RESUMO DO LENDÁRIO TEXTO DE IMMANUEL KANT RESPOSTA À PERGUNTA: O QUE É ESCLARECIMENTO?.[1] Texto original em alemão escrito 05 de dezembro de 1783.[2]

 

por  Werner S. Leber

 

As idéias kantianas são aqueles que mais influenciaram a filosofia moderna, assim como as de Galileu, Newton e Darwin, as das ciências modernas, e as de Aristóteles, a filosofia antiga. A teoria de Kant foi denominada copernicana (relativo a Nicolau Copérnico) pela inversão de valores que provoca: até seu tempo, a filosofia tinha como alvo os objetos e os modos de compreendê-los. Kant inverte tudo e afirma que primeiro é preciso mostrar os mecanismos internos da razão, isto é, como ele opera, quais seus limites e possibilidades. Kant fez uma epistemologia da razão; quis mostrar como pensamos; quis fazer uma crítica da forma da racionalidade. Por isso mesmo sua filosofia é denominada criticista. Suas principais obras foram críticas dos meios da razão. Uma recebeu o nome Crítica da Razão Pura e a outra Crítica da Razão Prática. Mas Kant escreveu ainda vários outros textos importantes, entre os quais destaca-se A religião nos Limites da Simples Razão. Kant vinha da Província; não como os franceses Rousseau e Diderot, por exemplo, iluministas também, mas provenientes da Metrópole das Luzes. Isso é o que torna obra de Kant interessante: ele não estava nos centros badalados do saber.

Vamos ao escrito de 1783. O que Kant nos diz ali? É um texto que trata de nossas ações, decisões; é um texto que aborda uma questão moral. Kant quer fundamentar sua tese segundo a qual, em questões morais, somos muito mais culpados do que normalmente gostamos de reconhecer.

Kant quer nos explicar, esclarecer (aufklären) o que é fazer uso das faculdades de juízo (a razão) para bem servir-se dela sem prejudicar outrem ou apoiar-se em outros. É preciso esclarecer o que é razão para Kant. Para ele, razão (logos, Vernunft) é saber sair da menoridade, é o supremo exercício da autonomia - do grego “autós”= próprio, de mim mesmo e por mim mesmo; + a expressão nômos = lei, regra, norma, princípio -, portanto, Autonomia compreende as regras que eu mesmo, por assim dizer, “dou-me” e assumo. Eu sei dizer sozinho de que lado nasce o Sol; e se eu errar, também assumo que errei em meu julgamento, sem precisar me justificar e dizer que a culpa foi do livro, foi do autor tal e etc.  Se eu mentir, não posso culpar outro. Menti por minha vontade. Ainda que outro tivesse me induzido a mentir, mas decidi participar, minha vontade e minha decisão ali estavam também. Não ter culpa, não significa não ter participado por um princípio de decisão livre. Para Kant, autonomia é servir-se de si mesmo como responsável pelos seus atos. Esse princípio da autonomia vem de Aristóteles, e que Kant assume para si. Para o Estagirita (Aristóteles), o homem é inteiramente livre e não há outra força que o faça agir deste ou daquele modo a não ser a sua própria vontade, movida pela sua consciência moral. Não dá para culpar o Estado, a Religião, a Família, a Sociedade e etc. A sua consciência é a medida da ação. Esse princípio aristotélico está presente em Kant, embora ele não se refira de modo direto a Aristóteles no texto aqui analisado. Ser esclarecido, desse modo, significa servir-se correta e responsavelmente da razão para tirar o “o homem” da menoridade, da qual ele mesmo é culpado. Para Kant, Ser Menor, é ser incapaz de se autodeterminar em função de um fim, de um alvo, de uma situação. Mas Kant observa que os homens gostam de ser menores, ter tutores, ter guias que lhes digam o que fazer. É cômodo ser menor (p. 64). A preguiça e a covardia são os principais motivos que mantêm as pessoas menores por sua vida toda. Muitos tutores chegam a nos encorajar a desistir de nossas decisões e querem nos induzir a crer apenas neles. Eis o truque para manter-nos menores! Assim ficam a dizer que é difícil, que não é possível e assim a humanidade vai pelos tutores e não vai por si mesma. Kant chega a dizer que é difícil para os homens livrarem-se da menoridade porque eles a vêem como uma questão natural (um problema de natureza). Kant está a dizer: a questão moral é de ordem cultural, é de ordem ética e não da ordem das coisas naturais. Não há ética e princípios morais na natureza. Eles são construções conscientes de nossas ações, de nosso modo de agir com as coisas do mundo, enfim, de pessoas que podem fazer opções. Não há liberdade na natureza. A natureza é da ordem do determinismo; a cultura é da ordem da liberdade. Para Kant, porém, ser livre não significa agir sem refletir. Não é aquela visão rasa, tantas vezes ouvida e tantas vezes repetida pelo senso comum: ser livre equivale a poder fazer o que se quer. Uma liberdade assim não há, nunca houve e nunca haverá. Só há liberdade mediante um dever e compromisso. A liberdade está limitada por deveres, mas isso não priva ação livre, porém, antes, constitui seu derradeiro motivo (p. 65). Kant explica agora que só o uso público da razão leva ao esclarecimento tal como o tempo do iluminismo o está a defender. Fazer uso público da razão, em Kant, não significa tornar-se um contestador incomensurável, pedante, chato, perturbador da ordem e da harmonia, mas saber posicionar-se publicamente sobre as coisas com as quais está em desacordo. Kant é otimista. Crê que a razão pode tornar o homem melhor. O iluminismo foi dotado de grande simpatia pelas potencialidades criadoras do homem. Crê que o iluminismo dará ao ser humano um salto qualitativo em suas condições racionais sem paralelo na história humana. Chegou um tempo novo: o tempo do esclarecimento, o tempo de sair da covardia e da preguiça histórica. É por isso que uso público da razão torna-nos esclarecidos, se quisermos fazer uso correto de dela. Como quebrar a ordem? Só há comandados onde também há quem aceite comandos (tutores); só há ditadores onde há quem aceite ser capacho. Usar a razão de modo esclarecido é fazer do seu tempo o tempo da decisão, da liberdade e da ação. Uma classe não pode impor suas verdades a outra. Se isso ocorre é porque a subsequente aceita a tutela, não quer livrar-se dela para ter a quem culpar. Se aceitamos os valores religiosos e culturais herdados do passado sem estabelecer juízos críticos é porque somos covardes demais para posicionarmo-nos publicamente ou porque os aceitamos de livre vontade. Para Kant o aperfeiçoamento moral e ético do homem foi posto em marcha pelo iluminismo; é um curso da história e nos levará para patamares mais elevados da racionalidade.

