1 A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PAIS

No que tange a convivência saudável entre pais e filhos, dir-se-á que esta não se esgota com a manutenção dos filhos quanto a aspectos materiais, haja vista que suas necessidades suplantam os aspectos da alimentação, educação e guarda. Sendo assim, com o fito de minudenciar a abrangência do dever que envolve a capacidade dos genitores, falar-se-á acerca da responsabilidade civil destes, em face de atos ilícitos oriundos de sua prole.

Neste talante, insta aferir que os pais, tutores ou curadores, respondem pelos danos causados por aqueles que estiverem sob sua guarda, independente de culpa. Saliente-se que a responsabilidade do pai, desenvolve-se da mesma maneira que a do tutor, bem como a do curador, pois derivam das funções por eles exercidas, haja vista que a responsabilidade está baseada na culpain vigilando, que decorre da falta de atenção ou cuidado com o procedimento de outrem que está sob a Guarda ou responsabilidade do agente.

Ao analisar o Código Civil, percebe-se que este determina os artefatos de responsabilização dos pais em decorrência dos atos ilícitos praticados por seus filhos. Sendo assim, é importante mencionar que o rebento tem de ser menor de 16 (dezesseis) anos, pois caso seja maior de 16 (dezesseis) anos e menor de 18 (dezoito) anos, equiparar-se-á ao maior, quanto às obrigações resultantes de atos ilícitos, e a responsabilidade dos pais seria, portanto, solidária.

Outrossim, o faz-se necessário que o filho esteja sob o poder e em companhia dos pais, pois caso esteja conviva com outrem, a responsabilidade será daquele a quem incumbe o poder de vigilância. Desta feita, para que resulte na responsabilidade, é preciso que os pais sejam negligentes com essa vigilância, isto é, incorram na culpa in vigilando. A mesma regra é imposta ao tutor ou curador, pois o menor que reside fora do lar paterno, estará sob a guarda de alguém, o qual responderá por seus atos[1].

Prudente ressaltar que os pais, em virtude do poder familiar exercido sobre os filhos menores, centralizam uma série de direitos e obrigações, alguns de cunho legal, outros de ordem natural, materializando-se na expressão mais concreta do "dever-poder". Indigite-se ainda, que tais atribuições devem ser cumpridas e exercidas regularmente sob pena de responsabilidade de seus mais variados setores, vez que abarcam tanto princípios de ordem pública, como interesse social.

Conforme leciona Paulo Antônio Begalli[2], tem-se: em primeiro plano, é imposta aos pais a obrigação precípua da criação e educação dos filhos, prestando-lhes assistência contínua, não só material como também moral, propiciando-lhes ensinamentos condizentes com os bons costumes, amoldando-os aos princípios básicos da boa moral, proporcionando-lhes lições e diretrizes suficientes para se imbuírem da verdadeira noção de responsabilidade e assumirem postura digna perante a sociedade.

Seguindo a linha de raciocínio aduzida até aqui, dir-se-á que de forma paralela às obrigações supramencionadas, existe também, o dever de vigilância, o qual envolve todos os atos dos filhos, principalmente os absolutamente incapazes, resguardando-os da prática de condutas lesivas aos seus semelhantes. Em decorrência dessa análise, surge os deveres in educando e in vigilando, ambosoriundos do poder familiar, cujos eventuais desvios notadamente na vigilância, acarretam a responsabilidade dos pais por atos nocivos a outrem praticados por filhos menores.

É forçoso entender que o poder familiar strictu sensu, não é fonte de responsabilidade civil, entretanto, a inobservância de seus encargos, por ação ou omissão, pode sê-la.

O doutrinador Levenhagen[3], acerca da antedita premissa, ponderara o seguinte: presume-se a responsabilidade paterna e, desse modo, é inquestionável a responsabilidade do pai que não exerce a necessária vigilância do filho.

