute e do risco administrativo. (CAHALI, 2012, p. 17)

Como salienta Di Pietro (2001, p. 643), inúmeras são as teorias que fundamentaram e continuam a fundamentar a Responsabilidade civil do Estado. Dentro de um mesmo ordenamento jurídico não há unidade de regime que abarque todas as hipóteses, o que se constatará oportunamente no ordenamento pátrio quanto à responsabilidade extracontratual comissiva e omissiva.

Por fim, o instituto em tela fundamentou-se inicialmente na teoria da irresponsabilidade, evoluindo, assim, para a responsabilidade com culpa, posteriormente, culpa administrativa, e por fim, responsabilidade objetiva, a qual se encontra fundamentada na teoria do risco administrativo e, atualmente, tem-se desenvolvido teoria a risco social.

3.1. A Irresponsabilidade do Estado

A gênese do Direito Público é marcada pela vigência da irresponsabilidade do Estado, tendo em vista os fatores históricos da evolução do Estado.

Referida evolução pode ser delineada, de forma sucinta e didática, do seguinte modo: primeiramente surgem os Estados Antigos com “Estado” Grego, Romano e o Medieval; posteriormente, desponta o Estado Moderno com Absolutismo monárquico e o liberalismo político marcado pelas inúmeras revoluções, dentre elas A Revolução Puritana de 1642, A Revolução Gloriosa de 1688, por fim, o Estado Contemporâneo marcado com a Revolução Industrial e o liberalismo econômico, as reações socialistas e o Estado Social de Direito.

Assim, é com a chegada da era os Estados absolutistas que se nota maior preocupação com a responsabilização estatal pelos atos danosos aos administrados.

Nessa seara histórica, “liberadas do poder de Roma e fortalecidas pela dissolução do feudalismo, as monarquias medievais caminharam para a centralização absoluta do poder, chagando a suplantar a própria autoridade eclesiástica.” (MALUF, 2003, p. 115) Até nos países onde as tradições católicas estavam sustentadas por vigas baldrames o monarquismo absolutista ganha terreno.

A Monarquia absolutista assentava-se sobre o fundamento teórico do direito divino dos reis, com evidentes resquícios das concepções monárquicas assírias e hebraicas [...]. O poder de imperium era exercido exclusivamente pelo Rei, cuja pessoa era sagrada e desligada de qualquer liame de sujeição pessoal [...].

As monarquias absolutas, desconhecendo qualquer limitação do poder, chegaram a reduzir a idéia de soberania a um conceito simplista de senhoria real, próprio do mundo feudal (o Rei, individualmente, é o proprietário do Estado). Assim como a propriedade é direito exclusivo do dono sobre a coisa, o poder de imperium é direito absoluto do Rei sobre o Estado. (MALUF, 2003, p. 119)

É nessa ideologia que a frase de Luiz XIV, cognominado Rei Sol, marcou o período monárquico: L’Etat c’est moi.[7]

Posteriormente, surge o Estado Liberal, o qual intervinha de forma limitada nas relações entre particulares e na economia. Desse modo, a irresponsabilidade estatal era consequência da abdução e isenção do Poder Público. Nesse momento histórico, não havia distinção perante o Estado, que acabava por nivelar os naturalmente desiguais no plano jurídico, assegurando, assim, os mesmos direito e oportunidades a todos.

Segundo Carvalho Filho (2013, p. 550)

Na metade do século XIX, a ideia que prevaleceu no mundo ocidental era a de que o Estado não tinha qualquer responsabilidade pelos atos praticados por seus agentes. A solução era muito rigorosa para com os particulares em geral, mas obedecia às reais condições políticas da época. O denominado Estado Liberal tinha limitada atuação. Raramente intervindo nas relações entre particulares, de modo que a doutrina se sua irresponsabilidade constituía mero corolário da figuração política de afastamento e da equivocada isenção que o Poder Público assumia àquela época. (CARVALHO FILHO, 2013, p. 550)

Em meio todo esse arcabouço histórico é que a irresponsabilidade estatal pelos atos lesivos surge como um axioma de indubitável legitimidade, edificada na concepção de soberania absolutista e, num tempo posterior, na não intervenção estatal.

Firmava-se no espírito da autoridade incontestável do soberano pelo seu poder de imperium, bem como era o Estado quem tutelava direitos, não se permitindo agir contra o mesmo. Destarte, a intangibilidade estatal originava da irresponsabilidade do monarca, no qual se encontrava e confundia a existência do próprio Estado.

Torna-se então compreensível, após todo o esclarecimento histórico do período em que vigia a teoria em tela, os postulados basilares da mesma, quais sejam: Le roi ne peut mal faire (O rei não pode fazer mau), asseveração francesa; e The King can do not wrong (O Rei não pode errar), versão inglesa; bem como a afirmativa quod principi placuit habet legis vigorem (o que agrada o príncipe tem força de lei).

Por tudo isso, destaca Cahali (2012, p. 18):

A teoria da irresponsabilidade absoluta da Administração Pública firma-se em três postulados: 1) na soberania do Estado, que, por natureza irredutível, proíbe ou nega sua igualdade ao súdito, em qualquer nível de relação; a responsabilidade do soberano perante o súdito é impossível de ser reconhecida, pois envolveria uma contradição nos termos da equação; 2) seque-se que, representando o Estado soberano o direito organizado, não pode aquele aparecer como violador desse mesmo direito; 3) daí, os atos contrários à lei praticados pelos funcionários jamais podem ser considerados atos do Estado, devendo ser atribuídos pessoalmente àqueles, como praticados nomino próprio.(CAHALI, 2012, p. 18)

Faz-se notório no terceiro item da citação supra que os administrados não se encontravam em total desamparo face os atos unilaterais do Estado, o que se preocupou em salientar Mello (2011, p.1009) e, parafraseando este, Gasparini (2011, p. 1111). Cahali (2012, p. 19) neste ponto também afirma que, no que tange a ordem patrimonial, os administrados têm somente à disposição ação visando o ressarcimento contra o agente causador do dano.

Conforme expõe Mello (2011, p. 1009), era possível a responsabilização dos agentes público quando o dano fosse originário de ato pessoal, porém, por mais que houve uma relativização da teoria da irresponsabilidade estatal, acabava por ser ineficaz, tendo em vista que o

art. 75 da Constituição do Ano VIII ( de 13 de dezembro de 1799), estabelecia  que as ações contra estes perante os Tribunais Civis dependiam de prévia autorização do Conselho de Estado francês, o qual raramente a concedia. Disposições análogas existiam na Alemanha, nas legislações da Prússia, da Baviera e de Baden e Hesse. (Mello, 2011, p. 1009),

Havia inda na França a relativização da irresponsabilidade estatal ante a existência de previsão expressa no texto legal[8], bem como por danos provenientes da gestão de domínio privado do Estado e os causados pela coletividade.

No nosso ordenamento, por sua vez, a responsabilização dos agentes restou outorgada no artigo 179, inciso XXIX da Constituição de 1824, porém, colocava a salvo o Imperador, conforme o artigo 99 do mesmo diploma. Vejamos transcrição ipsis litteris:

 Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte.

XXIX. Os Empregados Publicos são strictamente responsaveis pelos abusos, e omissões praticadas no exercicio das suas funcções, e por não fazerem effectivamente responsaveis aos seus subalternos.

Art. 99. A Pessoa do Imperador é inviolavel, e Sagrada: Elle não está sujeito a responsabilidade alguma. (sic)

Nesse contexto, ante as inúmeras injustiças evidenciadas por essa teoria a mesma não perdurou na maioria dos países. Todavia, os Estados Unidos da América e a Inglaterra somente renunciaram a essa teoria no século XX, através do Federal Tort Claim Act em 1946 e Crowm Proceesing Act em 1947, respectivamente.

Em síntese conclusiva, restava na própria negação do direito a teoria da irresponsabilidade estatal, pois, cabia ao Estado a tutela jurídica, mas, não podia o mesmo responder ante a violação normativa. O que, por sua vez, era de tamanha incoerência por se tratar o Estado de pessoa jurídica titular de direitos e obrigações.

Assim, juntamente com a substituição da ideologia inerente a intangibilidade do soberano substituída pela do Estado de Direito, torna-se superada a irresponsabilidade do Estado.

3.2. Teoria da responsabilidade com culpa

Superada a teoria da irresponsabilidade do Estado no século XIX, esta segunda fase da evolução histórica do instituto tem como marco a responsabilidade estatal fundada na ação culposa de seu agente, sendo este representante do Estado. Passa-se a adotar, então, a responsabilidade segundo a doutrina civilista, ou seja, arraigada nos princípios do Direito Civil, assentada pela influência do liberalismo.

A obrigação de indenizar por parte do Estado, todavia, exigia configuração de culpa ou dolo por parte do agente. Se do contrário restasse, não caberia ao ente estatal o dever indenizatório.

 Nesse sentido urge os esclarecimentos de Gasparini (2011, p.1112):

O fulcro, então, da obrigação de indenizar era a culpa ou dolo do agente, que levava a culpa ou dolo ao Estado. É a teoria da culpa civil. Essa culpa ou dolo do agente público era a condicionante da responsabilidade patrimonial do Estado. Sem ela inocorria a obrigação de indenizar do Estado. O Estado e o particular eram, assim, tratados de forma igual. Ambos, em termos de responsabilidade patrimonial, respondiam conforme o Direito Privado, isto é, se houvessem se comportado com culpa ou dolo. Caso contrário, não respondiam. (GASPARINI, 2011, p. 1112)

Entretanto, adicionada a existência de culpa por parte do agente, para deduzir uma responsabilidade pecuniária do Poder Público, cabia a discriminação entre dois tipos de feitos estatais: os atos de império (jure imperii) e atos de gestão (juri gestionis).

De tal modo, classificavam as funções desempenhadas pelo Estado em essenciais ou necessárias, as quais eram tendentes a garantir a existência do próprio Poder Público, voltada, portanto, a assegurar a ordem constitucional e jurídica; e as facultativas ou contingentes, que eram os atos realizados visando o desenvolvimento e a satisfação das necessidades sociais (saúde, educação, lazer e cultura etc.).

Por oportuno, Cahali (2012, p. 20) pondera nesse sentido que quando há por parte do Estado a realização das “funções necessárias, age como Poder Público, soberano; quando realiza funções contingentes, age como gestor de interesses coletivos.”

Destarte, quando o Estado exerce atos de soberania, caracterizados como supraindividual em virtude do poder de imperium, estando, todavia, na qualidade de poder supremo, temos por configurado ato de império. Por sua vez, no que tange aos atos de gestão, o Estado era equiparado aos particulares, sendo reconhecida em caso de culpa do agente público a responsabilidade civil. O Estado encontrava-se na mesma qualidade de empresa privada, quando esta responde pelos atos danosos causados por seus prepostos ou representantes, assim, os agentes públicos eram considerados mandatários ou representantes estatais.

No que tange a diferenciação de atos de império com atos de gestão para fim da teoria da responsabilidade com culpa, urge evidenciar que se o Estado praticasse ato considerado coercitivo decorrente do poder soberano não haveria responsabilização, ao passo que de praticasse ato estimado como de gestão, poderia ser civilmente responsabilizado, mas, destaca-se, desde que houvesse a comprovação de culpa por parte do agente público.

Consoante o exposto, segundo Carvalho Filho (2013, p. 551), para o fim da responsabilização procurava-se distinguir atos de império e os atos de gestão:

Aqueles seriam coercitivos porque decorrem do poder soberano do Estado, ao passo que estes mais se aproximariam com os atos de direito privado. Se o Estado produzisse um ato de gestão, poderia ser civilmente responsabilizado, mas se fosse a hipótese de ato de império não haveria responsabilidade, pois que o fato seria regido pelas normas tradicionais de direito público, sempre protetivas da figura estatal. (CARVALHO FILHO, 2013, p. 551)

Nesse mesmo sentido, Di Pietro (2011. p. 645) esclarece que:

Passou-se a admitir a responsabilidade civil quando decorrente de atos de gestão e afastá-la nos prejuízos resultantes de atos de império. Distinguia-se a pessoa do Rei (insuscetível de errar – the king can do no wrong), que praticaria os atos de império, da pessoa do Estado, que praticaria atos de gestão, através de seus prepostos. (DI PIETRO, 2011, p. 645)

No entanto, inúmeras foram as dificuldades para distinguir quando o Estado tinha praticado ato de gestão ou de império ante a impossibilidade de decompor a personalidade estatal ou emoldurar como atos de gestão aqueles de cunho meramente administrativo, entendendo-se aqui, a administração financeira dos bens e patrimônio público ou, a prestação de serviços propendentes as necessidades sociais.

Nesse ínterim, o inconformismo foi grande com essa teoria que tinha como escopo atenuar a teoria da irresponsabilidade administrativa, pois, além da difícil tarefa classificatória do que seria ato de gestão e atos de império, da qual decorriam inúmeras injustiças, havia a confusão jurisprudencial que, segundo Carvalho Filho (2013, p. 551), buscava o liame das faltas dos agentes com a função pública, nexo esse necessário para responsabilização estatal.

Cahali (2012, p. 21) arrazoa de modo louvável que

[...] as dificuldades expostas desaparecem no campo do direito com uma nova teoria, produto da ciência jurídica alemã e cujo grande expositor foi Gierke: é a teoria do órgão, aceita a princípio com reservas, mas que acabou preponderando. Desapareceram, com ela, as relações entre representantes e representado ou entre mandante e mandatário, para dar lugar à aparição do órgão, que não se reveste de nenhum dos caracteres próprios daqueles institutos; o órgão supõe a existência de uma só pessoa, a própria pessoa do Estado, à diferença do mandato e da representação, que necessitam da existência de duas pessoas distintas. (cahali, 2013, p. 21)

Não obstante, embora representasse um progresso a adoção da teoria civilista em face da teoria da irresponsabilidade patrimonial do Estado a mesma foi causa de injustiças, sendo repudiada. O administrado tinha que provar o dano, o nexo causal, ou seja, que da conduta do agente público no exercício das funções públicas consideradas como de gestão causaram o dano suportado, bem como a culpa ou dolo desse agente. Portanto, evidente inaplicabilidade dos princípios de Direito Civil como regente do dever de reparação dos atos lesivos causados pelo Estado ao administrado, considerando ainda, o tratamento igualitário atribuído a esta relação, uma vez que, trata de entes em visível desigualdade.

Barlavento ao exposto preceitua Meirelles (2011, p. 698):

Realmente, não se pode equiparar o Estado, com seu poder e seus privilégios administrativos, ao particular, despido de autoridade e de prerrogativas públicas. Tornaram-se, por isso, inaplicáveis em sua pureza os princípios subjetivos da culpa civil para a responsabilização da Administração pelos danos causados aos administrados. Princípios de Direito Público é que devem nortear a fixação dessa responsabilidade. (MEIRELLES, 2011, p. 698)

A teoria em tela foi acolhida pelo Código Civil Brasileiro de 1916 no seu artigo 15, atualmente, artigo 43 do Código Civil Brasileiro de 2002, e vigorou exclusiva no ordenamento até a Constituição de 1946, momento em que passou a vigorar como regra a teoria da responsabilidade objetiva. E não mais se vê a relação entre agente público e a Administração Pública como relação entre representantes e representado ou mandante e mandatário, vigorando por vez a teoria do órgão.

Por fim, a teoria civilista representou de fato o começo da evolução da responsabilidade extracontratual do Estado, não prevalecendo, porém, ante sua insuficiência para atingir o equilíbrio na relação entre a Administração Pública e seus administrados.

3.3. Teoria da Culpa Administrativa

A terceira etapa da evolução histórica da responsabilidade extracontratual do Estado ocorreu no mesmo instante da consagração do Estado Social. Neste momento a responsabilidade do Poder Público começa a ser regida segundo os princípios de Direito Público, abandonando a teoria civilista.

Essa fase, no entanto, teve como marco o caso Blanco, ocorrido em 1873, em que Tribunal de Conflitos da França reafirmou os fundamento adotados pelo Conselho de Estado no caso Rothschild, de 6 de dezembro de 1855. Todavia, foi a partir caso Blanco que as jurisprudências se consolidaram no mesmo sentido.

Em síntese do aresto, Agnès Blanco, de seis anos, ao atravessar uma rua da cidade de Bordeaux, foi colhida por uma vagonete que pertencia à fábrica estatal de tabaco Cia. Nacional de Manufatura do Fumo. O pai da criança promoveu uma ação de indenização contra o Estado afirmando ser o Poder Público responsável pela negligência dos trabalhadores que condiziam o veículo. Surge, então, um conflito de competência entre os tribunais judiciais e administrativos, fazendo-se necessário a intervenção do Tribunal de Conflitos. Que, por sua vez, decidiu pela impossibilidade da aplicação do Código Civil para responsabilizar o Estado por danos causados aos particulares porque sujeita a regras especiais que variam conforme as necessidades do serviço, bem como do imperativo de equilibrar os direitos do Estado e os direitos privados.

O reconhecimento subseqüente da culpa administrativa passou a representar um estágio evolutivo da responsabilidade do Estado [...].

A teoria foi consagrada pela clássica doutrina de Paul Duez, segundo a qual o lesado não precisaria identificar o agente estatal causador do dano. Bastava-lhe comprovar o mau funcionamento do serviço público, mesmo que fosse impossível apontar o agente que o provocou. A doutrina, então cognominou o fato como culpa anônima ou falta do serviço. (CARVALHO FILHO, 2013, p 551)

 Nesse ínterim, ocorre culpa no serviço, denominada também de culpa administrativa ou acidente administrativo, em três hipóteses: mau funcionamento do serviço (culpa in committendo), inexistência do serviço (culpa in ommittendo) ou atraso do mesmo.

Assim, tendo em vista a aplicação dos princípios oriundos do Direito Público, também denominados publicísticos, não se fazia mais necessário identificar a culpa individual do agente estatal para que se configurasse o dever de reparação do Estado. Que passa, por sua vez, a ser apenas um das modalidades de atribuir dever de ressarcimento patrimonial. Todavia,

distinguia-se de uma lado, a culpa individual do funcionário, pela qual ele mesmo respondia, e, de outro, a culpa anônima do serviço público; nesse caso, o funcionário não é identificável e se considera que o serviço funcionou mal; incide, então, a responsabilidade do Estado. (DI PIETRO, 2011, p. 646)

No entanto, é com cautela que devemos esclarecer que na teoria civilista havia a necessidade de o administrado provar o dano, o nexo causal, identificar o agente público que deveria, ainda, estar no exercício das funções públicas consideradas como de gestão, bem como a culpa ou dolo desse agente. Ao passo que na teoria baseada na falta do serviço não há, tão somente, a necessidade de identificação do agente causador do dano, basta, todavia, restar demonstrado o mau funcionamento do serviço.

Destarte, a falta do serviço imputava a existência de culpa, que agora poderia ser atribuída ao serviço da Administração e não ao agente da mesma. Logo, fazia-se cogente a comprovação do fato oriundo do mau funcionamento do serviço, do nexo causal e a culpa na atuação estatal.

Consoante ressalta, com a propriedade de sempre, Mello (2011, p. 1012):

É mister acentuar que a responsabilidade por “falta de serviço”, falha do serviço ou culpa do serviço (faute du service, seja qual for a tradução que se lhe dê) não é, de modo algum, modalidade de responsabilidade objetiva, ao contrário do que entre nós e alhures, às vezes, tem-se inadvertidamente suposto. É responsabilidade subjetiva porque baseada na culpa (ou dolo), como sempre advertiu o Prof. Oswaldo Aranha Bandeira de Mello.

É muito provável que a causa deste equívoco, isto é, da suposição de que a responsabilidade pela faute du serviço responsabilidade subjetiva, deva-se a uma defeituosa tradução da palavra faute. Seu significado em Francês é o de culpa. Todavia, no Brasil, como de resto em alguns outros países, foi inadequadamente traduzida como “falta” (ausência), o que traz ao espírito a idéia de algo objetivo. (MELLO, 2011, p. 1012)

A teoria da culpa administrativa buscou desvincular a responsabilidade do Estado conjugada com a culpa do agente público, atribuindo, assim, ao serviço público. Provado, portanto, culpa oriunda do serviço era suficiente para configurar o dever indenizatório do Estado.

3.4. Teoria da Responsabilidade Objetiva

Ainda perpassando pelo caminho evolutivo do tema em questão, após a teoria da culpa no serviço, começa a despontar a teoria da responsabilidade objetiva no Direito Público, a qual de início foi adotada somente em algumas hipóteses, não abandonando por completo a teoria da culpa do serviço.

A responsabilidade objetiva consiste no postulado que todo dano é indenizável, prescinde de culpa e se satisfaz tão somente com a existência do dano e do nexo causal. Denominada também como teoria do risco, uma vez que se fundamenta na mesma, alicerça-se na idéia de que todo dano deve ser reparado por quem a ele se liga por um nexo de causalidade, independente da existência de culpa.

Consoante assevera Mello (2011, p. 1014),

Ampliando a proteção do administrado, a jurisprudência administrativa da França veio a admitir também hipóteses de responsabilidade estritamente objetiva, isto é, independentemente de qualquer falta ou culpa do serviço, a dizer, responsabilidade pelo risco administrativo ou, de todo modo, independentemente de comportamento censurável juridicamente. (MELLO, 2011, p. 1014).

Como referida teoria dispensa a comprovação de culpa pelo fato danoso, ela incide, desse modo, em danos provenientes de atos lícitos e ilícitos, desde que comprovado o dano e o nexo causal.

Assim, não há o que se questionar quanto à exacerbada evolução da responsabilidade em benefício da vítima, a qual não tem mais o ônus da identificação do agente, da culpa do mesmo ou, da falta do serviço (ou culpa do serviço), facilitando ao lesado o ressarcimento aos prejuízos. Passa-se, assim, a imperar o princípio da isonomia na relação Administração e administrado.

Segundo preceitua Di Pietro (2011, p. 646), essa teoria fundamentou-se no artigo 13 da Declaração da Declaração dos Direitos do Homem, de 1789 [9], que trouxe em seu bojo o princípio da solidariedade social, norteador do dever reparatório estatal.

Referido princípio, também denominado de princípio da igualdade dos encargos, prega a distribuição equitativa, por todo o corpo social, dos encargos suportados isoladamente por alguém. O argumento é no sentido de que seria injusto que a vítima, como membro social, arcasse sozinha com os danos suportados. Os benefícios da atuação do Estado atingem a todos que o compõem, os prejuízos, por sua vez, não podem ser diferentes.

Se a vítima “sofre um ônus maior do que o suportado pelas demais, rompe-se o equilíbrio que necessariamente deve haver entre os encargos sociais; para restabelecer esse equilíbrio, o Estado deve indenizar o prejudicado utilizando recursos do erário.” (DI PIETRO, 2011, p. 646)

No Brasil, a responsabilidade objetiva independe de culpa, e como salientado alhures, se fundamenta na teoria do risco, umbilicalmente atrelada a Revolução Industrial e suas injustiças, consoante condensa Braga Netto (2012, p. 72):

A teoria do risco traduz responsabilidade objetiva. Foi, aliás, historicamente falando, a primeira hipótese de responsabilidade objetiva, isto é, sem culpa. Cabe contextualizar brevemente sua história. Na Europa, quando da Revolução Industrial, não havia direitos ou garantias trabalhistas, por certo. Os trabalhadores, sem garantias físicas ou normativas, trabalhavam em extenuantes jornadas. As máquinas eram toscas, perigosas. Havia danos freqüentes. [...] Esses danos deviam ser amparados pela responsabilidade civil da época, que era subjetiva (exigia, portanto, a prova da culpa do empregador).

Como os trabalhadores, em geral, não conseguiam provar a culpa do empregador (chamada, significativamente, de “prova diabólica”), ficavam na miséria sem indenização e sem poder trabalhar. Nesse triste contexto surgiu uma obra (“Os acidentes de trabalho e a Responsabilidade Civil”) em que Saleilles, defendeu, de modo inovador, que a responsabilidade, nesses casos, deveria ser objetiva, prescindindo da culpa (Les accidents du travail et la responsabilité civile. Paris: A. Rousseau, 1897). De igual modo, publicando no mesmo ano, Louis Josserand (La responsabilité Du fait dês cheses inanimées. Paris: A Rousseaus, 1897), seguia a mesma linha de tendência. Quem, com sua atividade, causar risco aos direitos de outrem, deve responder pelos danos que a atividade venha a causar, mesmo que não haja culpa. Assim surgiu a teoria do risco. (BRAGA NETTO, 2012, p. 72)

Assim, primando a didática, é mister apresentar as principais modalidades da citada teoria, existentes no ordenamento pátrio: teoria do risco administrativo: adotada nos casos de responsabilidade objetiva do Estado (art. 37, §6°, da Constituição da República Federativa do Brasil – CRFB/1988); teoria do risco criado: encontra-se no art. 938 do Código Civil, que trata da responsabilidade do ocupante do prédio pelas coisas que dele caírem ou forem lançadas (defenestramento). O agente provoca (literalmente, cria) o risco; teoria do risco da atividade (ou risco profissional): a atividade exercida pelo agente cria riscos a terceiros, o que pode se enquadrar na segunda parte do art. 927, parágrafo único, do Código Civil; teoria do risco proveito: está intimamente relacionada no nosso ordenamento com a responsabilidade objetiva decorrente do Código de Defesa do Consumidor, pois, é adotada nas situações em que o risco decorre de uma atividade lucrativa, ou seja, o agente retira um proveito do risco, como nos casos envolvendo os riscos de um produto; teoria do risco integral: também presente no nosso ordenamento no artigo 14, § 1º, da Lei 6.938/1981 (dispõe sobre a política Nacional do meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação), por ela não há excludente de nexo de causalidade ou responsabilidade civil a ser alegada, como nos casos de danos ambientais.

