O filme “A estrada” foi lançado em 2009, nos Estados Unidos, tem como roteirista Joe Penhall e é baseado no livro de Cormac McCarthy. Trata-se de uma ficção científica, marcada pelo cinza, pelo tom sombrio, de uma forma tão intensa presente em poucos filmes já vistos no cinema.

Esse aspecto de escuridão predominante, evidenciado até mesmo pela lata de Cola-Cola que aparece na máquina e está tomada por pó, retratando a sujeira e o lado negativo, é contraposto por  flashbacks que se misturam com os sonhos do protagonista, um Viggo Mortensen quase esquelético. “A estrada” pode ser denominada como um filme pós-apocalíptico, na medida em que mostra o mundo habitado apenas por alguns poucos sobreviventes, numa suposição de como seria a vida e as inter-relações sob essas condições.

Ao contrário da perspectiva esperançosa e boas expectativas comumente presentes em filmes dessa espécie, o diretor autraliano John Hillcoat opta por uma atmosfera de decadência e depressão intensa e constante. No mundo do filme, a maioria das pessoas que sobreviveram optaram pelo suicídio. Esse banir da própria vida está sempre presente como uma alternativa compreensível e aceitável, diante das circunstâncias. Numa cena, o pai (Mortensen) ensina ao filho como dar um tiro corretamente na própria boca, a fim de aproveitarem as únicas duas balas que lhes restam. Isso representa bem a temática mencionada, de pessimismo e negatividade.

O filme inicia com a imagem do rosto de Charlize Theron. Naquele momento, ela está grávida e escuta algo vindo da parte de fora da casa, onde só se pode enxergar uma grande escuridão. O marido acorda desse sonho, que se confunde com as memórias. Sonhos e memórias são da mesma natureza e, no filme, estão intrinsecamente ligados. Surge, portanto, a dúvida: O que é mais doloroso? Presenciar a rotina de luta por sobrevivência de pai e filho sozinhos em busca de comida e rumando para o litoral sul, onde há possibilidade de existência de vida, ou ver os poucos momentos de angústia intensos onde aparece Charlize Theron?

Enquanto isso, pai e filho precisam lidar com homens hostis, alguns deles adeptos do canibalismo, prática comum em tempos desesperadores, de falta de comida. O interessante é que em momento algum o filme conta como foi que se deu a destruição do planeta. O que, de certa forma, contribui para o filme, dando-lhe um ar misterioso e instigante. Isso é bem interessante, na medida em que não entrega a história “pronta” ao público, pois cada um que assiste ao filme pode criar possibilidades e até mesmo verdades dando continuidade à história e participando da criação do seu enredo.

O silêncio por vezes predomina, porém também há a trilha sonora melancólica de Nick Cave e Warren Ellis totalmente envolvida com a história, que torna o drama dos personagens ainda mais angustiant. O personagem de Mortensen impressiona pela obstinação, pela busca pela sobrevivência a qualquer custo, por mais que a fome doa até a alma e o corpo fragilizado por uma doença seja mais um empecilho.

As imagens do passado que teimam em voltar são mais um tormento do que uma fonte forças. A cena que mostra ele tocando as pernas de Charlize num teatro é um exemplo de um momento especial que a vida um dia pôde proporcionar. Por isso, quando o garoto diz que gostaria de estar com a mãe, ele fala que o menino não deveria ficar pensando nessas coisas. O que resta é seguir em frente, esquecer o passado e se voltar para o futuro. Ele, bem mais do que o garoto, sabe o que ficou para trás.