Vitor Marinho de Oliveira, natural do Rio de Janeiro (1943), licenciou-se em Educação Física pela Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1969 e doutorou-se em Educação (1994) pela mesma instituição. Atualmente é professor do curso de Pedagogia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e do mestrado nas áreas de Educação e Educação Física na UERJ e Universidade Gama Filho (UGF), respectivamente. Possui vários artigos e livros publicados, dentre os quais se destacam: O que é Educação Física? (Brasiliense, 1983), Educação Física humanista (ao livro técnico, 1985), além de organizar e participar da obra Fundamentos pedagógicos – Educação Física (vol. 2): Flexões e reflexões (ao livro técnico, 1987).

Em seu livro Consenso e Conflito da Educação Física Brasileira, o autor apresenta como a Educação Física evoluiu de uma prática reprodutivista e consensual para uma prática crítica e conflituosa, tornando-se consequentemente uma prática social politizada. Segundo ele até o início dos anos 1980 a Educação Física brasileira, não fazia oposição sistemática ao conservadorismo norteado pela ideologia liberal, ou neoliberal, que veiculava uma visão de mundo apoiada numa ótica de consenso. Este que representava e em alguns casos, ainda hoje representa o imobilismo político de muitos professores de Educação Física.

Partindo do pressuposto que Educação Física é educação, é necessária uma mudança na forma de pensar e de agir. Dessa forma, nos anos 80 essa área de conhecimento deu um salto qualitativo não somente em relação à sua prática, mas também quanto aos seus pressupostos teóricos, dialeticamente produzidos e responsáveis pela superação dessa prática. Ao analisar e fazer uma breve discussão da história da educação e da Educação Física, o autor mostra que devido os influxos médico-militares criou-se a falsa idéia de que as práticas corporais eram neutras, cabendo aos professores de Educação Física preocupações eminentemente técnicas. Postura que sem dúvida auxiliou a censura e repressão imposta a toda sociedade brasileira no golpe militar de 1964. O autoritarismo, individualismo, a neutralidade e a competitividade, nesse contexto histórico eram vistos como características indispensáveis ao avanço e progresso nacional.

Tudo isso refletia o projeto burguês consolidado em fins do século XIX, pelo qual deveria haver um controle social em nome da saúde, da ordem e do progresso. Assim o indivíduo com o sentimento de peça importante para o avanço da nação e com objetivo de ter uma boa saúde, era submisso à hierarquia e a medicina higienista que cuidava "bondosamente" dos hábitos do indivíduo e das famílias. A Educação Física apresentava-se, portanto, como instrumento indispensável para a formação do trabalhador forte, saudável e disponível para sacrificar-se em prol do crescimento e desenvolvimento da "pátria amada", sendo dominante a preocupação de ordem técnica biológica, facilitando dessa forma a adaptação do homem à ordem oficial, adquirindo um caráter reprodutivista.

Segundo o autor, o consenso cria uma situação de imobilismo, de modo que se desenvolve um nível de tolerância bastante elevado nas classes desfavorecidas. As pessoas aprendem a aceitar a impossibilidade de uma verdadeira transformação social. Nesses casos, parece existir uma educação para o conformismo, de forma que, prevalece o discurso de que todos são iguais e que o esforço individual e as aptidões naturais fazem à diferença.

De forma interessante o autor inicia seu segundo capítulo mostrando quais teorias fundamentaram a pedagogia do consenso de forma que discorre principalmente sobre o ideário liberal – positivista/funcionalista, falando sobre seus idealizadores de forma que possibilita ao leitor além de um conhecimento aprofundado sobre essas correntes, também um analise crítica sobre a influência desses pressupostos ideológicos.

Assim fala sobre a Filosofia Política Liberal de Jonh Locke (1632/1704), sintetizando as lutas da burguesia contra a monarquia e a celebre teoria da tabula rasa, na qual, todos os homens ao nascer são como folhas de papel em branco, logo todos os homens são iguais e tem as mesmas chances na vida. Locke ainda introduz o conceito de gentleman (homem dócil), que são polidos pela educação, defende a educação individual para que os alunos possam ser melhor vigiados e não se corrompam nos agrupamentos infantis, além de ser um dos primeiros a recuperar, na Idade Média, o mérito e o teor que as atividades físicas tinham na antiguidade.

