UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste do Paraná

GERALDI, João Wanderley. Portos de Passagem. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.[1]

Adriana Kelly Tcatch Marcon[2]

João Wanderley Geraldi, em sua obra intitulada “Portos de Passagem”, realiza um estudo reflexivo acerca das práticas do ensino da língua portuguesa na sala de aula.

A linguagem é caracterizada pela capacidade que desenvolvemos para nos expressarmos na sociedade. É por meio dela que interagimos, ou seja, nossa ideologia está embasada na competência de comunicação por meio da linguagem, seja ela verbal ou não verbal. 

A comunicação verbal compreende a linguagem que se utiliza dos vocábulos para um ato comunicacional. Já a interação não verbal é aquela que emprega outras maneiras de comunicação, como a linguagem de sinais, as placas e sinais de trânsito, a linguagem corporal, imagens, etc. É por meio da linguagem que os sujeitos se constituem enquanto seres ativos de um sistema social.

No capítulo inicial da obra, Geraldi reflete de maneira a enfatizar a interação verbal como o ambiente onde acontece a produção da linguagem bem como dos sujeitos que são, dessa maneira, instituídos pela linguagem. Com isso o autor admite que: a) a língua não está previamente acabada, como um conjunto de códigos disponíveis em que o sujeito faz apropriações para usá-la de acordo com necessidades exclusivas; b) que os sujeitos são constituídos por meio da interação e que todo o conhecimento de mundo advém desta interação; c) que as interações não acontecem em ambientes externos de um contexto social e histórico mais amplo.

Após expor seus pensamentos iniciais sobre a temática linguagem, Geraldi passa a emitir reflexões sobre a atuação, em sala de aula, do professor de língua portuguesa enquanto linga materna. Para o autor: a situação histórico-social é o lugar onde ocorrem as interações entre os sujeitos; toda interação é uma afinidade em que um eu e um tu participam; a relação interlocutiva se consolida no trabalho mútuo; s discursos produzidos são expressivos; e o trabalho social e histórico de produção de discursos produz ininterruptamente a língua enquanto sistematização aberta.

Apesar de todos os estudos, reflexões realizadas por estudiosos e até mesmo documentos prescritivos, nos dias de hoje é possível perceber que professores ainda praticam a docência de maneira a enfatizar a língua em sala de aula de modo equivocado, ou seja, ainda fazem uso de práticas pedagógicas que dispõem a língua como um sistema de códigos acabados, os quais os alunos precisam “abrir a caixinha” e se servir quando for necessário. Muitos docentes, ainda hoje, ensinam gramática por meio de nomenclaturas e “decoreba”. O resultado disso é que os alunos raramente irão conseguir aplicar tais ensinamentos, pelo fato de não terem visto como, de fato, funcionam dentro de um texto e não irão compreender o sentido produzido.

Geraldi aponta atividades que podem ser realizadas a fim de compreender as ações que se faz com a linguagem: atividades linguísticas: são aquelas praticadas nos processos interacionais, referem-se ao assunto em pauta; as atividades epilinguísticas são aquelas também presentes nos processos interacionais, e nele detectáveis, que resultam de uma reflexão que toma os próprios recursos expressivos como objeto; e ainda, atividades metalinguísticas são aquelas que tomam a linguagem como objeto não mais enquanto reflexão vinculada ao próprio processo interativo, mas falam sobre a língua.

Nos três apontamentos realizados por Geraldi, acerca de das ações de linguagem realizadas pelos sujeitos e que propiciam a este discursos com efeito de sentido, o autor aborda em seu texto exemplificações em que a linguagem é o ponto nodal da comunicação, com a produção de discursos que tenham sentido.

Baseado em Foucault, Geraldi apresenta um quadro hipotético com questões e as respectivas respostas dos alunos quando o professor lhe solicita a produção de um texto.  Os questionamentos são os seguintes: 1) Quem sou eu para lhe falar assim? 2)Quem é ele para eu lhe falar assim? 3) Quem sou (professor) para que ele me fale assim? 4)Quem é ele (aluno) para que ele me fale assim? 5)De que lhe falo eu? 6)De que ele (aluno) me fala? 7)O que ele pretende de mim falando desta forma? 8)O que o aluno pretende de si próprio falando assim?

Para finalizar as reflexões deste capítulo, Geraldi afirma que as utilizações da linguagem nas diferentes esferas sociais apresentam distintos graus de funcionamento de domínio da língua.

No segundo capítulo do livro, Identidade e Especificidades do Ensino de Língua, o autor aborda a questão de que é necessário que o professor de língua portuguesa entenda que a pesquisa cientifica não é um mero modismo e sim um desejo de que questões obscuras sejam reveladas. E que quando alguma novidade produzida pela ciência chega até o ambiente escolar, não quer dizer que tudo mudou ou que estava errado.

O autor atenta para o fato de que é preciso se afastar da ingenuidade e compreender que os estudos sempre têm iluminações novas e que as pesquisas não acabam e que fazer ciência e estudar linguagem não é um processo que tem final definido por este ou aquele resultado de estudo. Além disso, o autor faz com que o docente reflita sobre a existência e a necessidade de uma diferenciação entre conteúdo de ensino e resultado de investigação científica.  

Geraldi questiona sobre quem é o profissional professor, tendo em vista que por um lado ele é o sujeito que detém o conhecimento, ou seja, é o produto do trabalho científico. Mesmo que não seja ele mesmo o produtor de conhecimentos, é necessário que o professor esteja sempre atento às últimas descobertas científicas.

Por outro lado, é preciso que o professor seja capaz de articular a transmissão desses conhecimentos, é preciso articular um eixo ao outro para que se constitua o conteúdo de ensino.

