O livro Primeira lição sobre direito, do jurista italiano Paolo Grossi, tem como objetivo trazer aos ingressantes nos cursos de direito os primeiros questionamentos fundamentais sobre a ciência jurídica. Além disso, trata de mostrar ao estudante as outras faces do direito que não aparecem no senso comum, ou seja, mostra que o direito é muito mais do que leis. Com o intuito de alcançar tais objetivos o autor divide o livro em duas partes: a primeira O que é o Direito? e a segunda A vida do Direito. A linguagem utilizada é simples e muito acessível sem erudições e excesso de termos técnicos, o que torna a leitura agradável, principalmente para quem inicia o caminho nas ciências jurídicas.

Na primeira parte do livro, O que é o direito?, Grossi mostra que o direito não apenas um conjunto de leis às quais as pessoas devem obedecer. O direto não é pura e simplesmente um conjunto de signos sensíveis, apesar de usá-los para se comunicar, pertence antes de tudo ao âmbito imaterial da sociedade. E é esta imaterialidade que o torna misterioso para o homem comum (p.1), para este o direito não passa de comandos autoritários aos quais deve obedecer passivamente. Para o homem comum o direito aparece na forma de sanções e coerções que caracterizam uma realidade hostil, para Grossi isto é um “risco provável de uma separação entre direito e sociedade” (p.2).

O fato do direito ter se tornado tão hostil aos olhos da sociedade é resultado da história jurídica da Europa continental nos últimos duzentos anos. O poder político tendo como centro o Estado trouxe esta idéia totalizante de um poder que controla toda manifestação social. A lei passa a ser a expressão do poder soberano e, como tal, deve ser respeitada não pelo seu conteúdo, mas por seu caráter sagrado. Os juristas passam a ser “sacerdotes” da lei, do poder legislativo. O autor lamenta profundamente este fato e instiga o estudante a não seguir os passos destes juristas. O texto legislativo não é imóvel e fechado como pregam esses juristas servis, e muito menos sem história. Continuar alimentando esta situação tornará o direito estranho não somente ao homem comum como a toda a sociedade, pois o direito ficará fora do contexto histórico.

Entretanto, felizmente segundo Grossi, hoje alguns juristas mais sensíveis e abertos (p.6) propõem um resgate do direito, trazem à tona a humanidade do direito, ou seja, este como parte da sociedade. O direito é construído pelos homens, assim, também está contido na história humana e surge como resultado da relação entre os sujeitos, portanto deve ser compreendido em sua relatividade.

Segundo Grossi onde quer que haja encontro de homens pode haver direito, porém nem toda manifestação social é jurídica (p.9). Direito aparece quando espontaneamente os homens se organizam e observam as regras do ordenamento. Desta forma o direito não está necessariamente ligado às instituições ou entidades políticas, liga-se em primeiro lugar à sociedade e não ao Estado. O autor enfatiza a idéia de direito como organização do social, pois traz ao direito seu caráter ordenador, sua essência social, ou seja, seu produtor não é o Estado, mas a sociedade. A violência associada ao direito que afasta o homem comum deixa de ter sentido, pois o sujeito passa a ser protagonista da produção do direito. Nas palavras de Grossi: “E então o direito, que aparece como terrificante para o homem comum porque ligado à imagem terrível do juiz e do policial, revela pertencer à própria natureza da sociedade e estar inscrito nas suas estruturas mais secretas” (p.13).

Assim, o direito é definido como ordenamento observado. Porém, a simples observância passiva das regras sociais não evidencia o caráter do direito, pelo contrário, reflete o lado patológico do direito. A observância se fundamenta na consciência do valor que ordena e sustenta a sociedade, os valores, os costumes que dão face às comunidades humanas. Por conseguinte, ter consciência do seja a observância das normas também é compreender a relatividade dos valores sociais, pois são frutos de uma longa construção histórica. Entretanto, a instrumentalização do direito realizada nos últimos duzentos anos descaracterizou o papel do direito na sociedade, Grossi afirma que isto é uma verdadeira desfiguração do direito e de sua verdadeira função. “O direito é talvez o modo mais significativo que uma comunidade tem de viver a sua história” (p.18). O direito vem antes mesmo da sociedade e só se transforma em regra imperativa ao se inserir em um aparato de poder (p.20).