Acrescenta-se que a lei não faz distinção entre filhos legítimos, ilegítimos ou legitimados. Assim sendo, tratando-se de filho natural, reconhecido ou não, a responsabilidade é dos pais. Caso este não possa ser reconhecido (incestuoso ou adulterino), a responsabilidade será daquele que o tenha sob guarda: pai, mãe ou terceiro.

Verifica-se ainda que, a inadimplência para com os deveres inerentes ao poder familiar[4], podem resultar em conseqüências não apenas na esfera cível, mas também causar reflexos no âmbito penal, conforme expressa a tipicidade do artigo 244 do Código Penal[5].

1.1 Responsabilidade do pai por ato do filho, como terceiro

No que atine aos casos de incidência de responsabilidade indireta e subjetiva, a incumbência de reparar o dano recairá sobre o agente indireto, apenas quando lhe for imputável culpa in educando, in vigilando, ou ainda, in eligendo. Por outro prisma, dir-se-á que em sede de responsabilidade indireta e objetiva, a responsabilidade do dependente implica automaticamente na sua (agente indireto), sendo, portanto, impossível alegar que agira com todos os cuidados possíveis.Salienta-se que o caso vertente, ou seja, responsabilidade do pai por ato do filho, como terceiro, deve ser analisada de per si, haja vista que, a rigor, ninguém deve ser compelido a pagar por culpa alheia, pois as sanções, quer no plano civil, ou no âmbito criminal, são pessoais, incomunicáveis e intransferíveis.

Mister aferir que, com o escopo de minudenciar a os aspectos que norteiam a responsabilidade civil pelo fato de outrem, mencionar-se-á a teoria do risco como sendo a que mais se aproxima da realidade. Nesta linha de raciocínio, percebe-se que, quando as pessoas se predispõem a serem pais, estes o fazem assumindo o risco de que a atividade a atividade dos seus filhos podem resultar em danos a terceiros. Acrescente-se que, os pais adotivos respondem de forma similar, uma vez que exercem o poder familiar em sua plenitude.

É imperioso consignar o fato de que o responsável indireto, ou seja, a pessoa compelida a reparar os danos causados por outrem, tem umas vezes responsabilidade objetiva, e outras, responsabilidade meramente culposa.

Desta feita, conforme já fora amplamente demonstrado no decorrer do presente artigo, é cristalina a idéia de que a responsabilidade dos pais por atos dos seus filhos menores prende-se ao exercício do poder familiar, sendo assim, é impossível estendê-la a qualquer outra pessoa que não o exerça.

1.2 Apontamentos do Código Civil brasileiro sobre o tema em foco

É imperioso trazer à baila o fato de o art. 1.634 do atual Código Civil,contempla os direitos e deveres dos pais em relação aos filhos:

Art. 1634 - Compete aos pais, quanto às pessoas dos filhos menores:

I - dirigir-lhes a criação e educação;

II - tê-los em sua companhia e guarda;

III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casar-lhes;

IV - nomear-lhes tutor, por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercitar o poder familiar;

V - representá-los, até os 16(dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprimindo-lhes o consentimento;

VI - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;

VII - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.

Em consonância com o supracitado dispositivo legal, infere-se que a espécie de responsabilidade ora em comento, relaciona-se intimamente com o exercício do poder familiar, conforme fora mencionado em linhas pretéritas, e deve se julgada em função desse dever, o qual impõe ao seu titular obrigações de conteúdo especial, notadamente no diz respeito à vigilância.

Fazendo-se uma análise acerca do que plasmava o Código Civil de 1916, percebe-se que neste, ventilava-se a hipótese de responsabilidade solidária dos pais, em decorrência de atos ilícitos praticados pelos filhos menores.

No que tange ao Diploma Civil de 2002, dir-se-á que este possui redação clara acerca da responsabilidade paterna em face dos danos causados pelos filhos, qual seja, subsidiária.

Neste sentido, é importante trazer à baila o que comanda o artigo 928 do atual Código Civil, a despeito do tema.

