UFPE – Universidade Federal de Pernambuco

CFCH – Centro de Filosofia e Ciências Humanas 

Resenha do livro:

CORRUPÇÃO, DEMOCRACIA E LEGITIMIDADE 

Disciplina: Ciência Política

Docente:

Cinthia Campos

Discente:

Alexsandro Alves de Araújo

Jurandir Santos Lima

Milton Melo

Recife - PE

 2013

CAPÍTULO I – A HÍSTORIA DO CONCEITO DE CORRUPÇÃO

Filgueiras começa o primeiro capitulo do livro, falando sobre a história dos conceitos de corrupção, a corrupção no mundo romano, medieval e renascentista, o pensamento político moderno, o conceito de corrupção e a corrupção e as crises de legitimidade (I).

A principio, ele discorre sobre a “Sereníssima republica”, de Machado de Assis, onde um homem chamado Cônego Vargas, conhece um estranho ser em forma de aranha que conseguia falar. Vargas sabia que poderia usar a razão da ciência, para organizar a sociedade e as instituições e, desenvolver um sistema político ideal para a sociedade dos aracnídeos, dessa forma ele é tido como um Deus entre elas. Vargas entende que a idoneidade é um dos pilares onde se deve firmar um bom sistema de governo político e pretende ajudar a organizar o sistema da sociedade das aranhas, contribuindo com um sistema político diferente dos humanos, ou seja, longe de corrupção.

A primeira coisa que ele fez foi organizar o sistema eleitoral. Todavia, as eleições se baseavam em um sistema de sorteio que não satisfazia as necessidades, por conta do medo que um governo tirano fosse escolhido, de uma forma tão simplória. Tentou-se desenvolver um sistema eleitoral mais complexo, a fim de acabar com a corrupção nas eleições, porém, mais uma vez houve uma complicada disputa entre as aranhas (Nebraska e Caneca). Nebraska foi escolhido pela maioria dos votos, no entanto, Caneca reclama o cargo dizendo que o nome Nebraska, etimologicamente deriva da palavra Caneca e consegue provar com as suas artimanhas diante uma reunião que estava certo. E assim convenceu a todos. A moral dessa historia, é que nenhum governo está livre da corrupção e das variadas formas de interpretações políticas. Os fenícios eram considerados mestres na prática da retórica e usavam esse artifício para vencer disputas através da palavra. Não foi à toa que os atenienses se destacaram em relação à democracia; hoje se percebe nas campanhas políticas o quanto alguns candidatos são bons de retórica, é claro que só isso não garante o sucesso de uma campanha, tem ainda a parte financeira que é muito importante, mas a oratória se mostrou bastante eficaz em outros momentos históricos (Ritler na Alemanha, por exemplo). O poder repousa sobre crenças, ou seja, necessita ser legitimado (aceito pelo povo), “o poder legitimo não tem a necessidade da força para se fazer obedecer”. Entende-se que a política depende dessa estratégia aliada a uma boa oratória, o que falhou na Republica das aranhas segundo Filgueiras, foi o estado prático da moral.

Essa história reflete vários tipos de governos e, conforme Maquiavel em “O príncipe” e Madson em “O federalista”: o coração do homem é um poço de desejos sem fim, muito difícil de ser controlado, que o desvirtua aos seus próprios  interesses (se os homens fossem anjos, não se precisaria de governos). De acordo com Leon Duguit, entende-se política como sendo o próprio “poder”; quer seja no sentido de substantivo, quer seja do verbo. A reprodução do poder pode ser a força que ele exerce sobre o cidadão ou o poder que o individuo tem de se manifestar diante dele (o direito constitucional). Política também é a arte de argumentar ou induzir as pessoas a se adequarem as normas através do discurso, coação ou coerção, esta induz uma coletividade a certas crenças, a ponto de não se questionar os costumes do poder.