Neste sentido o direito pode ser comparado com a linguagem, pois a observância das regras do direito e da linguagem se faz pela crença na eficácia das mesmas e não por imposição. Assim, constituem-se como complexos institucionais que se organizam de forma espontânea de auto-organização, porém a essência do direito se diluiu com o monopólio do Estado sobre a vida social. A comparação entre língua e direito pode ajudar a reencontrar o verdadeiro papel do direito. Desta forma, Grossi propõe o resgate do pluralismo do direito como fruto da sociedade em detrimento do monismo do direito imposto pelo poder do Estado.

Esta separação entre direito e sociedade não é mais possível, pois o Estado estáem crise. Oabsolutismo jurídico não é mais compatível com uma sociedade pluralista como a atual, a globalização jurídica é visível e não se pode separar mais o direito da vida e da história.

Na segunda parte do livro, A vida do Direito, Paolo Grossi ressalta a historicidade do direito e a corrobora expondo uma breve história do direito, sua construção e características principais ao longo do tempo. Além disso, traz à tona o caráter social do direito e sua profunda relação com o meio ao qual aparece.O direito não é nunca uma nuvem que flutua sobre uma paisagem histórica. É ele mesmo paisagem, ou, se preferirmos, seu componente e tipificador” (p.35). A criação do direito não se resume a promulgação de leis, a aplicação destas, as interpretações, são direito e pertencem à realidade histórica.

O autor subdivide a história do direito em “eras”, a primeira delas é a Idade Antiga representada pelo “Direito Romano”.  “O direito é tão velho quanto o mundo” (p.37), porém foi neste período que surgem as civilizações culturalmente mais refinadas e com elas um direito mais elaborado, são as chamadas civilizações jurídicas. O Direito Romano é de profundo interesse para nós por ter se constituído nesta civilização a gramática do direito, pois o direito existia muito antes de Roma. A ciência do direito, seu aparato metodológico e um autêntico pensamento jurídico surge em Roma e é isto que a difere das demais comunidades da época em relação ao direito. Os juristas ou os homens da doutrina traduziam para o plano jurídico a política unitária romana e o individualismo refletido no ter, no patrimônio. O direito romano, principalmente o patrimonialista, será utilizado pela burguesia séculos mais tarde com o intuito de conservar a ordem social.

A segunda era se dá na Idade Média com o “Direito Comum”. O direito individualista e patrimonialista de Roma se contrapõe ao corporativismo e integralismo religioso medieval (p.42), por essa razão aquele é muito mais valorizado e aclamado pela modernidade. Entretanto, o direito medieval é de extrema importância quando se pretende compreender a experiência jurídica sem Estado, assim poder visualizar a relação entre a sociedade e o direito de forma mais clara. O direito se torna particular, porém a ciência jurídica se torna mais complexa, pois os costumes eram difusos e difíceis de serem interpretados. “O direito comum é obra plurissecular de uma ordem de juristas laboriosa e sensível” (p.47). Sua crise ocorre, porém, por conta da falta de centralidade, não havia certeza no direito comum e seu estudo extremamente complicado.

A terceira era histórica do direito é a Idade Moderna e a dicotomia entre “Civil Law” e “Common Law”. Grossi destaca o Estado como principal elemento que caracteriza este período e traça o caminho que desembocou neste monopólio do direito pelo Estado. A função legislativa que cabia ao príncipe passa a se vincular cada vez mais à dimensão política e centralizada. Aos poucos o Estado vai se soerguendo como detentor do poder político e com ele a monopolização do direito, da ordem social. A Revolução Francesa termina em 1789 a disciplinarização das regras sociais com a codificação do direito, nas palavras de Grossi “todo direito, a começar pelo mais indomado, o direito civil, foi aprisionado em milhares de artigos organicamente sistematizados” (p.51). O que ocorreu nesta era foi a triste tentativa de por o Estado como detentor exclusivo da ordem jurídica, tentou-se imobilizar o direito como se este estivesse apartado da sociedade. O Estado burguês com sua pseudodemocracia se utiliza do discurso jurídico como forma de subjugar a consciência coletiva, o princípio da legalidade é a todo instante exaltado de modo a conter a consciência de que o direito é fruto da sociedade.

Na modernidade dois tipos principais de organização jurídica se constituíram na Europa: o civil law e common law. O civil law são representados pelos grandes Estados da Europa continental e common law pela Inglaterra e suas colônias.

