Resenha Crítica: Reforma do Estado e Organização Social (OS). Francisco Eduardo Fideles Dutra (BARBOSA, 1998) coloca que o Direito Administrativo foi estruturado a partir do conceito de Estado como instituição que, desde o século XVIII, se põe como: Instância hegemônica de organização da racionalidade política e social vem, nos dias atuais, passando por profundo processo de mudança. As matrizes jurídico-administrativas da atualidade não suportam e nem dão vazão de modo adequado às demandas contemporâneas. Onde surge a necessidade de reconhecimento de novas esferas de poder e, sobretudo, o movimento de superação das dicotomias Estado-sociedade e público-privado, visto que estas revelam impotência das matrizes jurídico-administrativas tradicionais para suportar as tensões contemporâneas. Juristas como MEDAUAR (1992) e MOREIRA NETO (1997:183-194) enfrentam no cotidiano de seus magistérios tais situação e vêm advertindo os administrativistas sobre o anacronismo de seu conhecimento, impactado pelos dilemas: Autoridade-liberdade; verticalidade-horizontabilidade; Estado forte-democracia; poder estatal-cidadania; Estado-sociedade; Estado-consenso social; público estatal-público não estatal; Estado mercado; processo-resultado; meio-finalidade; controle-flexibilização. MOREIRA (1998). Juiz Federal em Goiânia, tratando do tema: “Tendências do Direito Administrativo” e vislumbrando mudanças radicais, revelava profunda inquietação em face daqueles mesmos dilemas, que convulsionam lineares equilíbrios e consensos, onde se percebe uma grande distancia entre as antigas teorias acolhidas nos manuais e na jurisprudência e a demanda de respostas no campo da realidade. MODESTO (1997: 3), um dos principais assessores da Reforma Administrativa ao citar: “(...) operando com o objeto linguístico, socialmente condicionado, irá apresentá-lo ao domínio público, mediante decisão interpretativa como resultado do seu próprio labor”. Alerta enfático que norteia que devemos ter atitude aberta, de ânimo desarmado diante da mudança, lembrando a responsabilidade do jurista em relação às novas figuras. Por meio desta surge o instituto das Organizações Sociais, resultado de uma decisão interpretativa. Para (BARACHO, 1997), este instituto surge como superação da atual crise da dicotomia, público-privado ou da transição das ideias tradicionais da civilização ocidental, assentadas como paradigmas, e denunciando nítidas notas de fracasso do Estado no plano da governabilidade, da interrelação com a sociedade, da relação com o mercado, no plano da gestão administrativa e no sistema jurídico, potencializa nova conformação das estruturas políticas, econômicas, sociais, jurídicas e administrativas. Essa superação da dicotomia público-privado quebra o monopólio estatal sobre a política, abrindo espaço à sociedade civil, o que , por sua vez, leva a um quadro de hesitações e dificuldades dos governos em face das matrizes de autoridade e decisão, vulneradas pelas pressões para descentralização e flexibilização de poder (IBIDEM). OLIVEIRA (1997) cita: “As teorias contemporâneas (...) estão colocando em xeque as bases filosóficas da tradicional Teoria do Estado (...) na medida em que buscam fundamento em teorias sociais mais sofisticadas que procuram refletir acerca da hiperdiferenciação das sociedades complexas atuais.” E lembra: “Para as teorias da sociedade civil e da democracia como as avançadas por Jürgen Habermas, há que se reconstruir, por um lado, tanto um conceito de sociedade civil que não se reduza ao mercado, quanto, por outro lado, um conceito de esfera pública que não se reduza ao Estado, em que processos societários sejam encarados de modo mais amplo.” Sob a ótica da sociedade, sob a perspectiva dinâmica, se revela o descompasso entre o aparato estatal estático e limitador e a realidade a ela imanente, cada vez mais complexificada. As dinâmicas da vida e das demandas reais e diárias deixam a sociedade democrática perplexa diante a força da burocracia estatal e, ao mesmo tempo, diante do próprio esgotamento da lógica participativa, pela descrença nos resultados. (CARVALHO NETTO, 1998) alerta para os riscos da estatatização das esferas de participação, como os conselhos e as associações, com a mera substituição de agentes e, por