Outra corrente que o autor cita como fonte inspiradora da pedagogia do consenso é a Economia Liberal Clássica, iniciada por Adam Smith (1723/1790) no campo da economia política, este coloca a burguesia como proprietária dos meios de produção e promotora da felicidade das classes inferiores. Reconhece que a divisão do trabalho embrutece o homem, mas que as classes não podem e nem devem ter o mesmo tipo de Educação. Este autor liberal condena a intervenção estatal na indústria e no comércio, e traz o conceito de "mão invisível" que concilia os interesses individuais com os sociais, pois o homem, ao cuidar do seu próprio interesse, quase sempre impulsiona o da sociedade.

O autor não poderia deixar de falar de uma terceira corrente, o Positivismo, que tem como uma das figuras principais o pensador Auguste Comte (1798/1857). Segundo este autor os ramos do conhecimento tem de passar necessária e sucessivamente por três métodos de filosofar correspondentes às respectivas etapas históricas:

1- O estado teológico ou fictício, que explica os fenômenos humanos e sociais pela intervenção de agentes sobrenaturais e dirige suas investigações para a natureza íntima dos seres, tendo como a conquista da terra e dos homens como principal atividade política (primado da imaginação).

2- O estado metafísico ou abstrato, na qual a explicação dos fenômenos desloca-se dos agentes sobrenaturais para forças abstratas capazes de produzir todos os fenômenos (natureza). Procura as causas primeiras e as últimas das coisas, com a substituição do sobrenatural pela vontade das idéias (primado da argumentação).

3- O estado positivo ou cientifico, é finalmente a fase de desenvolvimento da humanidade, a qual Comte acreditava ser o estágio maior da maturidade humana. É a superação, em última análise, das fases orientadas pela imaginação (estado teológico) e pela argumentação (estágio metafísico). É o primado da observação, pois, o verdadeiro espírito positivo consiste, sobretudo, em ver para prever, em estudar o que é, a fim de concluir disso o que será segundo o dogma geral da invariabilidade das leis naturais.

E para finalizar sobre as correntes que fundamentaram a pedagogia do consenso o autor fala sobre o Funcionalismo de Émile Durkheim (1858/1917) que mais tarde se desdobraria na Concepção Sistêmica, baseada no principio de retroalimentação. O Funcionalismo vem trazer a noção de que a sociedade funciona baseada nos princípios de: moral social, que é responsável pela coesão e harmonia da sociedade, respondendo pela repetição dos padrões de comportamento social; consciência coletiva, que apesar de realizar-se no indivíduo, dele independe, não mudando de geração a geração; solidariedade social que estabelece sanções sociais, apontando o ato criminoso como aquele fere a conduta moral definida pela consciência coletiva.

Dessa forma, o autor possibilita uma visão ampla, pois faz um apanhado histórico para que seja possível entender a influência neoliberal - positivista, sobre a Educação Física brasileira. E ainda mostra quais foram as teorias que influenciaram a revolução crítica nessa área de conhecimento, e que está categorizada como pedagogia do conflito.

Na perspectiva do conflito o autor utiliza às idéias de Marx e Engels, que estabelece um compromisso com um projeto político de transformação social e de insatisfação com as condições que estavam postas. Pois o modo de produção capitalista levou à burguesia ao poder e não cumpriu os ideais de igualdade, liberdade e fraternidade, sendo necessária a produção de formas de resistência política. A prática política e a reflexão teórica de Marx geraram a criação de uma doutrina que atravessa praticamente todo o terreno das ciências humanas e sociais.