Assim escreve ele:

“Somente temos claros indícios de que agora lhes foi aberto o campo no qual podem lançar-se livremente a trabalhar e tornarem progressivamente menores os obstáculos ao esclarecimento (Aufklärung) geral ou à saída deles, homens, de sua menoridade, da qual são culpados” (KANT, 2005, p. 69-70).

É por isso também que Kant afirma que o homem pode adiar o esclarecimento (Aufklärung), mas não pode renunciá-lo. Fazer isso, para Kant, é renunciar ao sagrado direito da humanidade (p. 69). Esclarecimento, segundo Kant, não é uma corrente de pensamento, uma tendência filosófica apenas, mas um processo de caminhada que envolve toda humanidade.

É preciso não perder de vista que Kant fala do tempo de Frederico. Certamente sua região (Königsberg, Alemanha na época, e hoje Kaliningrado, na Rússia) viveu em tempos áureos, o tempo de Frederico, de liberdade religiosa não vista em outras partes da Europa de então. É muito claro que grande parte da crítica de Kant à menoridade tem as questões religiosas como alvo e tem em Frederico o exemplo de Príncipe esclarecido sobre esse assunto. Esse texto de Kant é também uma resposta a situações regionais em que a questão do que é ser esclarecido havia se tornado focal para as discussões da filosofia prática.                                                                                       

REFERÊNCIA

KANT, Immanuel. Textos Seletos. Tradução de Raimundo Vier e Floriano de Souza Fernandes. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 63-71.

 

[1] Em alemão “Beanwortung der Frage: was ist Aufklärung?”

[2] KANT, Immanuel. Textos Seletos. Tradução de Raimundo Vier e Floriano de Souza Fernandes. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 63-71. A paginação entre colchetes nesta resenha que ora apresentamos, sempre se referem a interpretações de passagens do texto aqui citado. Como se trata de uma resenha, optamos por não citar literalmente sempre, mas indicar a página do texto em que aquele assunto, tema ou problema é mencionado pelo autor, na tradução portuguesa evidentemente.