Ao iniciar a leitura, é possível encontrar a justificativa de AUGRAS (1970) para a pesquisa em questão. Segundo ela, conceitos considerados apreendidos acabam por se revelarem ambíguos, vagos e indeterminados, quando o investigador levanta um questionamento sobre eles. E é para transcender aos equívocos gerados por esta questão que a autora realiza este trabalho e publica Opinião pública.Tal problemática se confirma no trecho do texto: "No nível individual, opinião confunde-se com atitude. No nível coletivo, aparece como entidade mítica: a opinião pública é o sentimento do povo", (AUGRAS, 1970, 12).

Na tentativa de encontrar um conceito para opinião pública, AUGRAS (1970) faz um resgate histórico do seu surgimento e trajetória. Ela recorda que, nos fins do século V a. C. , em Atenas, Grécia, surgem os líderes de opinião, homens políticos que conduziam o povo, mulheres e escravos não faziam parte deste grupo. A sistemática romana é idêntica. Já nas Cruzadas, ocorridas na Europa, durante a Idade Média, surgem as propagandas que serviam para recrutar homens e angariar fundos para as investidas, onde as opiniões diversas eram consideradas heresias e reprimidas. No Renascimento, ganha destaque o indivíduo e, com isso, o direito de diversidade de opinião. No entanto, no plano político, que surge o demagogo, que procura conquistar a opinião do povo e dele ser o representante, quem por vezes acaba sendo manipulador. Em 1789, verifica-se, durante a Revolução Francesa, que a opinião proclamada como sendo a do povo pertencia, na verdade, a um pequeno grupo que estava no poder. No século XIX, ocorre a primeira revolução industrial e surge a imprensa e o foco passa para os problemas sociais e econômicos. Com o século XX, tem-se a democracia moderna e as novas técnicas de manipulação de opiniões; a opinião pública serve para avaliar os atos governamentais. É o que expressa a autora: "Na era das comunicações de massa, a massa teria condições de informar o governo sobre as repercussões de seus atos, num processo continuo de feedback," (AUGRAS, 1970, 15).

Mas AUGRAS (1970) opta por tomar como base a concepção de BERGER (1957) sobre o assunto: "... a opinião é um fenômeno social. Existe apenas em relação a um grupo, é um dos modos de expressão desse grupo e difunde-se utilizando as redes de comunicação do grupo," (AUGRAS, 1970, 16).

Ela expressa ainda a necessidade de abandonar o entendimento da opinião pública como se fosse uma entidade mítica e, em seu lugar, dedicar-se a estudar as modalidades da opinião dinâmica, mais próxima da conscientização. E para isso investiga os fatores que a influenciam: fatores psicológicos, sociológicos e históricos.

Para o esclarecimento do primeiro deles, o psicológico, AUGRAS (1970) diferencia dois termos normalmente tidos como sinônimos: a opinião, que se relaciona a crenças e ideologias, e a atitude, que se refere a um aspecto mais concreto. Mas é relevante considerar que a opinião expressa, sobretudo, aspectos afetivos. E a idealização segue estes mesmos mecanismos: ao idealizar o seu próprio grupo ou outro, cria-se estereótipos. Assim, fatores afetivos e não racionais influenciam as opiniões e podem levar à ação.

Dentro dos fatores sociológicos, ela estuda os econômicos, os ecológicos e os grupos. Isto porque o estudo da opinião é de caráter social e deve ocorrer de forma contextualizada. De acordo com pesquisas de A. KORNHAUSER (1950 apud AUGRAS, 1970), as diferentes classes econômicas apresentam opiniões diversas, podendo ser reformistas ou conservadoras. Já em relação aos fatores ecológicos, seriam as características geográficas e climáticas que definiriam o modo de vida e a economia de uma região, fugindo à regra os grandes centros em que a tecnologia altera as condições do clima local. Por último, estão os grupos, que podem ser divididos por sexo, idade e etnia. Há sociedades em que a opinião da mulher ou do jovem perde valor em detrimento da opinião do homem ou de uma pessoa mais velha. Em relação aos grupos étnicos, a autora destaca a valorizaçãoHá social: "As pessoas de cor situam-se geralmente nas classes mais baixas da escala social. Os indivíduos vão clareando à medida que sobem. Status e cor se complementam," (AUGRAS, 1970, 42). Segundo ela, é importante a comunicação existente dentro de cada grupo, pois entre as relações destes indivíduos ocorrem processos de transmissão de informação.

