Resenha crítica do Texto: “TRANSPORTES, MODERNIZAÇÃO E FORMAÇÃO REGIONAL - subsídios a história da era ferroviária em minas gerais, 1870-1940”

Natália Carolina Tavares Ribeiro

O presente trabalho analisa o artigo “Transportes, modernização e formação regional: subsídios a história da era ferroviária em Minas Gerais, 1870-1940”, publicado pela Cedeplar, em conformidade com o conteúdo da disciplina de Formação Econômica do Brasil. No artigo, datado de abril de 2012, os autores Barbosa, Batista e Godoy apresentam as diretrizes que guiaram o processo de construção da malha ferroviária mineira, contextualizando-o no quadro mais amplo de modernização nacional dos meios de transporte, e avaliam a formação e administração das ferrovias no estado, sobretudo a partir de duas frentes críticas: em primeiro lugar, a incapacidade da malha ferroviária de integrar o mercado interno e promover o desenvolvimento regional; e em segundo lugar, o elevado custo aos cofres públicos no período, impulsionado pelo mau planejamento de concessões e privilégios ao setor privado. A chamada era ferroviária mineira ocorreu no horizonte temporal de 1870 - 1940, como o título do artigo sugere. Uma breve contextualização econômica do período é necessária para a compreensão das bases da revolução nesse tipo de transporte no país e no estado mineiro. 

Contexto econômico : âmbitos externo e interno.

No século XIX, sobretudo a partir de sua metade, a economia mundial vivenciou um intenso aumento dos fluxos comerciais, que foram determinantes para consolidação do capitalismo enquanto modo de produção dominante pós revolução industrial, inclusive em economias periféricas. De acordo com Silva, o aumento dos fluxos comerciais foi condição necessária para o desenvolvimento capitalista em nações onde esse modo de produção ainda era muito fraco, sobretudo em economias agrário-exportadoras, caso clássico do Brasil, por meio de novas tecnologias que proporcionavam maior eficiência no transporte de mercadorias, que fez com que os laços comerciais pudessem ser estreitados. No entanto, apesar dessa importante influência, o aumento do comércio por si só não é suficiente para modificar as relações de produção na economia de uma nação. Nesse sentido, segundo o autor, o que verdadeiramente explica a transformação nas relações de produção das economias periféricas nesse período é a exportação de capitais, que agora não se limita mais à troca de produtos, mas se envolve na apropriação da produção através do investimento em nível mundial, essa influência é exercida principalmente pela Grã- Bretanha. Os ingleses impulsionaram o desenvolvimento no mundo, na medida em que criaram, nessas economias, condições para endossarem o capitalismo.

As relações de trabalho também foram determinantes para a transformação da nova ordem capitalista mundial. Conforme ressalta Lamounier[1], as economias desenvolvidas já estavam inseridas em novas relações trabalhistas em que a escravidão não se mostrava eficiente e não atendia aos anseios da burguesia ascendente. Inclusive, nos países periféricos a escravidão já mostrava sinais de esgotamento, o mundo necessitava de uma nova organização do trabalho em que houvesse a formação de um mercado consumidor para os produtos industriais. Para garantir que essa premissa fosse generalizada mundialmente o tráfico internacional de escravos foi proibido a partir de 1850 e posteriormente houve diversas medidas de abolição gradativa da escravidão.

No âmbito interno, a inserção de Cuba na produção açucareira, com vantagem de localização em relação aos principais mercados consumidores, impactou negativamente na produção açucareira brasileira. Em consonância, a mão-de-obra escassa, após a proibição do tráfico internacional de escravos, agravava ainda mais a situação da economia. Outras culturas produzidas no Brasil se mostravam pouco interessantes para o mercado internacional. Nesse contexto, o café surgiu como alternativa viável para o açúcar, dado que sua demanda passava por elevação no mercado internacional, e seu principal fator de produção era a terra.