Vencida a visão panorâmica, tratando-se de responsabilidade extracontratual do Estado, interessa, agora, aprofundar na teoria do risco administrativo (adotada pela CRFB/1988, no artigo 37, § 6°), bem como na teoria do risco integral, que também deixou sua pincelada no quadro evolutivo.

3.5. Fundamento da Responsabilidade Objetiva: a Teoria do Risco Administrativo

Evidente se faz a impossibilidade de equiparação do ente estatal com seus administrados, os quais se fizeram submissos àquele a partir do momento em que houve a reunião dos indivíduos em um determinado território, com ânimo definitivo, que se organizaram politicamente e constituíram um governo soberano.  O que torna incontestável as prerrogativas públicas e a autoridade estatal confrontados com a hipossuficiência dos administrados.

Consoante o exposto, torna-se insuportável a aplicação dos princípios civilistas ou a teoria da culpa do serviço como regentes dessa relação. Faz-se necessário, assim, a aplicação da teoria o risco na sua modalidade administrativa (teoria do risco administrativo).

Diante disso, passou-se a considerar que, por ser mais poderoso, o Estado teria que arcar com um risco natural decorrente de suas numerosas atividades: à maior quantidade de poderes haveria de corresponder um risco maior. Surge, então, a teoria do risco administrativo, como fundamento da responsabilidade objetiva do Estado. (CARVALHO FILHO, 2013, p. 552)

Nesse ínterim, estaria aplicando os princípios norteadores da responsabilidade civil do Estado, com os holofotes no princípio da primazia do interesse da vítima conjugado com a ideia norteadora do princípio da existência mínima. Contexto em que, na responsabilização extracontratual do Estado, a vítima se encontra mais confortável, ante a capacidade indenizatória do Estado ao avaliarmos as condições econômicas dos envolvidos.

No entanto, se faz grande a dificuldade em discorrer sobre as teorias evolutivas do tema aqui apresentado diante as divergências terminológicas e o modo distinto que cada doutrinador enquadra as inúmeras teorias na evolução histórica. O que acaba por confirmar que, no que tange a evolução, esta sempre se dará de modo lento e progressivo, não sendo possível precisar data fixa em que cada teoria passou a viger como fundamento da responsabilidade extracontratual do Estado.

No que tange a teoria do risco administrativo e do risco integral, devemos conceituá-las e distingui-las, mas, como se verá, as doutrinas acabam por tê-las como sinônimas, mesmo reconhecendo que conceitualmente são distintas. Porém, Cahali (2012, p. 39), ao citar Ruy Rosado Aguiar Júnior, demonstra de forma pertinente essa fusão de ambas as teorias, o que acaba por gerar certa confusão e divergência entre os doutrinadores, bem como na aplicação das mesmas. Vejamos:

Conforme assinala Ruy Rosado de Aguiar Júnior, ‘o dissídio que lavrou na doutrina sobre a prevalência da teoria do risco integral ou do risco administrativo não tem maior relevância, pois os defensores de ambas as correntes aceitam a possibilidade de exclusão ou atenuação da responsabilidade do Estado sempre que provada a atuação de fatores causais estranhos ao Estado (Alcino Pinto Falcão, Yussef Said Cahali, Edmir Netto de Araújo)’. (CAHALI, 2012, p. 39)

Por sua vez, Di Pietro (2011, p. 647) também contribui nesse sentido, quando cita em sua obra o entendimento doutrinário de Hely Lopres Meirelles, em relação às teorias do risco administrativo e do risco integral, e as críticas a esse ilustre doutrinador tecidas por Yussef Said Cahali. A professora Di Pietro (2011, p. 647) conclui, então, que:

Portanto, não é demais repetir que as divergências são mais terminológicas, quanto à maneira de designar as teorias, do que de fundo. Todos parecem concordar em que se trata de responsabilidade objetiva, que implica averiguar se o dano teve como causa o funcionamento de um serviço público, sem interessar se foi regular ou não. Todos também parecem concordar em que algumas circunstâncias excluem ou diminuem a responsabilidade do Estado. (DI PIETRO, 2011, p. 647)

Advém toda essa discussão, a nosso ver, da dinâmica própria da ciência do direito, que em seu sentido estrito

busca expor metódica, sistemática e fundamentalmente as normas vigentes de determinado ordenamento jurídico positivado no espaço e no tempo, e estudar os problemas relativos a sua interpretação e aplicação, procurando apresentar soluções viáveis para os possíveis conflitos, orientando como devem ocorrer os comportamento procedimentais que objetivam decidir questões conflitivas. (DINIZ, 2009, p.218)

Por conseguinte, estamos lidando com uma ciência ativa e diligente por visar soluções viáveis e efetivas aos anseios sociais. Assim, no direito nada é absoluto.

Em outros termos, há hipóteses no ordenamento jurídico pátrio de aplicação da teoria do risco integral, no sentido atribuído por Meirelles (2011, p. 700) e criticado por Cahali (2012, p. 36). Destarte, aplica-se a teoria do risco integral nos casos de acidente nucleares (artigo 21, inciso XXII, alínea d, da CRFB/1988), bem como nos casos de danos decorrentes de atos terroristas, atos de guerra e eventos correlatos (Lei n° 10.744/2003, dispõe sobre a assunção, pela União, de responsabilidades civis perante terceiros no caso de atentados terroristas, atos de guerra ou eventos correlatos, contra aeronaves de matrícula brasileira operado por empresas brasileiras de transporte aéreo público, excluídas as empresas de táxi aéreo) e contra aeronaves de empresas aéreas brasileiras (Lei n° 10.309/2001 que dispõe sobre a assunção pela União de responsabilidades civis perante terceiros no caso de atentados terroristas ou atos de guerra contra aeronaves de empresas aéreas brasileiras.).

Discussões a parte, por hora, temos como risco administrativo o dever indenizatório estatal por dano causado à vítima, sem concurso do lesado, que permite ao Poder Público a demonstração de culpa da vítima, que excluirá ou atenuará a indenização. A vítima, segundo essa teoria, fica dispensada de demonstrar culpa da Administração, o que não ilide esta de provar a culpa total ou parcial do lesado no fato danoso. Consequentemente, a Fazenda Pública responderá parcialmente ou estará isenta de responsabilidade conforme o grau de concorrência para o evento pela vítima.

A teoria do risco integral, por oportuno, é visualizada como modalidade extrema da teoria do risco, pois, por ela a obrigação indenizatória do Estado será em virtude de todo e qualquer dano suportado por terceiro, ainda que resultante de culpa exclusiva da vítima. Para que se configure a responsabilidade do Estado não há necessidade de comprovação do nexo causal, a ocorrência do dano oriundo de ato estatal é suficiente à indenização. Pode-se dizer que a teoria do risco é caracterizada pela sua forma ilimitada de atribuir dever de reparação do dano pelo Estado, pois, aqui não cabe a este provar a existência das causas excludentes da responsabilidade do Estado, ou seja, culpa da vítima, culpa de terceiro ou força maior.

Todavia, no que tange a responsabilidade extracontratual do Estado, a teoria do risco integral rege algumas hipóteses no ordenamento brasileiro, no entanto, é a exceção. Nosso ordenamento adota como regra a teoria do risco administrativo, tendo em vista que aquela conduz ao abuso e a iniquidade social.

Desse modo, a distinção entre teoria do risco integral e administrativo pode ser sintetizada segundo preconiza Carvalho Filho (2013, p. 552):

No risco administrativo, não há responsabilidade civil genérica e indiscriminada: se houver participação total ou parcial do lesado para o dano, o Estado não  será responsável no primeiro caso e, no segundo, terá atenuação no que concerne a sua obrigação de indenizar. Por conseguinte, a responsabilidade civil decorrente do risco administrativo encontra limites. Já no risco integral a responsabilidade sequer de pende de nexo causal e ocorre até mesmo quando a culpa é da própria vítima. Assim, por exemplo, o Estado teria que indenizar o indivíduo que se atirou deliberadamente à frente de uma viatura pública. É evidente que semelhante fundamento não pode ser aplicado à responsabilidade do Estado, só sendo admissível em situações raríssimas e excepcionais. (CARVALHO FILHO, 2013, p. 552)

Por conta da distinção aludida, que há tantas controversas como expostas alhures. Por muito tempo a doutrina não fez distinção entre as duas teorias, consideravam-nas como sinônimas, ou admitiam excludentes para a teoria do risco integral, “nesse terreno, extremamente movediço, há rótulos iguais para designar coisas diferentes, e rótulos diferentes para designar coisas iguais.” (CAHALI, 2012, p. 36)

Consoante as controversas, Cahali (2011, p. 37), ao discordar de Meirelles (1978), cita Zancaner (1981):

Também Weida Zancaner contraria a distinção sugerida pelo saudoso publicista: ‘Julgamentos tratar-se de mera questão semântica, porque o simples exame de obras como a de, por exemplo, Octávio de Barra faz ver que esse autor, declarando-se reiteradamente em comunhão com os adeptos da teoria do risco integral, em momento nenhum preceitua o ressarcimento nos casos de força maior ou de culpa da vítima; ao contrário, deixa bem claro seu posicionamento, do qual, aliás, não se afastam os demais doutrinadores adeptos da modalidade do risco integral: ‘[...] se o fato foi imputado ao próprio prejudicado, não lhe socorre o direito à indenização. É o velho princípio do direito romano, adotado pela Constituição: qui culpa sua damnum sentit, nom videtur damnum sentire’ (Da responsabilidade pública, p. 95). Prova disto é o preceito por Mazagão e Pedro Lessa, que jamais deram à teoria do risco integral a interpretação emprestada a esta modalidade por Lopes Meirelles’. (CAHALI, 2011, p. 37)

Contudo, entende-se estar correto Meirelles (2011, p. 700) quando acena uma diferenciação entre risco integral e risco administrativo. Assim, não se vislumbra razão quando Cahali (2012, p. 37), ao citar inúmeros doutrinadores e dentre eles Zancaner (1981), apresenta posição diversa. Pois, conforme aqui demonstrado, no nosso ordenamento jurídico, mesmo que excepcionalmente, a teoria do risco integral regulamenta, nos mesmos moldes apresentados por Meirelles (2011, p. 700), os casos de responsabilidade estatal em decorrência de acidentes nucleares (artigo 21, inciso XXII, alínea d, da CRFB/1988), danos oriundos de atos terroristas, atos de guerra e eventos correlatos (Lei n° 10.744/2003) e contra aeronaves de empresas aéreas brasileiras (Lei n° 10.309/2001).

No entanto, não assevera aqui no mesmo sentido quando Meirelles (2011, p. 700) afirma que a teoria do risco integral “jamais foi acolhida entre nós, embora haja quem sustente sua admissibilidade no texto da Constituição da República.” Para o mesmo, nosso Direito e jurisprudência adotaram a teoria objetiva, mas, tão somente, na sua modalidade do risco administrativo.

Por fim, quando a evolução do tema em tela, não podemos olvidar o despontar de outro extremo para a responsabilidade objetiva do Estado: a teoria do risco social. Essa teoria, nada mais é que uma nova roupagem nominal para a referida teoria o risco integral.

Barlavento ao exposto, Mello (2011, p. 1007) preconiza que “o ponto extremo da responsabilidade do Estado e para o qual vai a caminho é a teoria do risco social, segundo cujos termos esta se promove mesmo com relação a danos não imputáveis à ação do Poder Público.”

O foco dessa recente teoria é a vítima do evento danoso e não o seu agente. O princípio da solidariedade social do risco se apresenta aqui com o intuito de que o lesado não deixe de merecer a justa reparação pelo dano sofrido.

Todavia, apresenta-se como um retrocesso evolutivo, tendo em vista que referido princípio visa à distribuição equitativa, por todo corpo social, dos encargos suportados isoladamente por alguém em virtude de dano estatal. Provado, porém, a inexistência de nexo causal, ao até mesmo a inexistência do dano, não pode a sociedade suportar os prejuízos a título de indenização por evento danoso pelo qual o Estado não concorreu. O que contraria o próprio princípio da solidariedade social ao nortear a responsabilização extracontratual do Estado.

Não se defende aqui que em virtude de caso fortuito ou força maior, por exemplo, o Estado não deva amparar as vítimas. É dever da Administração Pública e da sociedade socorrer seus membros, porém, não a título de indenização, atribuindo ao ente estatal o dever de reparar um dano pelo qual não deu causa.

Parece-nos correto o que admoesta Carvalho Filho (2013, p. 553) quando, em relação à teoria do risco social, adverte que “tal caráter genérico da responsabilidade poderia provocar grande insegurança jurídica e graves agressões ao erário, prejudicando em última análise os próprios contribuintes.”

Nessa ordem de idéias, o sistema jurídico, prudente em não desamparar as vítimas, instituiu uma estrutura que dispersa à sociedade os riscos, fazendo com que todos arquem com os encargos objetivamente desde que afirmados o dano e nexo para a imputação. “Podemos afirmar, para concluir que os problemas que a responsabilidade civil do Estado enfrenta no século XXI, não são problemas jurídicos. São problemas ético-jurídicos. O ético, aí, faz toda a diferença.” (BRAGA NETTO, 2012, p. 45)

IV. A Responsabilidade Extracontratual do Estado à luz do ordenamento jurídico Brasileiro

 

 

4.1. Previsão nas Constituições Brasileiras

No que concerne ainda aos aspectos históricos, cabe-nos galgar pelo desenvolvimento da responsabilidade extracontratual do Estado no ordenamento jurídico pátrio. E nesse sentido, Gasparini (2011, p. 1124), por questões didáticas, divide a abordagem em período colonial, imperial e período republicano.

No entanto, se perscrutará aqui não por períodos históricos, mas, por cada Constituição em si. Porém, calha inicialmente ressaltar que a maioria dos doutrinadores afirma que nunca foi adotada no Brasil a teoria da irresponsabilidade estatal, conforme salienta Mello (2011, p. 1033): “no Brasil jamais foi aceita a tese da irresponsabilidade do Estado”, ou ainda nas palavras de Cahali (2012, p. 28): “o princípio da responsabilidade civil do Estado jamais foi posto em dúvida no direito brasileiro”.  Muito embora tais afirmativas, o Brasil vivenciou no seu período colonial momentos em que vigoraram as leis portuguesas.

Desse modo, sendo um governo monárquico nos moldes absolutistas em ápice na Europa, a legislação lusitana, no que tange o tema em voga, tinha como fundamento a irresponsabilidade do estado, o que também vigorava no Brasil, até então colônia de Portugal.

Assim, muito pertinente se faz a divisão de Gasparini (2011, p. 1124), o qual destaca que

Nesse período vigoraram, em nosso território, as leis portuguesas, e estas aceitavam os postulados da teoria da irresponsabilidade patrimonial do Estado, a única compatível com o governo monárquico português da época. Destarte, os colonos não tinham, pelo menos em princípio, qualquer direito a indenização por danos causados por agente da Coroa portuguesa. (GAPARINI, 2011, p. 1124)

No entanto, deve-se evidenciar que não estamos aqui nos referindo a nenhuma Constituição brasileira, como é notória sua inexistência no período colonial, porém, à legislação aplicada em nosso território. Cabe ainda esclarecer que o ordenamento jurídico pátrio nunca adotou a teoria da irresponsabilidade, o que ocorreu foi, tão somente, a aplicação das leis da Corte Portuguesa na colônia.

Superado esse período, passe-se agora a analisar nossas Constituições de modo individual.

Em 1824 foi outorgada a primeira Constituição brasileira que previa no artigo 179, inciso XXIX, que:

Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte.

XXIX. Os Empregados Publicos são strictamente responsaveis pelos abusos, e omissões praticadas no exercicio das suas funcções, e por não fazerem effectivamente responsaveis aos seus subalternos. (sic)

Na referida Constituição, de imediato, vigorou a teoria civilista, cuja obrigação de indenizar por parte do Estado exigia configuração de culpa ou dolo por parte do agente. Todavia, a primeira leitura que se faz do referido artigo aparenta não ser esse entendimento que dali se extrai. Do modo em que foi o artigo redigido, a interpretação parece ser no sentido de responsabilização pessoal do agente. No entanto, há a solidariedade da responsabilização com o Estado.

Nesse sentido, Mello (2011, p. 1036) torna clarividente quando aduz:

Ditos preceptivos, todavia, jamais foram considerados como excludentes da responsabilidade do Estado e consagradores apenas de responsabilidade pessoal do agente. Pelo contrário: entendia-se haver solidariedade do Estado em relação aos atos de seus agentes. (MELLO, 2011, p. 1036)

Como dito alhures, se faz inegável que de fato a legislação insurgida em solo pátrio nunca adotou a teoria da irresponsabilidade. Iniciou-se, destarte, com a teoria civilista, evoluindo de modo igualitário ao direito alienígena, passando, posteriormente, à teoria da culpa administrativa, fundamentada na falta do serviço e, por fim, a responsabilidade objetiva.

Nesse interstício, todavia, ao lado do artigo 179, inciso XXIX, da Constituição Política do Império do Brasil de 1824, vigorava alguns decretos que também tratavam sobre o tema, quais sejam: os Decretos de 8 de janeiro de 1835, o qual determinava que o Cofre do Depósito Público continuasse a ficar a cargo do Tesoureiro dos mesmos depósitos e sob sua responsabilidade. Referido Decreto sofreu, posteriormente, modificações dos Decretos de 1° de dezembro de 1845, que passou a denominar a Tesouraria da Província de São Pedro (criada pela Lei de 4/10/1831) de Tesouraria da Fazenda da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, e pelo Decreto de 22 de janeiro de 1847, que alterou o Regulamento do 1º de Dezembro de 1845 sobre os Cofres de Depósito Público.

Citados decretos, em síntese, tratavam da responsabilização do Tesouro Público pelo extravio de artefatos encerrados às suas caixas e cofres, por culpa ou fraude do respectivo funcionário.

Por fim, e talvez o mais esclarecer quanto ao tema aqui estudado, temos o Decreto n. 1.930, de 26 de abril de 1857. Seus artigos são cristalinos e deixam evidentes as responsabilidades da Administração Pública quanto à fiscalização da segurança, conservação e polícia das estradas de ferro.

Nesse cerne, de suma importância nos aparenta a transcrição de alguns artigos do Decreto n. 1.930, de 26 de abril de 1857 para a compreensão da responsabilidade extracontratual do Estado naquele período, principalmente por tratar de legislação genuinamente nacional, e que, ao contrário do que ocorrem em incontáveis situações, de louvável evolução, tendo em vista o direito comparado e a tardia independência brasileira. Assim, evidencia-se alguns artigos:

Art. 23. A menos de cincoenta braças de distancia de cada hum dos carris exteriores da estrada de ferro, ninguem poderá depositar materias inflammaveis, nem construir casas cobertas de sapé, folhas de palmeira, casca de páo ou de qualquer substancia inflammavel.

As que já existirem serão reformadas ou mudadas mediante indemnisação.

Os infractores não terão direito a reclamação alguma, em caso de incendio ou explosão produzida por faiscas da fornalha da machina, e serão responsaveis civil e criminalmente pelo damno causado por taes incendios ou explosões.

Art. 79. Nos comboys, que conduzirem viajantes, será absolutamente prohibido transportar substancias sujeitas á explosão ou facilmente inflammaveis.

Os que infringirem esta disposição, occultando taes materias, ficarão responsaveis civil e criminalmente por todos os accidentes, que dahi resultarem.

Art. 84. Se o viajante ao comprar o bilhete declarar que leva na bagagem dinheiro, joias, pedras preciosas, ou quaesquer objectos notoriamente excedentes em valor aos que commummente constituem a bagagem propria de hum viajante, a Administração terá direito de verificar a exactidão do manifesto, e poderá cobrar por este transporte o que constar da Tarifa, ficando responsavel pelos valores manifestados.

Art. 85. Em falta da declaração precedente a Administração responderá pelas bagagens, mas, perdida alguma, a estimação para a paga só comprehenderá objectos do uso ordinario dos viajantes, e não outros valores não manifestados, embora se prove que existião.

Art. 101. Qualquer comboy poderá transportar, além das malas do Correio, cartas de particulares, selladas, inutilisando o sello por dous traços de tinta.

A Administração da estrada de ferro não será responsavel pelas cartas sem sello que se acharem nas bagagens ou occultas sem culpa sua nos volumes transportados.[10] (sic) (grifo nosso)

Entretanto, como é perceptível, os Decretos regulam situações específicas, não havendo, além do dispositivo constitucional supracitado, leis, regulamentos ou decretos com disposições gerais tendentes a suscitar o dever indenizatório estatal de cunho preventivo, compensatório e/ou ressarcitório, se afastando das hipóteses moduladas e, consequentemente, apropinquando de uma normativa que abranja maiores possibilidades de danos.

Ato contínuo, por sua vez, a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 24 de fevereiro de 1891) está no prumo de sua antecessora. Essa Carta Magna repetiu quase nos mesmos moldes o previsto na Constituição pretérita. Seu artigo 82 estabelecia que

Art. 82. Os funcionários públicos são estritamente responsáveis pelos abusos e omissões em que incorrem no exercício de seus cargos, assim como pela indulgência ou negligência em não responsabilizarem efetivamente os seus subalternos.

Nesse ínterim, nada se altera quanto à teoria adotada, continua a vigorar a responsabilidade tendo como pilar a teoria civilista. Bem como, “essa regra não vedava a solidariedade do Estado na indenização do dano, conforme ensinavam os autores da época.” (GASPARINI, 2011, p. 1125)

Assim, não diferente do período de vigência da Constituição de 1824, em curso com o artigo 82, também havia decretos que regulavam a responsabilidade da Fazenda Pública por atos específicos de seus agentes que acarretassem danos aos administrados.

Desse modo, estava em vigor o Decreto n. 1.663, de 30 de janeiro de 1894, que dispunha sobre das linhas telegráficas e condutores elétricos, bem como responsabilizava o Estado por prejuízos decorrentes desse serviço. Tínhamos também, o Decreto n. 1.692-A, de 10 de abril de 1894, que regulamentava os Correios da República. Esse decreto reserva um capítulo próprio (Capítulo II, artigo 8° e seguintes) para tratar da responsabilidade da União relacionada aos serviços de correio. Por fim, também estava em vigor o Decreto Legislativo n. 1.151, de 5 de janeiro de 1904, que reorganiza os serviços da higiene administrativa da União, ou seja, as atribuições Federais relacionadas à higiene domiciliar, policia sanitária dos domicílios e logradouros públicos, tudo quanto se relaciona á profilaxia geral e específica das moléstias infectuosas.

Relacionado a esses decretos, queremos aqui enfatizar o artigo 43, §1°, do Decreto n. 1.663, de 30 de janeiro de 1894, que evidencia a teoria civilista adotada até então:

Art. 43. Para custeio das despezas de expediente das estações, ficam estabelecidas consignações fixas e proporcionadas á importancia do serviço, avaliado conforme a ordem da estação e dentro dos limites minimo de 15$ e maximo de 100$000.

  • § 1º A consignação será abonada mensalmente, mediante recibo do encarregado da estação, por conta do qual correrão todas as despezas miudas, compra de objectos de escriptorio e de expediente que não forem de typo impresso, luz e agua, ficando o mesmo encarregado responsavel pela falta de effectivo fornecimento desses objectos.[11] (sic) (grifo nosso)

Não esquivando desse viés, a Constituição promulgada de 1934, previa em seu artigo 171, que:

Art 171 - Os funcionários públicos são responsáveis solidariamente com a Fazenda nacional, estadual ou municipal, por quaisquer prejuízos decorrentes de negligência, omissão ou abuso no exercício dos seus cargos. 

 § 1º - Na ação proposta contra a Fazenda pública, e fundada em lesão praticada por funcionário, este será sempre citado como litisconsorte

§ 2º - Executada a sentença contra a Fazenda, esta promoverá execução contra o funcionário culpado. (grifo nosso)

Referido dispositivo foi reproduzido pela Constituição de 1937. Sendo assim, somente com a Constituição de 1946 que passamos a adotar teoria diferenciada das pretéritas Cartas Magnas. Destarte, o artigo 194 da Constituição dos Estados Unidos do Brasil (de 18 de setembro de 1946) consagrou no ordenamento jurídico a teoria da responsabilidade objetiva, conforme se expõe:

Art 194 - As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que os seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros. 

Parágrafo único - Caber-lhes-á ação regressiva contra os funcionários causadores do dano, quando tiver havido culpa destes.

Entretanto, referida norma estava em completo ábsono em relação ao Código Civil de 1916, o qual vigia na época. Nesse ínterim, a interpretação de ambos levava à conclusão que o artigo 15 do Código Civil de 1916 havia sido derrogado.

Assim previa o artigo 15 de citado texto legal:

Art. 15. As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos dos seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrario ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano.