Como influência do fator histórico sobre a formação de opinião, tem-se o acontecimento. Este, por sua vez, tem influência objetiva sobre as instituições e os indivíduos pertencentes a elas, o que acaba por afetar suas opiniões e atitudes, servindo como exemplo para estas as crises nacionais e as guerras. Recorre-se a A. SAUVY (1956 apud AUGRAS, 1970, 46) para compreender as deformações sofridas pela informação ao ser exposta à opinião:

 se há interesses materiais em jogo, a distorção faz-se no sentido que os favorece;

 se há paixões em jogo, o desvio vai no sentido de justificar ou reforçá-las;

 se fatos interessam à causa coletiva, reforçam a coesão do grupo;

 e, resumindo: as distorções sinceras são as mesmas que as desejadas.

Desta forma, fortalece-se a idéia de que os fatores afetivos e irracionais acabam por influenciar uma corrente de opinião. Por isso, são tão utilizados para manipular a opinião, e neste estudo têm especial atenção a persuasão e a propaganda.

Logo no início do terceiro capítulo, a autora afirma que, atualmente, a informação do indivíduo não depende exclusivamente da relação que estabelece com os seus grupos, graças à cultura de massa, à comunicação de massa.

Como meios de comunicação de massa, temos a imprensa, o rádio, o cinema e a televisão. Em todos estes meios, é possível verificar a ocorrência dos três objetivos da comunicação – divertir, formar e informar. Para AUGRAS (1970, 52), a propaganda – formação de opinião – mais eficaz é aquela utilizada nos jornais "para divertir".

Entretanto, é neste contexto que ocorre o deslocamento do indivíduo que, em um primeiro momento, lutava para ter direito de expressão e que, por fim, torna-se objeto desta causa em que ganham destaque as técnicas de manipulação de opinião e atitude. Tais técnicas são difundidas pelos meios de comunicação, que, por terem custo elevado, são dirigidos por grupos poderosos e se utilizam desta estrutura para reforçar, criar ou remover atitudes e opiniões. Muitas vezes, é muito eficaz a propaganda baseada apenas na avaliação intuitiva das motivações inconscientes, mas é importante recordar que os tópicos do Capítulo 2 deste livro dão subsídios para uma investigação não-empírica.

Ainda em relação à conquista pelo inconsciente, AUGRAS (1970, 68) escreve:

Com efeito, na medida em que se propõe a atuar através da utilização dos mecanismos inconscientes, a propaganda aparece como um conjunto de técnicas para difundir mitos. Desse ponto de vista, há pouca diferença entre a propaganda religiosa e a política. Até mesmo a publicidade – que se enquadra, como a propaganda, dentro das técnicas de persuasão de massa – tende cada vez mais a oferecer símbolos que vão insidiosamente substituir o objeto.

É certo que as campanhas publicitárias exploram os aspectos emocionais e irracionais. Como instrumento muito utilizado, têm-se os estereótipos verbais, que inibem a individual e dão a idéia de padrão entre os indivíduos de um mesmo grupo. A partir de então, o estereótipo pode ser apresentado de forma positiva ou negativa. Assim a realidade fica comprometida e há mais espaço para a distorção e para a interpretação tendenciosa.

Já no âmbito da expressão pública, têm-se dois caminhos: a não-institucionalizada – o boato, e a institucionalizada – o sufrágio. A confirmação da importância que ganha o primeiro surgiu durante a Segunda Guerra Mundial, com o problema dos boatos durante o conflito: investigadores se obrigaram a compreender o fenômeno para sua prevenção e repressão e, depois, para teorizar de forma científica sobre o assunto. A condição principal do boato é a ambigüidade, ou seja, a carência de informações seguras e objetivas. Ele ocorre em um meio social homogêneo, entre indivíduos que possuem os mesmos interesses. O sufrágio, por outro lado, seria a expressão da opinião pública que, com o voto individual, elegeria o seu representante. Mas o que se verifica é que, na maior parte dos países democráticos, o eleitorado é selecionado por fatores como idade e grau de instrução, agregando-se a isto a variação do comparecimento às urnas.

Numa segunda parte da obra, AUGRAS (1970) apresenta diferentes métodos para pesquisar a opinião pública, já que, como foi abordado anteriormente, tal opinião constitui, atualmente, objeto de desejo de grupos que detêm o poder. Segundo ela, este tipo de pesquisa utiliza a metodologia aplicada no campo das ciências sociais, podendo variar a técnica, mas permanecendo o esquema básico do trabalho científico: identificação do problema, formulação de uma hipótese e verificação da validade da mesma.

As pesquisas sobre o assunto sempre custam muito. Por isso, é difícil encontrar instituições que tenham interesse em investigar de forma objetiva a opinião pública. É freqüente que os grupos que buscam patrocinar tais pesquisas estejam interessados em evidenciar a existência de opiniões favoráveis para seus interesses, fato que vem a comprometer a estrutura e o resultado da pesquisa, visto que, se há a formulação da hipótese, os esforços serão empreendidos no sentido de confirmá-la.