O café já era cultivado em terras brasileiras desde antes de 1820, porém, após a década de 1870 a demanda por café aumenta expressivamente e o Brasil, como “colônia destinada a fornecer ao comércio europeu alguns gêneros tropicais ou minerais de grande importância (...)”, (Prado Jr., 1969, p. 119)[2] aproveita esta nova oportunidade de se inserir como grande colônia agro-exportadora e expande sua fronteira agrícola cafeeira ao estado de São Paulo – tomando o status do Rio de Janeiro principal produtor do país. O crescimento acelerado da produção cafeeira e o deslocamento geográfico do centro da produção apresentam o Brasil à nova ordem trabalhista mundial, baseada em trabalho livre e a produção cafeeira passa a conhecer uma mecanização parcial que inclui novos modais logísticos de escoamento da produção.

A falta de braços capazes de conduzir a produção cafeeira foi uma preocupação iminente aos cafeicultores brasileiros. Havia o interesse dos cafeicultores em desprender trabalhadores livres que viviam em roças no interior do país para trabalhar nas grandes lavouras de café, entretanto, a falta de logística, além da forte relação estabelecida entre esses trabalhadores e sua terra, inviabilizavam esta alternativa. Havia também, quantidade significativa de trabalhadores engajados na mobilidade da produção por meios rudimentares (lombos de mulas, carros de boi): os famosos tropeiros. Para os cafeicultores, a construção das estradas de ferro poderia deslocar essa quantidade de trabalhadores que se veriam disponíveis para atuar diretamente na produção do café.

Era ferroviária.

Em abril de 1854 foram construídos os primeiros 14,5 km de ferrovia no Brasil. Em um primeiro momento de expansão da malha, o crescimento foi relativamente lento, chegando a modestos 1.357 km em 1874. Já em 1880, esse montante subiu para 3.397,9 km, dando início, a partir daí, ao auge da era ferroviária brasileira. Entre 1880 e 1920 a média de crescimento anual da malha ferroviária foi de 613 km por ano, alcançando o montante de 28.534,9 km no último ano desse período. Nas décadas subsequentes, o crescimento ocorreu em ritmo menos acelerado, porém significante, atingindo 38.339 km em ferrovias no ano de 1960, quando, a partir daí, iniciou-se uma intensa desativação da malha, com balanço negativo de (-) 6461 km nessa década. 

O transporte ferroviário foi fundamental para a atividade cafeeira. De acordo com Silva[3], o desenvolvimento dessa cultura não seria possível sem a ampliação da malha. Naturalmente, um modelo de inserção econômica com base em uma cultura específica exige produção e comercialização em larga escala. Os meios de transporte da época representavam um enorme obstáculo à produção em larga escala, tão necessária ao desenvolvimento do produto. Isso porque os meios terrestres eram restritos às mulas e outros animais, sendo o tropeiro, aquele que as guiava, o principal meio de escoamento da produção. Além de limitar a capacidade quantitativa, esse tipo de transporte representava elevados custos em frete. A instalação das estradas de ferro, além de permitir o escoamento de grandes quantidades de café, reduziu o custo de frete em até seis vezes, conforme afirma Silva. Outros benefícios comerciais foram a redução do tempo de viagem e eliminação das muitas incertezas associadas ao transporte, o que garantiam maior previsibilidade nas transações e credibilidade dos produtores. Em outro sentido, as ferrovias permitiram maior circulação de pessoas e informações no mercado interno, além, obviamente, de bens. Foram exitosas, portanto, na maior integração entre as diversas províncias do país, sobretudo na região Sudeste.

Era ferroviária mineira

O transporte ferroviário surgiu para atender as necessidades da classe cafeeira em ascensão, localizadas no Rio de Janeiro e, principalmente, em São Paulo. Isso refletiu, inclusive, nos tipos de ferrovias adotados no país: ferrovias que ligam a costa ao interior, como elos principais; e ferrovias secundárias, ligadas às principais, como ramificações que levam a localidades mais interiores. Naturalmente, esses estados receberam boa parte das instalações das estradas de ferro. Além deles, concentrou-se também no Espírito Santo e

Minas Gerais, sendo esse último, o estado que teve a maior extensão ferroviária do país. Ao contrário de São Paulo, as ferrovias mineiras não possuíam um intuito bem definido. Como explicitam Barbosa, Batista e Godoy (2012), em Minas Gerais prevaleceu a ideia de que estradas de ferro representavam o progresso em seu fim, e não como meio de desenvolvimento. Nesse sentido, em nenhum momento da era ferroviária mineira se definiu claramente o papel estratégico das estradas de ferro em um projeto de desenvolvimento mais amplo. Esse projeto não existiu. A extensa malha ferroviária mineira foi grande em seu tamanho, mas pequena em sua real contribuição.