Percebe-se que o preceito equiparou, para efeito de responsabilização, os semi-imputáveis aos inimputáveis, como, também, não fez distinção entre menores púberes e impúberes, de modo que os amentais e os menores com qualquer idade abaixo de 16 (dezesseis) anos, são considerados "incapazes" para efeito de responsabilização civil.

Indigite-se que se estabelecera a responsabilidade subsidiária ou secundária dos incapazes, uma vez que estes responderão apenas, pelos danos que porventura causarem, e, seus responsáveis (pais, tutor e curador) não tiverem obrigação de fazê-lo, seja porque o incapaz fora emancipado, contraíra matrimônio, bem como não esteja sob o poder familiar, ou ainda, qualquer outro motivo amparado na lei, ou em decorrência de não dispor de meios suficientes para cumprir a obrigação.

1.3Da prova exoneratória

Em consonância com as explanações realizadas no ínterim da construção textual, depreende-se que em caráter genérico, a responsabilidade civil apresenta-se de forma essencialmente subjetiva, uma vez que se concretize, a culpa é pressuposto crucial, não sendo descpiciendo a evidência de ligação entre a pessoa e o seu ato. Para que alguém possa ser responsabilizado pelos seus atos, é indispensável que este goze de plena capacidade, além de serem ilícitos, os atos.No que tange a caracterização da responsabilidade subjetiva, ou seja, aquela decorrente de ato ilícito, é forçoso que se faça a apresentação de duas situações, quais sejam: a primeira é que no momento da realização do ato ilícito o agente goze de pleno discernimento, sendo, portanto, plenamente imputável e ainda que tenha agido com culpa.

É corriqueiro deparar-se com pais que, no afã de escusar-se das responsabilidades oriundas de atos ilícitos praticados por seus filhos, alegam, em geral, a boa educação ministrada em uma efetiva vigilância exercida. Em conformidade com o que preconiza a psicologia humana, os filhos trazem do período intra-uterino, vícios determinantes da personalidade que embora a educação aprimorada tente suplantá-los, nem sempre esta aufere resultado positivo, e, em decorrência desta tentativa infrutífera, a sociedade hodiernamente vivencia problemas desta ordem – a prática de inúmeros atos ilícitos exercidos, sobretudo por menores.

Tem-se, então, que só quando moral e materialmente impossível impedir a ocorrência do fato danoso é que os pais se eximem dessa responsabilidade, acrescentando-se que esse entendimento será deduzido de um conjunto de circunstâncias que hão de excluir sua culpa, próxima ou remota, circunstâncias essas que os julgadores devem soberanamente interpretar. Só assim é que se poderá afirmar que a presunção de culpa a que os pais se encontram submetidos, não é senão uma presunção simples, já que o dever dos pais é decorrente de uma norma muito singela: o poder familiar.

Ao efetivar pesquisas nos manuais de direito, percebe-se a cautela por parte de alguns autores em relação a concessão das provas exoneratórias, eis que insistem na idéia de que, embora se relegue à doutrina interpretativa o exato conceito da impossibilidade de impedir o ato, não se deve abandonar a prova indispensável à diligente guarda e à esmerada educação propiciada ao filho menor.

Ainda neste sentido, é imperioso tecer alguns comentários acerca da exoneração em comento: conforme citado alhures, as opiniões são divergentes, eis que alguns autores se inclinam para a presunção embasada apenas nos casos de culpa in vigilando; por outro lado, tem aqueles que exigem a prova de culpa por parte da vítima na eventualidade da in educando, e, por último, cumpre-se ressaltar que o princípio vigente, no ordenamento jurídico, é o da presunção juris tantum para ambas.

Citar-se-á o que pondera Segundo Aguiar Dias[6], a respeito do assunto em foco: os pais não têm condições de uma vigilância tal, que importasse na proibição de qualquer outra atividade, seria contraditória com o próprio dever de sustentar a prole, principal obrigação do pai.

