CARRIÈRE, Jean – Claude. A linguagem secreta do cinema, Nova Fronteira, 1994. (p.13 – 49).

 

“[...]Não só a linguagem é complexa, já que se dirige a cada espectador individualmente e à platéia como um todo(com reações que podem variar de uma projeção para outra), como também todos falam de seu próprio jeito, com seus próprios recursos e ideias, se possível com seu próprio estilo, suas próprias limitações e idiossincrasias. [...]”. (p.32).

 

O cinema nos propõe imagens que articulam de maneira diferencial vários tempos e vários espaços, o que remete, a uma relação com o passado e com a memória que se distingue de sua percepção como uma mera sucessão de eventos. Pelo contrário, a memória articulada pelo cinema nos mostra uma recuperação dos eventos do passado dentro de um fluxo temporal comandado pelo presente e que submete este passado a uma constante resignificação.

O cinema, por sua vez, coloca-se como um meio peculiar para a investigação. Sua análise vai partir obrigatoriamente da percepção de uma duplicidade original. No cinema alguns de nossos sentidos estão em estado de suspensão. Entramos em um túnel que irá desligar-nos de nossas relações imediatas com o mundo que nos cerca. Quando lá estamos, estamos fora do tempo e do espaço. Estamos em um lugar para entrar em imersão em algo que é absolutamente diferente do mundo do qual saímos e no qual vivemos. Todas as vezes que vamos ao cinema temos que aceitar um certo “jogo” e nos deixarmos transportar. Quem vai a um cinema e passa o tempo todo dizendo para si mesmo que aquilo é apenas uma combinação de luz e cores, acaba destruindo esta relação de imersão em seus fundamentos e, portanto, simplesmente não deixando nada acontecer. Não há nenhum filme que resista a esta prevenção. A imersão que um filme proporciona deve nos fazer parar de pensar, pelo menos momentaneamente.

Ele é uma ficção que nos permite uma aproximação maior com essa realidade do que se víssemos o seu duplo reproduzido. Justamente por não ser o real, ele vai nos permitir perceber os tempos e espaços que o compõem, a dissolução de tempos que comporta e a articulação de memórias.

Se pensamos ser o cinema uma construção de imagens que tem a capacidade de brincar com o tempo, ele vai ter também a capacidade de trabalhar com a memória. Dessa forma cada um enxergará e sentirá diferentes emoções ao ver o que está se passando na telona.

O cinema provoca toda a nossa capacidade de interpretação e nossa capacidade sonhar, nesta atividade que verdadeiramente instiga a imaginação.