A corrupção está tão intrinsecamente ligada à política que não se consegue mais diferenciá-las. Se compararmos o mito com a sociedade contemporânea, veremos o quão grande esforço é aplicado a fim de minimizar a corrupção nos meios políticos. Não existe essa panacéia que mude o sistema, por entender-se que sempre haverá putrefação, independente de se mudarem os sistemas partidários, financiamentos de campanha ou o relacionamento entre os governos Legislativo e Executivo. Pois, sabe-se que sem coalisões ou base aliada não se consegue governar, principalmente no Brasil, que tem o sistema de governo Presidencialista de Coalizão. O que favorece a corrupção (troca de favores), no entanto, como afirma Figueiras: não se pode aceitar a corrupção como sendo uma coisa natural à política, como se achava em “Sereníssima Republica”, que nunca se livraria da fraude eleitoral. A ciência política é bastante nova, no entanto, é uma ciência de encruzilhada para as outras ciências sociais. Com certeza, pode contribuir para o desenvolvimento de um sistema político idôneo como se espera que seja, não permitindo que os interesses privados sobressaíam diante aos interesse públicos. De acordo com Machado de Assis, assim como em “Sereníssima”, já se desenvolveu entre as pessoas alto grau de miopia em relação à política e a corrupção é persistente; as demandaspor transparência não fazem parte dos interesses públicos. O juízo de corrupção leva em consideração a moralidade como forma de balizar o que se espera das instituições políticas, como forma de referenciar um bom governo de um mau governo. De certa forma a corrupção ajuda a entender como não deve ser o governo, contribuindo para se utilizar de certo antagonismo ou sistemas de governos dicotômicos (corrupto e não corrupto), como exemplo para entender a virtude política ou o seu inverso.

Figueiras usa exemplos de Aristóteles e outros pensadores políticos para explicar a política e a sua evoluçãoentranhada a corrupção. O termo corrupção quer dizer, putrefação, adulteração, podridão, entre outros sinônimos, é a degeneração que causa a destruição humana, ou seja, essa falha de caráter pertence o universo humano, não aos deuses, pode ser combatida com mecanismos políticos e não se esperar que os deuses resolvam esses problemas humanos. A partir do momento que se entende essa possibilidade, pode-se organizar mecanismos possíveis de combatê-la, frente a uma  probabilidade de corrupção. É difícil de não repetir o termo corrupção, pois é falado varias vezes no texto, todavia, está intrínsecoà política, já esteveacentuado como retórica, o que é capaz de contextualizar uma variedade de argumentações dando possibilidade para vários entendimentos. O interessante desse artifício é que se utiliza de argumentos científicos, históricos etc. para distorcer ou reforçar uma realidade, dessa forma seria clichê dizer que política e corrupção são uma coisa só. Para Aristóteles é impossível a realização de um bom governo sem saber como são as características de um mau governo, sendo assim se faz necessário como forma de estabelecer mecanismos institucionais, a fim de controlá-la, pois, não existe política perfeita longe de corrupção, como vimos anteriormente no texto; entretanto, entende-se que a corrupção está presente eminentemente como uma paixão, não como ação. Não se trata de paixão no sentido de amor, e sim as paixões em que Maquiavel e Madson diziam anteriormente na resenha, que está potencialmente intrínseca nas características humanas e só o contrario satisfaria aos princípios éticos e morais, nos quais a política deveria estabelecer os seus princípios (a virtude). O homem virtuoso se absteria dos desejos privados/particulares, na negação de sua ambição para atender ao bem maior, ou seja, aos interesses da “polis”.

Para Aristóteles existem formas boas de governo que podem degenerar para outras formas ruins, quando os homens deixam que seus desejos sobreponham os desejos públicos; dessa forma a monarquia se degeneraria para a tirania, por causa das paixões particulares;a aristocracia para a oligarquia, nesse governo a política estaria nas mãos de poucos e por e por ultimo a politéia, onde o demos (povo), corrompido pelas ambições humanas, não procurariam alcançar o bem comum (os interesses públicos), por causa dos interesses privados. Tal atitude era reprovada por Aristóteles; para ele a melhor forma de governar seria com governo misto, como pensa Políbios, semelhante ao que foi elaborado na constituição de Lucurgos; dessa forma a monarquia tentaria controlar a aristocracia com medo de perder o poder político; a aristocracia  tentaria controlar a politéia, impedindo que prevaleça a cobiça individual e vice versa, seria de certa forma um modo de um poder frear o outro. Via-se dessa forma um sistema de governo justo, capaz de restringir a corrupção do corpo político chegando a se aproximar de um bom governo, contrabalanceando as suas paixões, descentralizando o poder. O sistema presidencialista é divido de forma que descentraliza o poder, dando autonomia ao Legislativo, Executivo e Judiciário, sendo uma forma de um poder se contrapor ao outro. O governo misto seria o mais eficaz, porque permite a participação de todas as classes sociais (todas as camadas da sociedade). No Aristotelismo se acreditava que os problemas na política seriam combatidos através da virtude, todavia, os desejos pessoais contribuíram para a degeneração do corpo político,  a corrupção no mundo Romano seria vista como inseparável da pratica política, tomando por causas as crises políticas e as conspirações.