O common law prima pela continuidade e, segundo Grossi, “bate nele um coração medieval” (p.55). Nele o direito é coisa de jurista e o direito canônico não é secundário. Mas, o que mais chama a atenção é o fato de haver uma profunda desconfiança em relação ao direito escrito: “o Reino Unido não apenas não tem códigos, mas não têm nem mesmo uma Constituição escrita” (p.56).

A quarta “era” é a atual Globalização Jurídica com suas rupturas e continuidades, o século XX é um século de transição. A civilização moderna se tornou a sociedade de massas, e a diversidade democrática e liberal mostra-se violenta e repressiva, ou seja, a nova realidade tornou-se muito mais diversa e complexa. Deste modo, os Códigos e leis gerais que refletiam a ordem burguesa se tornam obsoletos e o Estado não consegue mais ordenar um crescimento social tão intenso. Assim, os cidadãos não percebem o vínculo entre o Estado e o poder político. A Constituição entra em cena na tentativa de ligar os cidadãos aos órgãos estatais e essa se transforma na imagem da sociedade, passa a representar “o primado da sociedade sobre o Estado” (p.60).

Mas a principal característica da sociedade atual é a formação de organismos supranacionais que visam suprir as novas necessidades da realidade globalizada. Instrumentos jurídicos renovados são utilizados de modo a disciplinar essa complexidade político-social e jurídica.

Em um segundo momento desta parte do livro Grossi destaca a importância do território para o direito. Isto se deve ao fato do Estado deter a soberania em um determinado limite territorial. Destarte, apesar da globalização, a projeção mundial da política só se resolve na soma de territórios (p.63). E o direito surge como unificador dos territórios na medida em que promove certo absolutismo jurídico.

Entretanto, esta visão puramente estatalista da sociedade não consegue suprir as exigências da nova realidade. Isto ocorre porque o direito não abarca somente a realidade material, mas se projeta imaterialmente nas relações entre homens. Por conta disso o direito se torna cada vez mais maleável, flexível. Por conta destas características da atualidade o sistema jurídico do civil law sofre uma grande crise por reduzir o direito ao escrito no papel.

O Direito Natural, apesar de ter sido considerado em desuso, às vezes teima em aparecer sob formas de posicionamentos acríticos, absolutos e preconceituosos. Neste sentido, o autor alerta o leitor a se prevenir de tais discursos que em geral afirmam conter a verdade e a justiça. O juspositivismo deve ser posto, assim, em confronto dialético ao direito natural, pois, ao contrário deste, representa o direito posto, da lei. Muitas vezes o jusnaturalismo serve como critério ao juspositivismo, emprestando-lhe legitimidade e sentido. Desta forma, deve-se atentar para tal questão para se evitar ingênuos discursos.

O Estado de Direito e a Constituição aparecem de forma a garantir a liberdade dos cidadãos, porém dentro de um limite gerido pela Lei. A Constituição ordena a sociedade juridicamente e constitui-se em texto legal. Assim, o Estado de Direito pode ser resumido em um modelo de Estado que tem a Lei como absoluta e, a Constituição é a Lei suprema. Mas, Grossi afirma que o jurista não deve se deixar enganar por este monopólio da lei e do Estado, pois a sociedade atual passa por profundas transformações. O papel dos juízes, principalmente, torna-se ativo diante de uma tal realidade, o direito vivo se contrapõe ao direito textual e a ciência jurídica ganha importância.

Paolo Grossi assim entende a importância da compreensão do direito como direito vivo: “Quem o tomo como norma, como comando, é levado a valorizar o momento e a qualidade do comando, deixando de lado, como apêndice passivo e irrelevante (ou quase), o distender-se da regra no tempo e no espaço”(p.90). Por conseguinte, o costume também deve se incluir entre as fontes do direito, pois reflete a consciência coletiva, o direito conservado e observado, é o direito que se prolonga no tempo e, por isso, evidencia o direito em seu estado mais puro. Neste contexto pluralizado a função do interprete/aplicador da lei se converte em uma tarefa difícil, porém imprescindível. Interpretar o texto exige conhecimento não somente da lei, mas das relações sociais e do direito como parte da sociedade. E a consciência por parte dos juristas que os homens comuns também são sujeitos de direito e podem, assim, também poder compreender o fenômeno jurídico.  