No entanto, quanto ao referido artigo Constitucional, oportuna se fazem as palavras de Braga Netto (2012, p. 58):

Hoje não há dúvida quanto ao marco inicial da responsabilidade objetiva do Estado no Brasil: todos apontam a Constituição de 1946. Porém, ao contrário do que se pode pensar, esse reconhecimento jurisprudencial não foi imediato. Isto é, não bastou que a Constituição de 1946 dispensasse a culpa para que a jurisprudência seguisse o mesmo caminho. O processo foi lento, como costuma ser nesses casos. A assimilação das mudanças não se faz de modo instantâneo. (BRAGA NETTO, 2012, p. 58)

Pelo exposto, reiteramos o fato de que as mudanças no âmbito jurídico ocorrem de modo gradativo, não sendo, portanto, possível a demarcação de data ou momento fixo. Assim, por mais que a doutrina consagre a Constituição de 1946 como marco divisor da aplicação das teorias civilista e objetiva, a mudança no meio jurídico e social foi complexa e subjetiva, pois, envolvia os aplicadores e estudiosos do Direito, que ao analisar o caso concreto, sopesavam segundo as experiências (sociais, jurídicas e culturais) intrínsecas em cada ser, as quais são insuscetíveis de separação do mesmo.

Pontes de Miranda (1960, apud. BRAGA NETTO, 2012, p. 59), ante as hesitações doutrinárias e jurisprudenciais, defendia veementemente a responsabilidade objetiva do Estado. Assim, ao citá-lo, Braga Netto (2012, p. 59) expõe:

Pontes, portanto, ainda na primeira metade do século passado, frisou o caráter objetivo da responsabilidade estatal, combatendo posições que a reputavam subjetiva. Sublinhou ainda que a ação deve ser proposta contra o Estado, não contra o agente público (chamado “funcionário público”, na Constituição da época). Também consignou que, mesmo que o agente usurpe suas funções, o Estado responde. (BRAGA NETTO, 2012, p. 59)

Barlavento à Constituição de1946 foi o disposto no artigo 105 da Constituição de 1967, reproduzido no artigo 107 da Constituição de1969 (ou Emenda Constitucional n. 1, de 17 de outubro de 1969, para quem assim entenda), respectivamente. Distingue, todavia, da anterior quando prevê expressamente a possibilidade de ação regressiva pela Fazenda Pública nos casos de dolo do funcionário. Porém, essa interpretação já existia face o artigo 194 da Lei Suprema de 1946.

Por fim, a Constituição da República Federativa do Brasil (de 05 de outubro de 1988) – CRFB/1988 manteve a responsabilidade objetiva do Estado fundada na teoria do risco administrativo como regra vigente, no entanto, prevê a possibilidade de ser aplicada a teoria civilista, bem como a teoria do risco integral, em determinadas hipóteses. Formando, assim, um complexo sistema de conjecturas em que poderá a Administração Pública responder subjetivamente ou objetivamente, conforme a circunstância, por ação ou omissão, por ato ilícito ou não, tendo ou não concorrido para o evento, ou seja, há casos que a responsabilidade advém mesmo não havendo nexo causal entre o dano e a conduta.

Contudo, mister que se passe a análise em minúcias do artigo 37, §6° da Constituição vigente. Entretanto, antes de se adentrar nessa seara, conclui-se que atualmente a sistemática da responsabilidade extracontratual do Estado é mais abrangente e, sem receios da afirmativa, mais completa, tendo em vista, a particularidade de cada caso concreto apresentado. Limitar a extensão normativa é avocar injustiças e não primar pela eficácia do direito para regulamentar as relações, sejam elas de Direito Público ou Privado.

4.2. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Concernente a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – CRFB/1988, o tema da responsabilidade patrimonial extracontratual do Estado está ordenado no artigo 37, § 6°. Assim, reza este:

Art. 37. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, também, ao seguinte:

  • § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Posteriormente foi analisado que a responsabilidade aqui em discurso, e atualmente regulamentada pelo referido dispositivo Constitucional, está albergada pela teoria do risco administrativo, o qual imergiu no ordenamento jurídico brasileiro com a Constituição de 1946.

No entanto, desse período até o hodierno houve uma evolução considerável quando a aplicação da teoria nos casos concretos, porém, não tão diversa assim, no que tange os textos constitucionais que vigoraram até a presente Carta Magna, conforme análise em subitem pretérito.

Ato contínuo, pela teoria administrativa, a comprovação de culpa é desnecessária para que se configure a responsabilidade da Fazenda Pública. Entretanto, conforme se depreende do § 6º do artigo 37 da Constituição Federal, a comprovação de culpa ou dolo somente se faz necessária no cenário esculpido pelo referido texto quando tratar-se do agente público causador direito do dano. Sendo assim, assegurado do direito de regresso, para tanto, a Administração Pública deverá comprovar a culpa ou dolo de seu agente.

Por outro lado, para que se tipifique a responsabilidade estatal quando às pessoas jurídicas, independente se são de Direito Público ou de Direito Privado prestadores de serviços públicos, não se faz mister a comprovação de culpa. Inicia-se desse modo, a visualizar de forma mais clara quando argumentado anteriormente no sentido de que a sistemática da responsabilidade extracontratual do Estado é mais abrangente e completa e, consequentemente, se afasta mais de possíveis injustiças.

Logo, quanto a União, Estados-Membros, Distrito Federal, Municípios, autarquias, fundações públicas, concessionário e permissionário trata-se de responsabilidade objetiva. De outro modo, quando for responsabilizar o agente em si, está em vigência, para esse caso, a responsabilidade subjetiva. Sobre esse assunto será discorrido em tópico apartado.

Outro ponto em que se aplicada teorias diversas está relacionado a uma lesão oriunda de ação ou omissão do Estado. Quando o ato que causa lesão é comissivo os danos podem ou não ter sua origem por culpa, o que é irrelevante para a configuração da indenização à vítima por parte do Estado. Este tem o dever de operar em benefício da coletividade, quando sua conduta é gênese de dano e tem como consequência a lesão de bem jurídico protegido, desvirtuando o encargo estatal de garantir aos cidadãos qualidade de vida, e nesse seio, segurança e proteção, nascedo o dever ressarcitório para o ente público.

Nesse ponto, segundo Mello (2011, p 1019),

[...] a verdade cediça de que as condições em que o Poder Público pode produzir dano são muito distintas das que ocorrem nas relações entre particulares. O Estado detém o monopólio da força. O Estado dita os termos de sua presença na coletividade, sem que os administrados possam esquivar-se. [...] Se houver conduta estatal lesiva a bem jurídico garantido de terceiro, o princípio da igualdade – inerente ao Estado de Direito – é suficiente para reclamar a restauração do patrimônio jurídico do lesado. Qualquer outra indagação será despicienda, por já haver configurado situação que reclama em favor do atingido o patrocínio do preceito da isonomia. (MELLO, 2011, p. 1019)

À vista disso, consigna o § 6° do artigo aqui estudado que “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem [...].” (grifo nosso). Como bem corrobora Gasparini (2011, p. 1127), o verbo aqui empregado remete a noção de ação do agente público. Tem como base o vocábulo “causarem” o verbo transitivo “causar”, o qual nos transmite a noção de ação; e, sendo verbo, segundo a morfologia, remete a uma ação ou estado da coisa ou do ser. Portanto, “isso significa que se há de ter por pressuposto uma atuação do agente público.” (GASPARINI, 2011, p. 1127)

No entanto, essa ação pode ser lícita ou ilícita. O que não desobriga a Fazenda Pública do dever indenizatório. É bastante somente a ocorrência do dano e a comprovação do nexo causal, não importando aqui a existência de culpabilidade.

Assim, pode a Administração Pública estar fardada do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, princípio este que possibilita, desde que em obediência ao ordenamento jurídico, a atribuição ao administrado de obrigações provenientes do interesse público por meio de ato unilateral, que não estará isenta da responsabilização, nem se quer abemola a mesma.

Conforme enfatizado anteriormente, para a indenização por ação comissiva não se faz mister a comprovação de culpa, independe, nesse cerne, se o ato é lícito ou não. Porém, quanto à omissão estatal, será necessário, primeiramente, verificar se da mesma houve fato gerador para a responsabilização do ente Público. Para que da conduta omissiva venha decorrer obrigação indenizatória será imprescindível que o Estado tenha se omitido de um dever legal.

Segundo Carvalho Filho (2013, p. 567),

[...] quando a conduta estatal foi omissa, será preciso distinguir se a omissão constitui, ou não, fato gerador da responsabilidade civil do Estado. Nem toda conduta omissiva retrata um desleixo do Estado em cumprir um dever legal; se assim for, não se configurará a responsabilidade estatal. Somente quando o Estado se omitir diante do dever legal de impedir a ocorrência do dano é que será responsável civilmente e obrigado aos prejuízos. (CARVALHO FILHO, 2013, p. 567)

Assim, se da omissão não alude um dever jurídico não cumprido, a mesma é carecedora de sanção. Ou seja, se em decorrência da omissão houve um dano, o mesmo não é oriundo da omissão em si, mas, tão somente, de outro evento, pois não há o fator “causa”, como nos esclarece Mello (2011, p. 1022) ao afirmar que

De fato, na hipótese cogitada o Estado não é autor do dano. Em rigor, não se pode dizer que o causou. Sua omissão ou deficiência haveria sido condição do dano, e não causa. Causa é o fato que positivamente gera um resultado. Condição é o evento que não ocorreu, mas que, se houvera ocorrido, teria impedido o resultado. (MELLO, p. 1022)

Parece que estar-se diante de uma discussão filosófica do que vem a ser omissão, se esta é de fato alguma coisa, se causa algum efeito por si mesmo ou se é a ausência de ato que permite ao evento danoso causar a lesão. Não é mister aprofundar nesse momento na questão da responsabilização estatal por fato decorrente de omissão, pois, haverá momento oportuno para isso, porém, antes de concluirmos nossa argumentação, é forçoso aceitar que a natureza negativa da omissão, faz com que esta consista em agente parcial de seus efeitos.

Nesse mesmo tom, Cahali (2012, p. 215) expõe:

[...] Quando o Estado se omite e graças a isso ocorre um dano, este é causado por outro evento, e não pelo Estado. Logo, a responsabilidade, aí, não pode ser objetiva. Cumpre que exista um elemento a mais para responsabilizá-lo. Deveras, não se haveria de supor, ao menos em princípio, que alguém responda pelo que não fez – salvo se estivesse, de direito, obrigado a fazer. (CAHALI, 2012, p. 215)

Chega-se, enfim, no ponto em que almejado: a responsabilidade aplicada em caso de omissão por parte do Estado é a responsabilidade subjetiva, em regra. Mas, trata-se de terrenos belígero devido às inúmeras controversas, bem como posicionamentos jurisprudenciais que tem deixado em alerta a doutrina, como será abordado.

Ato contínuo, ainda sobre omissão, impende convir que somente se afeiçoe quando caracterizada pela culpa. Esta terá sua gênese ante o descumprimento legal da Administração Pública que tem o dever de impedir a ocorrência do dano.

Sem delongas, segundo Carvalho Filho (2013, p. 568) na ocorrência de conduta omissiva o Estado estará na posição comum aos demais que tem como regime a teoria civilista, ou seja, sua responsabilidade se dará pela comprovação de culpa. A exigência desse requisito é regra, tendo em vista o ordenamento jurídico como um todo, porém, dentro tão somente do tema responsabilidade extracontratual do Estado a regra é a responsabilidade objetiva.

Quando às vítimas do evento danoso, tem-se equiparação dos usuários do serviço público que suportam o dano com os não usuários do serviço público que também suportam o dano, como ocorre em relação aos consumidores por equiparação, a título exemplificativo, no Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Por mais que os não usuários não estejam compondo o pólo da relação propriamente dita, são equiparados.

O artigo Constitucional aqui estudado não trata sobre quem seriam as vítimas do evento lesivo, porém, segundo entendimento doutrinário e jurisprudencial, a expressão “terceiros” do §6, do artigo 37 estende aos não usuários, conforme pronunciou o Ministro Ricardo Lewandowski no RE 591.874/MS:

“A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva relativamente a terceiros usuários e não usuários do serviço, segundo decorre do art.37, §6°, da Constituição Federal. A inequívoca presença do nexo de causalidade entre o ato administrativo e o dano causado ao terceiro não usuário do serviço público, é condição suficiente para estabelecer a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica de direito privado. [...]”

Nesse mesmo sentido Mello (2011, p. 764) explana que o texto do §6° do art. 37, da Constituição Federal de 1988,

[...] não faz qualquer exigência no que concerne à qualificação do sujeito passivo do dano; isto é: não requer que os atingidos pelo dano o sejam a título de usuários. Portanto, para a produção dos efeitos supostos na regra é irrelevante se a vítima é usuário do serviço ou um terceiro em relação a ele. (MELLO, 2011, p. 764)

Não se pode olvidar, todavia, que há outras previsões constitucionais e infraconstitucionais concernentes a responsabilização do Estado, os quais foram abordados no tópico ‘2.5 Fundamento da Responsabilidade Objetiva: a Teoria do Risco Administrativo’, mais precisamente na página 41, que atribui responsabilidade extracontratual ao Estado, adotando teoria diversa da prevista no artigo 37, § 6°, da Constituição Federal.  Dentre tais previsões encontra-se o artigo 21, inciso XXIII, da CRFB/1988 e a Lei n. 10.744/2003, que dispõe sobre a responsabilidade civil da União perante terceiros no caso de atentados terroristas, atos de guerra ou eventos correlatos, contra aeronaves de matrícula brasileira. 

Pelo exposto, se faz notório que o texto Constitucional acaba por abarcar, em seu bojo literal e hermenêutico, inúmeras situações. As controversas jurisprudenciais e doutrinárias não cessam. Desse modo, se faz necessário explanar de modo apartado alguns pontos mais a fundo, bem como conceitos importantes para melhor interpretação do §6°, do artigo 37, da CRFB/1988. Dentre eles estão as pessoas que são responsabilizadas, os agentes públicos e a diferenciação destes para os servidores públicos, a distinção das condutas comissivas e omissivas, a última de muita discussão doutrinária e os sujeitos passivos.

No entanto, passa-se para a análise do tema no atual Código Civil, que, diga-se de passagem, esta em total harmonia com a Constituição da República Federativa do Brasil.

4.3. O Código Civil brasileiro

No que tange a responsabilização patrimonial extracontratual do Estado à luz do Código Civil, preliminarmente, pondera-se que com o advento do Código Civil, a responsabilidade estatal era fundamentada pela teoria civilista. Na França já despontava a teoria do risco administrativo, motivo que levou inúmeros doutrinadores a visualizarem que a Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916 (Código Civil de 1916) adotara à época a teoria do risco administrativo. No entanto, referido documento evidência a exigência da culpa para tipificar o dever indenizatório da Fazenda Pública.

Prelecionava o artigo 15 do Código Civil de 1916 que as pessoas jurídicas de direito público responderiam pelos atos lesivos à terceiro de seus representantes que procedessem de modo contrário ao direito ou faltassem ao dever prescrito por lei. Não havia desse modo, responsabilidade estatal por ato lícito, pois, se exigia ato contrário ao direito, bem como a responsabilização poderia ocorrer de houvesse a faute du service, característica da teoria da culpa administrativa. A qual, de fato, foi uma evolução no que concerne a responsabilização, mas, somente quando a desnecessidade de identificar o agente estatal, ainda era necessária a comprovasse a atuação culposa do Estado.

A contento do exposto, Meirelles (2011, p. 700) afirma quando ao citado artigo do Código pretérito que “o questionado artigo 15 nunca admitiu a responsabilidade sem culpa, exigindo sempre e em todos os casos a demonstração desse elemento subjetivo para a responsabilização do Estado.”

Nesse mesmo sentido, Cahali (2012, p. 29) assevera que

Tem-se como certo, porém, que o dispositivo, no contexto individualista que remarcava aquele Código Civil, não terá ultrapassado os limites da teoria civilística da responsabilidade do Estado, só a reconhecendo quando tivesse ocorrido dolo ou culpa do funcionário-representante. (CAHALI, 2012, p. 29)

Por sua vez, Beviláqua (1956 apud. CAHALI 2012, p. 29), sustenta que segundo a hermenêutica do referido artigo 15 do Código Civil de 1916 há mister ato injusto ou omissivo de um dever legal.

Encadeado ao exposto, Carvalho Filho (2013, p. 554) esteia que

Em nosso entender, a norma exigia a prova da culpa. Os pressupostos aí consignados – o procedimento contrário ao direito e a falta a dever prescrito por lei – revelavam que a responsabilidade estatal não se configuraria diante de fatos lícitos, mas, ao contrário, só diante de atos culposos. Se alguém agisse contrariamente ao direito ou faltasse a dever legal, sua conduta seria necessariamente culposa. (CARVALHO FILHO, 2013, p. 554)

Não há o que contestar o posicionamento da maioria da doutrina quanto à teoria adotada pelo pretérito Código Civil, que embora não satisfatória, por não conseguir a efetividade jurídica que se espera do ordenamento, vigeu até o advento da Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946, que acolheu a teoria objetiva do risco administrativo, como a priori firmado.

Meirelles (2011, p. 702), todavia, entende que o artigo 194 dessa Carta Magna revogou o artigo 15 do Código Civil de 1916, porém, não adentraremos nessa discussão, pois, incontáveis são os doutrinadores que advogam que a responsabilidade objetiva do Estado passa a exercer sua força como regra com a citada Constituição de 1946.

Entretanto, com o a gênese do referido disposto constitucional, passou a pairar uma dissonância normativa no ordenamento jurídico pátrio, a qual só foi harmonizada em 2002, com a Lei n° 10.406 (Código Civil de 2002). O atual Código dispõe sobre a responsabilidade das pessoas jurídicas de direito público distintamente, conforme o preceito Constitucional.

Apesar de reproduzir a norma vigente na Constituição Federal de 1988, não fez referência às pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos. Nesse ínterim, Mello (2011, p. 1038) tece crítica afirmando que “não é de estranhar. Ao contrário do Código anterior, o atual, toda vez que se abalança a referir algo da esfera do direito público, incorre em alguma impropriedade ou omissão.”

Por sua vez, Di Pietro (2011, p. 649) também objurga o Código Civil de 2002 no que tange a responsabilidade estatal afirmando que “está atrasado em relação à norma constitucional, tendo em vista que não faz referência às pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público.”

Sem embargo à omissão, o Código Civil de 2002 harmonizou o ordenamento jurídico. Destarte, seguindo o preceito Constitucional, referido Código dispõe em seu artigo 43:

Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.

A despeito do exposto, as pessoas jurídicas prestadores de serviços públicos, independente se governamentais, ou seja, sociedade de economia mista ou empresas públicas, ou não, no caso das permissionárias ou concessionárias, respondem objetivamente pelos atos lesivos que causarem a terceiros.

Com efeito, bem preceitua Meirelles (2011, p. 702):

Só louvores merece a diretriz constitucional, mantida na vigente Constituição (art. 37, §6°), que harmoniza os postulados da responsabilidade civil da Administração com as exigências sociais contemporâneas, em face do complexo mecanismo do Pode Público, que cria riscos para o administrado e o amesquinha nas demandas contra a Fazenda, pela hipertrofia dos privilégios estatais. (MEIRELLES, 2011, p. 702)

Portanto, ao analisar os casos em que configuram a responsabilidade civil do Estado nunca se deve olvidar os princípios que regem o tema, tanto os já citados princípios da primazia do interesse da vítima e o da solidariedade social, bem como o princípio da vulnerabilidade do cidadão, quando rege que o mesmo está à frente do Estado em real situação de desnível, princípio este, diga-se de passagem, é um dos fundamentos da responsabilidade objetiva do Estado.

A Administração Pública tem por dever zelar de sua população, elemento que compõe o tripé de sustentação do Estado e que é formado pela reunião de pessoas, as quais buscam na associação melhor qualidade de vida. E, para tanto, cedem parte de sua liberdade mutuamente, visando o autolimite em busca de um ideal comum, fortalecendo-se pela união.

Contudo, não poderá o Estado, sob pena de ferir o princípio da segurança e o princípio venire contra factum proprium, agir de modo contraditório para o qual foi instituindo, germinado a insegurança. Ousamos mais afirmando que, se o Estado assim proceder, faz perecer o sentido do instituto que é, não atingindo o fim idealizado pelos seus membros que sacrificam parte de sua liberdade em busca do bem comum.

4.4. Análise dos elementos Constitucionais

Abstrai-se da hermenêutica do artigo 37, §6°, da Constituição Federal de 1988 elementos que são de suma importância para a compreensão do tema aqui proposto. Analisemos novamente a norma supra:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

  • 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. (grifo nosso)

Conforme podemos observar, além do que já expusemos aqui referente a esta normativa, existem três elementos, os quais Carvalho Filho (2013, p. 556) também cuida em analisar de modo pertinente, que devem ser estudados pormenorizadamente. São eles: as pessoas responsáveis, os agentes do Estado e a duplicidade de relações jurídicas.

Passa-se, sem delongas, os temas individualmente, abordando os conceitos, como se dá a responsabilização e quem se fato é responsável, quem são os agentes estatais e a relação dos usuários e não usuários com o Estado e desse com os seus agentes ante a responsabilidade extracontratual.

4.4.1. Pessoas responsáveis.

Inicia o citado §6°, do artigo 37, da Constituição Federal de 1988, atribuindo responsabilidade fundada na teoria do risco administrativo a duas classes de pessoas jurídicas: a de direito público e as de direito privado prestadores de serviços públicos.

Em sede preliminar, por visar à didática, consideraremos as pessoas jurídicas de direito público e, posteriormente, as de direito privado prestadoras de serviços públicos.

Por oportuno, cabe-nos salientar que no Brasil a forma de governo é a republicana, o sistema presidencialista e a forma de Estado federativa. Destarte, uma das características em comum dos Estados federativos é a descentralização política, ou seja, ao contrário do que ocorre no Estado unitário, aqui o Poder Político encontra-se distribuído entre os entes constitucionais diferenciados. “A própria constituição prevê núcleos de poder político, concedendo autonomia para os referidos entes.” (LENZA, 2012, p. 291).

À vista disso, calha ponderar que a República Federativa do Brasil é composta pela União Federal, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, conforme dispõe o artigo 18, caput, da atual Carta Magna, o qual também consagra o princípio da autonomia, ou seja, inexistência de hierarquia entre os entes integrantes da organização político‑administrativa do Estado:

Art. 18. A organização político‑administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.

Ato contínuo, o Código Civil dispõe:

Art. 41. São pessoas jurídicas de direito público interno:

I – a União;

II – os Estados, o Distrito Federal e os Territórios;

III – os Municípios;

IV – as autarquias, inclusive as associações públicas;

V – as demais entidades de caráter público criadas por lei.

No que tange aos Territórios, referidos no artigo supra, apesar de previsto constitucionalmente no artigo 33, o Brasil atualmente não tem nenhum Território. Porém, para fins da responsabilidade ora estudada, cabe ainda ponderar que responderia por ele a União, porquanto,

apesar de ter personalidade, o território não é dotado de autonomia política. Trata-se de mera descentralização administrativo-territorial da União, qual seja, uma autarquia que, conforme expressamente previsto no art. 18, §2°, integra a União. (LENZA, 2009, p. 319)

Assim, as pessoas jurídicas de direito público referidas no artigo 37, §6°, da Constituição Federal de 1988 são: os entes federados (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), as autarquias institucionais e as fundações públicas de natureza autárquica.

Essas últimas compõem a Administração Indireta do Estado e desempenham atividades administrativas descentralizadas e estão intimamente ligadas com a Administração Direita. Por prudência é imperativo algumas considerações sobre essas pessoas jurídicas, porém, sem arraigar, por não ser objeto do presente estudo.

Em prelúdio, pode-se conceituar autarquia, utilizando das palavras de Carvalho Filho (2013, p. 470), como a “pessoa jurídica de direito público, integrante da Administração Indireta, criada por lei para desempenhar funções que, despidas de caráter econômico, sejam próprias e típicas do Estado.”

O vocábulo autarquia significa autogoverno, porém, não se confunde com autonomia, principalmente, a consagrada no artigo 18, caput, da Constituição Federal 1988, pertinente aos entes federados detentores de capacidade política. Cabem as autarquias institucionais as funções exclusivamente administrativas, visam unicamente os objetivos impostos pelo ente Estatal. Portanto, não se encontram no mesmo plano dos entes arrolados no referido artigo 18, caput, da Constituição Federal. Sendo, tão somente, pessoa da Administração Indireta criada pelo Estado, este sim, detentor da autonomia necessária para descentralizar funções e criar pessoas para essas finalidades.

Em sustento, o Decreto-lei n° 200, de 25 de fevereiro de 1967, conceitua autarquia e a cataloga como pertencente à Administração Indireta. Todavia, é o Decreto-lei n° 6.016, de 22 de novembro de 1943 que dispõe que ela é pessoa de direito público, confirmada pelo artigo 41 de Código Civil, como exposto alhures. Consequentemente, por não estarem sujeitos ao Código Civil, para adquirir personalidade jurídica não se faz necessário o registro de contrato, ato constitutivo ou estatuto, como as pessoas jurídicas de direito privado.

Nesse ínterim, é observado, quanto o início da personalidade jurídica das autarquias, o princípio da legalidade. Logo, com a vigência da lei que criou a autarquia dá-se conjuntamente o início da personalidade.