Para Polibios o antagonismo entre os poderes favorecia de fato a estabilidade do governo. A república era um bem sagrado dos romanos e dos povos, só que não se podia esperar que a virtude fosse uma dádiva de todos os cidadãos, dessa forma cria-se leis que irão determinar a virtude através de seus cumprimentos. A honestidade seria uma das primeiras virtudes a servir de base a legitimidade de um bom governo administrado pela virtude do bom cidadão.

Todavia, ressalta Cícero, a lei de nada serve se o cidadão não for aprimorado no exercício da virtude, a qual é compreendida pelo exercício dos deveres cívicos. O conceito de corrupção é a  contraparte da honestidade. Tanto assim que Cícero postulou a idéia do homem bom como elemento jurídico presente nas leis.

Com a cristianização, adotam-se outras formas de praticas institucionais, com a nova forma de filosofia política. De certa forma o cristianismo segundo Santo Agostinho, favorecia a diminuição da corrupção, pois, os homens se tornariam menos individualistas e a religião os levariam a buscar os bens e a cidade celestial, tirando o foco do amor à cidade terrena. Os livrando da corrupção ou ambição por bens materiais, assim o cidadão negaria as suas paixões pelo amor a Deus. Maquiavel e Gibom, afirmam que a oficialização do cristianismo afundou Roma na obscuridade, fazendo com que reinasse um estado aparente de estabilidade, enquanto que, a cidade estava se fragmentando e o desapego pelos interesses políticos conduzindo-a a queda. Nesse período o Aristotelismo acaba entrando em desuso, pois, a religião acaba influenciandoa política.Aristóteles julgava que a virtude seria capaz de modificar a política através do bom cidadão,todavia, a religião acreditava que a corrupção era uma condição provocada pela queda do homem, no entanto, através dela se poderia reverter este aspecto degenerativo modificando os seus Habitus. Acreditava-se que a corrupção pertencia ao universo humano, sendo o homem sujeito as paixões, entretanto, como a monarquia se fazia a melhor forma de governo, por causa dos bens que possuía o monarca, dessa forma nada poderia desejar que pudesse corrompê-lo.Para o cristianismo a política carecia de um intermediário cuja virtude o tornasse capaz de administrar o governo sem mácula,  de modo incorruptível atrelando não só a lei, mas também a religião como forma de um papado. Para Aristóteles a virtude acabaria com a corrupção, para Polibios a lei poderia coagir os cidadãos a tomarem atitudes virtuosas sob pena de exposição das suas falhas e para o cristianismo a corrupção era uma conseqüência da queda do homem. De certa forma o cristianismo poderia purgar os pecados e balizar as atitudes dos homens com as suas normas ou leis, dando a graça divina pelo cumprimento dos seus mandamentos bíblicos: não matar, não roubar, não cobiçar os bens do próximo etc. assim acabaria com a corrupção, no entanto, não foi bem assim que aconteceu, pois, realmente nenhum governo escapa a corrupção, por causa da natureza humana. A política é feita por homens e não por deuses.

Segundo Filgueiras, a ciência moderna provocou uma reviravolta quando desvinculou a corrupção do problema moral e das virtudes. Para Montesquieu, a República seria uma forma frágil de governo, na medida em que leva em consideração a virtude e a moral dos cidadãos para amalgamar um governo longe da corrupção. Para ele as diferenças sociais rompiam com as necessidades de igualdade entre os homens provocando um sentimento contrario a virtude. Como vimos anteriormente, a corrupção se encontra em estado eminente na humanidade, e só se consuma com a ação, dessa forma a inveja e a cobiça provocada pelas diferenças seriam o estopim para que a corrupção viesse à tona. Montesquieu fala sobre uma punição moral que inibiria a corrupção, sob pena de exposição das atividades publicas, seria uma forma de coerção, fazendo com que os homens não se desvirtuem as suas paixões.