O livro Primeira lição sobre direito, do jurista italiano Paolo Grossi, tem como objetivo trazer aos ingressantes nos cursos de direito os primeiros questionamentos fundamentais sobre a ciência jurídica. Além disso, trata de mostrar ao estudante as outras faces do direito que não aparecem no senso comum, ou seja, mostra que o direito é muito mais do que leis. Com o intuito de alcançar tais objetivos o autor divide o livro em duas partes: a primeira O que é o Direito? e a segunda A vida do Direito. A linguagem utilizada é simples e muito acessível sem erudições e excesso de termos técnicos, o que torna a leitura agradável, principalmente para quem inicia o caminho nas ciências jurídicas.

Na primeira parte do livro, O que é o direito?, Grossi mostra que o direito não apenas um conjunto de leis às quais as pessoas devem obedecer. O direto não é pura e simplesmente um conjunto de signos sensíveis, apesar de usá-los para se comunicar, pertence antes de tudo ao âmbito imaterial da sociedade. E é esta imaterialidade que o torna misterioso para o homem comum (p.1), para este o direito não passa de comandos autoritários aos quais deve obedecer passivamente. Para o homem comum o direito aparece na forma de sanções e coerções que caracterizam uma realidade hostil, para Grossi isto é um “risco provável de uma separação entre direito e sociedade” (p.2).

O fato do direito ter se tornado tão hostil aos olhos da sociedade é resultado da história jurídica da Europa continental nos últimos duzentos anos. O poder político tendo como centro o Estado trouxe esta idéia totalizante de um poder que controla toda manifestação social. A lei passa a ser a expressão do poder soberano e, como tal, deve ser respeitada não pelo seu conteúdo, mas por seu caráter sagrado. Os juristas passam a ser “sacerdotes” da lei, do poder legislativo. O autor lamenta profundamente este fato e instiga o estudante a não seguir os passos destes juristas. O texto legislativo não é imóvel e fechado como pregam esses juristas servis, e muito menos sem história. Continuar alimentando esta situação tornará o direito estranho não somente ao homem comum como a toda a sociedade, pois o direito ficará fora do contexto histórico.

Entretanto, felizmente segundo Grossi, hoje alguns juristas mais sensíveis e abertos (p.6) propõem um resgate do direito, trazem à tona a humanidade do direito, ou seja, este como parte da sociedade. O direito é construído pelos homens, assim, também está contido na história humana e surge como resultado da relação entre os sujeitos, portanto deve ser compreendido em sua relatividade.

Segundo Grossi onde quer que haja encontro de homens pode haver direito, porém nem toda manifestação social é jurídica (p.9). Direito aparece quando espontaneamente os homens se organizam e observam as regras do ordenamento. Desta forma o direito não está necessariamente ligado às instituições ou entidades políticas, liga-se em primeiro lugar à sociedade e não ao Estado. O autor enfatiza a idéia de direito como organização do social, pois traz ao direito seu caráter ordenador, sua essência social, ou seja, seu produtor não é o Estado, mas a sociedade. A violência associada ao direito que afasta o homem comum deixa de ter sentido, pois o sujeito passa a ser protagonista da produção do direito. Nas palavras de Grossi: “E então o direito, que aparece como terrificante para o homem comum porque ligado à imagem terrível do juiz e do policial, revela pertencer à própria natureza da sociedade e estar inscrito nas suas estruturas mais secretas” (p.13).

Assim, o direito é definido como ordenamento observado. Porém, a simples observância passiva das regras sociais não evidencia o caráter do direito, pelo contrário, reflete o lado patológico do direito. A observância se fundamenta na consciência do valor que ordena e sustenta a sociedade, os valores, os costumes que dão face às comunidades humanas. Por conseguinte, ter consciência do seja a observância das normas também é compreender a relatividade dos valores sociais, pois são frutos de uma longa construção histórica. Entretanto, a instrumentalização do direito realizada nos últimos duzentos anos descaracterizou o papel do direito na sociedade, Grossi afirma que isto é uma verdadeira desfiguração do direito e de sua verdadeira função. “O direito é talvez o modo mais significativo que uma comunidade tem de viver a sua história” (p.18). O direito vem antes mesmo da sociedade e só se transforma em regra imperativa ao se inserir em um aparato de poder (p.20).