Evidentemente, a existência do transporte férreo facilitou o fluxo de pessoas, bens e informações, como ocorreu no Sudeste como um todo, mas, no caso de Minas Gerais, isso não representou uma integração do mercado regional. As ferrovias ligavam regiões semelhantes e concorrentes, mas nenhuma com uma atividade realmente lucrativa e de larga escala, a ponto de justificar os investimentos nesse transporte. Pelo contrário, aumentou a posição subordinada do estado em relação aos vizinhos Rio de Janeiro e São Paulo, na medida em que representava um mercado de abastecimento de bens e mão-de-obra aos dois e recebia da produção de café. No processo de divisão interna de trabalho, Minas Gerais ocupou, durante esse período, posição secundária em relação aos estados mais importantes do país. 

Importante ressaltar a história colonial brasileira, determinante para compreensão desse período mineiro. O Brasil, desde os primórdios de sua colonização, exerceu uma função de abastecimento do mercado europeu, sempre com papel estratégico nas políticas européias: nasceu e cresceu como um país agrário-exportador, de acordo com interesse dos mais desenvolvidos. As regiões mais importantes para o país eram as produtoras de bens transacionáveis, de modo que o mercado interno era demasiadamente pobre e pequeno. No ciclo cafeeiro, São Paulo, principalmente, e Rio de Janeiro eram as regiões produtoras do principal produto de exportação. Minas Gerais, pelo contrário, não possuía atividade econômica relevante para o comércio internacional- visto que a mineração já entrara em declínio muito tempo antes- logo, não figurava entre as principais regiões do país. O contexto em que foram implantadas as ferrovias, ciclo cafeeiro, não era favorável ao estado mineiro.

Dado esse contexto, o transporte ferroviário não representara uma atividade lucrativa para Minas Gerais. Com isso, garantias públicas ao capital privado eram exageradas. Provavelmente, sem os privilégios concedidos para as empresas privadas a malha mineira não chegaria a extensão que chegou. Mesmo com esses benefícios, a partir da década de 1910, governo provincial e federal passaram a ser responsáveis por toda atividade no estado, ficando ao encargo público todo ônus de manutenção, administração e construção de ferrovias. 

Em resumo, ao analisarmos a estrutura ferroviária mineira e sua importância para a dinâmica da produção cafeeira assim como a influência que a logística do café exerceu sobre as modificações na estrutura socioeconômica brasileira. Uma das conclusões mais importantes se dá no campo da formação da mão-de-obra assalariada em detrimento da mão-de-obra escrava, uma vez que as ferrovias, além de proporcionarem o deslocamento de uma quantidade significativa de trabalhadores antes envolvidos na logística do café para a produção cafeeira em si, proporcionou maior facilidade de migração de trabalhadores que antes se encontravam isolados em roças no interior do País. Ao mesmo tempo, a expansão ferroviária aumentou a fronteira agrícola elevando a necessidade de mão-de-obra para viabilizar a expansão da produção.

Em Minas Gerais, a falta de planejamento na construção e modernização da malha ferroviária, que causou elevado ônus ao estado demonstra a clara falta de responsabilidade das autoridades no que diz respeito a dinamização do mercado interno, reforçando a ideia que o Brasil nada mais era que uma colônia de exploração destinada apenas a fornecer gêneros primários ao mercado europeu. Esse desinteresse com o mercado interno brasileiro irá se imprimir em diversos outros momentos históricos à frente.

[1] Lamounier, Maria Lúcia. Agricultura e Mercado de Trabalho: Trabalhadores Brasileiros Livres nas Fazendas de Café e na Construção de Ferrovias em São Paulo, 1850-1890.

[2] PRADO JÚNIOR, Caio. Formação Do Brasil Contemporâneo: Colônia. 11ªed. São Paulo: Brasiliense, 1971.390p.

[3] SILVA, Sergio. Expansão cafeeira e origens da indústria no Brasil. 7a ed. São Paulo: Alfa-Omega, 1986. 114p.