RESENHA CRÍTICA DO LIVRO “UMA NOVA VISÃO DO PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA NO DIREITO PENAL”

Por Márcio Melo*

Para o Professor/Mestre Urbano Félix Pugliese do Bomfim.

Estamos do lado daqueles que, como nós, amam o perigo, a aventura. Daqueles que não se deixam acomodar, capturar, conciliar e castrar. Refletimos sobre a necessidade de novas disposições. Somos CONTRA a todos que sempre estão do lado do Sim e do Talvez. Nós estamos do lado do Não!

(Márcio Melo, com base em Nietzsche – A Gaia Ciência)

Estivemos presentes ao lançamento do livro do Professor/Mestre Urbano Félix Pugliese do Bomfim “Uma Nova Visão do Princípio da Intervenção Mínima no Direito Penal”, que aconteceu no auditório da Universidade do Estado da Bahia – UNEB/Campus IV – em Jacobina, no dia 18 deste mês de outubro. Na cerimônia de lançamento, além do autor, que é professor de Direito Penal e Criminologia e coordenador do colegiado do Curso de Direito, a mesa foi composta pelos também professores do Campus IV: Ms. Alfredo, Ms Fábio e Ms Ricardo Sampaio, que falaram da importância do livro e do trabalho do professor Urbano no Campus.

O livro, que é o seu trabalho de dissertação defendido em 2009 no Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (PPGD-UFBA), ora lançado pelo Selo Editorial Òmnira (Série Jurídica), é composto de seis capítulos: 1. Introdução; 2. A Aplicação do Princípio da Intervenção Mínima Perante as Atuações Violentas Estatais; 3. Sistema Conceitual; 4. As Quatro Forças; 5. A Aplicação da Intervenção Mínima na Dogmática Brasileira; e 6. Considerações Finais. Além de uma extensa bibliografia. Tudo nele é expresso numa linguagem maravilhosa, e o autor nos encanta e nos faz refletir, para que não sucumbamos ante as verdades que nos faz ver.

Segundo o prefaciador do livro, o também professor Pedro Augusto Lopes Sabino (UNEB/Campus XV), o autor prima “pelo esmero da pesquisa, pela elegância de estilo redacional e pelo rigor formal da apresentação.” E ainda segundo o mesmo (p. 16) “no Brasil, assim como em outros países, verificam-se disputas teóricas voltadas para o aprimoramento do sistema repressivo do Estado. Essas grandes discussões, mesmo quando pautadas em termos extremamente abstratos, são destinadas a resolver problemas práticos sentidos pelos cidadãos. Considerando a abertura do texto constitucional, as soluções propostas variam radicalmente e, em maior ou menor medida, alinham a outras comprometidas com uma orientação ideológica”. Ele se questiona então: qual seria o referencial ideológico do autor do livro? E responde: “Sem dúvida não se trata de um autor encantado pelo discurso do simples aumento do aparato repressivo do Estado. Ideologicamente, sem prejuízo da eficiência da intervenção estatal, compromete-se com a limitação do poder e com a garantia do maior espaço de liberdade possível para o cidadão.”

Podemos apontar, com o nosso olhar de historiador, que a obra é interdisciplinar, por se tratar também de um estudo histórico, onde o olhar atento do pesquisador interliga as fontes e os registros em um diálogo profundo e competente entre o Direito e a História. Portanto, além de um estudo de Direito Penal, o livro também pode ser utilizado por professores e estudantes da História do Direito tranquilamente.

É um ótimo livro. Defende uma ideia utópica para os dias hodiernos, mas muito pertinente. E o que seria de nós, se não fosse a utopia? Ela nos alimenta, é o nosso combustível diário...

Defendemos que a ideia é utópica porque, desde o início, vivemos num Estado montado na violência. Quando os portugueses vieram ocupar essas terras, há mais de quinhentos anos, eles trouxeram junto sua fé, sua lei e seu rei. E assim aprendemos, desde então, que quem manda, tem as mãos mais pesadas (não é assim, quando crianças, com os nossos pais?). E aquele famoso ditado tupiniquim: “Manda quem pode, obedece quem tem juízo”? Sendo assim, a intervenção mínima, num Estado sempre violento como o nosso, é difícil de ser alcançado. Mas precisamos mesmo advogá-la, obviamente.

Já no início do livro, no capítulo 2 (página 33 em diante), o autor traz inúmeras explicações do que vem a ser o princípio da intervenção mínima. A que consideramos mais pertinente é a que o autor extrai de um livro do Sebástian Mello, citada na página 53: “o referido autor considera que o princípio seria uma densificação dos princípios da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88), em conjunto com o art. 5º, caput, da Carta Magna, que consagra a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.”

No entanto, diferentemente do que está expresso na nossa Carta Magna, no nosso país, de bandeira verde e amarela, as ruas andam manchadas de sangue. É aqui onde mais se mata com armas de fogo! No dia do lançamento do referido livro, mais um jovem de 20 anos, periférico, foi assassinado em plena luz do dia em Jacobina! É a certeza da impunidade, num Estado Democrático de Direito. Mas não podemos, como estudantes e professores de Direito, achar tudo isso comum, normal. Não é comum, e não podemos ser coniventes pelo silêncio. Precisamos sim protestar e exigir das autoridades competentes uma atitude, pois o tempo das execuções sumárias já deveria ter ficado no passado, nas páginas dos livros de História do Brasil, como nos lembra o Chico Buarque, naquela música famosa “Vai Passar”: “Num tempo/ Página infeliz da nossa história/ Passagem desbotada na memória/ Das nossas novas gerações...” O que não podemos aceitar como algo normal, natural, como o próprio autor coloca no livro (p. 31), é só “os muito fracos serem punidos, aviltados, massacrados, dizimados.” A esses muito fracos da sociedade, o autor dá o nome de extremófilos. São os extremófilos, no país dos extremos!

Assim, usando novamente uma passagem do livro em questão (p. 40), na contemporaneidade “a violência estatal continua a existir em âmbito social, apesar dos avanços humanitários realizados através da legislação protetiva dos direitos humanos perante o Estado-penal.” Nesse nosso imenso país tropical, para alguns (a maioria), o mundo penal funciona!

In summa [em suma]: o leitor mais atento deste livro deve ser levado, ao final da sua leitura, a se perguntar se não seria um erro antropológico, uma má ideia, imaginar que, enquanto comunidade, seja possível viver sem leis, sem Direito. Esse é o grande sonho dos libertários, dos anarquistas, dos utópicos! As leis que os homens criam, todos os dias, servem para tentar organizar esse mundo essencialmente caótico, para que possam habitá-lo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BUARQUE, Chico. 1984/ Abril Coleções. – São Paulo: Abril, 2010.

NIETZSCHE, F. W. A gaia ciência/ tradução, notas e posfácio Paulo César de Souza. – São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

PUGLIESE, Urbano Félix. Uma nova visão do princípio da intervenção mínima no direito penal. – Salvador: Òmnira, 2011.

(Márcio Melo, professor de História no Ensino Médio; professor de História na Faculdade Cenecista de Senhor do Bonfim (FACESB); especialista em ensino de História e História Africana e Afro-Brasileira (IBPEX); estudante de Direito na Universidade do Estado da Bahia (UNEB/Campus IV). Outubro de 2011)