Neste sentido o direito pode ser comparado com a linguagem, pois a observância das regras do direito e da linguagem se faz pela crença na eficácia das mesmas e não por imposição. Assim, constituem-se como complexos institucionais que se organizam de forma espontânea de auto-organização, porém a essência do direito se diluiu com o monopólio do Estado sobre a vida social. A comparação entre língua e direito pode ajudar a reencontrar o verdadeiro papel do direito. Desta forma, Grossi propõe o resgate do pluralismo do direito como fruto da sociedade em detrimento do monismo do direito imposto pelo poder do Estado.

Esta separação entre direito e sociedade não é mais possível, pois o Estado estáem crise. Oabsolutismo jurídico não é mais compatível com uma sociedade pluralista como a atual, a globalização jurídica é visível e não se pode separar mais o direito da vida e da história.

Na segunda parte do livro, A vida do Direito, Paolo Grossi ressalta a historicidade do direito e a corrobora expondo uma breve história do direito, sua construção e características principais ao longo do tempo. Além disso, traz à tona o caráter social do direito e sua profunda relação com o meio ao qual aparece.O direito não é nunca uma nuvem que flutua sobre uma paisagem histórica. É ele mesmo paisagem, ou, se preferirmos, seu componente e tipificador” (p.35). A criação do direito não se resume a promulgação de leis, a aplicação destas, as interpretações, são direito e pertencem à realidade histórica.

O autor subdivide a história do direito em “eras”, a primeira delas é a Idade Antiga representada pelo “Direito Romano”.  “O direito é tão velho quanto o mundo” (p.37), porém foi neste período que surgem as civilizações culturalmente mais refinadas e com elas um direito mais elaborado, são as chamadas civilizações jurídicas. O Direito Romano é de profundo interesse para nós por ter se constituído nesta civilização a gramática do direito, pois o direito existia muito antes de Roma. A ciência do direito, seu aparato metodológico e um autêntico pensamento jurídico surge em Roma e é isto que a difere das demais comunidades da época em relação ao direito. Os juristas ou os homens da doutrina traduziam para o plano jurídico a política unitária romana e o individualismo refletido no ter, no patrimônio. O direito romano, principalmente o patrimonialista, será utilizado pela burguesia séculos mais tarde com o intuito de conservar a ordem social.

A segunda era se dá na Idade Média com o “Direito Comum”. O direito individualista e patrimonialista de Roma se contrapõe ao corporativismo e integralismo religioso medieval (p.42), por essa razão aquele é muito mais valorizado e aclamado pela modernidade. Entretanto, o direito medieval é de extrema importância quando se pretende compreender a experiência jurídica sem Estado, assim poder visualizar a relação entre a sociedade e o direito de forma mais clara. O direito se torna particular, porém a ciência jurídica se torna mais complexa, pois os costumes eram difusos e difíceis de serem interpretados. “O direito comum é obra plurissecular de uma ordem de juristas laboriosa e sensível” (p.47). Sua crise ocorre, porém, por conta da falta de centralidade, não havia certeza no direito comum e seu estudo extremamente complicado.

A terceira era histórica do direito é a Idade Moderna e a dicotomia entre “Civil Law” e “Common Law”. Grossi destaca o Estado como principal elemento que caracteriza este período e traça o caminho que desembocou neste monopólio do direito pelo Estado. A função legislativa que cabia ao príncipe passa a se vincular cada vez mais à dimensão política e centralizada. Aos poucos o Estado vai se soerguendo como detentor do poder político e com ele a monopolização do direito, da ordem social. A Revolução Francesa termina em 1789 a disciplinarização das regras sociais com a codificação do direito, nas palavras de Grossi “todo direito, a começar pelo mais indomado, o direito civil, foi aprisionado em milhares de artigos organicamente sistematizados” (p.51). O que ocorreu nesta era foi a triste tentativa de por o Estado como detentor exclusivo da ordem jurídica, tentou-se imobilizar o direito como se este estivesse apartado da sociedade. O Estado burguês com sua pseudodemocracia se utiliza do discurso jurídico como forma de subjugar a consciência coletiva, o princípio da legalidade é a todo instante exaltado de modo a conter a consciência de que o direito é fruto da sociedade.

Na modernidade dois tipos principais de organização jurídica se constituíram na Europa: o civil law e common law. O civil law são representados pelos grandes Estados da Europa continental e common law pela Inglaterra e suas colônias.