outro, o da criação de clientelas e formação de feudos e cartéis. Inegável a crise que a sociedade evidencia e sofre com a verdadeira mudança de paradigma que a coloca como espaço de produção do público, aflorando em seu seio interesses privados e interesses públicos, fruto da evolução da sociedade, onde o poder público ainda não consegue dar respostas a dinâmica dessas demandas contemporâneas no seu de sua administração publica, jurídica e burocrática. Notório o anacronismo do aparelhamento em termos de organicidade, gestão e racionalidade técnica distancia progressivamente o Estado do padrão de respostas demandadas no cenário das sociedades pós-industriais, hipercomplexas para atendimento de interesses metaindividuais relativos a esferas cada vez mais abrangentes. A crise acentua-se na forma de administração, pelas sensíveis disfunções da burocracia. Crise do direito. A emergência de novos paradigmas, essencialmente a superação da dicotomia, público-privado, revoluciona o direito em seus conceitos, chamando-o a novas funções, em especial, de integração social. (CARVALHO NETO, 1998) alerta para a necessidade de ajustes à realidade subjacente por meio de processo legislativo ou interpretativo como possível resposta à constante tensão, permanência e mutação. Onde percebemos que urge a aproximação entre a realidade administrativa versus as demandas cotidianas da sociedade que segundo (HABERMAS, 1996) desafia o reconhecimento dos espaços públicos como arenas de consenso, lócus de discussão do Estado e esferas públicas mais amplas. Urge a reforma do Estado que é conjugando por diversas ideias, que gravitam em torno de uma mesma centralidade, o reconhecimento de esfera pública da própria sociedade, MOREIRA NETO (1997:184-185) defende a necessidade da Reforma da Constituição que ele considera como uma: “(...) camisa-de-força, arremedo tupiniquim de constituição dirigente” e mostra, “entre as linhas de orientação dessa reversão, espelhando as novas tendências institucionais vislumbradas na perspectiva do Estado, que se destaca a despolitização, aparecendo entrelaçada de várias maneiras com a pluralização dos interesses, a subsidiariedade e a delegação social; para assentar as bases justipolíticas do Estado do novo milênio”. BRESSER PEREIRA (1997:7), em artigo intitulado “Administrativa e Social”, afirma ser a atual Reforma Administrativa gerencial e social-democrática. Gerencial porque busca inspiração na administração das empresas privadas (...). Social-democrática porque o Estado tem a obrigação moral de garantir os direitos sociais Nesse sentido, sustenta: "(...) os serviços sociais no Brasil continuarão a ser garantidos pelo Estado. A educação de primeiro e segundo graus e a saúde continuarão a ser direitos universais; mas a sua execução deverá ser realizada por organizações públicas não-estatais, entidades sem fins lucrativos, de direito privado, voltadas para o interesse do público." (IBIDEM). Ao falarmos do contrato de gestão como instrumento gerencial, no tocante ao enfoque da ruptura com a Administração burocrática, relevante inovação da Reforma Administrativa é introduzida pelo art. 37, § 8º-, da Constituição Federal, que traz para o plano constitucional a figura do “contrato de gestão” — Mecanismo de sustentação da administração por resultados —, que se constituirá válvula de flexibilização de dispositivos que incidem diretamente no campo de autonomia de órgãos e entidades. Novas institucionalidades administrativas foram estruturadas a partir dessa figura, como as Agências Regulatórias e as Organizações Sociais, embora o referido dispositivo constitucional não se refira a essas diretamente. LIMA (1996:28) registra a seguinte noção acerca da espécie: “(...) Contrato de gestão é um instrumento gerencial originado da administração por objetivos, também denominada administração por resultados ou administração sistêmica por objetivos e resultados.” RAMOS (1997:84), especialista em políticas públicas e gestão governamental do MARE, comentando a experiência internacional e nacional em contratualização, afirma: “Dentre as opções de reforma do serviço público que têm se verificado em todo o mundo, cresce, em popularidade, a experimentação em torno da assim chamada contratualização”. Sustenta que