De acordo com o que aduz Aguiar Dias, na citação supramencionada, para que o pai pudesse prestar a vigilância necessária a fim de garantir que o filho não incorresse na prática de atos ilícitos, seria necessário que aquele abdicasse de suas atividades diárias, e desenvolvesse uma vida paralela a do seu filho – o que seria, no mínimo inviável, haja vista que, como genitor, este tem o dever primordial de garantir a mantença de sua prole.

Diante dos senões outrora delineados, prudente seria que os magistrados e tribunais pátrios, conferissem extremo cuidado ao analisar cada caso, e que admitissem a exoneração do genitor, se porventura ficasse evidente que o sinistro causado pelo menor deu-se, embora seu pai tenha sido diligente, cumprido de modo exemplar a obrigação de vigilância.

É de sabença que o direito, em decorrência dos fatos sociais, passa por modificações, por vezes, significativas, eis que as normas tem de acompanhar a evolução da sociedade, adaptando a cada geração. Tomando-se como alicerce essa concepção, o doutrinador Tito Roberto Liberato[7] aduz o seguinte: a prova da boa vigilância, deverá ser condicionada a um elenco de circunstancias que somariam diretrizes várias para uma conclusão final por parte dos juízes. Assim é que, para tanto, deve se anotar: os costumes peculiares a cada caso decorrentes da vida moderna; o meio social em que vive a família, onde a liberdade de ação dos membros da comunidade variam de local para local; a idade do menor, como um dos fatores fundamentais para a fixação da responsabilidade dos pais; a natureza da atividade do menor que, hoje, desde logo arrosta sacrifícios múltiplos, submetendo-se a empregos variados para auferir numerários não só para a sua subsistência, como arrimando sua própria família.

Nesse mister, infere-se que, em decorrência dos fatores supracitados, é prudente mencionar que alguns autores se permite indagar se, no mundo da insegurança generalizada, não seria conveniente suprimir pura e simplesmente essa presunção de culpa dos pais com vistas a uma simplificação mais lógica. Ou seja, desde que se prove a culpa por parte do pai, a responsabilidade deste em face dos atos ilícitos praticados pelo filho, haverá de ser mantida.

Outrossim, de acordo com o que fora mencionado no intramuros da construção textual, depreende-se que a orientação supracitada referente a responsabilidade, não encontrarespaldo no sistema jurídico pátrio, contudo, ao que parece, novos rumos estão sendo delineados, vislumbrando novos horizontes acerca dos pais frente aos filhos e as vicissitudes da vida moderna.

Cumpre ressaltar ainda, que em consonância com a análise do art. 932, I, do atual Código Civil, especialmente em face de sua situação e atual orientação - de cunho eminentemente objetivo, tornar-se-á difícil a produção de eventual prova exoneratória.

Verifica-se, portanto, que a regra escolhida pelo legislador, inscrita no mencionado artigo, estabelece, preferencialmente, a responsabilidade objetiva dos pais pelos atos dos filhos menores sob sua guarda ou, como diz o preceito, sob sua autoridade e em sua companhia.

Contudo, permitindo-se raciocinar a contrario sensu, verifica-se não ser suficiente que os responsáveis imediatos (pais, tutor e curador) não disponham de meios para eximir-se da obrigação, posto ser imprescindível que o incapaz disponha desses meios, e que eles não lhe façam falta, ou não privem do necessário tanto o incapaz quanto seus dependentes.

Diante do exposto, percebe-se que os posicionamentos trazidos até aqui, corroboram, por vezes, para alertar aos pais, haja vista que a desídia destes na vigilância dos filhos, inibe-os de pretender indenização quando estes são lesados, ou seja, quando um menor sofre uma lesão, sempre há que se perscrutar se os pais, em virtude de negligência não teriam concorrido para o fatídico evento.