O common law prima pela continuidade e, segundo Grossi, “bate nele um coração medieval” (p.55). Nele o direito é coisa de jurista e o direito canônico não é secundário. Mas, o que mais chama a atenção é o fato de haver uma profunda desconfiança em relação ao direito escrito: “o Reino Unido não apenas não tem códigos, mas não têm nem mesmo uma Constituição escrita” (p.56).

A quarta “era” é a atual Globalização Jurídica com suas rupturas e continuidades, o século XX é um século de transição. A civilização moderna se tornou a sociedade de massas, e a diversidade democrática e liberal mostra-se violenta e repressiva, ou seja, a nova realidade tornou-se muito mais diversa e complexa. Deste modo, os Códigos e leis gerais que refletiam a ordem burguesa se tornam obsoletos e o Estado não consegue mais ordenar um crescimento social tão intenso. Assim, os cidadãos não percebem o vínculo entre o Estado e o poder político. A Constituição entra em cena na tentativa de ligar os cidadãos aos órgãos estatais e essa se transforma na imagem da sociedade, passa a representar “o primado da sociedade sobre o Estado” (p.60).

Mas a principal característica da sociedade atual é a formação de organismos supranacionais que visam suprir as novas necessidades da realidade globalizada. Instrumentos jurídicos renovados são utilizados de modo a disciplinar essa complexidade político-social e jurídica.

Em um segundo momento desta parte do livro Grossi destaca a importância do território para o direito. Isto se deve ao fato do Estado deter a soberania em um determinado limite territorial. Destarte, apesar da globalização, a projeção mundial da política só se resolve na soma de territórios (p.63). E o direito surge como unificador dos territórios na medida em que promove certo absolutismo jurídico.

Entretanto, esta visão puramente estatalista da sociedade não consegue suprir as exigências da nova realidade. Isto ocorre porque o direito não abarca somente a realidade material, mas se projeta imaterialmente nas relações entre homens. Por conta disso o direito se torna cada vez mais maleável, flexível. Por conta destas características da atualidade o sistema jurídico do civil law sofre uma grande crise por reduzir o direito ao escrito no papel.

O Direito Natural, apesar de ter sido considerado em desuso, às vezes teima em aparecer sob formas de posicionamentos acríticos, absolutos e preconceituosos. Neste sentido, o autor alerta o leitor a se prevenir de tais discursos que em geral afirmam conter a verdade e a justiça. O juspositivismo deve ser posto, assim, em confronto dialético ao direito natural, pois, ao contrário deste, representa o direito posto, da lei. Muitas vezes o jusnaturalismo serve como critério ao juspositivismo, emprestando-lhe legitimidade e sentido. Desta forma, deve-se atentar para tal questão para se evitar ingênuos discursos.

O Estado de Direito e a Constituição aparecem de forma a garantir a liberdade dos cidadãos, porém dentro de um limite gerido pela Lei. A Constituição ordena a sociedade juridicamente e constitui-se em texto legal. Assim, o Estado de Direito pode ser resumido em um modelo de Estado que tem a Lei como absoluta e, a Constituição é a Lei suprema. Mas, Grossi afirma que o jurista não deve se deixar enganar por este monopólio da lei e do Estado, pois a sociedade atual passa por profundas transformações. O papel dos juízes, principalmente, torna-se ativo diante de uma tal realidade, o direito vivo se contrapõe ao direito textual e a ciência jurídica ganha importância.

Paolo Grossi assim entende a importância da compreensão do direito como direito vivo: “Quem o tomo como norma, como comando, é levado a valorizar o momento e a qualidade do comando, deixando de lado, como apêndice passivo e irrelevante (ou quase), o distender-se da regra no tempo e no espaço” (p.90). Por conseguinte, o costume também deve se incluir entre as fontes do direito, pois reflete a consciência coletiva, o direito conservado e observado, é o direito que se prolonga no tempo e, por isso, evidencia o direito em seu estado mais puro. Neste contexto pluralizado a função do interprete/aplicador da lei se converte em uma tarefa difícil, porém imprescindível. Interpretar o texto exige conhecimento não somente da lei, mas das relações sociais e do direito como parte da sociedade. E a consciência por parte dos juristas que os homens comuns também são sujeitos de direito e podem, assim, também poder compreender o fenômeno jurídico.