Octavio Ianni nasceu em Itu-SP em 1926 e faleceu em 2004, graduou-se na antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP) em Ciências Sociais onde fez também o mestrado e doutorado, foi um dos fundadores do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP). Aposentado compulsoriamente, teve seus direitos políticos cassados pelo AI-5 em 1969. Somente voltou a lecionar no Brasil em 1977 na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Exerceu sua profissão também no México, Estados Unidos, Espanha e Itália. Em suas pesquisas especializou-se na análise do populismo e do imperialismo, foi um doa sociólogos mais influentes do Brasil onde se incluiu na chamada “Escola Paulista de Sociologia” – escola encabeçada por Florestan Fernandes. No fim de sua vida criticou a nova ordem global pós-guerra Fria. Sua obra é vasta e muito significativa, é autor de Estado e Capitalismo, Industrialização e Desenvolvimento Social no Brasil, Raças e Classes Sociais no Brasil, Sociologia da Sociologia Latino-Americana, Estado e Planejamento Econômico no Brasil, entre outros.

O colapso do populismo no Brasil é lançado em 1968, ou seja, um ano antes de seus direitos políticos serem cassados no Brasil. Por este motivo não é surpreendente perceber a crítica ferrenha ao regime instalado em 1964 que, para IANNI, foi a ditadura da burguesia. Esta obra, como o próprio título alude, narra e analisa o nascimento do populismo e suas implicações e a sua posterior derrocada frente às fortes pressões externas. Assim, o autor divide seu livro em três partes, cada uma dividida em quatro capítulos. Na primeira destaca-se o nascimento do populismo e o contexto histórico em que ele surgiu, na segunda o populismo e sua faces e na última parte o seu colapso propriamente dito. Para sustentar sua tese recorreu frequentemente a transcrição das falas dos principais personagens do contexto analisado, Vargas, Juscelino, Jânio, Goulart, Julião, Arraes, Celso Furtado, San Tiago Dantas, Castelo Branco, Gobery do Couto e Silva, etc. Além disso, tabelas de dados não são economizadas para ilustrar a época e sustentar o argumento da obra, a de que o populismo do período “pós-Revolução 30” entrou em colapso por conta de seu desajuste político-econômico-ideológico com as novas relações das classes dominantes com o contexto externo na segunda metade dos anos 1960. Para IANNI: “a discussão dos problemas políticos e econômicos desse período conduzem a uma análise das razões do colapso do populismo” (p.2).

Para compreender bem como este colapso ocorreu é necessário antes conhecer as rupturas estruturais da História política e econômica, tanto em seus aspectos globais quanto parciais. Diferenciar ruptura reformista de golpe de estado, a primeira há alteração apenas dos quadros institucionais, enquanto a segunda é uma reação à ruptura reformista. Esta separação é importante na medida em que no Brasil o desenvolvimento econômico, social e político foi resultado de uma seqüência de rompimentos internos e externos, simbolizado pela industrialização acelerada e pela política de massas conhecida como populismo.

O populismo surge na fase de transição de uma civilização agrária para uma civilização urbano-industrial, fase caracterizada por manifestações de rompimentos políticos-econômicos internos e externos. Sendo as rupturas externas resultado de crises e flutuações do capitalismo mundial, como a quebra da bolsa de Nova York em 1929, crise que pôs fim a hegemonia Britânica e a substitui pela norte-americana. Desta forma, a industrialização brasileira foi antes de tudo resultado das modificações nas relações com os países hegemônicos. Por isso pode-se dividir o desenvolvimento industrial do país em três etapas, a primeira até 1930 onde a economia de tipo colonial exportadora cafeeira se distingue como principal característica. Nesta fase o capital agrícola é o fundamento do capital industrial, por isso a quebra da bolsa de Nova York foi crucial para abrir um novo capítulo na industrialização brasileira, já que os lucros do setor cafeeiro foram mortalmente afetados, abrindo caminho para uma nova etapa no desenvolvimento industrial no Brasil. Esta segunda etapa se caracterizou pela diversificação e a expansão do setor, segundo o modelo de “substituição de importações” propagado por Vargas. Entre 1930 e 1964 o Estado toma as rédeas da política econômica nacional, dando vigor ao setor industrial, são criados o BNDE, PETROBRÁS, SUDENE com o intuito de dinamizar a economia nacional. E por fim a terceira etapa onde a “internalionalização” da economia brasileira é preconizada após o golpe de Estado de 1964, modelo este que tem suas bases lançadas já no governo de Juscelino Kubitschek com o plano de metas, pois também implantou a internacionalização da economia como Modelo. Desta forma, o modelo de Vargas, ou getulista, caracteriza-se pela atuação conservadora do Estado, pelo nacionalismo, enquanto o de Juscelino se concentra na atividade reformista e dinamizadora, porém, sem conseguir eliminar as desigualdades e distorções estruturais.