1.4Licitude da conduta

O Direito brasileiro, assim como a grande parte da legislação dos demais países, no que se refere ao dever de indenizar, adotara o princípio segundo o qual aquele que causa dano a outrem tem o dever de repará-lo. A partir deste, pode-se conceituar a responsabilidade civil como dever que se impõe a qualquer um de indenizar o prejuízo que causara a outrem. 

Com o escopo de que se tenha um melhor entendimento acerca do assunto em foco, citar-se-á o que plasma o art. 927 do atual Código Civil.

Dessume-se do artigo supracitado que a configuração do ato ilícito gera o dever de indenizar. Por esse prisma, é notório o posicionamento de que o ato lícito não enseja responsabilidade, e, tampouco, indenização, haja vista que inexiste a ilicitude na ação.

Neste sentido, tomando-se como referência o princípio basilar insculpido acima, é válido dizer que a conduta do menor que tenha causado prejuízos à vítima deve ser mantida como ato ilícito, pois do contrário, afastado estará do dever de indenizar.

Com o intuito de pormenorizar os lineamentos acima tratados, é prudente que mencionar o que prescreve Mário Moacir Porto[8], o qual menciona que nada impede o magistrado de apreciar o ato do menor inimputável, ou seja, aquele que resultou no dano, em face de suas circunstâncias objetivas, externas, com o escopo de concluir se o ato incriminado fora normal, regular, ou ainda, coincidente com as regras do Direito, ou não.

Sendo assim, caso fique comprovado que o ato do menor privado de discernimento, abstratamente considerado, não violara nenhuma obrigação preexistente, força é convir que a ação promovida pela vítima contra o pai do menor inimputável, deverá ser prontamente repelida, pois não se compreenderia que os representantes do menor incapaz, culpados por presunção legal, continuassem "culpados" pela prática de um ato que ocasionou um prejuízo, mas não vulnerou nenhuma norma jurídica.

1.5 Culpa exclusiva da vítima

É importante aferir que em decorrência de algumas causas, pode-se haver a extinção da responsabilidade, mesmo que o dano seja decorrente de um ato ilícito. Contudo, para que tal fato ocorra, é necessário que se elimine o nexo causal entre o dano e a ação ou omissão do agente, como é o caso, por exemplo, da força maior, do caso fortuito e da culpa exclusiva da vítima.

Sendo assim, dir-se-á que quando a vítima do evento danoso for a única culpada pelo ocorrido, afasta-se, portanto, a obrigação de indenizar, eis que resta eliminada a causalidade entre a atuação e o fato que deu causa aos prejuízos.

Á guisa de entender a relevância do estudo da culpa exclusiva da vítima, citar-se-á um exemplo clássico mencionado pela doutrina, qual seja: aquele em que a vítima, querendo cometer suicídio, atira-se sob as rodas do veículo conduzido pelo agente. Percebe-se, com efeito, que descartado estará o dever de ressarcimento. Neste exemplo, se um menor relativamente incapaz estivesse dirigindo o veículo, efetivamente não poderia ser responsabilizado pelo sinistro.

1.6 Culpa concorrente da vítima e do agente

Urge estabelecer que a culpa, em se tratando da esfera cível, ocorre de forma diversa do que preconiza o Direito Penal, eis que em face daquele, faz-se possível o reconhecimento da culpa concorrente entre a vítima e o agente. Para tanto, precisa-se que ambos concorram com parcela de culpa maior, ou menor para a ocorrência do prejuízo.

Saliente-se que nos casos supracitados, não se evidencia a exclusão da responsabilidade, porém, esta é atenuada segundo o grau de culpa de cada um em relação aos fatos que originaram o prejuízo.

A situação é bem esclarecida pela Profª. Maria Helena Diniz[9]: se lesado e lesante concorreram com uma parcela de culpa, produzindo o mesmo prejuízo, porém, por atos independentes, cada um responderá pelo dano na proporção em que concorreu para o evento danoso. Não desaparece, portanto, o liame da causalidade; haverá tão somente uma atenuação da responsabilidade, hipótese em que a indenização, é em regra, devida por metade ou diminuída proporcionalmente.