esse “movimento pode ser entendido como uma incorporação das (chamadas) críticas neoliberais em prol da necessidade de um comportamento empresarial autônomo em certas esferas de Governo.” (IBIDEM). A Emenda Constitucional nº- 19/98, o instrumento gerencial ganha ênfase na relação do Estado com as agências executivas e Organizações Sociais, podendo ser assim definido em sentido estrito: “O contrato de gestão é um compromisso institucional entre o Estado, por intermédio de seus ministérios, e uma entidade pública estatal, a ser qualificada como Agência Executiva, ou uma “Entidade não estatal, qualificada como Organização Social.” (LIMA, 1996:36). Principais críticas ao modelo gerencial de Organização Social. • O Governo sustenta a superação da dicotomia Estado-cidadão mediante controle social. Contudo, esse não está adequadamente instrumentalizado nem no plano normativo nem na prática administrativa. • Como as organizações podem lidar com direitos dos cidadãos (art. 5º-) relacionados com necessidades básicas que têm no Estado o principal garantidor, podem ser instrumentos da substituição da garantia de serviços pela venda desses, o que reforça a excludência e acentua desigualdades de acesso e fruição. • O modelo institucional proposto pode constituir-se em fator inibidor da capacidade criativa dos entes políticos quanto à busca de alternativas próprias para prestação de seus serviços no campo autônomo da organização administrativa, habituados à abservância servil e simétrica aos padrões da União. • A medida de fomento à criação de organizações para imediata e completa absorção de serviços pode ser desastrosa, já que é condição de sucesso a sua real institucionalização, o que só poderá ocorrer a partir de processo de construção de sua identidade, com a sua internalização pela sociedade, afastadas as soluções artificiais. É certo que cuida a lei de determinar a adoção pelas organizações de denominação e símbolos da entidade congênere extinta no âmbito da administração. Isso, contudo, não é suficiente. A alternativa, se não for adotada com absoluta seriedade e de forma processual, pode levar ao desmonte do setor público, a inviabilizar até o papel subsidiário do Estado e, com isso, deslocar tais serviços do âmbito comunitário, no caso de ineficiência desses, para o mercado. A confusão das entidades qualificadas como organizações sociais e aquelas declaradas de utilidade pública, tendo em vista a identidade de seu substrato, pode levar à estruturação de preconceitos e ceticismo quanto ao seu papel transformador no campo das políticas públicas sociais, tão impactados pelo clientelismo. Pontos positivos: Há um amplo processo de mutação, rupturas e crises que impacta estruturas políticas, econômicas, sociais e jurídicas. O enfrentamento desse quadro tem-se dado por processos de Reforma do Estado, com base em ideias estruturantes de caráter múltiplo: subsidiariedade, Superação de dicotomias clássicas, reengenharia constitucional, institucionalização de formas discursivas e reconstrução da compreensão normativa do Estado constitucional, despolitização, entre outras. A Reforma brasileira opta por compulsiva alteração da Constituição, especialmente no que repercute na esfera da Administração Pública, consagrando nítido afastamento da administração burocrática para a adoção da administração gerencial ou por resultados. Sob essa perspectiva, setorializa-se o Estado em núcleos específicos, aplicando sê-lhes, na maior extensão, a administração gerencial. No terceiro setor, integrado por entidades não estatais, pretende a Reforma concentrar os serviços públicos relevantes de caráter não exclusivo do Estado mediante o Programa de publicização, instrumentalizado pelas Organizações Sociais, de caráter privado, ligadas ao ente estatal por contrato de gestão. Essas Organizações Sociais constituem novas institucionalidades no sentido de que são agora veiculadas em contexto interpretativo novo, que traz para a compreensão da figura jurídica novos elementos de consideração do espaço público. São as OS, de algum modo, retorno a forma antiga de flexibilização de gestão. Não integram, contudo a Administração Pública (estatal), nem constituem alternativas para delegação, já que atuam em campo que já lhes é próprio. Sua