Em síntese, as autarquias, que têm personalidade jurídica de direito público, sua responsabilidade é objetiva, podendo exercer direito de regresso contra o servidor que causou lesão a terceiro, usuário ou não-usuário, por sua conduta culposa ou dolosa. Desse modo, seria um retrocesso que, sendo criada pelo Estado para exercer função exclusivamente administrativa, típica ou atípica, sua responsabilidade fosse distinta do disposto no artigo 37, §6°, da Constituição Federal de 1988.

Barlaventos ao exposto  tem-se as fundações públicas. No entanto, é mister seja analisada a natureza jurídica da fundação pública, pois, aparenta, em rápida e descuidada leitura, que incorre em responsabilidade objetiva tão somente as fundações públicas com natureza autárquica, ou seja, fundações pública de direito público, excluindo, assim, da previsão do artigo 37, §6°, da Constituição Federal de 1988 as fundações públicas de direito privado. Ambas, todavia, incorrem no mesmo artigo. Assim, “se forem de direito público, estarão entre as pessoas jurídicas de direito público; se forem de direito privado, incluir-se-ão entre as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos.” (CARVALHO FILHO, 2013, p. 533)

Aqui consiste a distinção entre ambas, pois, esta última responde objetivamente, no entanto, por equiparação tendo em vista ser prestadora de serviço público, enquanto fundação pública de direito pública a responsabilidade objetiva é a regra.

Todavia, por mais de se queira adentrar na discussão atinente a natureza jurídica das fundações, entretanto, não é pertinente ao presente estudo, bem como se trata de tema muito controverso e confuso, de grande discussão doutrinária, o qual requer estudo voltado somente a essa questão. Porém, apesar de comungarmos com o congruente entendimento de Meirelles (ano 2011, p. 394) quando critica a abordagem das fundações no direito público afirmando não entender como uma fundação pode ser espécie de uma autarquia, não é essa a corrente dominante quanto a natureza jurídica das fundações públicas.

Atualmente, per summa capita, prevalece quanto à existência

de dois tipos de fundações públicas: as fundações de direito público e as de direito privado, aquelas ostentando personalidade jurídica de direito público e estas dotadas de personalidade jurídica de direito privado. Por esse entendimento, as fundações de direito público são caracterizadas como verdadeiras autarquias, razão por que são denominadas, algumas vezes, de fundações autárquicas ou autarquias fundacionais. Seriam elas uma espécie do gênero autarquias.

[...] Na verdade, causa grande estranheza que uma fundação criada pelo Estado se qualifique como pessoa de direito público, ainda mais quando se sabe que o recurso do Poder Público a esse tipo de entidade de direito privado visava a possibilitar maior flexibilidade no desempenho das atividades sociais exatamente iguais às colimadas pelas fundações instituídas por particulares. Causa também grande confusão e parece bastante incongruente a caracterização das fundações públicas como espécie do gênero autarquia. Ora, se uma entidade tem personalidade jurídica de direito público e se reveste de todos os elementos que formam o perfil das autarquias, seria muito mais razoável que não fosse ela denominada de fundação, mas sim de autarquia. (CARVALHO FILHO, 2013, p. 522)

De fato, grande é a controversa nesse sentido, todavia, no que tange a responsabilidade extracontratual do Estado em relação às fundações públicas, independe a distinção entre se de direito público ou de direito privado para incorrerem na responsabilidade objetiva, pois, exercendo funções de cunho social, próprias, assim, dos serviços públicos, se enquadram no texto do artigo 37, §6° da atual Carta Magna em pessoas jurídicas de direito público ou em pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos.

No que condiz, todavia, as demais pessoas jurídicas que compõe a Administração Indireta, têm-se pessoas jurídicas de direito privado, quais sejam, as Empresas Públicas e as Sociedades de Economia Mista. Por mais que o termo público nos remeta a noção de pessoas jurídicas de direito público, estas pessoas são criadas pelo Estado com natureza empresarial. Assim, ambas exercem suas atividades gerais com caráter econômico, porém, podem exercer serviços públicos.

Aliás, é o que preconiza o artigo 173, §1º, da Constituição Federal de 1988:

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

  • §1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: (grifo nosso)

Quanto ao conceito, o Decreto lei n. 200/1967, define no artigo 5º, incisos II e III respectivamente, empresa pública e sociedade de economia mista:

Art. 5º Para os fins desta lei, considera-se:

II - Empresa Pública - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criado por lei para a exploração de atividade econômica que o Governo seja levado a exercer por força de contingência ou de conveniência administrativa podendo revestir-se de qualquer das formas admitidas em direito.

III - Sociedade de Economia Mista - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou a entidade da Administração Indireta.

Como é possível visualizar, entre ambas existem, conforme arrola Di Pietro (2011, p. 457), traços comuns, quais sejam:

criação e extinção autorizadas por lei; personalidade jurídica de direito privado; sujeição ao controle estatal; derrogação parcial do regime de direito privado por normas de direito público; vinculação aos fins definidos em norma instituidora e desempenho de atividades de natureza econômica. (DI PIETRO, 2011, p. 457)

Porém, deve-se ressaltar que as atividades desempenhadas, conforme o citado artigo 5º, incisos II e III do Decreto lei n. 200/1967, podem ser também de serviços públicos. E aqui, assim como nas fundações e nas autarquias, encontra-se uma celeuma doutrinária imensa, a ponto de tornar o tema extremamente complexo.

Em virtude disso, propõe o presente trabalho uma abordagem simplificada e objetiva com fim de se compreender a ocorrência da responsabilidade extracontratual do Estado perante estas pessoas por ele criadas.

Inicialmente, cabe entender as razões de o Estado criar tais pessoas com natureza empresarial: ante a burocracia em que depara a máquina pública, a Administração, visando maior desempenho e agilidade nas atividades, cria pessoas atribuindo a elas personalidade de direito privado, porém, sob seu controle. O que, por sua vez, possibilitou o Estado uma considerável mobilidade.

Nesse sentido, pode-se utilizar a expressão que a doutrina atribui ao Estado: Estado-empresário. Por óbvio, os entes federados não se equiparam aos privados na exata proporção, o que seria de fato impossível, ante a natureza e as funções para as quais o Estado foi constituído.

Em complemento ao exposto, José Afonso da Silva (1993, apud CAHALI, 2012, p. 110.) afirma que

as empresas públicas, as sociedades de economia mista e suas subsidiárias são as entidades de administração indireta pelas quais o Poder Público explora atividade econômica. Elas podem também ser utilizadas para a prestação de serviços públicos. Mas a exploração de atividade econômica pelo Poder Público somente poderá realizar-se por essas entidades, por força do disposto no artigo 173, §1°, ficando elas, nesse caso, sujeitas ao regime jurídico próprio das empresas privadas. (SILVA, 1993 apud CAHALI, 2012, p. 110)

Ato contínuo, não se pode confundir personalidade das empresas públicas e sociedades de economia mista e seus regimes jurídicos. O que pode ocorrer com facilidade em virtude do vocábulo “público” inserido na denominação e por serem controladas pelo Estado. Todavia, por mais que sejam controladas pela Administração Pública são pessoas jurídicas de direito privado.

Por tal ótica, pode-se afirmar que o regime jurídico é híbrido, pois, não se sujeitam unicamente ao regime de direito privado, tampouco ao regime de direito público. Aliás, é o que evidencia o artigo 173, § 1º, da Constituição Federal de 1988, quando dispõe que as empresas públicas e as sociedades de economia mista exploraram atividades econômicas de produção ou comercialização de bens ou podem prestar de serviços públicos.

Desse modo, quando exploram atividades econômicas se equiparam às empresas privadas. Para melhor compreensão, citemos o conceito de empresa segundo Tomazette (2009, p. 38): “empresa é a atividade economicamente organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços para o mercado.” Dentro desse conceito estão implícitas as características da atividade de empresa, entre elas a economicidade, que é a capacidade de criar riquezas visando lucro. Outra característica é a finalidade, assim, a atividade de empresa tem como fim buscar a satisfação das necessidades, as quais são dirigidas ao mercado, ou seja, não há produção para consumo próprio, quem circula ou produz o faz para terceiros.

Desse modo, apesar da legislação e a doutrina não definirem o que vem a ser atividade econômica[12] em âmbito público, certo é que não se confunde com serviço público, apesar da definição de serviço público também gerar discussão. No entanto, Mello (2011, p. 679) define serviço público como sendo

toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob regime de Direito Público – portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais - , instituído em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo.  (MELLO, 2011, p 679)

Por sua vez Di Pietro (2011, p. 103) conceitua serviços públicos como

toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público. (DI PIETRO, 2011, p. 103)

Arrola ainda, referida doutrinadora, três elementos básicos para a definição: “o material (atividade de interesse coletivo), o subjetivo (presença do Estado) e o formal (procedimento de direito público).” (DI PIETRO DI PIETRO, 2011, p. 99)

Destarte, quando o Estado descentraliza suas atividades as delegando para outras pessoas, poderá ser atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços. Desse modo, “quanto aos danos causados aos particulares em decorrência da atividade tipicamente privada, ou predominantemente econômica, de tais entidades, a responsabilidade indenizatória se sujeita à disciplina do direito comum.” (CAHALI, 2012, p. 111)

Braga Netto (2012, p. 102), por sua vez, afirma que

se as empresas públicas e as sociedades de economia mista prestam serviços públicos, a responsabilidade delas é objetiva. Já se as empresas públicas e as sociedades de economia mista desenvolvem atividade econômica, submetem-se ao regime jurídico próprio das demais empresas privadas. (BRAGA NETTO, 2012, p. 102)

Portanto, poder-se-á considerar que o que se pondera para atribuir responsabilidade objetiva para as empresas públicas e as sociedades de economia mista não é a personalidade que as mesmas detêm, mas, se prestam ou não serviços públicos.

Ainda em continuidade as pessoas regidas pela teoria do risco administrativo, em relação responsabilidade das concessionárias e permissionárias de serviço público, essas que são institutos que se valem o Estado para descentralizar a prestação de serviços públicos para particulares. Ocorre a descentralização do serviço público quando há a distribuição, por outorga ou delegação, de competências para outra pessoa.

Assim, concessão de serviço público é conceituada por Mello (2011, p.709) como

  • o instituto através do qual o Estado atribui o exercício de um serviço público a alguém que aceita prestá-lo em nome próprio, por sua conta e risco, nas condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo Poder Público, mas sob garantia contratual de um equilíbrio econômico-financeiro, remunerando-se pela própria exploração do serviço, em geral e basicamente mediante tarifas cobradas diretamente dos usuários do serviço. (MELLO, 2011, p. 709)

Dentro dos moldes do conceito tradicional abrigado pela doutrina, o mesmo autor conceitua permissão como

ato unilateral e precário, intuito personae, através do qual o Poder Público transfere a alguém o desempenho de um serviço de sua alçada, proporcionando, à moda do que faz na concessão, a possibilidade de cobrança da tarifa dos usuários. Dita outorga se faz por licitação (artigo 175 da Constituição Federal) e pode ser gratuita ou onerosa, isto é, exigindo-se do permissionário pagamento (s) como contraprestação. (MELLO, 2011, p. 767)

Em suma, a distinção dos dois institutos encontra-se na forma de constituição, tendo em vista que na concessão ocorre por um acordo de vontades manifesto pelas partes e a permissão é ato unilateral do Estado. A característica da precariedade inerente a esta também é fator de diferenciação, pois, a concessão não se dá por ato precário, ou seja, não poderá ser revogado sem indenização ao prejudicado, por ser uma modalidade de contrato administrativo em que sua rescisão unilateral está prevista em lei (Lei 8666/1993).

Como dito em linhas pretéritas, o concessionário administra o serviço público por sua conta e risco, cabendo a ele responder pela lesão que vier a causar a terceiros, usuários ou não do serviço, objetivamente se por conduta comissiva ou subjetivamente se por omissão, nos moldes do artigo 37, § 6°, da Constituição Federal de 1988.

No entanto, se por virtude do exercício de uma atividade estatal atribuído por este vier a causar dano a outrem, encontrando-se em insolvência o cessionário, poderá o Estado responder subsidiariamente. Isso se dá pelo fato de o dano ter sua gênese no exercício de atribuições por pessoa que assumiu o posto estatal.

Ainda como observa Mello (2011, p. 766), “é preciso considerar a posição dos credores diante da falência de concessionários, pois, [...] por ocorrência dela opera-se em favor do cedente a reversão dos bens aplicados ao serviço” primando o princípio da continuidade do serviço público. Assim, pelos danos oriundos da prestação do serviço público o ente estatal tomará subsidiariamente a responsabilidade do cessionário, opondo-se, tão somente, os créditos não adventícios aos serviços públicos prestados.

Ato contínuo, quanto aos permissionários de serviço público a responsabilidade também será objetiva, conforme retratada na concessão. Nesse sentido, Braga Netto (2012, p. 99) afirma que

As permissionárias de serviço público também respondem objetivamente pelos danos que causarem. O STF, a propósito, decidiu: “Responsabilidade civil. Permissionária de serviço de transporte público. Entre as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público a que alude o art. 37, § 6°, da Constituição Federal se incluem as permissionárias de serviços públicos. Pela teoria do risco administrativo, a responsabilidade objetiva permite que a pessoa jurídica de direito público ou de direito privado demonstre a culpa da vítima, a fim de excluir a indenização, ou diminuí-la” (STF, RE 206.711, Rel. Min. Moreira Alves, 1T, DJ 25/06/99). (BRAGA NETTO, 2012, p. 99)

Em arremate à todo o exposto, por oportuno, cabe destacar que tramita no Senado Federal o Projeto de Lei n. 718, de dezembro de 2012, que dispõe sobre responsabilidade civil do Estado. Seu artigo 1°, §§ 1° e 2°, prevê:

Art. 1º. Esta Lei estabelece normas sobre a responsabilidade civil do Estado nos casos de danos a terceiros, oriundos de ações ou omissões, de falta do serviço ou de fatos do serviço, da obra ou da coisa, imputados às pessoas jurídicas de direito público, às de direito privado prestadoras de serviços públicos e aos respectivos agentes.

 § 1°. Os preceitos desta Lei se aplicam à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios, às respectivas autarquias e fundações públicas; às empresas públicas e às sociedades de economia mista e suas subsidiárias, prestadoras de serviços públicos; às concessionárias, permissionárias e autorizadas de serviços públicos e a todas as pessoas privadas que, sob qualquer título, prestem serviços públicos.

  • § 2º. As concessionárias, permissionárias e autorizadas de serviços públicos e outras pessoas privadas que, sob qualquer título, prestem serviços públicos, regem-se pelos preceitos desta Lei, quando os fatos geradores da responsabilidade se relacionarem com os serviços públicos que desempenham.

Contudo, é imprescindível identificar as pessoas privadas que se amoldam ao artigo 37, §6° da Constituição Federal. Pois, só incorreram na responsabilidade consagrada nesse artigo se prestarem serviços de forma delegada e com vínculo jurídico de direto público com seu delegatário, ou seja, o Estado. Faltando esse elo jurídico, as pessoas jurídicas de direito privado que prestarem serviços com características públicas, sua responsabilidade é regida pelo Direito Civil, como é o caso, por exemplo, das entidades religiosas, fundações privadas e associações de moradores.

Por outro lado, existem as pessoas de cooperação governamental ou que prestam serviços sociais autônomos (SESC, SENAC, SESI dentre outras[13]) que são pessoas jurídicas de direito privado que prestam serviços de caráter público, ou que beneficiem um grupo social ou categorias profissionais, mas, não integram a administração indireta. No entanto, por existir vínculo com o Estado, porquanto são criadas por leis que as vinculam as suas atividades institucionais, bem como são obrigadas, virtude dos recursos que granjeiam por contribuições compulsórias, a prestarem contas ao Poder Público, estão sujeitas à responsabilidade prevista no texto constitucional do artigo 37, § 6°.

Por fim, existem as pessoas privadas que firmam parcerias com a Administração Pública para a prestação de serviços públicos. A vinculação dessas entidades com o Estado ocorre por meio de convênio, diferenciando, assim, das cooperativas governamentais. Pois, estas a vinculação se dá pela lei que as institui e não necessitam de qualquer outro instrumento que formalizem esse vínculo cooperativo.

As parcerias permitem que as entidades privadas adquiram títulos jurídicos que as qualifiquem como organizações sociais e organizações da sociedade civil de interesse público, conforme as Leis n° 9.637/98 e 9.790/99, respectivamente.

Segundo Carvalho Filho (2013, p. 558), tais organizações são

Vinculadas ao ente estatal por meio de contratos de gestão ou termos de parceria, bem como pelo fato de que se propõem ao desempenho de serviço público. Em que pese a existência desses elementos de vinculação jurídicas ao Estado, entendemos que sua responsabilidade é subjetiva e, consequentemente, regulada pelo Código Civil. É que esses entes não têm fins lucrativos e sua função é a de auxílio ao Poder Público para melhorar o resultado de certas atividades de interesse do público e do próprio Estado. [...] Nesse caso, se o dano proveio do desempenho do serviço público, sem que tenha havido culpa na conduta, o correto será responsabilizar-se a pessoa federativa que buscou a parceria, mas nunca a própria entidade parceira. Afinal, é o Estado que se sujeita ao risco administrativo. (CARVALHO FILHO, p. 2013, p. 558)

Por todo o exposto parece ser contraditório esse posicionamento, no entanto, de uma observação mais atenta extrai-se que as pessoas jurídicas de direito privado que se associam ao Poder Público em regime de parceria não são, ao contrário de algumas pessoas jurídicas aqui estudadas, criadas pelo Poder Público com o intuito último de prestação de serviço público, de obrigação estatal, com o seu objeto institucional vinculadas por lei ou que vise fim lucrativo.

Não aparenta justo que essa vinculação abnegativa, com fim tão somente de auxiliar o Estado na prestação de serviços públicos de qualidade, faça com que a pessoa privada suporte o ônus da teoria do risco administrativo. Pois, como preceitua o artigo 1° da Lei n. 9.637/1998, o Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, cujas atividades já “sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde.” Tanto é assim, que o artigo 2°, inciso I, alínea ‘b’, da referida Lei, dispõe que para serem consideradas aptas necessitam, dentre outras exigências, não ter finalidade lucrativa e que seu excedente, obrigatoriamente, seja investido no incremento das próprias atividades.

Portanto, ante a relação contratual ou termo de parceria, o Estado somente aproveita a atividade já prestada pela pessoa jurídica oferecendo contrapartida para que a mesma passe a auxiliá-lo em seus deveres com a sociedade.

Contudo, inegável é, no que concerne discorrer sobre as pessoas responsáveis, que o terreno doutrinário é movediço e confuso. Porém, reitera-se que quando a legislação busca ser completa e abarcar todas as situações de forma sensata, de fato o estudo fica complexo. Principalmente quanto ao Direito Administrativo, que tem “escopo de atingir finalidades sociais e políticas ao regulamentar a atuação governamental” (DINIZ, 2009, p.261)

A sociedade se desenvolve de maneira rápida e diária, de tal modo, o direito somente positiva fatos ocorridos ou que pelo desenvolvimento social se tornem previsíveis. Assim, atender as finalidades sociais e políticas de uma nação, sobretudo, com caráter altamente corrompido, essencialmente diante das relações firmadas pelo Poder Público e pessoas privadas, é quase inatingível. Logo, a hermenêutica e a aplicação das leis, de modo a atender as finalidades sociais e políticas e ao mesmo tempo não deixar fissuras para o desvio do que é público, se torna algo duro e estafante.

4.4.2. Agentes do Estado

Outra questão relevante no §6°do artigo 37 da Constituição Federal é quando o diploma legal dispõe que “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade [...].” (grifo nosso).

Por ser o Estado pessoa jurídica, para que seja manifestada sua vontade ele necessita utilizar seus recursos humanos, ou seja, pessoas físicas que exerçam e estejam investidas em função pública, logo, tidas como capazes para manifestar a vontade e exprimirem as pretensões estatais por suas ações, agindo igualmente em nome do ente estatal. Assim, sua ação se consolida através dos agentes públicos, lhe sendo arrogada a responsabilidade civil pelos danos que estes, nessa qualidade, causarem a terceiros.

Convém evidenciar, preliminarmente, que apesar do texto constitucional no qual prevê atualmente a responsabilidade extracontratual do Estado não ter sofrido grandes modificações quanto a teoria empregada à partir da Constituição de 1946, houve uma inovação quanto ao termo agente público. As Constituições anteriores consagravam a expressão “funcionário público”, substituída, hodiernamente, pela expressão “agentes públicos”.

Braga Netto (2012, p. 83) explica que

havia, na verdade, certa crítica doutrinária, desde meados do século passado, frisando que a expressão “funcionário público” não era mais adequada. A expressão, no rigor conceitual, significaria alguém que ocupa cargo público, com vencimentos e vínculo estatutário permanente com a administração pública, tendo sido submetido a concurso público.

A expressão seria, pois, muito restrita, não dando conta da multiplicidade de pessoas que agindo em nome do Estado, causem danos, obrigando o ente público a indenizar. (BRAGA NETTO, 2012, p. 83)

Ato contínuo, a expressão agentes públicos englobam todos aqueles que de modo temporário ou permanente prestem serviços ou Estado, seja pela Administração Direita ou Indireta, remunerada ou não, com característica política ou jurídica. De fato, o que é necessário é que tais pessoas tenham vínculo com o Poder Público.

Nesse ínterim, deve ser considerado, no momento em que nos deparamos com o tema em tela, que a expressão utilizada para designar as pessoas que prestem serviços para o Estado deva ser mais amplo possível, de modo que abarque todos aqueles que colaboram com a gestão da coisa pública. Em virtude disso, o Projeto de Lei do Senado n. 718, de 12/2011, pretende trazer no artigo 3°, inciso VII, o conceito de agente:

Art. 3°. Para os fins desta Lei considera-se:

VII - agente - quem atua para as pessoas jurídicas públicas e para as pessoas privadas prestadoras de serviço público, a qualquer título, mesmo sem vínculo funcional ou de modo temporário ou eventual;

A Lei n. 8.429/1992 em seu artigo 2º, por sua vez, demonstra com clareza a abrangência que deve ser adotada quanto àqueles que prestam serviços públicos agindo e nome do Estado:

 Art. 2° Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.

Segundo Braga Netto (2012, p. 84), a tendência da Constituição atual é ampliar ainda mais o rol dos agentes públicos.

Em outra linha, por oportuno, o artigo 37, § 6° da Constituição Federal de 1988, estabelece que as pessoas responsáveis sejam assim consideradas pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem. A expressão “nessa qualidade” deve ser analisa cuidadosamente, pois, o Estado só poderá arcar com o ônus da responsabilidade se o preposto for considerado pessoa apta a imputar suas ações ou omissões ao Estado. Para tanto deverá, como alhures aduzido, estar caracterizado dois requisitos: a investidura da função pública e a natureza pública da função, conforme esclarece Gasparini (2011, p. 192).

Ante o exposto, se o agente causar dano a terceiro não estando no exercício de suas funções ou com pretexto de exercê-la, não poderá ser atribuído ao Estado qualquer responsabilidade. Responderá o agente estatal segundo o regime do Código Civil (artigos 186 e seguintes e 927 e seguinte desse diploma legal), como pessoa comum que é quando fora de suas funções públicas. Descabido, então, a aplicabilidade do artigo 37, §6° da Constituição da República Federativa do Brasil – CRFB/1988.

O mesmo se tem para os casos em que estiverem envolvidas as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos quando seus agentes, nessa qualidade, causarem danos a terceiros. Bem como os danos causados por Cartórios Extrajudiciais e por servidores de fato.

Porém, mesmo não estando no exercício há casos em que o Estado responderá pelas ações ou omissões de seus agentes, como os famosos casos em que policiais causam lesões a terceiros durante suas folgas com arma da corporação. “No caso, não exercia sua função, mas, ao usar arma, conduziu-se a pretexto de exercê-la” (CARVALHO FILHO, 2013, p. 558), conforme julgado do Superior Tribunal de Justiça:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. C.F., art. 37, § 6º. I.  Agressão praticada por soldado, com a utilização de arma da corporação militar: incidência da responsabilidade objetiva do Estado, mesmo porque, não obstante fora do serviço, foi na condição de policial-militar que o soldado foi corrigir as pessoas. O que deve ficar assentado é que o preceito inscrito no art. 37, § 6º, da C.F., não exige que o agente público tenha agido no exercício de suas funções, mas na qualidade de agente público. II. - R.E. não conhecido. (RE 160401, Relator(a):  Min. CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 20/04/1999, DJ 04-06-1999 PP-00017 EMENT VOL-01953-01 PP-00158).

Nesse mesmo sentido estão os episódios em que o agente público e o particular se fundem como é o caso de policiais de grupos de extermínio.

Nesses casos, pelos danos (mortes, torturar ou danos patrimoniais), o poder público deve responder. Ao ter em seus quadros um bandido, dando-lhes armas e poder, o Estado se coloca como responsável diante de vítimas na mais absoluta vulnerabilidade, pois, nem mesmo à polícia podem recorrer. Os danos, portanto, guardam relação com a atividade estatal. (BRAGA NETTO, 2012, p. 87)

Excelente exemplo de responsabilidade tanto por ação quanto por omissão, se é que assim pode-se adjetivar em virtude da tragédia que foi, é o fato ocorrido com a juíza Patrícia Acioli, que tratava com rigidez os casos de policiais envolvidos em grupo de extermínio. A juíza foi assassinada em 2011 por policiais militares e as investigações apontam que a Polícia Federal tomou nota do crime dias antes e a própria juíza já havia informado a Corregedoria da Polícia Militar sobre as ameaças de morte.