Percebe-se, portanto, que a análise da existência de culpa concorrente entre a vítima e o agente é de suma importância, haja vista que em sendo constatada a espécie de culpa em comento, o conflito poderá ser dirimido adotando-se a proporcionalidade da transgressão desencadeada pelos envolvidos, e, dessa forma, evitar-se-á incorrer no erro da injustiça, ou seja, imputar apenas uma das pessoas, quando na realidade, ambas concorreram para o deslinde do sinistro.

1.7Culpa de terceiro

Em consonância com o que comanda Misael Monteiro Filho[10], é válido dizer que em sede doutrinária se admite a culpa de terceiro, com o escopo de isentar da responsabilidade, o agente. Para que se evidencie tal fato, é necessário que esta ocorra em situações bem definidas, ou seja, quando de forma cristalina, não se vislumbre a participação culposa do devedor, o que afasta o nexo de causalidade entre sua conduta e o dano ocorrido.

Neste talante, pondera-se que o dano deverá se encontrar ligado apenas ao fato de terceiro, e, este, deverá ocorrer, necessariamente sem a intervenção do ofensor, apresentando-se, portanto, como fato exclusivamente causador do dano. É forçoso lembrar que, em consonância com o conceito de terceiros, exclui-se aquelas pessoas por quem o agente responde, ou seja, curatelados, filhos, prepostos, tutelados, entre outros.

Contudo, é prudente mencionar que em alguns casos pode ser impossível a identificação de terceiro que tenha dado causa ao evento danoso. Acrescente-se ainda, que a possibilidade de identificar o terceiro, colabora para a melhor caracterização do fato que se lhe atribui. Porém, não se pode dizer que tal fato seja condição essencial para a configuração.

1.8Exercício regular de direito

Frise-se que existem hipóteses excepcionais que não constituem atos ilícitos, embora causem danos aos direitos de outrem, isto porque o procedimento lesivo do agente, por motivo legítimo estabelecido em lei, não acarreta o dever de indenizar, haja vista que a própria norma jurídica subtrai a qualificação de ilícito. Em decorrência de tal fato, surge o exercício regular do direito.

A expressão "exercício regular de um direito" significa dizer que, quando se age de acordo com o ordenamento jurídico, evidentemente estar-se-á diante de uma conduta lícita, ou seja, quem se utiliza de um direito seu, não causa dano a ninguém. Logicamente, o agir aqui tratado deve estar dentro dos limites impostos pelo ordenamento jurídico. Caso contrário, configurar-se-ia abuso de direito.

Neste horizonte de raciocínio, é válido acrescentar que o exercício normal de direito está previsto no art. 188, I, do atual Código Civil.

Em síntese, caso alguém, no uso normal de um direito, venha a lesar outrem, aquele não terá qualquer responsabilidade pelo dano, haja vista que não se trata de um procedimento ilícito. Sendo assim, só haverá ilicitude, se houver abuso do direito ou exercício irregular ou anormal.

Exemplo clássico é aquele do credor que, tendo um cheque devolvido sem provisão de fundos, leva-o a protesto e, ao ser notificado, o devedor sofre um infarto e vem a falecer. Neste caso o credor não será responsabilizado, pois praticou um ato amparado na lei. É postulado de direito que aquele que exercita seu direito não prejudica ninguém, e, como conseqüência, não está obrigado a indenizar.

Entretanto, exercício normal de direito não se confunde com abuso de direito, sendo este último ocorrente quando o agente tiver como fim exclusivo exatamente prejudicar alguém.