condição de OS decorre, por isso mesmo, de mero processo de reconhecimento, mediante titulação, à semelhança da declaração de utilidade pública de entidades privadas. A simples qualificação como OS não lhes desnatura o regime privado que, em parte, pode ficar derrogado em razão da sua submissão aos ditames de ordem Pública decorrente do contrato de gestão. Com efeito, esse é, paradoxalmente, instrumento de flexibilização do regime público para as agências executivas (públicas) e de comunicação de ordem impositiva de caráter administrativo às Organizações Sociais (privadas). O modelo institucional adotado pela União está consubstanciado na Lei nº- 9637, de 15 de maio de 1998, devendo ser paulatinamente aperfeiçoado. No plano dos Estados e Municípios, a autonomia de cada ente sustentará alternativas legislativas próprias, as quais, por sua vez, deverão resultar de aprofundadas e amplas discussões. O tema "Organizações Sociais" está a demandar grande esforço não só de juristas, como de estudiosos de outras searas da ciência, tendo em vista as amplas repercussões que se desenham ou se potencializam a partir dessas novas institucionalidades. O sucesso do modelo dependerá da efetividade do controle social que deverá ser estruturado segundo as peculiariedades dos serviços publicizáveis e do universo de usuários. BELTRÃO (1984:12) afirma que "existe entre nós uma curiosa inclinação para racionar, legislar e administrar tendo em vista um país imaginário, que não é o nosso (...)”. Ora, um modelo de organização como se projeta só pode ter sido concebido sob o sonho de um controle social efetivo. E que esse sonho não nos frustre a todos nem se transforme num grande pesadelo no campo de prestação de serviços públicos no Brasil. Que as alternativas não se transformem num desmonte do Estado e que, efetivamente, levem à ruptura da matriz patrimonialista, cartorial, clientelista e corporativa, sem substituição pela privatização do espaço público comunitário. Que na confusão de esferas, potencialmente tão rica para a emancipação da sociedade brasileira, não se confundam também o patrimônio público e o particular, o interesse geral e o de poucos. Que a Reforma transcenda a dimensão institucional-legal, a perspectiva de gestão, e consiga estabelecer-se no plano da cultura, cumprindo-se as recomendações feitas por MOTTA (1998) (a partir de lições de Bretas Pereira, Caravantes, Donald Schon, Kleber Nascimento), no sentido de que as pessoas e suas criações desenvolvam a capacidade de aprenderem, como condição de sua própria sobrevivência; o sistema social adquira a capacidade de novo comportamento, para fazer face às tendências esclerosantes das pessoas e organizações, e que se efetive o papel do governo central de aprendiz e facilitador da aprendizagem. Vamos esperar, com BRESSER PEREIRA, que se assimile seu discurso recorrente — que o Estado seja mais governável, a Administração Pública mais eficiente e efetiva na condução das políticas públicas e os políticos e burocratas mais responsáveis perante a sociedade — e, então, possa o Brasil encontrar o caminho da ampla solidariedade social para verdadeiras transformações. Que o caminho não seja o do efetivo desmonte da máquina pública e de precarização dos direitos. No Estado do Ceará, dispomos de uma OS, que foi a primeira do Brasil a administrar um equipamento Cultural, o Centro Dragão do Mar que na sua inauguração era o maior Centro Cultural da América Latina com 30.000 quadrados, e, hoje administra por meio de contratos de Gestão mais 03 (Três) equipamentos: A Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu de Sousa Sobrinho, O Centro Cultural do Bom Jardim e a Escola de Formação em Artes Porto Iracema. Pela ampliação de metas e contratos cremos que o Instituto de Artes e Cultura do Ceará – IACC, instituição titulada com Organização Social para gerir estes equipamentos culturais cumpre seu papel dentro da legislação vigente. Referências: ANASTASIA, Antônio Augusto Junho. Reforma do Estado: uma necessidade? Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais. V.25. N.4. out./dez. 1997. p. 17-30. BARACHO, José Alfredo de Oliveira. O Princípio da subsidiariedade: Conceito e evolução. Belo Horizonte: Movimento Editorial da Faculdade de Direito da UFMG. 1995.