De início, o autor de "A clínica do sujeito: por uma clínica reformulada e ampliada" forja elogios de admiração ora a Antonio Gramsci, ora a J-P. Sartre e suas respectivas filosofias. Dando prosseguimento, de acordo com o autor, Basaglia usaria esses dois pensadores para "repensar as políticas e práticas em saúde" (p.53). Logo mais, do ímpeto militante de Gramsci e do radicalismo existencial de Sartre depurado em Basaglia a clínica, como um todo, passa a ser problematizada e "os movimentos que operaram sob inspiração basagliana cuidaram muito mais do protagonismo político do que esclareceram sobre a nova instituição que estavam reinventando" (p.54). Do bojo militante e humanístico nasce a ideia de clínica do sujeito. 

A Clínica do Sujeito desloca a ênfase na doença para voltar-se ao Sujeito concreto - sujeito "social e subjetivamente constituído (...) não somente marcado por uma biografia singular, mas também seu corpo e sua dinâmica corporal" (p.54) 

A crítica à medicina se faz, no texto, não por sua ontologização das enfermidades, afinal do que seriam a técnica e ciência médica sem tal objeto, mas por "tomar as pessoas por suas doenças" numa relação transnominal e metonímica de tomar a parte pelo todo sem levar em consideração a relação causa-efeito de "uma dada enfermidade e o Ser concreto acometido" (p.56), relação semelhante, aliás, com as linguagens figuradas em sinédoque. Daí, termos como "inventar saúde" e "reprodução social do paciente", dentro do âmbito da prática da Clínica do Sujeito, adquirem suma importância por estarem diretamente ligados às perspectivas de cidadania ativa e protagonismo [social]. Campos, ainda nesse ponto, faz uma analogia do tratamento clínico da enfermidade com o conceito de Goffman de 'Instituição Total', denominando-a "Doença Total" onde o enfermo seria re-coberto por sua doença de modo que ela mesmo constituiria a sua "nova identidade" (p.56). Analogia bastante pertinente: assim como as ‘instituições totais’, em Goffman (2001, p.16), tendem ao fechamento pela barreira à relação social com o mundo externo, assim do mesmo modo, a doença funciona com a lógica do impedimento ao enfermo gozar, de maneira tal como era antes da enfermidade, as suas ligações sociais. Por essa incapacidade estrutural de perceber inter-relações fora do escopo sintomatológico, para o autor, "a clínica empobrece-se, (...) perdendo até mesmo [a] capacidade de resolver problemas estritamente clínicos" (p.57). 

Para Campos, o resultado combinado do esforço em confrontar e inter-relacionar a doença com o enfermo, com o Sujeito, é o que ele chama de ampliação da Clínica, que é o corolário "de uma síntese dialética entre o Sujeito e sua Doença" (p.57). Há um quê de Bleger (1998) e sua 'prática-investigativa' quando o autor arremata: "Os serviços de saúde deveriam operar com plasticidade suficiente para dar conta de semelhante variedade" (p.58), variedade essa que, no campo da Clínica ampliada, ergue-se como portadora de muitas possibilidades de posições no enfrentamento das enfermidades sendo que a incidência de uma posição diferenciada, em doenças semelhantes, seria em função da "história e os recursos subjetivos e materiais de cada Sujeito" (p.58). 

Sobre a diversidade e variações de semblantes da Clínica, o autor diz que há numerosas práticas, faces e dobras da Clínica com certos 'pontos de contato', ademais, os semblantes clínicos possuem características contíguas. Entretanto, existem "três semblantes principais sobre os quais a Clínica se apresenta", a saber, as Clínicas: Degradada, Oficial e Ampliada, respectivamente. 

A Clínica degradada se refere a uma clínica podada, impotente, diminuída devido a "limites externos impostos à potência da Clínica clínica" (p.59) e os exemplos citados pelo autor vão desde a intromissão de interesses espúrios aos da clínica por corporações até os de política de saúde inadequada, como é o modelo de Pronto-Atendimento que articula procedimentos de forma padronizada, indiferentes às necessidades dos pacientes e à gravidade dos casos. Para o autor, todas as vezes que a racionalidade Clínica é traspassada e atravessada por racionalidades e interesses outros que não o Sujeito - sejam, inclusive, as razões instrumental e estratégica -, "há degradação de sua potencialidade teórica e perde-se oportunidade de resolver problemas de saúde" (p.60). A Clínica Oficial trabalha com um recorte biologizante, "mecanicista e unilateral", com um "objeto de estudo e trabalho reduzido" (p.61). O esquadrinhamento dos limites ontológicos da ciência médica (Canguilhem, Foucault) que só "se responsabiliza pela enfermidade, nunca pela pessoa do enfermo autorizaria a Clínica Oficial a se desresponsabilizar pela integralidade dos Sujeitos.” (p.61). "Além do mais", acrescenta Campos, a redução desse objeto "autorizaria a multiplicação de especialidades (...) estabelecendo-se uma cadeia de dependência quase impossível de ser integrada em projetos terapêuticos coerentes" (p.62). Já a Clínica do Sujeito (ou ampliada) é a que tenta, de acordo com o autor, superar as barreiras e as fragmentações entre a "biologia, subjetividade e sociabilidade" pretendendo construir alternativas concretas que correlacionem saberes numa práxis voltada não só ao binômio doença-cura, mas, sobretudo, à concretude da pessoa humana, enfim, ao Sujeito Concreto. 

Referências 

GOFFMAN, Erving. 2001. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva (7ª edição). Trad. Dante Moreira Leite. 

BLEGER, José. 1998. Temas de Psicologia: entrevista e grupos. São Paulo. Martins Fontes (2ª edição). Trad. Rita Maria M. de Moraes