Entre as técnicas clássicas de observação, destacam-se a indireta (estuda documentos) e a direta (trabalha com as pessoas); esta pode ser intensiva ou extensiva. Embora seja um trabalho diferenciado, as etapas essenciais são comuns a elas, como a definição do problema, o levantamento de dados, a formulação dos objetivos, etc.

DUVERGER (1961, 95 apud AUGRAS, 1970, 104) edita um manual sobre métodos de pesquisa em ciências sociais, e, segundo ele, os instrumentos para a realização da observação indireta,

são muitos, e bem variados, os documentos nos quais os fenômenos sociais deixam sua marca: arquivos, levantamentos estatísticos, imprensa, documentos pessoais, instrumentos e ferramentas, imagens, fotografias, filmes, discos, fitas gravadas, etc..."

Para o autor, o estudo da opinião pública não pode desconsiderar estas importantíssimas fontes de informação, pois são, praticamente, só, sobre elas que se apóiam as pesquisas históricas.

Em um trecho em que a autora é ousada, ao afirmar que o jornal expressa a opinião que seus financiadores desejariam que seus leitores tivessem, conclui que, no conteúdo da imprensa, tem-se o material necessário para a investigação das tendências das influências dos grupos de pressão. AUGRAS (1970) estende o comentário para os demais meios de comunicação de massa, cujo crescimento depende cada vez mais dos grupos financeiros que os mantêm.

No outro tipo de pesquisa por observação, a direta, tem-se como objeto de estudo os indivíduos ou grupos. As investigações são, normalmente, mais aprofundadas, levantando-se as atitudes e opiniões das pessoas, no intuito de conhecer as suas motivações e o dinamismo interno de suas atitudes e opiniões.

A observação direta intensiva utiliza a técnica de entrevista individual, que pode incluir a aplicação de testes ou questionários e no final se faz necessária a participação de um psicólogo, desde a elaboração até a interpretação dos dados coletados. É fundamental, para que este trabalho seja eficaz, que o entrevistador ganhe a confiança do entrevistado – que deve saber a dosagem certa de neutralidade e simpatia, além de ser objetivo e comunicativo.

Esta entrevista, que pode seguir a técnica psicológica, possui dois tipos, o diretivo e o não-diretivo. No primeiro, o entrevistador segue uma lista de perguntas para investigar o assunto em pauta. No segundo, a entrevista deixa que o entrevistado se expresse mais à vontade; o entrevistador tem uma lista de temas a investigar, mas serve mais como referência para as atitudes do entrevistado. Assim, o processo ocorre de forma mais espontânea.

Além da entrevista, têm-se as medidas das opiniões e atitudes. Este tipo de pesquisa procura a maior objetividade possível e vai ao encontro de um aprofundamento constante dos resultados estatísticos, que são, normalmente, apresentados em escalas explicativas.

Para a realização da observação direta extensiva, geralmente são realizados inquéritos de opinião junto à população em que se deseja estudar. Este tipo de pesquisa possui dois aspectos essenciais: a escolha da população a ser questionada (amostragem) e a elaboração do instrumento de investigação (questionário).

Para a real eficácia da pesquisa, é necessário que os seus aspectos sejam aplicados de forma rigorosa. No caso do Brasil, com a sua grande população, o inquérito deve ser aplicado por amostragem, ou seja, escolher uma parcela representativa e a partir dos dados coletados, inferir que esta é a opinião de toda a nação. Para a elaboração do questionário, é necessário a participação de uma equipe que, através das perguntas, leve em consideração fatores comopercepção, estereótipo, mecanismos de defesa, liderança, etc.

Conclusão

Apenas como forma de resgatar as impressões obtidas através da obra de AUGRAS, Opinião pública, é pertinente destacar a relevância do seu estudo, que serve como apoio para pesquisadores da área das ciências sociais.

Neste livro, AUGRAS faz um recorte histórico do processo de formação da opinião pública ao longo dos séculos. E acrescenta a estes dados os fatores que são essenciais para esta conclusão, além dos diferentes tipos de pesquisas comumente empregados para levantar o meio como isto se dá.

Mais especificamente sobre o conteúdo impresso em pouco mais de 150 páginas, é interessante destacar que os dados trazidos pela autora constituem um rico manual de consulta para o pesquisador. Entretanto, as técnicas de pesquisa devem sempre ser adequadas à realidade da população a ser pesquisada.

AUGRAS, Monique, Opinião pública. Petrópolis, Vozes, 1970.

GASTON BERGER, et. al., L'opinion publique, Université Aix-Marseille, Insitut d'Etudes Juridiques de Nice, Paris, PUF, 1957.

KORNHAUSER, A., Public opinion and social class, in "The American Journal of Sociology", col. LV, nº 4, jan. 1950, pp. 33-345.

SAUVY, Alfred, L'opinion publique, Paris, PUF, 1956.

DUVERGER, Maurice, Méthodes des sciences sociales, Paris, P. U. F., 1961, p. 95.