Mais adiante a obra Portos de Passagem apresenta a caracterização de três diferentes identidades para o professor e salienta que tais identidades podem coexistir numa mesmo período histórico. São elas: pela produção de conhecimentos; pela transmissão de conhecimentos; e pelo controle da aprendizagem.

No subitem O texto como parte do conteúdo de ensino, Geraldi aborda a questão do texto na sala de aula, seja para a finalidade de leitura ou a produção dos alunos. O ponto de vista que o autor deseja defender é que a presença do texto em sala de aula pode corroer a atual identidade do professor de língua portuguesa. O autor lembra que é preciso se aproximar do objeto texto como resultado de uma atividade discursiva em que alguém quer dizer algo para outra pessoa.

Geraldi afirma que o texto não era tão relevante em sala de aula quanto é hoje, mas nem por isso deixou de marcar presença na escola, apesar de que a sua apresentação aos alunos era peculiar.

As atividades com texto em sala, de acordo com o autor, aconteciam por meio de leitura em voz alta, realizada pelo professor e, após isso, cada aluno da classe fazia o mesmo, de maneira que era considerado o melhor aquele que fizesse a leitura mais aproximada daquela realizada pelo docente.

Outro uso do texto era o de imitação, este era lido e funcionava como modelo para que os alunos produzissem seus textos. E ainda como objeto de fixação de sentidos, ou seja, o sentido para o texto lido era atribuído pelo professor ou por um crítico admirado por ele.

O texto em sala de aula não pode ser utilizado apenas para a leitura em voz alta, como mero objeto de imitação ou ainda para limitar os sentidos discursivos presentes. O uso do texto em sala não deve ser o pretexto para o ensino de gramática.

No último capítulo da obra, o autor promove uma reflexão sobre as exigências que a utilização de textos requer do docente, ou seja, estabelece um aporte teórico-reflexivo para a constituição de um “novo” professor em sala de aula.

Neste derradeiro capítulo, Geraldi realiza uma profunda reflexão sobre as atividades de produção textual em que se utilizam objetos escritos como aporte. Nas palavras do autor, o texto deve ser o ponto de partida e o ponto de chegada de todo o processo ensino/aprendizagem da língua portuguesa. Dessa maneira, o autor destaca a necessidade de fornecer aos alunos subsídios para que ele tenha o que dizer e, não apenas isso, mas também que o estudante tenha uma motivação para dizer e ainda tenha em mente para quem ele irá dizer. O sujeito (aluno) precisa ser constituído como aquele que diz tal coisa para alguém.

E o professor tem papel fundamental para a constituição deste sujeito, é preciso que sejam estabelecidas estratégias que possibilitem ao aluno desenvolver tal trabalho. O contexto de produção irá proporcionar para o ambiente escolar um local de interação e os processos de produção poderão desmistificar a produção textual, bem como apresentar à comunidade escolar textos produzidos de maneira eficiente.

Geraldi destaca ainda a necessidade de se realizar a leitura de textos não apenas de maneira superficial. A leitura precisa ser realizada com um objetivo, deve promover o desejo de querer saber mais, a leitura permite a exploração das configurações textuais.  O procedimento da leitura deve abranger não apenas o que há na superficialidade do texto, mas estudá-lo mais profundamente a fim de interpretar e entendendo a polissemia, a intertextualidade contida no objeto de estudo.

 O autor afirma que “o movimento entre produção e leitura é para nós um movimento que vem da produção para a leitura e desta retorna à produção”; “a entrada de um texto para leitura em sala de aula responde a necessidades e provoca necessidades [...] ‘ter o que dizer’ [...] ‘estratégias do que dizer’”; “a leitura sendo também produção de sentidos, opera como condição básica com o próprio texto que se oferece à leitura”. (p. 188)

E por fim, os trabalhos com a análise linguística, o qual é apresentado pelo autor como “conjunto de atividades que tomam uma das características da linguagem como seu objeto” (p. 189) A análise linguística é um importante instrumento que possibilita o aprendizado e a reflexão de como ocorre a organização de um texto. É um trabalho que promove a percepção do texto enquanto resultado de opções feitas pelo seu autor, como, por exemplo, tema e estrutura composicional, levando sempre em consideração que é o seu público alvo, ou seja, seu leitor. A prática da análise linguística deve estar presente de forma constante nos trabalhos de produção textual dos alunos.

É preciso mudar o pensamento e as práticas pedagógicas, não cobrar do aluno normas linguísticas por meio de frases “voando”, mas ensinar a língua a partir do funcionamento desta, dos seus usos reais, os que estão presentes na sociedade.

A maneira com que se ensina gramática na escola, de maneira isolada, focando em regras e nomes, faz com que os alunos não tenham anseio pelo estudo da língua portuguesa. Para que esse aspecto negativo mude, é preciso que o professor incentive seus alunos não somente e apenas para a memorização do ensino linguístico por meio de gramáticas e frases soltas, um ensino robotizado, e sim pelo entendimento do real funcionamento da língua e, dessa maneira, se torne um sujeito ativo na constituição de conhecimentos.

Portos de Passagem promove uma série de ponderações sobre procedimentos e práticas pedagógicas em sala de aula, que devem ser adotados pelos professores de língua portuguesa, no que tange o trabalho com textos na escola, sejam com objetivo de leitura ou de produção textual. É uma obra que agrega muito conhecimento e, por este motivo, é leitura imprescindível recomendada desde os graduandos de Letras, mestres e outros estudiosos da linguagem.



[1] Obra resenhada para a disciplina Prática de Ensino e Estágio Supervisionado de Língua Portuguesa, ministrada pela Professora Francieli Luzia Orsatto, do curso de graduação em Letras da Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE.

[2] Acadêmica do terceiro ano de Letras – Inglês.