Capítulo I – O Rio de Janeiro e a República (p. 15-41)
O autor destaca de início, a fala de Aristides Lobo (p. 9), o propagandista da República, manifestou seu desapontamento com a maneira pela qual foi proclamado o novo regime. Segundo ele, o povo, que pelo ideário republicano deveria ter sido protagonista dos acontecimentos, assistira a tudo bestializado, sem compreender o que se passava, julgando ver talvez uma parada militar. Tratava-se da primeira grande mudança de regime político após a independência, era o momento de transição do Império para a República.
O Rio de janeiro, passava por grandes transformações econômica, social, política e cultural, principalmente por ser no período a capital e, portanto, a maior cidade do país. A primeira das mudanças foi o aumento populacional, provocado por um êxodo proveniente da região cafeeira e aumento na imigração, especialmente dos portugueses, com alto índice de crescimento populacional. A intensa imigração, também gerou desequilíbrio entre os sexos, atingindo o dobro de homens em relação às mulheres.
Outra conseqüência demográfica, foi o acúmulo de pessoas mal remuneradas ou sem ocupação fixa, o que aumentava, por conseqüência o número de menores abandonados. Esse impacto, desarmonizava a sociedade, que não acompanhava o crescimento demográfico em equilíbrio com o desenvolvimento, econômico, político, social e cultural.
Contudo, as atribulações surgiam também de forma econômico-financeira, fazendo retomar esses efeitos, à causa da abolição da escravatura. Daí o surgimento da demanda real de moeda para o pagamento de salários, fazendo com que o governo imperial emitisse dinheiro, abarrotando o Rio de dinheiro sem lastro, ou sua garantia em ouro, dando, por conseguinte, origem à chamada febre especulativa. O início da República, versava em uma autêntica república de banqueiros que buscavam o enriquecimento a qualquer custo.
Todavia, o aumento do custo de vida vinha se agravando em função da imigração, que aumentava a oferta de mão-de-obra e escasseava ainda mais os empregos disponíveis.
A política, também foi relevante nas transformações sofridas pelo Rio de Janeiro. Embora as expectativas de renovação fossem grandes, pois tudo que se passava, por menor que fosse o
1 Acadêmica do Curso de Engenharia Civil pela Faculdade ISEIB/PROMINAS em Montes Claros, MG, pesquisa desenvolvida em 2016.
acontecimento, tornava-se relevante em vista da importância da cidade do Rio, no período de transição. Os militares, controlando o poder julgavam-se donos e salvadores da República. Os operários, acreditavam nas promessas do novo regime e tentaram organizar-se em partidos, promovendo greves políticas ou por motivos de poder aquisitivo erodido pela inflação. Os jacobinos mantiveram um clima generalizado de tensão política durante a campanha de canudos no governo de Prudente de Morais. Políticos republicanos e monarquistas assinavam manifestos, envolvendo-se em conspirações e planejamentos de golpes.
O setor mais comprimido pela República, talvez tenha sido o dos capoeiras. Perseguidos pelo chefe de polícia, presos e deportados para Fernando de Noronha. Não houve, também, tolerância para os anarquistas estrangeiros, sendo expulsos muitos deles, num total de 76, sendo 36 por crimes políticos e outros por anarquismos. Algumas idéias circulavam entre os intelectuais, alguns do antigo movimento abolicionista, como José do Patrocínio e outros movidos pela ação política concreta como: Olavo Bilac, Luiz Murat, Pardal Mallet. Estes, enviaram manifesto de apoio ao governo provisório referindo-se à aliança entre os homens de letra e o povo, o que durou até o governo de Floriano Peixoto, até o cisma entre os intelectuais, e alguns dos antigos entusiastas da República que fugiram da capital evitando prisão. Tais acontecimentos se deram em função da liberação da imprensa a despeito da ação moralista de certas autoridades republicanas que se viam atacados nas escritas. Mas o fato do favorecimento do grande jogo da bolsa e perseguição dos capoeiras e o pequeno jogo dos bicheiros sugere uma recepção diferente do novo regime por parte do que poderia ser chamado de proletariado da capital. A euforia inicial, a sensação de que se abriam caminhos novos de participação parecem não ter atingido este setor da população. A simpatia popular se dirigia não só à princesa Isabel, mas também a Pedro II, por ocasião da comemoração do aniversário do velho imperador.