1.9Legítima defesa

Infere-se que a legitima defesa ocorre quando alguém precisa repelir, com sua própria força, a agressão ou ameaça a direito seu e/ou alheio. Em verdade, é o Estado que deve promover a proteção dos cidadãos, estando vedada a auto-defesa. Contudo, por vezes, não há tempo de aguardar a chegada do socorro vinda do Estado. Nos casos elencados, excepcionalmente, este permite que a sociedade faça uso da força para se defender, tanto de forma individual, como coletiva.

Ressalta-se que a legitima defesa deve ser procedida dentro de certos limites, quais sejam: a agressão que se quer repelir deve ser injusta, inevitável por outro modo de defesa e, o uso da força não deve exceder o necessário para efetuar a defesa.

Sendo assim, a legítima defesa reporta-se como sendo uma excludente de antijuridicidade e assim como o exercício regular de direito, afasta a responsabilidade civil do autor do dano.

Seu conceito vem do Direito Penal e ocorre quando o agente, repelindo injusta ou eminente agressão, repela-a, através dos meios necessários e de forma moderada. Portanto, deve restar provado os seguintes elementos[11]: iniciativa da agressão advinda de outra pessoa; ausência de provocação da vítima que legitimamente se defende; ameaça atual ou eminente; reação equivalente à agressão; a agressão deve ter sido injusta.

Em conformidade com as explanações mencionadas, percebe-se que, em sendo comprovado que o menor causara danos a terceiros, quando agia em legítima defesa, afastada estará a obrigação de indenizar. Tal fato ocorre porque, só se indeniza os prejuízos advindos de atos ilícitos e a legítima defesa exclui a ilicitude da ação.

1.10Estado de necessidade

O estado de necessidade ocorre quando alguém age para salvar de perigo atual, que não se poderia evitar de uma outra forma, e do qual não fora o causador, direito próprio ou alheio. O ordenamento jurídico autoriza esta violação de um direito alheio como forma de evitar um mal maior.

Dir-se-á ainda, que o estado de necessidade também é excludente de ilicitude, e por sua vez, tem previsão legal a teor do art. 23, I, do Código Penal.

Percebe-se que o artigo supramencionado estabelece não haver crime, caso o agente pratique o ato sob esse estado, punindo-se tão somente, o eventual excesso, culposo ou doloso.

Insta aferir ainda, que o Código Civil prevê a exceção escusativa de responsabilidade civil no artigo 188, II, momento em que se afasta a ilicitude dos atos que acarretam a deterioração ou destruição de coisa alheia, a fim de remover o perigo eminente.

A autorização legal estabelece limites, pois o ato somente será ilícito se as circunstâncias demonstrarem sua absoluta necessidade, sem exceder os limites indispensáveis à remoção do perigo. [12]:

Faz-se necessário colacionar o que leciona Giselda Maria Fernandes Novaes[13], a respeito do estado de necessidade: visto por essas angulações doutrinárias, não fica difícil compreender que o estado de necessidade revela a produção de um ato necessário sim, mas que embora isto, não deixa de ser um ato ilícito originalmente. Apenas, como que por 'magia' legislativa (se é possível assim dizer), a ilicitude é afastada criando, dessa sorte, a excepcionalização à responsabilidade do autor do ato, para o efeito afinal de excluir o correspondente dever de indenizar.

Desta feita, verifica-se de forma cristalina que o estado de necessidade ocorre, quando o agente se vê colocado numa alternativa irrefugável e, com o escopo de preservar a coisa própria, é compelido a optar pelo sacrifício da coisa alheia, além do mais, o dano é único meio de que dispõe para escapar do perigo.

1.11Reflexões acerca da menoridade

De acordo com o que se extrai do atual Código Civil, percebe-se que este se à incapacidade natural englobando a menoridade, a causa natural de incapacidade por excelência.

Todavia, não se pode obrigar os genitores a exercer a vigilância sob os filhos, sob a alegativa de que estes são menores, mas sim, em decorrência de não gozarem de capacidade natural para exercer certos atos que possam causar danos a terceiros. Sendo assim, é válido acrescentar que a obrigação de vigilância tem, portanto, um conteúdo concreto, dependente da personalização e da idade do menor, bem como das circunstâncias do caso e do tipo de ato em casa.