Outra circunstância a se ponderar é sobre os funcionários de fato ou agentes de fato, os quais não se revestem das características necessárias para prestarem serviços públicos, porém, assim aparentam. O Estado também responderá pelos atos deles por força do princípio da proteção da confiança legítima, que estabelece que quem tiver razões objetivas que as levem a crer que determinada situação é legítima, devido as funções desempenhadas, maquinários e outros pertences públicos ou aparentemente públicos, poderá ser resguardado mesmo sendo a suposição putativa. Podemos exemplificar o caso de tabelião em que a delegação esteja irregular ou o atendimento em hospital público por pessoa que se passe por médico.

Portanto, conforme o exposto, o que realmente torna-se necessário não é se o agente está em serviço, pois, poderá estar de férias, licença ou fora do horário funcional e se configurar a necessidade de a Fazenda Pública arcar com a indenização das lesões que esse agente público tenha causado. Por fim, forçosa a conclusão de que é mister para que o Estado arque com os reparos a terceiros quando seu agentes públicos tenham agido nessa qualidade.

4.4.2.1. Diferença entre agente e servidor

 Em breves comentários, calha ponderar que a doutrina é muito cuidadosa em distinguir agentes públicos de servidores públicos quando o tema é responsabilidade extracontratual do Estado.

Nós abordamos, em subtítulo pretérito, o que é agente público frisando sua abrangência. Nesse sentido, sucintamente, afirma Di Pietro (2011, p. 526) que “agente público é toda pessoa que presta serviços ao Estado e às pessoas jurídicas da Administração Indireta.”

Mello (2011, p. 244), por sua vez, afirma que

Esta expressão – agentes públicos – é a mais ampla que se pode conceber para designar genérica e indistintamente os sujeitos que servem ao Poder Público como instrumentos expressivos de sua vontade ou ação, ainda quando o façam apenas ocasional ou episodicamente. (MELLO, 2011, p. 244)

O conceito de servidor público é mais específico por se tratar de uma espécie do gênero agentes públicos. Porém, a doutrina diverge quando sua abrangência. Carvalho Filho (2013, p. 594) conceitua servidores públicos como

  • os agentes, que exercendo com caráter de permanência uma função pública em decorrência de relação de trabalho, integram o quadro funcional das pessoas federativas, das autarquias e das funções públicas de natureza autárquica. (CARVALHO FILHO, 2013, p. 594)

Porém, Di Pietro (2011, p. 528) conceitua servidores públicos como “as pessoas físicas que prestam serviços ao Estado e à Administração Indireta, com vínculo empregatício e mediante remuneração paga pelos cofres públicos.” Nesse mesmo sentido, Mello (2011, p. 248).

A controvérsia, pelo exposto, encontra-se na Administração Indireta, mas precisamente, em relação aos agentes das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos. Carvalho Filho (2013, p. 595) afirma que por força do artigo 173, §1°, da Constituição Federal de 1988, as empresas públicas e sociedades de economia mista estão sujeitas ao regime trabalhista e as demais regras do direito privado. Afirma, ainda, que o “Direito brasileiro nunca enquadrou tais empregados como servidores públicos, nem em sentido lato.” (CARVALHO FILHO, 2013, p. 595) No mesmo sentido, Gasparini (2011, p. 225).

Porém, apesar dessa celeuma, o que interessa ao tema em estudo está no fato de que o vocábulo agentes públicos é gênero e abrange todos os que prestam serviços ao Poder Público. Os servidores públicos são espécie desse gênero, e sobre isso a doutrina é unânime. Porém, Gasparini (2011, p. 207) apresenta, ainda, uma divisão mais minuciosa das espécies de agentes públicos, catalogando-os em: agentes políticos, agentes temporários, agentes de colaboração (por vontade, por compulsão e por concordância), servidores governamentais, servidores públicos (estatutários e celetistas) agentes militares (federais, estaduais e distritais).

Contudo, deve-se evitar o equívoco muitas vezes existentes ao tratar servidores públicos como agentes públicos, pois, se tal ocorrer estará, consequentemente, limitando a gama de pessoas em que o Estado deve se responsabilizar por seus atos, por deter a expressão “servidores públicos” sentido mais específico.

4.5. A duplicidade das relações jurídicas

Novamente, prescinde a análise do artigo 37, §6º, da Constituição Federal de 1988:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

  • 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Como é possível observar, existem duas relações jurídicas previstas nesse artigo. A primeira é entre as pessoas jurídicas do referido artigo com as vítimas do evento e está subjugada á teoria objetiva, fundamentada na teoria o risco administrativo, em regra. A segunda, por sua vez, relaciona-se com o direito de regresso, portanto, entre as pessoas jurídicas com seus agentes e é regida pela comprovação de culpa do agente, sendo, nesse sentido, aplicada a teoria subjetiva da culpa ou teoria civilista

Assim, quanto este último, as Fazendas Públicas somente poderão exigir que o agente devolva aos cofres públicos os valores despendidos com a indenização se de sua conduta lesiva ressaltar comprovada a existência de culpa ou dolo.

Por fim, não se aplica na relação Estado e agente público o artigo 37, § 6°, da Constituição Federal de 1988. Aqui prevalecerá a regra no direito brasileiro, qual seja, a teoria civilista da culpa. Nada mais correto, pois, se a vítima é considerada hiposuficiênte e vulnerável ante o Estado, o servidor ante aquele para quem é prestado o serviço não pode ser diferente tal vulnerabilidade. Outro fator que a nosso ver fundamenta a aplicação da teoria civilista é que o agente público, em regra, é um longa manus do Estado, seria muito conveniente a este exigir a ação e atribuir os ônus do serviço público a outrem.

4.6. Teorias aplicadas

O artigo 37, § 6°, da Constituição Federal consagra a teoria do risco administrativo, a qual impera como regra no ordenamento jurídico nacional no que condiz com a responsabilidade extracontratual do Estado. Todavia, também se faz presente no nosso ordenamento jurídico outras teorias que fundamentam a responsabilidade civil do Estado, como a teoria do risco integral, consagrada no artigo 21, inciso XXII, alínea d, da CRFB/1988, bem como nas Leis 10.744/2003 e Lei n° 10.309/200, e a teoria civilista, ou teoria subjetiva. Esta última aplicada, em regra, nos casos de responsabilidade por ato estatal omissivo.

Não cabe nesse ponto do estudo aprofundar sobre cada teoria em si, por termos reservado momento oportuno para ambas (tópicos ‘2.5 Fundamento da Responsabilidade Objetiva: a teoria do risco administrativo’, ‘3.2. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988’ e ‘4.5. Diferenciação entre as condutas comissivas e omissivas e seus reflexos para a configuração da responsabilidade’). Porém, não podemos deixar de condensá-las em um só tópico, pois, visamos, sobretudo, a didática.

Outrossim, por mais que se constate a necessidade de evoluição quanto ao tema ora estudado, a adoção de múltiplas teorias pelo direito brasileiro demonstra maturidade do ordenamento vigente, porquanto, cabe ao direito ser dinâmico, dotando do mínimo de eficácia para resguardar o bem da vida. Assim, não poderá ser uma norma absolutamente eficaz, conforme a concepção de Kelsen (1962, apud DINIZ, 2009, p. 124). Ou seja, rígida em si mesma, impossibilitando a aplicação de norma diversa, diante as particularidade do caso concreto, consequentemente, passível de inúmeras iniquidades, deixando o direito de atingir o fim para o qual colima: o império da justiça.

V.              Processualização da teoria da responsabilidade objetiva no Direito brasileiro

 

 

5.1. Pressupostos

Antes de aprofundar na parte processual do tema em questão, mister se faz algumas considerações quando os pressupostos para a configuração da responsabilidade objetiva do Estado.

Carvalho Filho (2013, p. 560 et seq.) arrola três pressupostos para a caracterização do dever ressarcitório estatal: a existência de fato administrativo, o dano e o nexo causal. A falta de qualquer desses pressupostos impede que seja tipificada a responsabilização do Poder Público.

 Preliminarmente, o fato administrativo, mencionado pelo autor, é o fato gerador do dano, ou seja, ação ou omissão por parte do agente público ou oriundo de fato anônimo. Esse fato deve ter liame com a conduta estatal, independente se lícita, ilícita, singular ou coletiva, estando ou não o agente estatal exercendo suas funções ou, tão somente, “a pretexto de exercê-las” (Carvalho Filho, 2013, p. 560). A configuração da responsabilidade nesse último caso se dá ante a culpa in eligente ou in vigilando do Estado.

Por sua vez, o dano constitui pressuposto imprescindível para o ressarcimento pela Administração Pública, pelo fato da impossibilidade de atribuição de responsabilidade sem que haja a caracterização do mesmo. Para tanto, o dano não poderá ser eventual, ou seja, prescinde ser certo, divorciado da imprevisibilidade.

Segundo Gasparini (2011, p. 1117), existem outras características inerentes ao dano, entre elas está a especialidade. Nesse ponto, o dano deve ser individual, sob pena de ser um ônus suportado por toda a sociedade, logo, comum. Por consequência, não haveria o prejuízo de um ou alguns indivíduos em contraponto com o benefício da coletividade, que pelo princípio da solidariedade, seria a gênese da reparação ao administrado pelo Poder Público.

Dispõe, ainda, citado doutrinador que o dano deve ser anormal, fugindo das consequências comuns das atividades estatais, extrapolando, destarte, os encargos suportados pela vida em sociedade. Deve também lesar direito da vítima. Nesse sentido, Mello (2011, p. 1029) afirma que “quem não sofreu gravame em um direito não tem título jurídico para postular indenização.” Por essa razão, aquele que detém uma plantação de maconha não poderá clamar o ressarcimento pelas Fazendas Públicas, por se tratar de atividade ilícita, consequentemente, não se configura um dano sobre direito resguardado.

Consoante ao exposto, Cavalcanti (1957 apud CAHALI, 2012, p. 67 et seq.) assevera que:

Nem sempre será fácil afirmar que um ato do Poder Público ou do funcionário seja uma violação indiscutível do direito individual, mas o critério no caso não deve ser outro senão o da existência de um direito objetivo adquirido, e, como tal, reconhecido na lei vigente; quer dizer, como direito adquirido só pode ser entendido aquele cujo sujeito possa a fazê-lo valer ou reparar por um remédio legal, também existente.

Se o conceito de dano “singular e não universal” pode ser deduzido de circunstâncias objetivas, no que afeta uma pessoa ou um determinado grupo numeroso de pessoas, já o mesmo não pode ser referido quanto à “excepcionalidade ou anormalidade do dano”, pois aqui se faz presente uma certa carga de sensibilidade do julgador na aferição valorativa dos incômodos e prejuízos causados e certos particulares com a obra pública realizada a benefício de toda uma coletividade. (Cavalcanti,1957 apud CAHALI, 2012, p. 67 et seq.)

Quanto ao dano, por fim, o mesmo deverá ter valor econômico apreciável, ou seja, não deve ser um valor irrisório. Não devemos confundir a fixação do quatum indenizatório em valor incompatível com a gravidade do dano, com o dano em si ser de valor irrisório. Este último se faz necessária análise cuidadosa pelos aplicadores do direito com fim de evitar insegurança jurídica ante a subjetividade do que seja dano de valor irrisório.

Deter valor compensável é uma das características para que o dano seja considerado ressarcível, possível de ser reparado pela pessoa que lhe deu causa. Por outro lado, no que tange a valoração do dano, muitos são as jurisprudências concedendo majoração dos valores por considerar a fixação do quatum indenizatório como valor irrisório. Vejamos um julgado nesse sentido do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. MORTE. DENGUE HEMORRÁGICA. CONFIGURAÇÃO DA RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO ESTADO PELO TRIBUNAL A QUO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. MAJORAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. VALOR IRRISÓRIO. CONFIGURADO. 1. Os danos morais na sua expressão econômica devem assegurar a justa reparação e a um só tempo vedar o enriquecimento sem causa do autor, mercê de considerar a capacidade econômica do réu, por isso que se impõe seja arbitrado pelo juiz de forma que a composição do dano seja proporcional à ofensa, calcada nos critérios da exemplariedade e da solidariedade. 2. A modificação do quantum arbitrado a título de danos morais, em sede de recurso especial é excepcional e admitida na hipótese de fixação em valor irrisório ou abusivo [...] majorar o valor da indenização, a título de danos morais, para R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). - (STJ - REsp: 1133257 RJ 2009/0064907-9, Relator: Ministro LUIZ FUX, Data de Julgamento: 27/10/2009, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 02/02/2010). (grifo nosso)

O nexo de causalidade ou relação causalidade, terceiro pressuposto, é o liame entre o fato administrativo e o dano. Se o dano não estiver relacionado direto ou indiretamente com a conduta do Estado, este não pode suportar a responsabilização, em regra, conforme discorremos em momento pretérito.

Segundo Cahali (2012, p. 73),

o STF, examinando a causa geradora da responsabilidade civil do Estado manifestou-se no sentido de que a teoria adotada quanto ao nexo de causalidade é a teoria do dano direto e imediato, também denominada teoria da interrupção do nexo causal: “A responsabilidade do Estado, embora objetiva, não dispensa, obviamente, requisito, também objetivo, do nexo de causalidade entre a ação o a omissão atribuída a seus agentes e o dano causado a terceiros [...].” (CAHALI, 2012, p. 73)

Contudo, salientados os pressupostos inerentes a responsabilidade extracontratual da Administração Pública, passa-se, agora, a analisar a processualística do tema que se dará através da ação de reparação de danos ou ação de indenização. A legislação não atribuiu uma nomenclatura para as ações que visem à responsabilização, por isso são inúmeras as denominações que se atribuem, na prática forense, às ações que tenham com objeto, conforme o trabalho em tela, a lesão a um direito individual. Assim, convém abordar em seguida as excludentes de culpabilidade, prescrição, dentre outros temas afins com escopo de atingir, ao final, o direito, ou como preferem alguns, o “dever”, da Administração Pública promover ação regressiva contra o servidor, em virtude da duplicidade das relações prevista no artigo 37, §6° da Constituição Federal e se esse artigo aplica-se aos atos dos Poderes Legislativo e Judiciário. Sem mais delongas, passa-se a análise.

5.2. Ônus da prova: inversão

Nas ações indenizatórias contra o Estado, fundamentadas no artigo 37, §6°, da Constituição Federal, devido à teoria do risco adotada pelo direito brasileiro, ao autor compete provar a existência dos pressupostos de responsabilidade objetiva. Não se fala, todavia, em comprovação de culpa por parte do Estado, seja por falha anônima da máquina administrativa ou em decorrência de seus agentes público.

Comprovado pela vítima o nexo de causalidade entre o fato administrativo e o dano, “de resto, ou se presume, ou mesmo se apresenta como irrelevante quando se cuida de dano injusto.” (CAHALI, 2012, p. 189) Caberá, todavia, a Administração Pública defender-se alegando a existência do fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, conforme artigo 333, inciso II, do Código Civil. Logo, defenderá, tão somente, alegando a inexistência do fato administrativo e/ou do dano, bem como a ausência do nexo causal entre ambos, culpa exclusiva da vítima ou evento oriundo de força maior com o fim de eximir-se ou atenuar a responsabilidade.

Frisa-se, a culpa será presumida se o autor provar a existência dos pressupostos de responsabilidade, ocorrendo a inversão do ônus da prova. Compete ao Estado fazer prova visando a exclusão da responsabilidade, pois, não caberá ao Poder Público alegar a inexistência de culpa por ser pressuposto dispensável no caso em tela.

Segundo Carvalho Filho (2013, p. 562),

Há ainda outro fator que merece ser analisado. A pretensão formulada pelo indivíduo para obter do Estado a reparação de prejuízos atenua em muito o princípio de que o ônus da prova incumbe a quem alega (ônus probandi incumbit ei que dicit, non qui negat). Se o autor da ação alega a existência do fato, o dano e o nexo de causalidade entre um e outro, cabe ao Estado-réu a contraprova sobre tais alegações. (CARVALHO FILHO, 2013, p. 562)

Ainda quanto ao tema, o Ministro Celso de Mello no julgamento do AI 455846 RJ, DJ 21/10/2004 PP-00018 RDDP n. 22, 2005, p. 160-163, ponderou:

Sendo a responsabilidade objetiva, dispensada está a parte de provar a culpa lato sensu, ante a adoção, pelo direito pátrio, da teoria do risco. Demonstrado o fato administrativo (conduta comissiva do agente), o nexo causal e o resultado danoso, devida a reparação por dano material, pois que também não houve culpa da vítima, bem como não restou configurada a excludente de responsabilidade [...].  É por isso que a ausência de qualquer dos pressupostos legitimadores da incidência da regra inscrita no art. 37, §6°, da Carta Pública basta para descaracterizar a responsabilidade civil objetiva do Estado, especialmente quando ocorre circunstância que rompe o nexo de causalidade material entre o comportamento do agente público e a consumação do dano pessoal ou patrimonial infligido ao ofendido. (AI: 455846 RJ , Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 11/10/2004, Data de Publicação: DJ 21/10/2004 PP-00018 RDDP n. 22, 2005, p. 160-163. Disponível em: http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14795332/agravo-de-instrumento-ai-455846-rj-stf. Acesso: 11 nov. 2013). (grifo nosso).

Por fim, cabe destacar que em se tratando de responsabilidade por omissão faz-se necessária a comprovação de culpa por parte do Poder Público para que se configure o dever indenizatório, tendo em vista que a teoria do risco só se aplica em casos de responsabilidade por comissão. Destarte, quando a estes casos poderá o ente público se defender alegando também a inexistência de culpa por parte da Administração, uma vez que aqui a culpa não será presumida.

5.3. Causas excludentes e atenuantes à luz da teoria do risco administrativo.

5.3.1. Participação do lesado.

Preliminarmente, impende salientar que por mais que a teoria do risco administrativo não exija a comprovação de culpa por parte da vítima, não impede que o Estado comprove em sua defesa que aquela participou do evento lesivo, seja total ou parcialmente. De tal sorte, a teoria do risco administrativo não dispõe, tão somente, que estará a vítima desobrigada a comprovação de culpa por parte da Administração, como também que esta poderá comprovar culpa exclusiva ou concorrente da vítima, o que a eximirá total ou parcialmente.

Segundo Cahali (2012, p. 53 et seq.),

tal como no direito comum, em sede de responsabilidade objetiva, a excludente de responsabilidade fundada na culpa exclusiva da vítima representa exceção substancial a ser demonstrada pelo ente estatal demandado (art. 333, II, do CPC). [...] O ofendido não necessita demonstrar culpa ou dolo de qualquer agente público, de regra, anônimo; pode, em verdade, o ente público demonstrar total ou parcial culpa ou dolo do ofendido para efeito de ser julgada improcedente ou parcialmente procedente a ação; mas o ônus é seu, isto é, da entidade de direito público responsável pelo dano. (CAHALI, 2012, p. 53 et seq.)

Isso ocorre em virtude de o ordenamento jurídico pátrio não adotar o extremismo existente na teoria o risco integral. A Fazenda Pública não está obrigada a se responsabilizar por todo e qualquer caso suportado pelo particular, no entanto, deverá provar a culpa do lesado, porquanto esta não se presume. Todavia, não sendo demonstrada, o Estado responderá pelo prejuízo que não deu causa.

Em vista do exposto, a culpa exclusiva da vítima desfaz o nexo causal e afasta o dever do Estado à indenização. Nesse prumo, em caso de autolesão não há qualquer responsabilidade civil do Estado pela inexistência de seus pressupostos caracterizadores. Todavia, nos casos de suicídios em prisões, ou que seja falsos suicídios, por mais que seja uma autolesão, com a prisão do indivíduo, o Estado fica encarregado por sua integridade física, quer seja ela denegrida por ato próprio ou de terceiro.

Em interessante voto-vista no REsp. 1014520, da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, o Ministro Luiz Fux, afirmou

[...] caber ao Estado vigiar o comportamento e o estado psicológico daqueles que sob sua imediata fiscalização e autoridade estão.  Formar soldados não significa querê-los - a qualquer preço - bons atiradores, bem preparados fisicamente e cumpridores de ordens. Eventuais desequilíbrios emocionais ou psicológicos podem e devem ser detectados pelo Administrador Público em suas rotineiras rondas [...].

[...] que o Estado é responsável pelas pessoas presas cauterlamente ou em decorrência de sentença definitiva; menores carentes ou infratores internados em estabelecimentos de triagem ou recuperação; alunos de qualquer nível (básico, profissionalizante, nível superior etc); doentes internados em hospitais públicos, e outras situações assemelhadas, torna-se guardião dessas pessoas [...].

A Fazenda do Estado responde pelo ato ilícito praticado por agentes da Administração, decorrente da deficiência de vigilância exercida sobre oficial da Polícia Militar, portador de esquizofrenia, internado estabelecimento hospitalar da Corporação que, evadindo-se, suicidou-se com arma por ele encontrada no Batalhão onde servia. (Supremo Tribunal Federal. REsp 1014520 /DF. Relator: Ministro Luiz Fux. Data de Julgamento: 02/06/2009. Tribunal Plano. Data de Publicação: 01/07/2009. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200702913891&dt_publicacao=01/07/2009>

Acesso: 16 nov. 2013).

O Estado tem sido chamado a responder frequentemente nos casos de suicídios ou outros danos correspondentes a fatores psicológicos. Portanto, a afirmativa de que o Estado não responderá em casos de autolesão não é absoluta. Por isso a necessidade de se entender o desenvolvimento histórico da responsabilidade civil do Estado abarcando suas teorias, permitindo, dessa forma, vislumbrar todos os casos e analisá-los individualmente aplicando o direito com senso de justiça, divorciando-se da aplicação de uma única teoria.

No que concerne a participação parcial da vítima, não seria justo também que o Estado suportasse sozinho o ônus do evento se não concorreu para ele individualmente. Desse modo, a indenização por parte do Estado deverá sofrer uma redução proporcional à concorrência do lesado para o resultado. Para tanto, a jurisprudência tem reconhecido a compensação prevista no direito privado como alternativa para a solução dessa responsabilidade concorrente.

Ao lado do consagrado artigo constitucional, tem-se aplicado, assim, o artigo 945 do Código Civil, o qual dispõe sobre a compensação de culpas:

Art. 945. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo‑se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano.

Nesse ínterim, havendo dúvida sobre a proporção ou se de fato houve a participação da vítima resolve-se pela responsabilização exclusiva do ente estatal, conforme no supracitado voto-vista do Ministro Luiz Fux no REsp 1014520, da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça:

A definição dos níveis de participação da vítima nem sempre é muito clara, de modos que, na prática, têm-se admitido a mesma como excludente apenas nos casos de completa eliminação de conduta estatal. Nos casos em que existam dúvidas sobre tal inexistência, resolve-se pela responsabilização exclusiva do Estado. (REsp: 1014520, Relator: Ministro Francisco Falcão, Data de Julgamento: 02/06/2009, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe 01.07.2009. Disponível em: h t t p s : / / w w 2 .  st  j . ju  s . b r /r e v i s t a  eletronica/ita.asp?registro=200702913891&dt_publicacao=01/07/2009. Acesso: 11 nov. 2013.)

Por fim, é salutar mencionar que decorreu-se alhures sobre a existência de culpa na teoria do risco administrativo contradizendo o conceito da mesma teoria. Entretanto, caminha a jurisprudência para tal entendimento, relativizando, em virtude do tema em estudo, até mesmo a teoria do risco administrativo para que o direito atinja o fim que se espera. Inúmeros, portanto, tem sido os julgados nesse sentido: STF, RE 209.137, Rel. Min. Moreira Alves; STJ, REsp 74.532, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, 4 T., DJ 12/05/97; STJ, REsp 287.849, Rel. Min. Ruy Rosado Aguiar, 4 T., DJ 13/08/01.

5.3.2. Fatos imprevisíveis

O princípio da responsabilidade objetiva não se enroupa de caráter absoluto, poderá sofre abrandamentos ou até mesmo, conforme as circunstâncias, não ser atribuída responsabilidade ao Estado. Como já discorremos, para que fique configurada a necessidade de indenização por parte da Administração Pública faz-se mister a presença dos pressupostos.

Os fatos imprevisíveis são aqueles que a doutrina os denomina de caso-fortuito e de força maior. Segundo Carvalho Filho (2013, p. 563), são os “eventos que, por alguma causa, ocorrem sem que as pessoas possam pressenti-los e até mesmo preparar-se para enfrentá-los e evitar os prejuízos às vezes vultosos, que ocasionam.”

Existe grande divergência doutrinária quanto ao conceito de ambos. Gasparini (2011, p. 1115) e Meirelles (1993, apud CARVALHO FILHO, 2011, p. 563) entendem que força maior são acontecimentos oriundos da vontade humana, como exemplo a greve; e os casos fortuitos são originários da ação da natureza. Por sua vez, Di Pietro (2012, p. 652) e Mello (2011, p. 1033) argumentam no sentido contrário, invertendo os conceitos.

