A revolução francesa e os direitos do homem
Conforme declara BOBBIO (1992; p. 85), a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão foi aprovada pela Assembléia Nacional em 26 de agosto de 1789, quando a Assembléia decidiu quase unanimemente, que a declaração dos direitos a ser considerada, segundo inspiração em Rousseau. Esse ato em conformidade com os historiadores, representou a transição entre duas épocas, propondo a virada na história do gênero humano. Morria ali o antigo regime, demarcado por uma revolução que relevava a disposição moral da espécie humana, declarado por Aléxis de Tocqueville (p. 86), como tempo de juvenil entusiasmo. Entusiasmo este, que se referencia ao que é ideal, ao que é puramente moral, e que a causa moral desse entusiasmo era "o direito que tem um povo de não ser impedido por outras forças de dar a si mesmo uma Constituição civil que ele crê boa". A declaração gerou controvérsias, pois ao mesmo tempo em que Kant define a liberdade numa passagem da Paz perpétua como: "a liberdade jurídica é a faculdade de só obedecer a leis externas às quais pude dar o meu assentimento", outro autor Thomas Paine documenta de forma argumentativa a Declaração, posicionando contra Edmund Burke que ataca com aspereza a Revolução francesa afirmando sobre os direitos dos homens: "Nós não nos deixamos esvaziar de nossos sentimentos para nos encher artificialmente, como pássaros embalsamados num museu, de palha, de cinzas e de insípidos fragmentos de papel exaltando os direitos do homem". Burke considerava natural o temor a Deus, o respeito ao rei, o afeto pelo parlamento. Em fundamentação aos direitos do homem, Paine justifica-a como religiosa, de forma a transcender a história e chegar ao momento da origem, quando o homem surgir das mãos do Criador. Esse pensamento, passa pela reafirmação a unidade do gênero humano, que a história dividiu. É quando descobre que o homem, antes de ter direitos civis que são o produto da história, tem direitos naturais que os precedem e, que são fundamentos de todos os direitos civis.
Paine, foi um participante da revolução norte-americana, antes de chegar à França. Com sua ação e com sua obra, representou a continuidade entre as duas revoluções. A relação entre
tais revoluções pode então ser reexaminada e discutida, chegando a observação de dois problemas: um que focalizava o influxo e a determinação da mais antiga na mais recente; e outro, que revelava qual das duas, consideradas em si mesmas, é política ou eticamente superior à outra. Observando-as, surgiam algumas diferenças de princípios: cna Declaração de 1789, não aparece entre as metas a alcançar a "felicidade" o que deixa de ser palavra-chave do documento, que ao contrário nas cartas americanas, alguns direitos, são protegidos porque permite a busca da "felicidade" e da "segurança". Em segundo lugar a Declaração francesa é mais intransigente e individualista do que a americana. Ambas as Declarações partem dos homens onde consideram; os direitos que elas proclamam pertencerem aos indivíduos considerados um a um.
Bem diversa será a idéia na qual se inspirará a Constituição jacobina, que é encabeçada pelo Art. 1º, no qual se diz: "finalidade da sociedade é a felicidade comum".
De acordo com BOBBIO (p. 91), sua preferência à controvérsia, se estabelece no pensamento de Alessandro Manzoni (p. 91), que ao comparar as Declarações, não hesita em dar a palma à primeira, com argumentos que lembram o intendente francês. Observa que além da Constituição americana não ter feito preceder por nenhuma declaração, referiam-se amenas a alguns direitos positivos e especiais das Colônias diante do Governo e do Parlamento da Inglaterra, limitando-se a proclamar e reivindicar direitos que haviam sido violados por aquele Governo. Concluía que a semelhança entre as Declarações era apenas verbal.
O núcleo doutrinário da Declaração está contido nos três artigos iniciais: o primeiro refere-se à condição natural dos indivíduos que precede a formação da sociedade civil; o Segundo, à finalidade da sociedade política, que vem depois do estado de natureza; o terceiro, ao princípio de legitimidade do poder que cabe à nação.
A Declaração, desde então até hoje, foi submetida a duas críticas recorrentes e opostas: foi acusada de excessiva abstratividade pelos reacionários e conservadores; e de excessiva ligação com os interesses de uma classe particular, por Marx e pela esquerda em geral. Assim, a Declaração sofreu uma variedade de críticas. Por isso mesmo diz BOBBIO (p.98) "Quem não se contentar com essas deprecações e quiser buscar uma crítica filosófica, deverá ler o adendo ao § 539 da Enciclopédia de Hegel,onde — além de muitas considerações importantes — está dito que liberdade e igualdade são tão pouco algo 'por natureza' que, ao contrário, são 'um produto e um resultado da consciência histórica', a qual, de resto se diferencia de nação para nação".
1 Acadêmicos do Curso de Engenharia Civil pela Faculdade ISEIB/PROMINAS em Montes Claros, MG, pesquisa desenvolvida em 2017.
A crítica oposta — segundo a qual a Declaração passa de abstrata para concreta e historicamente determinada, na verdade, não era a defesa do homem em geral, que teria existido sem o autos das Noites de São Petersburgo o soubesse, mas do burguês, que existia em carne e osso e lutava pela própria emancipação de classe contra a aristocracia, sem preocupar com os direitos do que seria chamado de Quarto Estado.
Conforme Bobbio (p. 100), o ponto de vista em que situa a Declaração para solucionar o problema das relações entes governantes e governados é o do indivíduo singular, considerado como titular do poder soberano. O poder político, ou o poder dos indivíduos associados, vem depois. Esse ponto de vista representa a inversão radical do ponto de vista tradicional do pensamento político, seja do pensamento clássico, no qual as duas metáforas predominantes para representar o poder são a do pastor e a do timoneiro, seja do pensamento medieval. Dessa inversão nasce o Estado moderno: primeiro liberal, depois democrático. O ponto de vista tradicional tinha por efeito a atribuição aos indivíduos não de direitos, mas sobretudo de obrigações , a começar pela obrigação da obediência às leis, isto é, as ordens do soberano. A relação tradicional entre direitos dos governantes e obrigações dos súditos é invertida completamente. O que vale dizer que, sem a concessão do soberano, o súdito jamais teria tido qualquer direito. Não é diferente o que ocorrerá no século XIX, quando surgem as monarquias constitucionais, afirma-se que as Constituições foram octroyées pelos soberanos.
As Declarações de Direito estavam destinadas a inverter essa imagem. E, com efeito, pouco a pouco lograram invertê-la. Diz Bobbio (p. 101), que quando se refere a uma democracia, seria mais correto falar de soberania dos cidadãos e não de soberania popular. As decisões coletivas não são tomadas pelo povo, mas pelos indivíduos, muitos ou poucos, que compõem. A concepção individualista da sociedade já conquistou muito espaço. Os Direitos das gentes foi transformado em direito das gentes e dos indivíduos; e, ao lado do direito internacional como direito público externo, está crescendo um novo direito, que pode ser denominado "cosmopolita, conforme Kant (p. 103).