Aduz-se que no ordenamento jurídico pátrio, em decorrência do advento do atual Diploma Civil, tanto a maioridade, como a imputabilidade inicia-se aos 18 (dezoito) anos. De qualquer forma, as disposições concernentes à responsabilidade dos pais por atos dos filhos são aplicadas independentemente destas situações.

Saliente-se que, é em decorrência da premissa citada, que se apóiam os defensores da responsabilização dos pais de menores, independentemente de culpa destes – pois em virtude da inimputabilidade, parecem mais perigosos para terceiros, eis que em seus atos não incorre a presunção de culpa das pessoas obrigadas à vigilância de outrem.

No que tange ao instituto da menoridade, é necessário que verifique algumas nuances contempladas no Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA. Neste sentido, citar-se-á o que pondera Jason Albegaria[14], a respeito do assunto em estudo: o art. 116 do Estatuto prevê a obrigação de reparar o dano nos delitos contra o patrimônio. Também esta medida visa um fim educativo. Tanto a restituição material como a indenização objetivam despertar e desenvolver o senso de responsabilidade do menor em face do outro e do que é seu. Ensina essa medida, ao menor, dominar seu sentimento de cobiça e ganância, em face das conseqüências do ilícito.

Desta feita acrescenta-se que em decorrência do advento de novos Diplomas Legais, em especial o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, e enquanto o atual Código Civil não atingia a sua vigência, os adolescentes com idade próxima à maioridade ficavam numa verdadeira zona cinzenta do direito, em que, embora fossem às vezes reprimidos em suas legítimas aspirações, no mais das vezes eram beneficiados por uma proteção exagerada[15].


[1]http://www.direitoemdebate.net/publicar.html (acesso em julho/2007)

[2] BEGALLI, Paulo Antônio. Responsabilidade Civil dos pais por atos de filhos menores. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.88.

[3] LEVENHAGEN, Antônio José de Sousa. Código Civil Comentado. São Paulo: Atlas, 1986, p. 243.

[4] No caso vertente, entendido como sendo um poder-dever.

[5] Art. 244 - Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo:

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente no País.

Parágrafo único - Nas mesmas penas incide quem, sendo solvente, frustra ou ilide, de qualquer modo, inclusive por abandono injustificado de emprego ou função, o pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada.

[6] AGUIAR DIAS, José de. Da Responsabilidade Civil. 10ª. ed, Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 569.

[7] LIBERATO, Tito Roberto. Da responsabilidade dos pais pelos atos dos filhos menores. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1987, dissertação de mestrado em Direito Civil, p. 124.

[8] PORTO, Mário Moacyr. Responsabilidade civil por fato ou ato de terceiro. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 650, p. 59.

[9] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro. 5ª. Ed. São Paulo. Saraiva, pág. 79.

[10] MONTENEGRO FILHO, Misael. Responsabilidade civil no novo Código Civil brasileiro. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, n. 229, p. 119, jul.-set./2002.

[11] BEGALLI, Paulo Antônio. Responsabilidade Civil dos pais por atos de filhos menores. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.101.

[12] AGUIAR DIAS, José de. Op. Cit. P. 675.

[13] NOVAES HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes. Responsabilidade Civil: circunstâncias naturalmente, legalmente e convencionalmente escusativas do dever de indenizar o dano. In atualidades jurídicas – Coordenação Maria Helena Diniz. São Paulo: saraiva, 1999, p. 150.

[14] ALBEGARIA, Jason. Comentários ao estatuto da Criança e do Adolescente. Rio de Janeiro: AIDE, 1991, p. 123.

[15] BEGALLI, Paulo Antônio. Responsabilidade Civil dos pais por atos de filhos menores. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.103.