Em verdade, todavia, essa distinção é irrelevante, o Código Civil no artigo 393, parágrafo único, acabou por tê-los como equiparados, logo, inexiste no ordenamento jurídico pátrio relevância quanto a essa distinção. Assim, Aguiar Dias (1954 apud BRAGA NETTO, 2012, p. 111) já argumentava, em meados do século passado, quanto a inutilidade da distinção, considerando os vocábulos como sinônimos em seus efeitos práticos.

No entanto, existe uma distinção que vem se consagrando na jurisprudência e essa sim é causa de modificação da responsabilização estatal. Braga Netto (2012, p.111), quanto à distinção, afirma que:

Atualmente, ao invés de distinguir o caso fortuito da força maior, a doutrina – e a jurisprudência – contemporânea distingue o fortuito interno do fortuito externo. E essa distinção é, sim, relevante, porque no primeiro caso o dever de indenizar está mantido (fortuito interno), ao passo que no segundo (fortuito externo) o dever de indenizar fica afastado. (BRAGA NETTO, 2012, p. 111)

Assim, fortuito interno seria a relação direita da atividade lesiva com o dano ao ofendido que por estarem inerentes ao risco da atividade, mesmo que não haja culpa, esta não necessita restar comprovada para que a Fazenda Pública arque com a indenização. O fortuito externo, por oportuno, já não guardaria relação dessa atividade com o dano ao ofendido, rompendo o nexo causal, eximindo, consequentemente, o Estado do dever de reparar do dano.

Para melhor compreensão exemplifiquemos com dois julgados, vejamos:

STJ – Resp. 469867/SP RECURSO ESPECIAL 2002/0124120-7 - Ação de responsabilidade civil. Empresa de transporte coletivo. Fato de terceiro. Pensão. Dano moral. Precedentes da Corte.

1. Cuida o caso de saber se a culpa do terceiro motorista do caminhão, que empurrou o carro para baixo do ônibus e fez com que este atropelasse os pedestres, causando-lhes morte e ferimentos severos, exclui o dever de indenizar da empresa transportadora. O princípio geral é o de que o fato culposo de terceiro, nessas circunstâncias, vincula-se ao risco da empresa de transporte, que como prestadora de serviço público responde pelo dano em decorrência, exatamente, do risco da sua atividade, preservado o direito de regresso. Tal não ocorreria se o caso fosse, realmente, fato doloso de terceiro. A jurisprudência tem admitido claramente que, mesmo ausente a ilicitude, a responsabilidade existe, ao fundamento de que o fato de terceiro que exonera a responsabilidade é aquele que com o transporte não guarde conexidade. Se o acidente ocorre enquanto trafegava o ônibus, provocado por outros veículos, não se pode dizer que ocorreu fato de terceiro estranho ou sem conexidade com o transporte. E sendo assim, o fato de terceiro não exclui o nexo causal, obrigando-se a prestadora de serviço público a ressarcir as vítimas, preservado o seu direito de regresso contra o terceiro causador do acidente. É uma orientação firme e benfazeja baseada no dever de segurança vinculado ao risco da atividade, que a moderna responsabilidade civil, dos tempos do novo milênio, deve consolidar. [...].  (REsp. 469.867. Relator: Ministro Menezes Direito, Data de Julgamento: 27.09.05, Terceira Turma, Data de Publicação: DJe 14.11.05. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200201241207&dt_publicacao=14/11/2005> Acesso: 12 nov. 2013. Grifo nosso.)

STJ – Resp. 262682 / MG RECURSO ESPECIAL 2000/0057686-7. RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSPORTE COLETIVO. DISPARO DE ARMA DE FOGO NO INTERIOR DO ÔNIBUS. FORÇA MAIOR.

Constitui causa excludente de responsabilidade da empresa transportadora fato causado por terceiro inteiramente estranho ao transporte em si. Vítima atingida por disparo de arma de fogo efetuado por um dos passageiros do coletivo em meio a uma confusão ou baderna. Precedente da Segunda Seção do STJ. Recurso especial conhecido e provido. (REsp. 262.682. Relator: Ministro Barros Monteiro, Data de Julgamento: 03.08.04, Terceira Turma, Data de Publicação: DJe 20.06.05. Disponível em:<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200201241207&dt_publicacao=14/11/2005> Acesso: 12 nov. 2013. Grifo nosso.)

O primeiro julgado cuidou de um evento originário de fato de terceiro que, embora excludente de responsabilidade estatal, como estava conexo com a atividade desempenhada conduziu a responsabilização civil da transportadora. Assim, trata-se de fortuito interno. O segundo, por sua vez, também ocorreu no interior de um ônibus, todavia, os disparos com arma de fogo não estão relacionados com o risco da atividade de transporte, não se configurando no caso em tela os pressupostos imprescindíveis para a imputação de responsabilidade à transportadora, trata-se, então, de caso fortuito externo.

Ato contínuo, o que importa considerar quando se refere a caso fortuito ou força maior é o caráter de imprevisibilidade do evento, pois, demonstra que o evento danoso não se fazia previsível, não sendo, portanto, evitável pela Administração Pública. Passa a não existir os pressupostos que ensejam a responsabilidade ao Estado.

Por outro lado, é necessário que se analise os casos pormenorizadamente e de modo individual, ante a dificuldade existente de detectar se determinado acontecimento é hábil a excluir a responsabilidade do Estado. Pois, se for constatado que houve concausas, em reverência à equidade, a responsabilização será mitigada, ou seja, não será possível deixar de atribuir a responsabilidade ao Estado dentro da proporcionalidade da participação das partes. Ou, como dito alhures, havendo dúvida da participação do lesado para o consequente dano, a responsabilização exclusiva das Fazendas Públicas.

Em relação à ocorrência de concausa, Mello (2011, p. 1032) afirma que

Hipóteses haverá em que o evento lesivo seja fruto de ação conjunta do Estado e do lesado, concorrendo ambos para a geração do resultado danoso. Ainda aqui não haverá falar em excludente da responsabilidade estatal. Haverá, sim, atenuação do quantum indenizatório, a ser decidido na proporção em que cada qual haja participado para a produção do evento. (MELLO, 2011, p. 1032)

Portanto, como ocorre nos casos em que haverá a concorrência do lesado para o evento danoso, poderá haver nos casos fortuitos e força maior a concorrência do Estado para o agravamento do dano. Nesse sentido o STJ tem se posicionado não aceitando o argumento de excludente de responsabilidade quando há danos oriundos da força, constância e volumes das chuvas. Admite, assim, referido Tribunal que haja a responsabilização do Estado se ficar comprovada que pela omissão ou má atuação (faute du service) da Administração Pública ocorreu o dano ou o mesmo foi com maior intensidade (STJ, AgRg no REsp 1.208.096, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Primeira Turma, DJ 02.02.2011).

Nesse sentido, Di Pietro (2011, p. 652):

Mesmo ocorrendo motivo de força maior, a responsabilidade do Estado poderá ocorrer se, aliada à força maior, ocorrer omissão do Poder Público na realização de um serviço. Por exemplo, quando as chuvas provocam enchentes na cidade, inundando casas e destruindo objetos, o Estado responderá se ficar demonstrado que a realização de determinados serviços de limpeza dos rios ou dos bueiros e galerias de água pluviais teria sido suficiente para impedir a enchente. (DI PIETRO, 2011, p. 652)

Contudo, sempre que se analisa uma questão relacionada à responsabilização do Poder Público, deve-se fazê-la como um todo, pois, nesse caso, não será aplicada a responsabilidade objetiva, mas, a teoria civilista, por estar-se diante de dano decorrente de omissão ou mau funcionamento do serviço. Assim, mas uma vez salienta-se a necessidade de se entender as teorias anteriormente abordadas para que se aplique o direito ao caso concreto com sensatez.

5.3.3. Atos de multidões

Outra circunstância em que se é comum a ocorrência de danos são os atos provocados por multidão. Como exemplo, as manifestações que ocorreram pelo Brasil neste ano de 2013.

Assim, segundo Carvalho Filho (2013, p. 565),

Nas sociedades de massa atuais se torna cada vez mais comum que multidões dirijam sua fúria destruidora a bens particulares, normalmente quando pretendem evidenciar algum protesto contra situações especiais. [...] Sabemos que, nos agrupamento de pessoas, o indivíduo perde muito dos parâmetros que demarcam seus valores morais e sociais, deixando-se levar pela caudalosa corrente do grupo e agindo, dentro do grupo, como não o faria individualmente. Daí ser reconhecida hoje a chamada psicologia das multidões. (CARVALHO FILHO, 2013, p. 565)

Os danos oriundos dessas circunstâncias são tidos como causados por terceiros, em regra, portanto, não acarretam ao Estado responsabilidade. Como ocorrem nos demais casos dos subitens pretéritos, não há aqui os pressupostos caracterizadores do dever indenizatório por parte da Administração Pública.

No entanto, como não poderia ser diferente, nas situações em que se tornar patente ao Poder Público a possível ocorrência de danos, ante a hostilidade do agrupamento, fica evidenciado a omissão estatal, se constatando, desse modo, o fato, o dano e o nexo causal e culpa. É o que poderá ocorrer, por exemplo, se os órgãos responsáveis pela segurança tomarem conhecimento de tal situação e ficarem inertes. Se desta originar danos, a conduta omissiva estatal ficará evidenciada.

Nesse ínterim, Carvalho Filho (2013, p. 566) menciona o acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

Responsabilidade Civil do poder Público – Revolta da População – Bomba – Culpa. Para obter a indenização contra o Estado por ter o autor sido atingido por uma bomba durante incidentes de revolta da população pela majoração das passagens de ônibus, necessária se faz a comprovação da culpa do Estado no fato. (Ap. Cível 454/90, 6ª, Câmara Cível, Rel. Des.Pestana de Aguiar, julgado em 19/3/1991). (CARVALHO FILHO, 2013, p. 566)

Por fim, nas circunstâncias de responsabilidade por danos decorrentes de atos de multidão concorrendo com omissão estatal, a indenização deverá ser proporcional à contribuição omissiva do Poder Público para o dano, por estar tipificada a duplicidade de causas como gênese do evento danoso.

5.3.4. Fatos de terceiros

Como ocorre nos fatos imprevisíveis ou atos de multidão, aos atos procedentes de fatos de terceiro ou culpa de terceiro não há como imputar ao Estado responsabilidade por omissão, mas, tão somente por ação contígua, ou seja, concausas. Nesses casos a indenização pela Fazenda Pública só será devida se restar provado o pressupostos da responsabilidade por omissão.

O artigo 37, §6°, da Constituição Federal só abarca os atos comissivos dos agentes públicos, em relação os atos de terceiro que causarem responsabilidade estatal, deverão ser regido por fundamento diverso.

Exemplo clássico que a doutrina traz dentro dessa abordagem é o assalto à mão armada em ônibus de passageiro. Carvalho Filho (2013, p. 564) defende que

Sem prova da culpa, não há como responsabilizar a empresa concessionária de transporte, já que ela própria assume a condições de lesada juntamente com os passageiros. É justo reconhecer que opiniões em sentido contrário se justificam em razão do cansaço da sociedade pelo alto grau de violência que tem assolado as grandes cidades. Semelhante visão, porém, funda-se em argumento de ordem emocional, que, por isso mesmo, resulta dissociado da verdadeira análise jurídica. (CARVALHO FILHO, 2013, p. 564)

Em contraponto, Braga Netto (2012, p. 121) advogado que, em relação ao assalto à mão armada em ônibus de passageiro,

a jurisprudência ora classifica como caso fortuito (externo), ora como fato de terceiro (em relação à empresa de transporte). Em ambos os casos, a solução é a mesma: isentar a empresa de transporte pela reparação. Cabe lembrar, no ponto, o que defendemos há alguns anos: não acreditamos que essa solução seja a melhor. Não está em sintonia com a tendência de amparar a vítima, de não deixá-la desamparada com a sua dor. O melhor é repartir, por todo o corpo social, o dano, mitigando-o. (BRAGA NETTO, 2012, p. 121)

Contudo, a celeuma doutrinária traz a seguinte reflexão: será que seria de fato justo que a sociedade, pelo princípio da solidariedade, arque com uma responsabilidade que não deu causa o Estado? Porém, seria justo que a mesma sociedade, que suporta toda carga tributária buscando melhor qualidade de vida pela contribuição mútua, continue à mercê da violência, em inúmeros casos sem amparo algum do Poder Público, pela simples alegação que o mesmo não concorreu para o evento danoso, uma vez que segurança pública é dever do Estado?

É inegável que a responsabilidade extracontratual do Estado continua evoluindo para adequar aos anseios sociais.

Por todo exposto e ante os problemas sociais vivenciados por nós brasileiros, parece revestir de razão Braga Netto (2012, p. 121). Todavia, a análise desses casos merece cautela, pois, estender essa responsabilização à transportadora não parece correto, tendo em vista que, se estaria atribuindo a concessionário o dever de zelar pela segurança pública. Obrigação essa pertencente ao Estado. Enquanto, aquela deverá ser responsável somente pelo que envolve sua atividade (fortuito interno), sendo, nesse caso, vítima da faute du service assim como seus passageiros.

5.5. Diferenciação entre as condutas comissivas e omissivas e seus reflexos para a configuração da responsabilidade

O vocábulo comissivo é sinônimo de ação, ato, cometer algo, encarregar-se. Quando é verificado que o dano resultou de uma ação estatal estaremos diante de uma conduta comissiva. Por outro lado, se omissivo o Poder Público, sua omissão também será gênese de responsabilização. Todavia, o artigo 37, § 6°, da Constituição Federal ao trazer no bojo de seu texto a disposição no sentido de que as “pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem”, deixa clarividente que referida norma se aplicará unicamente nos casos em que a conduta for comissiva.

Barlavento ao exposto, Carvalho Filho (2013, p. 567) assevera também que

O art. 927, parágrafo único, do Código Civil, estabelece que “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei”, o que indica que a responsabilidade objetiva, ou sem culpa, pressupõe menção expressa em norma legal. Não obstante, o art. 43, do Código Civil, que, como vimos, se dirige às pessoas jurídicas de direito público, não incluiu em seu conteúdo a conduta omissiva do Estado, o mesmo, aliás, ocorrendo com o art. 37, § 6°, da CF. Desse modo, é de interpretar-se que citados dispositivos se aplicam apenas  a comportamentos comissivos e que os omissivos só podem ser objeto de responsabilidade estatal se houver culpa. (CARVALHO FILHO, 2013, p. 567)

Desse modo, os danos oriundos de conduta omissiva ou da faute du service a responsabilização não terá unicamente os pressuposto fato administrativo, dano e nexo causal, pois, será regida pela teoria civilista. Sendo assim, é imprescindível o fator culpa para que a vítima lesionada seja ressarcida pela Fazenda Pública.

É comum, por exemplo, a configuração da omissão estatal em dois casos: o primeiro quando a Administração Pública deixa de cumprir ordem judicial, ou retardam o seu cumprimento desvelando a omissão pela falta do dever de agir; o segundo caso é quando o Poder Público está ciente da possibilidade da ocorrência do evento danoso e se mantém inerte. Assim, como tratado alhures, mesmo que o fato origine de terceiro ou de fatos imprevisíveis, o Estado tem o dever de afastar, garantir ou amenizar as consequências lesivas, não o fazendo incorrerá em omissão.

Contudo, como já foi discorrido parcialmente sobre a responsabilidade do Estado por omissão no Capítulo III, subtítulo ‘3.2. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988’, onde analisamos o artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, cabe ressaltar, por fim, a existência de julgados em que o Estado deve indenizar pessoa lesionada em assalto na via pública[14], e, mais uma vez, adentrar na discussão que encerrou último subitem: a responsabilização do Estado pela omissão na prestação de seus deveres genéricos previstos, principalmente, no artigo 6° da Constituição Federal, como saúde, segurança educação, dentre outros.

Para Carvalho Filho (2013, p. 569),

tais omissões, por genéricas que são, não rendem ensejo à responsabilidade civil do Estado, mas sim à eventual responsabilização política de seus dirigentes. É que tantas artimanhas comete o Poder Público na administração do interesse público, que a sociedade começa a indignar-se e a impacientar-se com as referidas lacunas. É compreensível, portanto, a indignação, mas o fato não conduz a que o Estado tenha que indenizar toda a sociedade pelas carências a que ela se sujeita. Deve, pois, separar-se o sentimento emocional das soluções jurídicas: são estas que o Direito contempla. (CARVALHO FILHO, 2013, p. 569)

Portanto, parece que de fato, como afirmou Braga Netto (2012, p. 121) a jurisprudência caminha rumo a esse destino. Atualmente o que aqui se defende poderá vim a ser superado com a evolução do tema ora estudo. É mister, nesse ínterim, assistir tal evolução, não se omitindo de participar como seres que compõe a história e como estudiosos do direito.

5.6. Prescrição

Quanto à prescrição da reparação do prejuízo suportado pelo administrado, por tratar-se se direito obrigacional e pessoal, sua inércia acarreta em prescrição. No entanto, no tange ao prazo prescricional tem-se prevalecido do o entendimento de que é quinquenal, porém, temos algumas divergências em virtude do disposto no artigo 206, § 3°, inciso V, do Código Civil.

Inicialmente, entendia-se prevalecer o artigo 1° do Decreto n. 20.910/1932, que regulamenta a prescrição quinquenal, o qual dispõe

Art. 1° As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.

Posteriormente, o Decreto-Lei n. 4.597/42, no artigo 2º, estendeu a prescrição quinquenal para as autarquias e órgãos paraestatais. Assim, vigorou até o advento do atual Código Civil que a prescrição se daria em cinco anos para qualquer pretensão contra a Fazenda Pública.

Em seguida, a Medida Provisória n. 2.180-85 de 2001, inseriu o artigo 1-C na Lei n. 9.494/1997, passou a prever que também prescreveria em cinco anos o direito á indenização por parte das pessoas jurídicas de direito público e de pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público. Estendeu-se então, o prazo de 5 anos para todas as pessoas previstas no artigo 37, § 6°, da Constituição Federal.

Porém, o Código Civil passou a prever o prazo trienal para as reparações civis em geral. Por oportuno,

Como o texto de refere à reparação civil de forma genérica, será forçoso reconhecer que a redução do prazo beneficiará tanto as pessoas públicas como as de direito privado prestadoras de serviço público. Desse modo, ficarão derrogados os diplomas acima no que concerne reparação civil. Contudo, as demais pretensões pessoais contra a Fazenda continuam sujeitas à prescrição quinquenal prevista no Decreto n. 20.910/1932. (CARVALHO FILHO, 2013, p. 580)

Esse argumento se funda ante a previsão no artigo 10 do Decreto n. 20.910/1932 de que “o disposto nos artigos anteriores não altera as prescrições de menor prazo, constantes das leis e regulamentos, as quais ficam subordinadas às mesmas regras.” É manifesto que o legislador quis beneficiar os entes públicos prevendo a possibilidade de adoção de prazo menor para as ações propostas com fim ressarcitório contra a Fazenda Pública.

Todavia, os tribunais tem se posicionado no sentido da inaplicabilidade do artigo 206, § 3º, inciso V, do Código Civil aos casos de responsabilização da Fazenda Pública, conforme podemos vislumbrar na decisão da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça no REsp. 1.081.885, Relator Ministro Hamilon Carvalho (DJ 01.02.2011) e da Segunda Turma no AgRg no REsp  1.241.640, Relator Ministro César Asfor Rocha (DJ 10.02.2012), bem como em tantos outras.

Ainda nesse sentido, o artigo 1° da Lei n. 9494/97, que disciplina a aplicação da tutela antecipada contra a Fazenda Pública, prevê a prescrição em cinco anos, apesar de ter sido incluído por Medido Provisória, porém, não cabe aqui aprofundarmos em tamanho disparate.

Por sua vez, diante a duplicidade de relações prevista no artigo 37, § 6°, da Constituição Federal, a Fazenda Pública deverá propor as respectivas ações de regresso contra servidores que forem declarados culpados (artigo 1° da Lei n. 4.619/65, que dispõe sobre a ação regressiva da União contra seus Agentes). No artigo 2° da Lei n. 4.619/65 está previsto que o prazo para o ajuizamento da ação de regresso é de 60 dias. No entanto, não é o que tem prevalecido na jurisprudência, a qual tem se consolidado na imprescritibilidade da ação regressiva para o ressarcimento do erário.

Aliás, é o que bem sintetiza estes julgados do STF e do STJ, respectivamente:

STF - EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. § 5º DO ART. 37 DA CONSTITUIÇÃO. PRECEDENTES. 1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do MS 26.210, da relatoria do ministro Ricardo Lewandowski, decidiu pela imprescritibilidade de ações de ressarcimento de danos ao erário. 2. Agravo regimental desprovido.  RE 578.428, Relator: Ministro Ayres Britto. Data de Julgamento: 13.09.2011, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe: 14.11.2011. Disponível em:< http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=629621> Acesso: 13 nov. 2013. (grifo nosso)

STJ - AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESSARCIMENTO. TOMADA DE CONTAS. DANO AO ERÁRIO. IMPRESCRITIBILIDADE. AGRAVO IMPROVIDO. 1. A ação de ressarcimento dos prejuízos causados ao erário é imprescritível. Precedentes. 2. Agravo regimental improvido. (AgRg no Ag 1.224.532. Relator: Ministro Hamilton Carvalhido, Data de Julgamento: 03/02/2011, Primeira Turma, Data de Publicação: 10/02/2011. Disponível em: < h t t p :  / / w w w . s t  j . j u s . b r /  S C O N /j  u r i s p r u d e n c i a / t o c . j s p ? t i povisualizacao=null&livre=Ag+1224532&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO> Acesso: 13 nov. 2013). (grifo nosso)

Em arremate do exposto, deve-se ponderar por fim, que existem também casos de imprescritibilidade no que concerne o ajuizamento de ação com fim indenizatório contra a Fazenda Pública pelo administrado. Quando a pretensão visar reparação ou recuperação ambiental ou indenização por danos oriundos de atos de tortura no período do Regime Militar, será imprescritível.

Portanto, “são imprescritíveis as pretensões associadas à dignidade da pessoa humana, sobretudo se a violação é grave e ocorre por ação, omissão, a mando ou no interesse dos que exercem o poder estatal.” [15] Bem como reveste do manto da imprescritibilidade os direitos indisponíveis, como é o caso das pretensões que propendem a reparação ou recuperação ambiental.

5.7. Sujeito Passivo

Apesar do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal arrolar as pessoas que comporão o polo passivo da ação de caráter indenizatório promovidas pelo administrado contra a Administração Pública, há algumas questões para se esclarecer.

Há divergências quanto à possibilidade de o agente público figurar sozinho no polo passivo da demanda. Carvalho Filho (2013, p. 581) advoga no sentido de ser possível que o agente público figure sozinho no polo passivo afirmando que

O fato de ser atribuída responsabilidade objetiva à pessoa jurídica não significa a exclusão do direito de agir diretamente contra aquele que causou o dano. O mandamento contido no art. 37, § 6º, da CF visou a favorecer o lesado por reconhecer nele a parte mais frágil, mas não lhe retirou a possibilidade de utilizar normalmente o direito de ação. [...].

Sendo assim, tanto pode o lesado propor a ação contra a pessoa jurídica, como contra o agente estatal responsável pelo fato danoso [...]. (CARVALHO FILHO, 2013, p. 581)

Em contraponto ao exposto, Zancaner (1981, apud CAHALI, 2012, p. 149) afirma que

Face ao disposto na Constituição, o administrado deve acionar a Administração e não o funcionário, pois o funcionário só responde frente à Administração quando tiver agido com dolo ou culpa. Caso o Estado venha a ser acionado, e não a pessoa do funcionário, tem-se como certo, pacífico mesmo, pois a letra da lei o diz, que o Estado adquire direito de regresso, caso se individue a culpa, localizando-se o agente faltoso. (ZANCANER, 1981, apud CAHALI, 2012, p. 149)

Ainda nesse sentido, Cahali (2012, p. 149) se posiciona afirmando que é

válido dizer, com Hely Lopes Meirelles, que o lesado nada tem a ver com o funcionário causador do dano, visto que o seu direito, constitucionalmente reconhecido, é de ser reparado pela pessoa jurídica, e não pelo agente direto da lesão.[16] (CARHALI, 2012, p. 149)

A jurisprudência, por sua vez, também se mostra divergente:

STF - EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO: § 6º DO ART. 37 DA MAGNA CARTA. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. AGENTE PÚBLICO (EX-PREFEITO). PRÁTICA DE ATO PRÓPRIO DA FUNÇÃO. DECRETO DE INTERVENÇÃO. O § 6º do artigo 37 da Magna Carta autoriza a proposição de que somente as pessoas jurídicas de direito público, ou as pessoas jurídicas de direito privado que prestem serviços públicos, é que poderão responder, objetivamente, pela reparação de danos a terceiros. Isto por ato ou omissão dos respectivos agentes, agindo estes na qualidade de agentes públicos, e não como pessoas comuns. Esse mesmo dispositivo constitucional consagra, ainda, dupla garantia: uma, em favor do particular, possibilitando-lhe ação indenizatória contra a pessoa jurídica de direito público, ou de direito privado que preste serviço público, dado que bem maior, praticamente certa, a possibilidade de pagamento do dano objetivamente sofrido. Outra garantia, no entanto, em prol do servidor estatal, que somente responde administrativa e civilmente perante a pessoa jurídica a cujo quadro funcional se vincular. Recurso extraordinário a que se nega provimento. (RE 327904. Relator: Ministro Carlos Britto. Data de Julgamento: 15.8.2006. Primeira Turma. Data de Publicação: 08.09.2006. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=260882> Acesso: 14 nov. 2013). (grifo nosso)

STJ - PROCESSUAL CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. INVIABILIDADE DE APRECIAÇÃO EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL. REPRESENTANTE DO PARQUET. RESPONSABILIDADE CIVIL. LEGITIMIDADE. PROCESSO EM SEGREDO DE JUSTIÇA. ART. 26, § 2º, DA LOMP. DIVULGAÇÃO TELEVISIVA. MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. ARTS. 130 E 330, I, DO CPC. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7/STJ. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE COTEJO ANALÍTICO. DISSÍDIO NÃO CONFIGURADO. QUANTUM INDENIZATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO. REsp 1162598. Relator: Ministro João Otávio de Noronha. Data de Julgamento: 02/08/2011. Quarta Turma. Data de Publicação: 08/08/2011. Disponível em: < h t t p  s : / / w w 2 . s t j . j u s . b r / r e v i s t a e l e t r o n i c a / i t a . a s p ? r e g i s t r o = 2 0 0 9 02088666&dt_publicacao=08/08/2011> Acesso: 14 nov. 2013. (grifo nosso)

Como se fez notório, trata-se de mais uma controvérsia relativa à responsabilidade extracontratual do Estado. No entanto, pelo que aqui já se analisou, o agente público age em nome do Estado, sendo, por conseguinte, preposto deste. Logo, o “abuso no exercício das funções por parte do servidor não exclui a responsabilidade objetiva da Administração. Antes, a agrava, porque tal abuso traz ínsita a presunção de má escolha.” (MEIRELLES, 2011, p. 704)

Destarte, havendo a previsão da “dupla garantia”, como foi denominada a duplicidade das relações existentes no artigo 37, §6°, da Constituição, no RE 327.904 supracitado, bem como presente a culpa ou dolo do agente público, deve a Fazenda Pública ajuizar ação regressiva. Porém, se não configurada a conduta culposa ou dolosa, não há o que se fala em ressarcimento do erário pelo agente público. Portanto, prudente destacar que parece estar processualmente correto a propositura da ação em face das pessoas jurídicas de direito público ou de direito privado prestadoras de serviços públicos.