Como foi dito anteriormente sobre formas de governos, Montesquieu fala mais uma vez sobre a monarquia, como sendo uma das melhores referencias ao bom governo. Dessa vez ele coloca a divisão dos poderes como forma de conter as paixões individuais, inclusive, de que se torne um governo tirano, através da moderação entre os poderes e coloca a republica como forma ultrapassada; uma vez que nesse governo não existe quem contenha as paixões humanas como foi em Roma. Segundo Montesquieu, quando a monarquia se desenvolve para o despotismo e a aristocracia para a oligarquia (por causa da predominância elevada dos desejos pessoais), cria-se um desleixo pelos interesses da polis; assim os cidadãos não se veem mais em obrigação de obedecer às leis, tornando um caos e uma disputa entre eles como no estado de natureza Hobbesiano, onde haveria uma luta de todos contra todos, pois, não haveria garantia às suas seguranças e a proteção dos seus bens e suas vidas. Nesse caso [“...] a corrupção seria a própria norma.”

“No seu lugar, é o principio da honra – entendida como interesse – e a formação de instituições que podem moderar os apetites do corpo político”.

Segundo Filgueiras, se faz necessária a criação de jurisdições coercitivas a fim de combater as arbitrariedades, tanto dos governos quanto do legislador.

Arbitrariedade que é combatida por um aparato legal, cuja formalidade pelo Estado, o qual está separado do governo e da própria sociedade. A ordem jurídica formal, entretanto, encontra seu substantivo material princípios assentados na moralização e neutralização dos interesses. Contudo essa mesma ordem jurídica opera acima da moral, de forma a arbitrar os interesses, dado o problema da sociedade. A corrupção, desse modo, passa a ser concebida como qualquer forma de uso arbitrário do poder; apontando mais os aspectos formais do  plano jurídico do que dos aspectos morais presentes na esfera publica, confundindo, muitas vezes, corrupção com ilegalidade, além de prescindir da idéia de que é um problema de vícios políticos.

Dessa forma o não cumprimento do dever na esfera política, é passível de corrupção, independente da virtude, ferindo as leis e as normas que devem reger a política. A ciência política ainda é muito nova como já citei antes, [...] mas serve de encruzilhada para outros ramos políticos”. Maquiavel acreditava que a política seria mais que uma simples ideologia, que usava a moral como base, [...] ele foi penalizado pelo fato de desmistificar o Estado e mostrar a verdade dissimulada por trás dos mitos do bem comum, do interesse geral etc. Acredito que a política seja a arte de controlar ou conseguir os seus interesses sem usar a força sobre outro, e pode ser usada de cima para baixo (do Estado para o povo), e vice versa, ou horizontalmente (de um individuo para outro).

Filgueiras termina o primeiro capitulo fazendo uma retrospectiva  da política desde o mundo medieval, renascentista e moderno discorrendo sobre os aspectos de corrupção sem necessariamente fazer uma linha do tempo. Entende-se que mesmo assim alguns aspectos são contemporâneos apesar do tempo e do espaço. O capitulo seguinte ele abordará sobre legitimidade nas democracias, suas crises e a corrupção.

 

 

 

 

 

CAPÍTULO II – A MORALIDADE E AS FORMAS DE CORRUPÇÃO

Fernando Filgueiras mostra no capítulo II que existe uma vinculação entre corrupção e moral política. Para analisar a corrupção como um fenômeno, primeiro é preciso fazer uma análise no contexto da crise de legitimidade, em razão da corrupção ser um qualitativo da ordem política e que tem como base valores e normas. Ele mostra também que a corrupção como fenômeno político não está relacionado a ordem financeira, como muitos homens têm associado, porém, existe uma lógico que em certo contexto social existe uma grande soma de recurso financeiro em  jogo, mas sua maior preocupação é mostrá-la em  uma dimensão fenomênica que será expressa de forma plástica e flexível.