O Marxismo implica uma filosofia e um método. Aquela o materialismo dialético, e este, o materialismo histórico. Para ele, o homem é responsável pelas transformações históricas. No ato de transformar, transforma-se. A proposta política dessa corrente é a superação da sociedade burguesa e a supressão das classes sociais, na medida em que sua existência pressupõe a exploração do homem pelo homem. Na sociedade capitalista, essa exploração é expressa pela extração da mais-valia, ou seja, o tempo de trabalho gasto além do necessário para a reposição da força de trabalho. Desse modo, só a práxis, ação projetada, refletida, consciente é capaz de produzir transformações sociais.

Marx e Engels não foram, propriamente, teóricos da educação. È inegável, contudo, as suas influências para elaboração dos princípios norteadores de uma pedagogia do conflito, eles não buscavam a aparência dos fenômenos, mas a sua essência. Assim, Antônio Gramsci (1891/1937), pensador e educador italiano foi um dos grandes homens que se inspirou na teoria de Marx, este educador defendia que a separação entre a sociedade civil e sociedade política só interessa ao liberalismo. E que o grupo dominante veiculava e universalizava as suas idéias por meio do senso comum, fazendo uma dicotomização entre os homens que pensam (homo sapiens) e os homens que fazem (homo faber).

Gramsci contrapõe-se à dicotomização homo sapiens/homo faber, afirmando que independente da profissão, todo homem desenvolve uma atividade intelectual qualquer, ou seja, é um filosofo, um artista, um homem de gosto, participa de uma concepção de mundo, possui uma linha consciente de conduta moral, contribui para manter ou modificar uma visão de mundo. Gramsci propõe que uma escola unitária que possibilite a formação profissional e humanística ao mesmo tempo e não às escolas técnicas que se destinam à cristalização das desigualdades sociais, na medida em que estão preocupadas em satisfazer interesses práticos imediatos.

O conflito deve existir, pois as classes sociais têm interesses e necessidades não só diferentes como também antagônicas. Os indivíduos tendem a ocupar espaços definidos pela divisão do trabalho. A educação colabora para o mascaramento dessa determinação, assumindo uma função ideológica Assim a criança quando se torna capaz de atuar nas transformações das coisas, já o faz segundo modelos sociais. A educação é, portanto, um ato de intervenção do adulto.

Portanto, para uma educação efetiva deve-se inicialmente identificar as finalidades sociais que nortearão os fins educativos. A definição destes depende das definições de sociedade, de cultura e do homem que queremos educar. É importante perceber que todo ato político pressupõe uma dimensão pedagógica, da mesma forma que toda pedagogia deixa transparecer uma dimensão política.

Sabendo que a educação e Educação Física são práticas sociais eivadas de contradições e ambigüidades. Compreendê-las é compreendermos-nos para que não sejamos presas de esquemas cristalizadores. Portanto, quando a Educação Física passou a ser vista como uma prática politizada, houve uma cisão e um desequilíbrio, sendo necessário repensar a prática e agir diferente, pois essa área de conhecimento é uma representação humana que se dá por uma multiplicidade de determinantes que não permitem concebê-la em dimensões estanques.

O início dos anos 1980 representou o instante em que a estrutura autoritária dos anos 1960 começa a ruir. Depois de quase 20 anos, não era apenas as condições materiais da classe trabalhadora que estava deteriorada. A cultura em todos os seus aspectos, havia sido mutilada, urgindo dessa forma, a necessidade de reconstrução intelectual. Esse momento delineou duas grandes perspectivas para a Educação/Educação Física brasileira que produziram duas modalidades de estrutura discursiva: a do consenso e a do conflito.

Assim no final do livro o autor faz um apanhado de vários autores da Educação Física brasileira denunciando não somente um momento de crise, mas um espaço de debates e de conflitos para uma prática transformadora. Mostrando que o desprezo à dimensão fisiológica também seria uma forma de mutilação indesejável. Sendo necessário, todavia, traduzir essa dimensão em termos sociais, de maneira que, independente de qual conteúdo esteja sendo trabalhado nas aulas de Educação Física, que todos venham ser tratados de forma crítica e como um espaço de conflitos e debates para a formação do individuo reflexivo e também saudável.