Assim, a política de massas se desenvolve em concomitância com o modelo de desenvolvimento industrial de Vargas. As massas surgem com a consolidação da civilização urbana industrial e com elas as decisões políticas não poderiam ser formuladas a par de seus interesses, por isso a importância da política de massas. O nacionalismo e a participação do Estado são elementos fundamentais para o controle e delimitação das condições de atuação das classes assalariadas. Assim, é neste âmbito que se são criados o salário mínimo, a Consolidação das Leis do Trabalho e o Estatuto do Trabalhador Rural (como conseqüência da chegada do populismo ao campo) como maneiras de apaziguar as classes trabalhadoras e permitir o desenvolvimento industrial, assim a política de massas teve no Brasil uma conotação desenvolvimentista, “graças em parte à política de massas, foi possível efetivar determinadas etapas do desenvolvimento industrial” (p.61) e, “foi a democracia populista que propiciou a conciliação de interesses em benefício da industrialização e em nome do desenvolvimento nacionalista, controle e utilização da força política das classes assalariadas, desdobrou-se dos acontecimentos políticos resultantes das rupturas entre sociedade urbano-industrial e a sociedade tradicional.

A liquidação da política de massas inicia-se no governo JK com o programa de desenvolvimento econômico baseado na internacionalização dos investimentos, apesar também de ter-se apoiado na política de massas, neste sentido, segundo Ianni, o governo JK foi uma transição entre o modelo getulista e o modelo da ditadura pós 1964. A política de massas foi, então, a vida e a morte do modelo getuliano de desenvolvimento nacional. Porém, calcou-se em laços tão profundos que as diferentes propostas para o desenvolvimento do Brasil não vingaram, como a esquerdista. Além disso, esta política de massas conseguiu chegar ao campo, pois ali as mudanças nas relações de produção também se fizeram sentir, o reflexo disso é a criação do Estatuto do Trabalhador rural e o êxodo rural. Assim, apenas um outro governo pautado no carisma de seu governante conseguiu plantar as sementes do colapso da ideologia getuliana e de seu populismo.

Desta forma, no dia 1º de abril de 1964 configura-se o golpe de Estado pelo poder militar, tendo como bases de manobra a classe média sempre vulnerável e dócil às soluções autoritárias, pois a massa operária atemoriza a massa de classe média. Tal golpe só foi alcançado graças a um operação político-militar organizada para combater o comunismo e a corrupção, os militares surgem como forças decisivas, ao encaminhar, apressar e controlar o desenrolar dos acontecimentos. Isto porque o poder político e o militar fazem parte de um mesmo poder, apesar de teoricamente autônomos. “Em verdade, o golpe de 1º de abril de 1964 é o fecho do longo processo de transição do Brasil da esfera da libra esterlina para a esfera do dólar” (p.145), ele deu nova direção ao processo histórico nacional na mediada em que encerrou o desenrolar de acontecimentos que levaram o Brasil a se reintegrar à “civilização Ocidental” econômica e politicamente, a industrialização baseada na substituição de importações do padrão getuliano chegava ao fim para dar lugar à doutrina de interdependência baseado nas novas relações com o mundo capitalista encabeçado pelos Estados Unidos.