Começando sua formulação teórica, ele coloca a corrupção atrelada ao plano da moralidade, porque é através da moral que poderá visualizar se uma determinada instituição é corrompida ou íntegra, logo essa moral é expressa por atores que estão em constante interação social, por sua vez irá remeter um juízo de valor que será o principal norteador da boa conduta do corpo político. Após a formulação desses juízos morais, os atores compreendem o alcance da corrupção na esfera pública. Ele mostra, também, uma crítica dizendo: se os autores que estão inseridos nesse contexto tem capacidade suficiente para formular esse juízo, uma vez que a sociedade na qual estão inseridos são totalmente complexa. Para finalizar o parágrafo, ele faz uma pergunta referente a esse juízo: “quais os critérios para emissão dos juízos, pensando a pluralidade de valores e de concepções do bem ? ”

Para responder essa pergunta, ele utiliza o argumento de John Rawls que foi um destacado professor de filosofia política na Universidade de Harvard que tem como um dos seus principais argumento teórica a justiça como equidade, e tendo o livro “ O liberalismo político” como sua obra de maior expressão, no qual ele recebe algumas crítica. O principal ponto da sua teoria é justamente buscar um consenso sobre o que é justo diante da multiplicidade de doutrinas abrangentes de comunidades, grupos e indivíduos em um contexto social. Portanto, através desse pensamento ele procura determinar o que é justo, não o que é moral, ético ou bom.

Nessa ótica não é possível haver um consensos em torno de valores morais, uma vez que as sociedades são extremamente complexas, mas também são permeadas por doutrinas divergentes e razoáveis, as quais possibilitam diferentes tipos de julgamentos por partes dos atores. Esses tipos de procedimento levam as instituições a um desacordo e que tem como consequência certa limitação para admitir valores. Sendo assim, a ordenação irá existir através de um consenso constitucional sobreposto, destinado a absorver as fontes do desacordo e dos juízos para processá-los no sentido da estabilidade, não se confundindo com um consenso efetivo originado dos atos de vontade.

Por causa desse consenso constitucional sobreposto, é desenvolvido outro ponto argumentativo, que são os juízos morais e os consensos normativos. Para estabelecer um juízo moral, é preciso que exista um acordo de forma consensual por partes dos atores envolvidos. Isso acontece para que a legitimidade apareça como uma forma racional da razão pública que fará os homens construir uma comunicação que será utilizada na fixação das normas que irá reger as instituições que servirá como um padrão da universalização da aceitação racional das normas para o corpo social.

Após firmar uma racionalidade, os homens criam um vínculo de norma que irá fazer com que eles vivam em uma sociabilidade que fará com que os indivíduos sejam um crítico constante das instituições existentes. Nesse mesmo contexto, destaca-se o saber moral que sempre é empregado na construção dos consensos normativos, pois não existem normas sem um mínimo de valor moral, em razão da norma não conseguir sustentasse sem o valor moral.

Dentre os vários pensadores que refletiu sobre o tema da moral, Nicholas Maquiavel destaca-se entre eles. Ele dizia que as características da natureza humanas são imutáveis, em razão de o homem ter uma tendência desviante da moral padronizada em um contexto social, tendo uma busca desenfreada pela riqueza ou outros benefícios, como também egoísta, individualistas e outras formas negativas.

Na concepção de Maquiavel, a moral do homem é decaída, ou seja, ela é bastante volátil e torna-se a repetir através de várias épocas na história, portanto, isso faz com que a corrupção sempre esteja em destaque em uma república. A partir desse contexto, mostra a importância da existência de juízos de valor que irá transformá-lo em um ordenamento jurídico que ajudará a sociedade viver com sua imensa complexidade social.

Na segunda parte do seu argumento que trata sobre a forma política ou republicana da corrupção. Ele mostra que em qualquer sistema político governamental, têm suas próprias estruturas que se caracteriza através de suas instituições sociais. Todos eles são orquestrados por normas ou juízos de valor. Por causa disso, existe um consenso racional o qual justifica, se algumas instituições ou órgãos inseridos neste contexto estão corrompidos ou não.

Em razão desse fato, a corrupção está sendo analisada através de uma perspectiva política ou republicana. Segundo ele, cada sistema tem sua forma de ordenação. Isso acontece de acordo com a justificação racional de normas no âmbito do consenso republicano. Por causa desse consenso, sempre haverá uma aplicação em cada contexto de ação dos atores. Isso também se torna coerente, uma vez que existem critérios onde o juízo de valor será sempre o norteador desses princípios para que os indivíduos exerçam sua cidadania, expressando uma não concordância com o ato da corrupção.

É essa expressão de liberdade que faz de um sistema republicano uma boa vida da sociedade, ou seja, qualquer pessoa poderá demonstrar insatisfação por todo tipo de comportamento que venha mancha esse sistema político e com isso evitando conflitos com que venha abalar a estrutura governamental.