5.8. Denunciação à lide e o Direito de regresso

No que tange a denunciação à lide, indaga-se se é um dever ou uma faculdade denunciar à lide o agente público causador do dano, bem como se trata de litisconsórcio necessário ou facultativo.

O Código de Processo Civil prevê no caput do artigo 70 a obrigatoriedade da denunciação à lide, o que faz surgir as celeumas sobre ser ou não necessária a denunciação à lide do agente público. Nesse sentido, Donizetti (2013, p. 208) argumenta que:

A despeito de o art. 70 dizer que “a denunciação da lide é obrigatória”, em regra, a aparte não perde o direito pelo fato de não ter levado a efeito a denunciação.

Apenas na hipótese do inciso I é que a denunciação da lide é tida como providência obrigatória para que o denunciante possa exercer o direito que da evicção lhe resulta. A obrigatoriedade decorre do disposto no art. 456 do CC, segundo o qual, “para poder exercitar o direito que da evicção lhe resulta, o adquirente notificará do litígio o alienante imediato, ou qualquer dos anteriores, quando e como lhe determinarem as leis do processo.” [...]

No que tange à obrigatoriedade da denunciação, prevalecem as regras de direito material. Quando a lei material condiciona o exercício do direito à denunciação, como no caso da evicção, ela é obrigatória, Nos demais casos, é facultativa. (DONIZETTI, 2013, p. 208)

Aplicando o disposto pelo ilustre doutrinador à responsabilidade extracontratual do Estado, tem-se que mesmo se a Fazenda Pública não requerer a denunciação, o processo terá validade, pois, poderá o Estado em ação autônoma exercer o direito de regresso em desfavor do agente público.

No entanto, a doutrina diverge também sobre quando o Estado poderá denunciar à lide seu agente. Cahali (1995, apud DI PIETRO, 2011, p. 665) advoga distinguindo duas possibilidades, as quais Di Pietro (2011, p. 665), ao citá-lo, resume muito bem:

Quando se trata de ação fundada na culpa anônima do serviço ou apenas na responsabilidade objetiva decorrente do risco, a denunciação não cabe, porque o denunciante estaria incluindo novo fundamento na ação: a culpa ou dolo do funcionário, não arguida pelo autor.

Quando se trata de ação fundada na responsabilidade objetiva do Estado, mas com arguição de culpa do agente público, a denunciação da lide é cabível como também é possível o litisconsórcio facultativo (com citação da pessoa jurídica e de seu agente) ou a propositura da ação diretamente contra o agente público. (DI PIETRO, 2011, p. 665)

Nesse sentido, ainda argumenta Cahali (2012, p. 173) que, havendo denunciação à lide, a sentença deverá dispor sobre a relação existente entre o denunciante e seu adversário, bem como entre o denunciante e o denunciado, ocorrendo um desarranjo da ordem processual quando a sentença versar sobre o adversário do que denunciou e o denunciado, tendo em vista não haver relação jurídica entre eles na demanda.

Por outro lado, se a ação for

proposta  desde logo contra a pessoa jurídica e o funcionário, por fato culposo imputável a este; quando então se aceita, ante os termos do litisconsórcio facultativo instaurado por iniciativa do autor, que, provada a culpa do funcionário, emerge a responsabilidade solidária (in solidum) dele e da pessoa jurídica; resolvendo-se a responsabilidade final nos termos do art. 285 do Código Civil. (CAHALI, 2012, p.)

Nesse ínterim, parece estar acordado a Lei n. 8112/1990, pelo que dispõe no artigo 122, § 2°:

Art. 122.  A responsabilidade civil decorre de ato omissivo ou comissivo, doloso ou culposo, que resulte em prejuízo ao erário ou a terceiros.

§ 2o  Tratando-se de dano causado a terceiros, responderá o servidor perante a Fazenda Pública, em ação regressiva.

Carvalho Filho (2013, p. 583) sobre esse dispositivo argumenta que “conquanto não seja o dispositivo de extrema clareza, é de supor-se que considerou tal ação autônoma, diversa, portanto, daquela em que o lesado tenha demandado a Fazenda.”

Pondera ainda, referido doutrinador, sobre o posicionamento diverso do acima citado. Assim, citando Meirelles (1993), Mello (2004), Figueiredo (1995), Zancaner (1996) e Greco Filho (1998), discorre que para esses, “no entanto, não pode haver denunciação à lide nessa hipótese de responsabilidade estatal, sendo, portanto, inaplicável a regra do art. 70, inciso III, do CPC.” (CARVALHO FILHO, 2013, p. 583).

Esses doutrinadores fundamentam argumentando que o disposto no artigo 70, inciso III, do Código de Processo Civil não se aplica às relações regulamentadas pelo disposto na Constituição Federal no artigo 37, §6°. Defendem ainda, que referido dispositivo regulamenta relações dúplices, ou seja, fundamentadas em teorias diversas: teoria do risco administrativo e teoria civilista. Desse modo, a Carta Magna coloca a vítima em situação privilegiada por não exigir que a mesma comprove a culpa da Administração Pública, o que não ocorre em relação a esta e seu agente. Destarte, seria incoerente exigir que o lesado, na ação por ele proposta, necessitasse esperar a Fazenda Pública resolver o conflito fundamentado na existência ou não de culpa com o agente público para depois continuar a demanda no que tange o pedido ressarcitório.

Ainda quando a denunciação à lide, os Tribunais também divergem, conforme é possível verificar:

STJ - ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. VÍCIO DE REPRESENTAÇÃO SANADO TEMPESTIVAMENTE. DENUNCIAÇÃO À LIDE. DESNECESSIDADE. [...] 2. Segundo a jurisprudência desta Corte, não é obrigatória a denunciação da lide do agente público supostamente responsável pelo ato lesivo nas ações de indenização fundadas na responsabilidade civil objetiva do Estado. Precedentes:  AgRg no AREsp 63.018/RJ, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 03/04/2013; AgRg no REsp 1.355.717/CE, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 21/02/2013; REsp 1.177.136/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 27/06/2012. 3. Agravo regimental não provido) - AgRg no REsp 1182097. Relator: Ministro Benedito Gonçalves. Data de Julgamento: 15/10/2013. Primeira Turma. Data de Publicação: 22/10/2013. Disponível em: <  h t t p s : /  / w w 2  . s t j  . j  u s . b  r / r e  vi s  t a e  l e t r  o n i  c  a / i t a .  a  s p ? r e gistro=200902088666&dt_publicacao=08/08/2011> Acesso: 14 nov. 2013. (grifo nosso)

TJRJ - Nº. 50 "Em ação de indenização ajuizada em face de pessoa jurídica de Direito Público, não se admite a denunciação da lide ao seu agente ou a terceiro (art. 37, § 6º, CF/88)." Referência: Súmula da Jurisprudência Predominante nº. 2001.146.00008. Julgamento em 24/06/2002. Relator: Desembargador Sylvio Capanema de Souza. Votação por maioria. Registro do Acórdão em 14/03/2003.

Apesar de toda a discussão existente em relação ao tema, tem-se verificado por parte das jurisprudências dos principais tribunais a tendência em aceitar de modo facultativo a denunciação à lide, não vislumbrando como obrigatória no caso em tela. Porém, não é fácil discorrer sobre denunciação à lide nas ações indenizatórias movidas contra a Fazenda Pública por serem fortes todas as teses existentes na doutrina e a falta de unanimidade jurisprudencial.

Ato contínuo, é um dever de a Fazenda Pública ajuizar ação de regresso quando ficar provada a culpa ou dolo do agente público, pois, foi o ato por ele praticado que desfalcou o erário. Mesmo que o patrimônio do agente não consiga suportar o valor de toda a indenização paga pelo Estado ao lesado, não se justifica, tendo em vista o princípio da indisponibilidade da coisa pública, a Administração Pública deixar de ajuizar a ação regressiva. Bem como, “nada menos republicano, digamos, do que deixar de propor uma ação de regresso porque o servidor trabalha na sala vizinha, ou é parente de alguém. Ou porque é politicamente importante.” (BRAGA NETTO, 2012, p. 192)

É inaceitável que condenada a Fazenda Pública por ato culposo de seu agente, como nos casos que ficam configurados a tortura e execução de pessoas pela polícia militar, e não seja ajuizada ação de regresso, caracterizando renúncia às verbas públicas não autorizadas pelo ordenamento jurídico.

Nesse cerne, o Projeto de Lei n. 718, de 2011, do Senado Federal dispõe no artigo 9°:

Art. 9°. A responsabilização dos agentes será, em qualquer caso, efetivada regressivamente.  § 1°. Identificado o agente causador do dano, e apurado seu dolo ou culpa, impõe-se o ajuizamento da ação de regresso.

No entanto, devemos esclarecer, que para o ajuizamento da ação de regresso será necessário o efetivo pagamento pela Fazenda Pública à vítima, o contrário, no entanto, pode caracterizar enriquecimento ilícito, nesse sentido, Carvalho Filho (2013, p. 586) e Braga Netto (2012, p, 194).

O fundamento pela Fazenda Pública da ação regressiva, todavia, será calcada na existência de dolo ou culpa por parte do agente público e, consequentemente, na responsabilidade subjetiva. Desse modo, cabe ao Estado, segundo o artigo 333, inciso I, do Código de Processo Civil, cobrar a dívida, que nesse caso a jurisprudência tem considerado imprescritível, no caso de concurso de credores.

Por fim, não sendo possível identificar o agente público, resta ao Estado reparar o dano, pelo que dispõe a teoria adotada pela Constituição, não sendo possível mover ação de regresso ante a culpa anônima do serviço.

5.9. Responsabilidade por atos legislativos e judiciais.

Como já vislumbrado, nos atos administrativos, como permissão ou concessão, a responsabilidade do Estado é evidente, sendo fundamentada, em regra, na teoria objetiva. No que concerne, todavia, os atos legislativos ou judiciais a regra ainda presente no nosso ordenamento jurídico é da irresponsabilidade estatal.

Isso se dá tendo em vista que o Poder Judiciário e o Poder Legislativo são soberanos. As normas editadas, no caso do Poder Legislativo, têm caráter genérico e abstrato e os ônus delas decorrentes são análogos a todos, não cabendo a alegação de prejuízo, pois, o prejuízo que deve ser indenizado deverá condizer com o princípio da solidariedade. Destarte, não poderá somente um indivíduo ou uma parcela dos administrados suportar com exclusividade o ônus de um benefício estendido para todos os demais. Desse modo, “os administrados não podem responsabilizar o Estado por atos dos parlamentares que elegem.” (GASPARINI, 2011, p. 1118)

O mesmo ocorre em relação aos atos típicos do Poder Judiciário. A independência que fundamenta as ações dos juízes no julgamento das demandas não os remete a agirem preocupados em uma possível indenização. “A indenização quebraria a imutabilidade da coisa julgada.” (GASPARINI, 2011, p. 1118)

Como anteriormente ressaltado, a evolução do tema aqui analisado caminha no sentido de erradicar qualquer irresponsabilidade do Estado. Tanto é que se houver comparação entre citações as doutrinas de décadas passadas com as atuais é visível esse progresso.

Por questão didática, então, será feita a análise separadamente os atos oriundos do Poder Legislativo e do Poder Judiciário, a começar por aquele.

Doutrinadores em décadas passadas advogavam no sentido de que a Administração Pública não respondia pelos danos consequentes dos atos parlamentares, legislativos, administrativos e dos atos específicos da função jurisdicional, nesse sentido Aguiar Dias (1954 apud BRAGA NETTO, 2012, p. 141).

Hodiernamente, no entanto, a doutrina se posiciona de modo diverso, conforme dispõe Di Pietro (2012, p. 570):

Atualmente, aceita-se a responsabilidade do Estado por atos legislativos pelo menos nas seguintes hipóteses:

a)             Leis inconstitucionais;

b)             Atos normativos do Poder Executivo e de entes administrativos com função normativa, com vícios de inconstitucionalidade ou ilegalidade;

c)              Leis de efeitos concretos, constitucionais ou inconstitucionais

d)             Omissão no poder de legislar e regulamentar. (DI PIETRO, 2012, p. 570)

De tal modo, apesar de se tratar de função soberana do Estado (exteriorização do poder de imperium), se o ato de legislar enquadrar em alguns dos pontos arrolados acima poderá surgir para o Estado o dever de ressarcir o dano.

De início, entretanto, o ato de editar as leis não pode originar a responsabilidade do Poder público se é material e formalmente constitucional. O que pode haver é a inconstitucionalidade dessa lei ou ato normativo, ou que tenha ela efeitos concretos, bem como a própria omissão do Estado em legislar.

Quanto a inconstitucionalidade das leis ou atos normativos, espera-se que os mesmo guardem compatibilidade com a Constituição Federal, sendo ilícito a criação de leis fora dos paradigmas constitucionais. Por isso, não há maiores divergência doutrinárias quanto à possibilidade de indenização por normas que reverbera impropriedade da atuação do Legislativo. “A noção de lei inconstitucional corresponde à de ato ilícito, provocando o dever de ressarcir os danos patrimoniais dele decorrentes.” (ESTEVES, 2003 apud CARVALHO FILHO, 2013, p. 573)

Todavia, para que a Fazenda Pública arque com a indenização oriunda de leis ou ato normativo deve ser declarada a inconstitucionalidade dessas normas, tendo em vista a presunção de constitucionalidade que as norteiam. Pouco importa, atualmente, se essa declaração de inconstitucionalidade se dê por via concentrada ou incidental, porém, deve ser declarada. Se do contrário restar, não será possível a vítima pleitear indenização.

Nesse sentido, Carvalho Filho (2013, p. 573)

Em primeiro lugar, a responsabilidade só se consuma se o ato legislativo efetivamente produziu danos ao particular, pois que frequentemente a inconstitucionalidade da lei em nada afeta a órbita jurídica patrimonial das pessoas. Depois, é preciso que a lei tenha sido considerada inconstitucional, visto que milita em seu favor a presunção de constitucionalidade, presunção esta desmentida apenas quando o órgão judiciário expressamente proclamar a inconstitucionalidade. [...]

Primitivamente, admitia-se a responsabilidade apenas quando houvesse controle concentrado de constitucionalidade; entretanto, atualmente já se considera que o controle incidental pode, da mesma forma, gerar a responsabilidade do Estado, eis que inexiste qualquer óbice no direito positivo para tal conclusão. (CARVALHO FILHO, 2013, p. 573)

No entanto, a jurisprudência diverge quando a possibilidade de ajuizar ação com fim ressarcitório fundamentado na inconstitucionalidade declarada pela via incidente:

STJ - ADMINISTRATIVO. CRUZADOS NOVOS BLOQUEADOS. MP N. 168/90. LEI N. 8.024/90. CORREÇÃO MONETÁRIA. BTNF. DANO MORAL. RESPONSABILIDADE CIVIL POR ATO LEGISLATIVO. AUSÊNCIA DE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI. NÃO-CABIMENTO. [...] 2. Apenas se admite a responsabilidade civil por ato legislativo na hipótese de haver sido declarada a inconstitucionalidade de lei pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado. 3. Recurso especial provido. REsp 571645. Relator: Ministro João Otávio de Noronha. Data de Julgamento: 21/09/2006. Segunda Turma. Data de Publicação: 30/10/2006. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200301094980&dt_publicacao=30/10/2006> Acesso: 16 nov. 2013. (grifo nosso)

Por sua vez, as leis de efeito concreto são aquelas promulgadas com a observância formal do processo legislativo, mas, trazem quanto ao aspecto material mero ato administrativo. Não são respaldadas pelas características da generalidade, abstração e imparcialidade, consequentemente, acabam por atingir indivíduos determinados.

Assim, os atos administrativos acarretam ao Estado, independente se declarados sua constitucionalidade, o dever de ressarcimento, por não serem dotadas de conteúdo normativo. Comunga desse entendimento Di Pietro (2011, p. 660). No entanto, Carvalho Filho (2013, p. 574) ressalta a impossibilidade de controle de constitucionalidade por ação direta de inconstitucionalidade, sob o mesmo argumento de que não são dotadas as respectivas leis de caráter normativo.

Com esse mesmo fundamento há jurisprudências do Supremo Tribunal Federal, no entanto, com forte tendência a ser adotada pela Suprema Corte novo foco sobre a questão, conforme os julgados que abaixo se transcreve:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI COM EFEITOCONCRETO. LEI DE DIRETRIZES ORÇAMENTÁRIAS: Lei 10.266, de 2001. I. - Leis com efeitos concretos, assim atos administrativos em sentido material: não se admite o seu controle em abstrato, ou no controle concentrado de constitucionalidade. II. - Lei de diretrizes orçamentárias, que tem objeto determinado e destinatários certos, assim sem generalidade abstrata, é lei de efeitos concretos, que não está sujeita à fiscalização jurisdicional no controle concentrado. III. - Precedentes do Supremo Tribunal Federal. IV. - Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida. (Supremo Tribunal Federal. ADI 2484 MC/ DF. Relator: Ministro Carlos Velloso. Data de Julgamento: 19/12/2001. Tribunal Plano. Data de Publicação: 14.11.2003. Disponível em: < h t t  p: / / w w  w .s  tf  . j u s . br / p o r t a l / j u r i s p r u d  e n c i a / l i s  tarJurisprudencia.asp?s1=%28ADI%3A+2484+%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/p45yxo9> Acesso: 16 nov. 2013) - (grifo nosso)

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPRESENTAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEIS OU ATOS NORMATIVOS ESTADUAIS OU MUNICIPAIS. VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL DE ATRIBUIR A LEGITIMAÇÃO PARA AGIR A UM ÚNICO ÓRGÃO. PARTIDO POLÍTICO SEM REPRESENTAÇÃO NO PODER LEGISLATIVO LOCAL. POSSIBILIDADE. CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE. LEIS DE EFEITOS CONCRETOS. VIABILIDADE. CONTRATO DE CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. PRORROGAÇÃO POR PERÍODO ALÉM DO PRAZO RAZOÁVEL PARA A REALIZAÇÃO DE NOVO PROCEDIMENTO LICITATÓRIO. VIOLAÇÃO À EXIGÊNCIA CONSTITUCIONAL DE PRÉVIA LICITAÇÃO PÚBLICA. AGRAVO IMPROVIDO. I – A exigência do art. 125, § 2º, da Constituição Federal, pertinente aos legitimados para a representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual, é que a Carta Estadual não os restrinja a um único órgão legitimado. Precedente. II – No julgamento da ADI 4.048-MC/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, esta Corte admitiu o exercício de controle abstrato de leis de efeitos concretos. III – A prorrogação não razoável de concessão de serviço público ofende a exigência constitucional de que ela deve ser precedida de licitação pública. Precedentes. IV – Agravo regimental improvido. (Supremo Tribunal Federal. RE 412921 AgR / MG. Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Data de Julgamento: 22/02/2011. Tribunal Plano. Data de Publicação: 15.03.2011. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=620550> Acesso: 16 nov. 2013). - (grifo nosso)

Divergências a parte, pois, muito ainda têm que avançar o tema aqui estudado. No que condiz à omissão legislativa gerar responsabilização ao Estado, avulta ressaltar, que a Constituição Federal reputa inconstitucional a omissão legislativa, atribuindo remédios para combatê-la: mandado de injunção, com previsão no artigo 5°, inciso LXXI e ação direta de inconstitucionalidade por omissão, artigo 103, §2°, todos da Carta Magna.

Parece ser clarividente a potencialidade de gerar danos a falta de norma regulamentadora, bem se vê pelo tema aqui abordado. São inúmeras as divergências que acabam por tornar o tema em alguns pontos cansativo e gerar insegurança jurídica. Porém, o que se tem até o momento é um projeto tramitando no Senado Federal. Ou seja, após 25 anos da promulgação da atual Constituição e mais de meia década vigorando a teoria do risco administrativo como fundamento da responsabilidade extracontratual do Estado somente agora tem um Projeto de Lei (Projeto de Lei do Senado n. 718/2011) dispondo sobre a responsabilidade civil do Estado.

Inúmeras celeumas aqui abordadas estão previstas no referido Projeto, que se estivesse em vigor aniquilaria muitas controversas.

Todavia, a doutrina e a jurisprudência não são unânimes quando a omissão legislativa gerar responsabilidade ao Estado. Carvalho Filho (2013, p. 574) aponta que se houver prazo estipulado pela Constituição e o reconhecimento da mora pelo Poder Judiciário, sanando em prazo razoável a omissão, não poderá restar configurada a responsabilização do Estado por mora do Legislativo. Porém, o contrário do exposto, consequentemente, será imputada o dever ressarcitório aos prejudicados.

Há julgado do STF que afirmam o dever de reparar os prejuízos pela omissão[17] do Legislativo como há também julgado do mesmo Tribunal que não reconhece[18] a responsabilidade da Administração Pública pela omissão. 

Diante dessa discussão Di Pietro (2011, p. 662) critica ponderando que

a diversidade de tratamento diante da omissão do legislador mostra a insegurança do Poder Judiciário em relação à matéria, ou talvez a sua resistência em invadir matéria legislativa que envolve o servidor público. (DI PIETRO, 2011, p. 662)

Nesse sentido Pontes de Miranda (1954, apud BRAGA NETTO, 2012, p. 148) faz dura crítica ao afirmar que “se o direito penal fosse mais realista, seria esse o crime maior.” Não divorciando do exposto, Grimm (2007, apud BRAGA NETTO, 2012, p. 148) acrescenta:

O legislador, num sistema constitucional que reconhece o dever de proteção do Estado, não está mais livre para decidir se edita determinadas leis ou não. Isso significa que o indivíduo cujo interesse constitucionalmente protegido pode vir a ser violado por terceiros tem uma pretensão contra o Estado caso as leis existentes não o protejam de forma suficiente. O legislador que permanece inativo, ou se recusa a agir, viola não apenas o direito constitucional objetivo, mas também o direito individual do cidadão. (GRIMM, 2007 apud BRAGA NETTO, 2012, p. 148)

No que diz respeito aos atos judiciais, temos de que distinguir os atos praticados pelo juiz no exercício da função, denominados de atos jurisdicionais, dos atos administrativos também existentes no judiciário, porém como função atípica, denominados atos judiciários.

Estes últimos não nos trazem nenhuma dúvida que sobre eles estão o manto da responsabilidade objetiva do Estado, por se tratarem de atos praticados por servidor público no exercício da função. Enquadrando-se, assim, nos requisitos necessários à configuração da responsabilidade do Poder Público resta caracterizada.

Porém, quanto aos atos jurisdicionais, aqueles típicos da função do magistrado, incorrem nos mesmos pontos dos atos típicos do Poder Legislativo. São os atos jurisdicionais expressão do poder de imperium, portanto, guardam liame com a soberania do Estado. Além desse ponto, há o princípio do duplo grau de jurisdição ou da recorribilidade das decisões. Assim, se um ato praticado pelo juiz no exercício de suas funções típicas gerar dano à parte, esta poderá recorrer da decisão.