Também a população negra se manifestou em reação negativa, antes mesmo da proclamação, através da Guarda negra organizada por José do Patrocínio.
Em termos concretos, a prevenção republicana contra pobres e negros manifestou-se na perseguição movida por Sampaio Ferraz contra os capoeiras, na luta contra os bicheiros, na destruição,pelo prefeito florianista Barata Ribeiro, do mais famoso cortiço do Rio, a Cabeça de Porco.
A maneira indireta de neutralizar a capital e as forças que nela se agitavam era fortalecer os estados, pacificando e cooptando suas oligarquias, reunindo-as em torno de um arranjo que garantisse seu domínio local e sua participação no poder nacional de acordo com o cacife político de cada uma. O próprio presidente resumiu claramente seu objetivo: "É de lá [dos
estados] que se governa a República, por cima das multidões que tumultuam, agitadas, nas ruas da capital da união"... Ou seja, governar o país por cima do tumulto das multidões. A percepção do perigo representado por uma cidade deliberante, com um mínimo que fosse de vontade própria, fez-se sentir logo no início da República.
A situação do governo municipal não mudou muito com a decretação da Lei orgânica do Distrito Federal em 1892. O governo municipal ficou limitado à ação administrativa e, dependente do apoio político e financeiro do governo federal. Dissociava-se, então, o governo municipal da representação dos cidadãos. O fato era agravado pela freqüente nomeação de prefeitos e chefes de polícias totalmente alheios à vida da cidade. O que abria caminhos para o autoritarismo. O positivismo, ou certa leitura positivista da República, que enfatizava, de um lado a idéia do progresso pela ciência e, de outro o conceito de ditadura republicana, contribuía para o reforço da postura tecnocrata e autoritária. O primeiro exemplo de tal mentalidade foi o Código de Posturas Municipais de 1890 conforme estabelece CARVALHO (p. 35). O código tinha medidas bem intencionadas em função da população, que concernia maior conforto e maior higiene, mas criava dificuldades aos proprietários. Alem disso, deixava transparecer a preocupação republicana com o controle da população marginal da cidade. O rio possuía, em 1888, 1331 estalagens e 18.866 quartos de aluguel que comportavam 46.680 pessoas, incluindo o contingente desordeiro.
A expectativa inicial gerada pela república, foi sendo sistematicamente frustrada. No que se refere à representação municipal, ficava solta, sem ter de prestar contas a um eleitorado autêntico, abrindo precedentes para o campo dos arranjos particularistas e corporativistas. No entanto ainda havia a participação popular, que passava distante do mundo oficial da política.
Domesticada politicamente pela consolidação do sistema oligárquico, à cidade pôde ser dado o papel de cartão postal da República. E esse brilho se expressou em fórmulas européias.
As finanças foram recuperadas pela política deflacionista de Campos Sales, sobrando recursos para obras já planejadas de saneamento e embelezamento da cidade, que tendo Paris como modelo, buscou modificar o centro da cidade, com avenidas beira-mar, reforma de jardins, bondes com tração elétrica etc. As reformas tiveram como efeito a redução da promiscuidade social em que vivia. Abriu-se espaço para o mundo elegante que anteriormente se limitava aos bairros chiques. Mas, se o novo Rio criado pela República aumentava a segmentação social e o distanciamento espacial entre setores da população, as repúblicas continuaram a viver, a renovar-se, a forjar novas realidades sociais e culturais.
Dessa forma, o mundo subterrâneo da cultura popular engoliu aos poucos o mundo sobreterrâneo da cultura das elites — Diz Carvalho (p. 41), quando surgiram as primeiras identidades coletivas da cidade, apresentadas pela materialização do carnaval e do futebol.