O autor do livro diz que existem certos conflitos nas instituições, esses conflitos  até certo ponto é benéfico para elas. Isso serve para que elas sejam moldadas, e como consequência desses acontecimentos, seus ordenamentos jurídicos irão passar por uma reformulação para adaptasse ao corpo social e com isso, atingi uma confiabilidade em suas estruturas perante a sociedade. Caso isso não ocorra, provavelmente, os índices de corrupção nessas instituições serão altíssimos, posto que não irá existir uma fiscalização e como a natureza humana é cheias de interessem pessoais e partidários, a corrupção aparece como figura central nesse cenário.

Continuando a abordagem da corrupção no contexto político ou republicano, ele mostra que para que tais formas aconteçam é preciso que o referencial teórico republicano esteja assentado no par fundação e virtudes sem os quais seria impossível operar a questão da liberdade positiva e a redundante participação ativa dos cidadãos na condução dos negócios públicos.

Outro ponto argumentativo referente aos diversos contextos que a corrupção está sendo analisada por Fernando Filgueiras é a forma cultural ou comunitarista da corrupção. Esse ponto é interessante, uma vez que existe um consenso cultural que a existência da corrupção no Brasil é por causa da sua raiz histórica, principalmente, da era colonial. Fernando mostra um conceito diferente dos ditos populares.

A cultura existe em todas as sociedades e tem por princípio estabelecer certos comportamentos como padrão para uma determinada comunidade ou sociedade. Em razão desse fato, são estabelecidos os valores que serão formulados e transformados em uma norma consensual para a comunidade. Esse consenso irá mostrar quais práticas comportamentais será honesta ou não, sempre tendo como parâmetro os costumes. Isso se torna capaz, porque a entronização dos valores ocorre pela via dos costumes. Por causa disso, esse mecanismo será utilizado constantemente para diferenciar o certo e o errado em uma sociedade comunitarista.

Após o autor desenvolver, em textos anteriores, as diversas formas em que a corrupção foi analisada, ele aborda agora a forma social ou autoritativa da corrupção. Nesse contexto existe uma mudança conceitual no que diz respeito a moralidade. Essa mudança aconteceu, em razão da modernidade que fez com que o conceito de moral ficasse atrelado ao homem que está preocupado em satisfazer sua necessidade. Ele mostra que o primeiro autor abordar esse tema é Hobbes. O Estado Hobbesiano mostra que a honra, a competição e a gloria eram as raízes das discórdias entre os homens, posto que esses pontos sempre foi parte integrante da natureza humana.

Por causa dessa sua natureza, o homem poderá fazer qualquer coisa para atingir o seu principal objetivo final. Com a finalidade de colocar um freio nesse desejo desenfreado, as normas têm que ser aplicada através do consenso autoritativo. Tal procedimento se torna importante, em razão do nível de corrupção ser bastante desenvolvido, por causa da ganancia do homem em querer conquistar a honra e a glória para sua satisfação pessoal. É importante estabelecer no Estado engenharia institucional, para fazer com que esse mal não avance em um contexto social e contamine e venha prejudicar a sociabilidade dos homens.                

Ao analisar os quatro pontos de como a corrupção transita em suas diferentes formas em uma sociedade, ele termina seu argumento falando a forma econômica ou liberal da corrupção. Tal ponto é importante, uma vez que a maioria da sociedade contemporânea é regida pelo sistema capitalista que tem como foco uma visão econômica liberal. Por causa dessa construção liberal econômica, todas as normas que estão inseridas nesse contexto giram em torno do tema da propriedade privada é justamente essa vinculação que faz surgir o sujeito moral sem qualquer tipo de virtude ou bem que anteceda os critérios de justiça.

Para dar sustentação a esse argumento, ele aborda o pensamento de John Locke. Para Locke a propriedade já existia no estado de natureza, ou seja, antes da criação do Estado moderno. Por causa disso, após o surgimento do Estado, ele não pode tirar das pessoas suas propriedades, uma vez que o direito a vida, liberdade e bens são direitos naturais do ser humano, portanto, jamais poderá ser violados. Tudo isso aconteceu, porque o trabalho se torna o fator responsável pela organização coletiva dos indivíduos.