Desse modo, valendo-se a parte dos recursos para rever a decisão judicial e esta for reformada gozará dos efeitos da mesma, por outro lado não sendo ela confirmada pela instância superior terá que suportar seus ônus, ou seja, a consequência da aplicabilidade do direito ao caso concreto. Não gozando a parte do direito, as consequências que terá que suportar não tem condão de configurar ao Estado o dever de ressarci-lo. 

Entretanto, se a conduta do juiz se configurar como dolosa, pois, praticada com fim de prejudicar a parte, além de infringir a Lei Orgânica da Magistratura, também incorrerá o juiz no artigo 133 do Código de Processo Civil.

Por outro lado, se a conduta do jurisdicional for culposa (negligente, imprudente ou imperita) e causar dano de natureza penal à parte, poderá o réu se valer da revisão criminal, bem como requerer indenização ao tribunal, segundo o artigo 630 do Código de Processo Civil.

Não diferindo, todavia, dos demais servidores públicos, nessa circunstância, ao seu ato será aplicável o artigo 37, § 6°, da Constituição Federal. Assim, por caber tanto o emprego do Código de Processo Civil quando o Constitucional, Carvalho Filho (2013, p. 576) defende a compatibilização das normas:

Para a compatibilização da norma do Código de Processo Civil com a Constituição, forçoso será reconhecer que o prejudicado pelo ato jurisdicional doloso terá a alternativa de propor a ação indenizatória contra o Estado ou contra o próprio juiz responsável pelo dano, ou, ainda, contra ambos, o que é admissível porque o autor terá que provar, de qualquer forma, que a conduta judicial foi consumada de forma dolosa. (CARVALHO FILHO, 2013, p. 576)

Todavia, Di Pietro (2011, p. 663) aprofunda e afirma que as divergências se dão não em relação à parte se valer da revisão criminal, mas,

Nos casos em que a ação rescisória não soluciona o assunto, ou porque prescreveu, ou porque foi julgada improcedente, a decisão se torna imutável. Admitir-se a indenização por dano decorrente da sentença, estar-se-ia infringindo a regra da imutabilidade da coisa julgada. (DI PIETRO, 2011, p. 663)

Quando a imutabilidade da coisa julgada, essa não é fundamento para eximir o Estado do dever ressarcitório se estiver configurada as características do mesmo. Nesse sentido, não se olvida a crescente defesa à relativização da coisa julgada. Segundo Donizette (2013, p. 626),

Não obstante, constata-se na atualidade forte corrente doutrinária defendendo a relativização da coisa julgada fará das hipóteses de ação rescisória ou mesmo após escoado o prazo legal para tanto.

Capitaneada por Cândido Rangel Dinamarco, José Augusto Delgado, Humberto Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro Faria, a corrente relativista sustenta, em síntese, que as decisões “injustas” ou contrárias à Constituição, ainda que transitada em julgado, podem – ou melhor, devem – ser desconsideradas e modificadas, mesmo após escoado o prazo para propositura da ação rescisória. (DONIZETTE, 2013, p. 626)

Desse modo, o que se deve sempre evitar são as condenações injustas como no famoso caso Marcos Mariano da Silva[19]. A dignidade humana, como princípio norteador da República Federativa do Brasil, petrificado pela Constituição Federal, deverá prevalecer em relação à flexibilidade processual. O Direito, seja material ou processual, tem que resguardar a vivência sadia, de fato não pode gerar uma insegurança jurídica, mas, por outro lado, a rigidez normativa também não pode deixar que o cidadão tenha sua vida e sua dignidade afetada pelo próprio Direito que deveria resguardar e não ferir. Nesse ponto, me valho das palavras do Ministro Luiz Fux no julgamento do REsp 802.435:

Deveras, a dignidade humana retrata-se, na visão kantiana, na autodeterminação; na vontade livre daqueles que usufruem de uma vivência sadia; é de se indagar, qual a aptidão de um cidadão para o exercício de sua dignidade se tanto quanto experimentou foi uma ‘morte em vida’, que se caracterizou pela supressão ilegítima de sua liberdade, de sua integridade moral e física e de sai inteireza humana?

No entanto, quando se trata de conduta culposa na esfera cível a aplicação do disposto no artigo 5°, inciso LXXV, da Constituição Federal, que tão pacificamente a doutrina entende se moldar aos casos de conduta culposa de natureza penal, aqui já não impera com a mesma mansidão.

Carvalho Filho (2013, p. 577), nesse contexto, não entende ser possível aplicar o artigo 5°, inciso LXXV, da Constituição Federal às condutas culposas na esfera cível. Afirma que apesar do artigo não evidenciar qual a natureza da condenação a que se refere, se cível ou penal, entende

que o legislador constituinte pretendeu guindar à esfera constitucional a norma legal anteriormente contida no Código de Processo Penal, sem todavia, estender essa responsabilidade a atos de natureza cível. Em nosso entendimento, portanto, se um ato culposo do juiz, de natureza cível, possibilita a ocorrência de danos à parte, deve ela valer-se dos instrumentos recursais e administrativos para evitá-lo, sendo inviável a responsabilização civil do Estado por fatos desse tipo. A não ser assim, os juízes perderiam em muito a independência e a imparcialidade, bem como permaneceria sempre com a insegurança de que atos judiciais de seu convencimento pudessem vir a ser considerados resultante de culpa em sua conduta. (CARVALHO FILHO, 2013, p. 577)

De fato, na esfera penal é mais fácil a visualização do dever indenizatório em caso de erro, seja por dolo ou por culpa. Porém, conforme já proclamou o STJ[20], a independência dos juízes não pode servir de escolta para a realização de atos torpes, que atentem contra a moralidade, a impessoalidade, a legalidade e a efetividade da justiça. É garantida a independência dos juízes exatamente para que esses não estejam vinculados no momento de aplicar o direito ao caso concreto. Esse instituto é afiançado, entretanto, cabe ao Poder Judiciário zelar pelo mesmo ao fiscalizar.

A responsabilidade civil, sem arrepsia, deve ser visualizada hoje de modo humanitário, considerando sempre o indivíduo como ser particularizado no meio social, como membro formador da nação, portanto, elemento imprescindível da entidade estatal. A responsabilidade civil do Estado não se limita ao simples dever ressarcitório, mas, tem em seu bojo uma função social. A Constituição Federal, ao consagrar o princípio da dignidade da pessoa humana, torna intolerável que a mesma seja posta em plano secundário. Cabe, principalmente ao Pode Judiciário, tutelar sua proteção, assim como garantir a proteção do bem ameaçado, pelo qual as partes recorrem ao Judiciário.

Em síntese, cinge-se que o formalismo e o rigor da aplicação das normas foram consagrados no direito em tempos pretéritos, no entanto, não se enquadram nos anseios sociais.  Hodiernamente, a busca precípua pelo Poder Público deve estar concentrada na realização e efetivação da justiça material.

 

 

VI. Considerações Finais

Pelo exposto, é inadmissível que não seja atribuída responsabilidade àquele que detêm a primazia de proteger seus membros, principalmente, ante a potencialidade do dano que pode insurgir de seus atos e pela noção de Estado de Direito que impõe ao Poder Público a responsabilização pelos danos causados aos administrados.

Ademais, a própria forma de governo republicano comina que o Poder Público administre a res publica, o que guarda no seu bojo que as autoridades são responsáveis por aquilo que administra: a coisa pública. Portanto, seus atos devem se moldar aos interesses dos administrados, tendo em vista que os mesmos firmaram convenção, segundo a teoria da justificação do Estado de Rousseau, para instituir o próprio Estado. Visando, assim, em contrapartida das concessões mútuas, a proteção e a garantia da dignidade pela Administração Pública.

Porém, todos nós somos conhecedores dos problemas sociais existentes no Brasil. Combater a violência, a fome, a miséria, garantir o mínimo de qualidade na educação, na saúde, dentre outras funções precípuas do Estado, motivo pelo qual se justifica, tem sido para nosso País um desafio que ultrapassa séculos.

Pela magnitude das ações estatais, sobretudo diante de um País continental como o nosso, não é possível vislumbrar a irresponsabilidade do Estado. Uma vez que compete a esse cumprir, por exemplo, os mandados judiciais de apreensão, fiscalizar obras para evitar os famosos desabamentos, garantir atendimento hospitalar público de qualidade, editar leis segundo os interesses e necessidades da população.

Noutra ponta, temos os administrados, que diante de sua condição de hipossuficiente perante o Estado, nada podem fazer em relação às lesões suportadas, como ocorrido no aresto Marcos Mariano da Silva[21], cidadão que foi preso duas vezes por engano.

Nesse sentido, apesar da louvável evolução do tema no nosso ordenamento jurídico, o qual, por sorte, nunca adotou a irresponsabilidade estatal, temos muito ainda o que evoluir no tratamento da responsabilidade extracontratual do Estado.

Essa necessidade se faz notória, por exemplo, nas divergências jurisprudenciais atinentes a omissão legislativa. A insegurança do Poder Judiciário acaba por causar insegurança jurídica aos administrados e conforto para o Poder Legislativo. Assim, calha rememorarmos Pontes de Miranda (1954, apud BRAGA NETTO, 2012, p. 148) ao criticar o Legislativo por se omitir de sua função típica: “se o direito penal fosse mais realista, seria esse o crime maior.”

Deveras, ainda quanto à necessidade de evolução, avulta outra problemática, porém, relacionada ao Direito Administrativo. Muitos institutos necessários para a compreensão do tema exposto têm divergências doutrinárias desde seus conceitos. Nesse sentido, a doutrina ainda diverge sobre o que vem a ser atividade econômica em âmbito público, assim como a definição de serviço público ainda gera discussão, as Fundações Públicas terem natureza jurídica autárquica é outro ponto conflitante, a confusão quanto à natureza do serviço prestado por cada uma das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público dificulta a análise e, consequentemente, a aplicação da responsabilidade estatal aos casos concretos.

Com efeito, ao realizar as análises apresentadas que compõe este trabalho, pudemos perceber quão constante a presença do tema no nosso cotidiano, bem como a magnitude do mesmo e das proporções dos danos provenientes de condutas comissivas ou omissivas do Estado. Desse modo, as inseguranças e divergências geram riscos passíveis de novos danos.

Cumpre consignar ainda, que o Estado deve se responsabilizar pelos danos causados por seus agentes, mesmo quando agem com pretexto de estar cumprindo suas funções, pois, são representantes do Estado. Desse modo, Meirelles (2011, p. 704) bem pondera: “o abuso no exercício das funções por parte do servidor não exclui a responsabilidade objetiva da Administração. Antes, a agrava, porque tal abuso traz ínsita a presunção de má escolha.”

Condizente ao exposto, pelo princípio da solidariedade, não poderá os encargos da atuação estatal serem suportados individualmente, porém, devem ser pulverizados por todo corpo social. Assim, mesmo que a Administração pública se revista do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado não estará isenta da responsabilização.

No entanto, deve a Fazenda Pública ajuizar ação de regresso contra o agente público que com culpa ou dolo tenha provocado o dano, conforme dispõe a parte final do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal.

Nesse ponto, assim como a sociedade tem de suportar conjuntamente os ônus das condutas estatais, conforme o citado princípio da solidariedade, inadmissível, por outro lado, que o erário suporte por conta de ato culposo ou doloso do agente público, esse dever ressarcitório. Muitos desses atos culposos causam grande comoção e repúdio público, como são os casos em que ficam configuradas as torturas e execuções de pessoas pela polícia militar ou nos casos de falsos suicídios ocorridos dentro dos presídios. O não ajuizamento de ação regressiva caracteriza renúncia às verbas públicas não autorizadas pelo ordenamento jurídico.

Nesse sentido, cinge salientar o motivo de ser tão necessário entender o desenvolvimento histórico da responsabilidade civil do Estado abarcando suas teorias para que possamos hoje vislumbrar todos os casos e analisá-los individualmente, aplicando o direito com senso de justiça, divorciando-se da aplicação de uma única teoria. Tendo em vista que muitos desses casos, em princípio, transparecem não deterem as características necessárias para se responsabilizar o Estado, o que, em momento posterior, acaba por se configurarem.

Ato contínuo, ante a dificuldade existente de detectar se determinado acontecimento é hábil a excluir a responsabilidade do Estado, é que deve sempre o Poder Público, principalmente no exercício de sua função judicial, se ater as particularidades de cada situação para evitar possíveis injustiças. Pois, se for constatado que houve concausas, excludente ou não presentes os pressupostos, em reverência à equidade, a responsabilização será mitigada ou não se configurará.

Desse modo, como já afirmamos no corpo do presente estudo, o Estado tem o dever de operar em benefício da coletividade. Quando sua conduta é gênese de dano e tem como consequência a lesão de bem jurídico protegido, desvirtuando o encargo estatal de garantir aos cidadãos qualidade de vida, segurança e proteção, nasce o dever ressarcitório para o ente público. Assim, conforme julgado do Supremo Tribunal Federal nesse sentido, havendo dúvida da participação do lesado para o consequente dano, deve haver a responsabilização exclusiva das Fazendas Públicas.

É inegável que a responsabilidade extracontratual do Estado continua evoluindo para adequar aos anseios sociais. Esperamos em breve poder vislumbrar um posicionamento dos nossos tribunais quanto às omissões genéricas relativas aos direitos sociais arrolados no artigo 6° da Constituição Federal ensejar ou não responsabilização estatal.

Por todo exposto, cinge destacar que a dignidade humana é princípio norteador da República Federativa do Brasil, petrificado pela Constituição Federal. Logo, em respeito a referido princípio, o direito, sendo reflexo social, tem por função resguardar a vivência sadia. Não podem, desse modo, gerar uma insegurança jurídica as divergências doutrinárias e jurisprudenciais, principalmente quanto às últimas por serem a aplicação do direito ao caso concreto. Nesse ínterim, a rigidez normativa também não pode deixar que o cidadão tenha sua vida e sua dignidade afetada pelo próprio direito, sob pena do mesmo não ser eficaz.

Contudo, retornamos a afirmar, por fim, que a responsabilidade civil, sem arrepsia, deve ser visualizada de modo humanitário, considerando sempre o indivíduo como ser particularizado no meio social, como membro formador da nação, portanto, elemento imprescindível da entidade estatal. A responsabilidade civil do Estado não se limita ao simples dever ressarcitório, mas, tem em seu bojo uma função social. A Constituição Federal, ao consagrar o princípio da dignidade da pessoa humana, torna intolerável que a mesma seja posta em plano secundário. Cabe, principalmente ao Pode Judiciário, tutelar sua proteção, assim como garantir a proteção do bem ameaçado, pelo qual as partes recorrem ao Judiciário.

Em síntese, cinge-se que o formalismo e o rigor da aplicação das normas foram consagrados no direito em tempos pretéritos, no entanto, não se enquadram nos anseios sociais.  Hodiernamente, a busca precípua pelo Poder Público deve estar concentrada na realização e efetivação da justiça material.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

VII. Referências Bibliográficas

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VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 1.



[1] AGUIAR JR, Ruy Rosado de; DE JUSTIÇA, Min do Superior Tribunal. Responsabilidade política e social dos juízes nas democracias modernas. 1997.

[2]              Denominação destacada por Sílvio de Salvo Venosa - (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2012).

[3] ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências. 1965. In: ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário jurídico. 4. ed. atual. ampl. São Paulo: Rideel, 2010, p. 267.

[4] Art. 40. As pessoas jurídicas são de direito público, interno ou externo, e de direito privado.

Art. 41. São pessoas jurídicas de direito público interno: I – a União; II – os Estados, o Distrito Federal e os Territórios; III – os Municípios; IV – as autarquias, inclusive as associações públicas; V – as demais entidades de caráter público criadas por lei.

Art. 42. São pessoas jurídicas de direito público externo os Estados estrangeiros e todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público.

Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado: I – as associações; II – as sociedades; III – as fundações; IV – as organizações religiosas; V – os partidos políticos; VI – as empresas individuais de responsabilidade limitada.

[5] Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

§ 1° A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:

I – sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade;

II – a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários;

III – licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública;

IV – a constituição e o funcionamento dos conselhos de administração e fiscal, com a participação de acionistas minoritários;

V – os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos administradores. (grifo nosso)

[6] Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

[7] Se traduz: “O Estado sou eu.”

[8] A Lei de 28 Pluvioso ano VIII sobre a divisão do território da República e administração da França trouxe no seu texto a possibilidade de responsabilização por dano decorrente de obras públicas:

“Créé par Loi 28 pluviose an VIII Bull. des Lois, 3° S., B. 17, n° 115. (Abrogé par Ordonnance n°2006-460 du 21 avril 2006 - art. 7 (V) JORF 22 avril 2006 en en vigueur le 1er juillet 2006): [...] Article 4 - Le tribunal administratif prononcera : Sur les demandes des particuliers, tendant à obtenir la décharge ou la réduction de leur cote de contributions directes; Sur les difficultés qui pourraient s'élever entre les entrepreneurs de travaux publics et l'administration, concernant le sens ou l'exécution des clauses de leurs marchés; Sur les réclamations des particuliers qui se plaindront de torts et dommages procédant du fait personnel des entrepreneurs, et non du fait de l'administration; Sur les demandes et contestations concernant les indemnités dues aux particuliers, à raison des terrains pris ou fouillés pour la confection des chemins, canaux et autres ouvrages publics; Sur les difficultés qui pourront s'élever en matière de grande voirie; Sur les demandes qui seront présentées par les communautés des villes, bourgs ou villages, pour être autorisées à plaider; Enfin, sur le contentieux des domaines nationaux.” (grifo nosso). Disponível em: h t t p: / / l e g i f r a n c e . g o u v . f r / a f f i c h T e x t e A r t i c l e . d o ? c i d T e x t e =LEGITEXT000006070167&idArticle=LEGIARTI000006340002. Acessado em: 11 de outubro de 2013, às 18h10min. Tradução: “Através da Lei 28 Pluviose ano VIII Touro. Leis, 3 S., B. 17, No. 115 (Revogada pela Portaria n º 2006-460 , de 21 de Abril de 2006 - art. 7 (V) Jornal Oficial de 22 de Abril de 2006, em vigor em 01 de julho de 2006): [...] Artigo 4° - O tribunal administrativo deve: Sobre os pedidos de pessoas que pretendam obter a descarga ou redução de suas contribuições diretas pontuação; As dificuldades que possam surgir entre os contratantes e administração de obras públicas sobre o significado ou aplicação dos termos de seus contratos; Sobre as reclamações de pessoas que se queixam de danos e prejuízos decorrentes dos empresários pessoais, e não por causa da administração; As reclamações e disputas relativas à compensação a pagar aos indivíduos em relação às terras tomadas ou procurou fazer estradas, canais e outras obras públicas; As dificuldades que possam surgir na rua; As candidaturas a apresentar pelas comunidades de cidades, vilas ou aldeias , seja autorizado a pleitear; Finalmente, nas áreas contenciosas nacionais.” (grifo nosso).

[9]              Declaração de direitos do homem e do cidadão – 1789: Art. 13º. Para a manutenção da força pública e para as despesas de administração é indispensável uma contribuição comum que deve ser dividida entre os cidadãos de acordo com suas possibilidades. DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO. Biblioteca virtual dos direitos humanos – Universidade de São Paulo – USP. Disponível em: <http: / / w w w . d i r  e i t o s h u  m a n o  s . u s p . b  r / i n  d ex . p  h p /D  o c u m  em t o s -anteriores-%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/declaracao-de-direitos-do-homem-e-do-cidadao-1789.html>. Acesso em: 19 out. 2013.

[10]             BRASIL. Decreto nº 1.930 - de 26 de Abril de 1857. Aprova o Regulamento para a fiscalização da segurança, conservação e policia das estradas de ferro, em virtude do § 14 do Art. 1º do Decreto nº 641 de 26 de Junho de 1852. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-1930-31-agosto-1937-471959-retificacao-75988-pe.html. Acessado: 23 out. 2013.

[11]             BRASIL. Decreto nº 1.663, de 30 de Janeiro de 1894. Aprova o regulamento da Repartição Geral dos Telégrafos. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-1663-30-janeiro-1894-540570-publicacaooriginal-40996-pe.html. Acessado: 23 out. 2013

[12]  Carecendo, ainda, de definição legal o conceito de atividade econômica “de relevante interesse coletivo”, o desordenado direito positivo nacional tem ensejado anomalia da exploração de uma difusa atividade econômica pelas empresas públicas, sociedades de econômica mista e outras entidades, que, no rigor dos termos extrapolaria os limites de um “relevante interesse coletivo”, lançando-se aquelas em atividades manifestamente especulativas, competindo com as entidades congêneres estritamente privadas; basta que se tome como exemplo a atividade dos estabelecimentos oficiais de crédito na disputa de mercado bancário, ou a atividade das indústrias siderúrgicas, que agora caminham para a privatização. (CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do Estado. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 110.)

[13] SESC, SESI, SENAI, SENAC, SEBRAE, SENAR, SEST, SENAT, SESCOOP, APEX-Brasil e ABDI.

[14] O Tribunal, por maioria, deu provimento a agravo regimental interposto em suspensão de tutela antecipada para manter decisão interlocutória proferida por desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, que concedera parcialmente pedido formulado em ação de indenização por perdas e danos morais e materiais para determinar que o mencionado Estado-membro pagasse todas as despesas necessárias à realização de cirurgia de implante de Marcapasso Diafragmático Muscular - MDM no agravante, com o profissional por este requerido. Na espécie, o agravante, que teria ficado tetraplégico em decorrência de assalto ocorrido em via pública, ajuizara a ação indenizatória, em que objetiva a responsabilização do Estado de Pernambuco pelo custo decorrente da referida cirurgia, "que devolverá ao autor a condição de respirar sem a dependência do respirador mecânico". BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Suspensão de Tutela Antecipada – STA n° 223 AgR/PE, Rel. orig. Min. Ellen Gracie, Rel. p/ o acórdão Min. Celso de Mello, em 14.4.2008, Informativo STF 502. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo502.htm#Tutela Antecipada e Responsabilidade Civil Objetiva do Estado - 1> Acesso: 13 nov. 2013.

[15]             Conforme decisão do Superior Tribunal de Justiça no AgRg no Ag 1339344. Relator: Ministro Herman Benjamin. Data de Julgamento: 16/11/2010. Segunda Turma. Data de Publicação: 28.02.2012. Disponível em: < h t t p : / / w w w . s t j . j u s . b r / S C O N / j u r i s p r u d e n c i a / t o c . j s p ? t i p o _ v i s u a lizacao=null&livre=Ag+1339344&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO> Acesso: 13 nov. 2013.

[16]             CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do Estado. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 149.

[17] Nesse sentido: Supremo Tribunal Federal. MI 283 / DF. Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Data de Julgamento: 20.03.1991. Tribunal Plano. Data de Publicação: 14.11.1991. Disponível em:

< http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=81766 > Acesso: 16 nov. 2013.

[18] Conforme: Supremo Tribunal Federal. RE 424584. Relator: Ministro Carlos Velloso. Relator Acórdão:  Min. JOAQUIM BARBOSA. Segunda Turma. Data de Publicação: 17/11/2009. Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=610629> Acesso: 16 nov. 2013.

[19]  “Versam os autos, originariamente, ação de indenização ajuizada por MARCOS MARIANO DA SILVA em face do ESTADO DE PERNAMBUCO, objetivando o recebimento de indenização por danos materiais e morais decorrentes de sua ilegal manutenção em cárcere por quase 13 (treze) anos ininterruptos, de 27⁄09⁄1985 a 25⁄08⁄1998, à mingua de condenação em pena privativa de liberdade ou qualquer procedimento criminal, que justificasse aquele detimento em cadeia do Sistema Penitenciário do Estado, onde, inclusive, contraiu doença pulmonar grave (tuberculose), além de ter perdido a visão dos dois olhos durante uma rebelião. Segundo noticiam os autos, MARCOS MARIANO DA SILVA, ora recorrido, engendrou pedido indenizatório em face do Estado de Pernambuco aduzindo, em síntese, que em 27 de setembro de 1985 foi encaminhado ao Presídio Aníbal Bruno-PE, mediante ordem judicial expedida pelo Exmo. Sr. Juiz de Direito da Vara da Comarca de Cabo de Santo Agostinho-PE, que determinou o seu encarceramento fundado nas seguintes premissas: primeira: existência de inquérito policial em face do indiciado, ora recorrido e segunda: pelo fato de o indiciado encontrar-se sob o regime de livramento condicional, decorrente de condenação por homicídio, cuja pena, inclusive, fora cumprida em parte.” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 802435, Relator: Ministro  Luiz Fux. Data de Julgamento: 19/10/2006, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe 30/10/2006. Disponível em: < h t t p s : / / w w 2 . s t j . j u s . b r / r e v i s t a e l e t r o n i c a / i t a . a s p ? r e g i s t r o=200502029820&dt_publicacao=30/10/2006>Acesso: 16 nov. 2013.) O que mais nos impressiona é que antes de passar referidos treze anos encarcerado por crime que não cometeu, já havia ficado preso por seis anos acusado de ser o autor de um homicídio, sendo liberado somente quando encontraram o verdadeiro culpado.

[20] No julgamento do RMS 15.316, Relator: Ministro Herman Benjamin, Data de Julgamento: 01/09/2009, T1 - Segunda Turma, Data de Publicação: DJe 30/09/2009. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200201096237&dt_publicacao=30/09/2009>Acesso: 16 nov. 2013.

[21] Ver nota explicativa 19, p. 107 deste trabalho.