A economia brasileira ingressava em uma nova etapa da industrialização, “seu desenvolvimento econômico voltou a depender cada vez mais dos vínculos e centros de decisão externos” (p.155). O padrão getuliano sempre esteve em conflito com os interesses dos Estados Unidos, a medida que este foi adquirindo mais influência no mundo capitalista e, principalmente no Brasil, o padrão getuliano populista e nacionalista foi estreitando suas relações com o mundo cada vez mais interdependente. Assim, a inserção do Brasil neste meio só foi possível com a substituição de um modelo nacionalista por um modelo pautado na doutrina de interdependência, ou seja, de intercâmbio de capitais e empresas nacionais e estrangeiras. Isto, claro, sem se esquecer dos interesses dos países hegemônicos capitalistas que não viam com bons olhos a política externa independente e o desenvolvimento econômico autônomo preconizado pelo getulismo, pois este era uma barreira ao novo modelo.

A ideologia do desenvolvimento foi substituída, então, pela ideologia da modernização, onde alteram-se progressivamente as instituições econômicas e financeiras, políticas e educacionais. A cooperação e a competição externas passam a ser variáveis naturais e desejadas na política econômica governamental. Os líderes carismáticos passam a ser combatidos, a estrutura do poder passa a ter valoração maior, ideologicamente o Brasil sai da era dos líderes carismáticos e entra na era da tecnocracia. O poder estrutura-se unilateralmente negando as experiências históricas da era do populismo. “A própria noção de grandeza nacional fundamenta-se no sistema de dominação inerente às novas combinações das estruturas de poder” (p.197). Paulatinamente consolida-se a hegemonia da classe dominante, a burguesia industrial em detrimento da valorização das classes assalariadas pelo modelo getuliano. “A ditadura da burguesia desenvolve-se e consolida-se, em nome de uma concepção arbitrária de estabilidade social e segurança interna” (p.212).

Desta forma, o colapso do populismo no Brasil de Octavio Ianni se pauta em uma análise marxista do desenvolvimento e da derrocada do populismo no Brasil, pois utiliza o viés político-econômico e as relações sociais entre classes para explicar o desenrolar dos fenômenos ocorridos no Brasil no período 1930-1964. A tese de Ianni também pode ser comparada com a de Boris Fausto e Fernando J. Devoto Brasil e Argentina: um ensaio de história comparada (1850-2002), no capítulo 3 A construção dos dois populismos e sua crise (1937-1968) percebe-se, como na obra de Ianni, a importância dada à conjuntura político-econômico mundial para a compreensão do nascimento e da derrocada do populismo no Brasil. Um bom exemplo é a fase da democracia populista do período do governo Dutra. Dutra nunca escondeu sua simpatia pelos modelos fascistas, inclusive sua simpatia por tais modelos era mais declarada do que a de Vargas, contudo viu-se a ter que desfazer a imagem de continuísmo da ditadura de Vargas por conta da derrocada dos modelos fascistas e da concomitante vitória da democracia no plano mundial pós-guerra. Assim, o governo Dutra tinha um ar de getulismo sem Getúlio, mas optou pelo liberalismo democrático populista.

Por conseguinte, apesar da inegável tendência marxista revolucionária exemplificada pela última frase da obra: “no limite da ditadura de vocação fascista pode estar a sociedade socialista” (p.213), Octavio Ianni tem por mérito ter dado voz aos personagens históricos e de não esquecer-se das massas populares, o povo brasileiro não é mais um simples receptor de decisões tomadas por um minúsculo círculo, mas é, antes de tudo, um personagem de suma importância na construção política-social-econômica brasileira.


Referência Bibliográfica de apoio:


FAUSTO, Boris; DEVOTO, Fernando J. A construção dos dois populismos e sua crise (1937-1968). In: Brasil e Argentina: um ensaio de história comparada (1850-2002)


FAUSTO, Boris (org.). vol. III. O Brasil Republicano: Sociedade e política (1930-1964). Livro terceiro. Classes sociais e classes dirigentes.