A partir dessa perspectiva, Filgueiras mostra o liberalismo alicerçado no mundo econômico, na relação entre o trabalho e a produção e fazendo com que a moralidade esteja ligada à divisão do trabalho social. Por causa desse fato, se torna impossível uma convivência pacífica em torno de normas. Sendo assim, o direito é importante para o exercício da confiança e de uma moral contratual. Tanto a confiança como a moral, seja em um nível com o Estado ou qualquer outro sujeito privado, estabelece um valor de juízo. Qualquer desvio que acontecer nesse juízo de valor será considerado fraude e conseqüentemente um ato de corrupção, pois houve uma quebra de confiança no contrato firmado moralmente. Tal argumento deixa bastante claro com suas próprias palavras:

Em essência, a corrupção, em sua forma econômica, representa qualquer tipo de apropriação indébita de um domínio público, tendo em vista sua ilegalidade. Ao contrário da usurpação, a corrupção aqui não ocorre por meio da violência mas das fraudes que envolvam o domínio público, rompendo a confiança depositada nos atores políticos que representam as partes envolvidas na moral contratual. Uma vez que esta não seja respeitada em função de uma fraude, a qual se generaliza no âmbito da sociedade, temos um contexto desestabilizador do modo de produção pela via da corrupção, em sua forma econômica.

Finalizando o capítulo que trata sobre a moralidade e as formas da corrupção, ele mostra que a compreensão dos atores em contextos interativos, faz com que nenhuma forma tenha exclusividade em relação a outra, pois existem uma interação entre elas livremente sobre a sociedade as quais estão contextualizadas. Cada forma da corrupção analisada tem sua característica peculiar, isso acontece conforme a moralidade desse contexto. Sendo assim, a corrupção deriva-se dos juízos morais dos atores. Por causa disso, as quatro formas de corrupção: políticas, culturais, sociais ou econômicos;  sempre existirão, porque haverá uma transgressão das normas que por sua vez serão gerados em relação aos seus conteúdos morais.

Após essa análise, ele deixa bastante claro um ciclo em que o consenso normativo irá gerar os valores fundamentais que vai fazer o corpo político interagir e como conseqüência criam valores que estabelecerá a moral política em um determinado corpo social. Ele diz que a corrupção é um fato da política e faz parte de seu cotidiano, inclusive, ela pode ser até benéfica, uma vez que é através dela que são estabelecidos os valores e normas da legitimidade. Por isso que no próximo capítulo irá ser analisada a estrutura dos discursos legitimadores no mundo contemporâneo.

CAPITULO III – A CORRUPÇÃO E A DEMOCRACIA

 

A política contemporânea vive seus dias de intensas mudanças, como o surgimento de atores transnacionais, produção em escala mundial, uma total desorganização seja na forma de observar política e também econômica. Neste contexto de globalização e autoridade estatal começa a ser ameaçada por atores que tem seus interesses ligados em vários Estados gerando uma crise política pela necessidade de crescimento. Nesta necessidade que o discurso político ganha força para atestar e expor as mazelas sociais.

Segundo Filgueiras (2008), mesmo a democracia se consolidando nas últimas décadas, a corrupção virou rotina na política, pois o liberalismo observa a política como um espaço de vícios por conta de costumes e ações que acabam tornando o bem público mal gerido e se tornando insuficiente.  Esta corrupção está ligada a crise de legitimidade do Estado, que gera uma crise na democracia representativa, o caso do Brasil, por conta do liberalismo e suas necessidades de aumento de demanda, controle do mercado.

FILGUEIRAS:

A corrupção contemporânea está associada a uma crescente crise de legitimidade do Estado, o que, em sentido prático, acarreta uma crise de legitimidade da democracia representativa. Vista a partir do marco analítico (...), constata-se que a erosão do consenso autoritativo, promovida pelo liberalismo contemporâneo, provoca uma crise de legitimação em que o ato corrupto é visto como endemia social, contribuindo, dessa maneira, para uma suspensão dos consensos republicano e comunitarista. (FILGUEIRAS, 2008 p. 145-146).

                                             É importante mostrar que, segundo Filgueiras (2008), a falta de participação ativa dos cidadãos na vida pública, nos interesses políticos. Diante disto, uma sociedade plural necessita de doutrinas morais e modelos institucionais para a promoção da democracia. Por isto fica impossível pensar em democracia sem regras jurídicas que permitam as instituições e seus representantes. O problema dentro de um Estado plural e complexo, o próprio Estado Civil democrático detém uma estrutura burocrática para que os procedimentos sejam corretos em virtude do bem comum, nesta situação a corrupção exerce uma forte influência por conta que a burocracia gera um conflito de interesses.

                                             Para Webber, a sociedade capitalista, ou os grandes grupos de interesses do sistema capitalista, caminha para criar um modelo de burocratização que satisfaçam seus interesses. O mundo capitalista não está preocupado com o estado social dos indivíduos as políticas sociais que o Estado desenvolve para os seus cidadãos. Ainda segundo Webber, a satisfação dos interesses é decorrente do sistema econômico, isto chama-se de racionalização, que implica no afastamento dos aspectos carismáticos e gera a luta pelo poder no plano das classes sociais.

                                             No sentido da luta de classes, que segundo Filgueiras (2008), a democracia do século XX, se constitui na representação dos interesses de classes frente ao Estado e sua Burocracia.

            FILGUEIRAS (2008 p. 149).

Na medida em que a autoridade do Estado rotiniza a burocracia, a representação constitui-se no plano de grupos organizados no âmbito de partidos políticos reconhecidos de acordo com uma legalidade que os institui no interior de um parlamento. A representação demanda partidos políticos e a extensão da participação significa disseminar associações políticas que organizem o eleitorado por seus interesses

Ainda segundo Webber, os próprios partidos acabam se burocratizando para que uma elite possa controlá-lo. Por isso acontece a passividade das massas pelas poucas oportunidades que a sociedade tem de participar da vida institucional.

Diante do exposto a democracia torna-se um viés para a eleição de uma elite política baseada na luta de interesses de grupos de pressão. Segundo Webber: “a democracia é a competição por votos e pela representação dos interesses de classes sociais por parte de uma elite política, constituída no interior dos partidos políticos”. Para Webber o papel fundamental da democracia é equilibrar a autoridade política, a liderança dos grupos de interesses, a burocracia e também a responsabilidade política.

Para Filgueiras (2008), a relação entre a corrupção e a democracia, está nas consequências da primeira sobre a segunda. Que desta forma gera a: a deslegitimação das instituições democráticas; a desconfiança para com a elite política; o aprofundamento das desigualdades sociais; a centralização do poder numa elite. Para Webber, a construção de mecanismos para o combate a corrupção está na responsabilização dos políticos no processo democrático pois o a não responsibilização gereria uma descrença e uma deslegitimação do processo democrático. Também para Filgueiras (2008) e Webber, a corrupção trás consequências  na ampliação das desigualdades sociais, pois a corrupção gera efeitos assimétricos entre o Estado e o setor privado, onde entram a questão do suborno, da propina prejudicando a democracia e no investimento dos recursos públicos.

Para Webber a corrupção na democracia representativa, está no interior do sistema político, obedecendo até regras e costumes de modelos administrativos, burocráticos, dentro dos partidos políticos ligando desta forma a elite política, que quer distribuir papéis e valores da política.

Segundo FILGUEIRAS  (2008 p. 163):

A crise do modelo representativo de democracia se dá pela crescente diferenciação funcional da política. A corrupção mina a capacidade das instituições democráticas de aterem-se a mecanismos de responsabilização dos representantes perante os representados, já que o dinheiro tornou-se elemento central em eleições.

Diante do exposto, a democracia representativa, numa sociedade de massas, onde a burocracia é o centro do avanço e do crescimento, gerou a corrupção como elemento central do processo eleitoral e democrático na busca pelo poder para a defesa de interesses de grupos de pressão, gerando uma elite política e no aumento das desigualdades sociais. O que fazer diante de tudo isso?

REFERENCIAS:

FILGUEIRAS, Fernando. Corupção, democracia e Legitimidade. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.

SALDEK, Maria Tereza; RIBEIRO, Renato Jaime; MELO, Almeida Leonel Itaussu; ALBUQUERQUE , J. A. Guilhon; NASCIMENTO, Milton Meira do; LIMONGI, Fernando Papaterra. Os Classicos da Política. Sao Paulo: Ática, 2001.

Escrita na seqüência por Capitulos:

Alexsandro Alves de Araujo, Cap. I; Jurandir Santos Lima, Cap. II  e Milton Melo, Cap. III.