Do Estado Patrimonial ao Gerencial

No início do século XX em meados de 1921 a 1930 o Brasil era um estado Oligárquico-Patrimonial com uma economia Mercantil e sociedade Senhoral, ou seja, que mal saiu do escravismo. Nesta fase o estado arrecadava impostos das classes, particularmente a burguesia mercantil, que eram usados para sustento do estamento dominante e o grande corpo de funcionários de nível médio a ele ligados por laços de toda ordem. Uma função fundamental do estado nesta época era garantir empregos para a classe média pobre ligada por laços de família ou de agregação aos proprietários rurais. A elite brasileira era formada fundamentalmente por juristas, e tais eram em regra magistrados, funcionários do estado, como é próprio do patrimonialismo. O poder do estado patrimonial era grande de acordo com Faoro mas mesmo assim não pode ser considerado único.

Quando a burocracia estamental, de caráter aristocrático, começa a ser incutida por elementos externos, de origem social mais baixa, como aconteceu com o clero e, dentro do aparelho do Estado propriamente dito, com os militares do Exército, é claro que já não se pode mais falar com precisão de um estamento patrimonial. A partir de então é a administração pública burocrática que está surgindo, é o autoritarismo burocrático-capitalista que está emergindo através principalmente dos militares e das revoluções que promovem em nome de uma abstrata “razão”, cujas fontes capitalistas e burocráticas clássicas são claras.

Já entre 1930 e 1945 e entre 1964 e 1985 o estado passou de Oligárquico-Patrimonial para Autoritário Modernizador e Burocrático com uma sociedade Capitalista Industrial foram transições rápidas no Brasil, próprias de um país que pula etapas, mas conservar-se subdesenvolvido, que se moderniza, mas conservar-se atrasado por ser dual e injusto. A economia mesmo passando por intenso processo de industrialização não se tornou desenvolvida, já que os países ricos cresceram a taxas por habitantes maiores e aumentaram a sua distancia econômica e tecnológica em relação ao Brasil.

Passado o entusiasmo inicial da Proclamação da República, no meio das ideias nem mesmo a elite conseguia chegar a certo acordo quando a definição de qual deveria ser a relação entre o cidadão com o estado. Desde então com o estabelecimento da federação na Constituição de 1891, e a decorrente descentralização política de um Estado que no Império fora altamente centralizado, o poder dos governadores e das oligarquias locais aumentara ao invés de diminuir. Varga atuou por 15 anos e estabeleceu afinal o poder da União sobre os estados federados e as oligarquias locais e do impulso ao processo de industrialização.

A reforma burocrática brasileira, que tivera como antecessor o embaixador Maurício Nabuco, ao reformar o Ministério das Relações Interesses ainda no final dos anos 20, inicia-se de fato em 1936, sob a liderança de Getúlio Vargas e de seu delegado para essa matéria, Luiz Simões Lopes. Foi então criado neste ano o Conselho Federal do Serviço Público Civil, que se consolida através de sua transformação, dois anos depois, no DASP (Departamento Administrativo do Serviço Público), que passou a ser seu órgão executor e, também, formulador da nova forma de pensar e organizar a administração pública. Dessa forma, enquanto o Estado Patrimonial teve longa duração no seio da Sociedade Mercantil e Senhorial, o Estado Burocrático, na Sociedade Capitalista, Industrial teve vida curta.

Mesmo com a reforma burocrática que havia se iniciado em 1938 já se enxergava o primeiro sinal da administração pública gerencial, com a criação da primeira autarquia. O estado foi democrático entre 1946 e 1964 e a partir de 1985 e permanece nos dias de hoje. É um estado democrático entre burocrático e gerencial, presidindo sobre uma economia capitalista globalizada e uma sociedade que não já não é mais de classe e sim de estratos; uma sociedade pós-industrial. Os estudos para uma reforma que tornasse mais eficiente a administração pública começaram a ser realizados em 1963, quando o Presidente João Goulart nomeou o deputado Amaral Peixoto Ministro Extraordinário para a Reforma Administrativa, com a incumbência de dirigir diversos grupos de estudos encarregados da formulação de projetos de reforma.

Em 1964 os militares interferem pela quarta e última vez na história do país, e por quase vinte anos teve-se um regime autoritário modernizador, burocrático-capitalista. Celebrou-se então uma grande aliança da moderna burocracia civil e militar com as classes médias burocráticas do setor privado (que então já haviam crescido e se diversificado), e com a burguesia brasileira, que deixava de ser mercantil e mesmo industrial para ser uma classe capitalista diversificada e complexa.

Mais uma vez no poder, os militares promovem, com a ativa participação de civis, a reforma administrativa de 1967, consubstanciada no Decreto-Lei 200. Esta era uma reforma pioneira, que prenunciava as reformas gerenciais que ocorreriam em alguns países do mundo desenvolvido a partir dos anos 80, e no Brasil a partir de 1995, ou seja, uma administração para o desenvolvimento.

O aspecto mais acentuado da Reforma Desenvolvimentista de 1967 foi à desconcentração para a administração indireta, particularmente para as fundações de direito privado criadas pelo Estado, as empresas públicas e as empresas de economia mista, além das autarquias, que já existiam desde 1938. Em resumo o Decreto-Lei 200 foi uma tentativa de superação da rigidez burocrática, podendo ser considerado como um primeiro momento da administração gerencial no Brasil.

Mas esta reforma teve duas consequências inesperadas. Primeiro ao permitir a contratação de empregados sem concurso público, facilitou a sobrevivência de práticas clientelistas ou fisiológicas. E segundo ao não se preocupar com mudanças no âmbito da administração direta ou central, que foi vista pejorativamente como ‘burocrática’ ou rígida, deixou de realizar concursos e de desenvolver carreiras de altos administradores.

Em 1985 volta-se a um regime burocrático, nos dois primeiros anos do regime democrático a crise fiscal e a necessidade de rever a forma de intervenção do Estado na economia foram ignoradas. O retorno da democracia tornava a retomada do desenvolvimento e a realização da justiça social uma questão de vontade. Sobre a nova administração pública da Constituição de 1988 foi o resultado da coalizão política que presidiu o governo Sarney, uma coalizão democrática, já por outro lado, a administração pública na Constituição de 1988 foi o resultado de deliberado esforço dos grupos burocráticos que, como constituintes eles próprios ou sob a forma de grupos de pressão, entenderam que deviam completar a reforma de 1936.

É interessante, entretanto, observar que o retrocesso burocrático ocorreu na véspera da crise definitiva do nacional-desenvolvimentismo. O retrocesso burocrático de 1988foi acompanhado de mudanças organizacionais no aparelho do Estado federal.

Em suma, o retrocesso burocrático ocorrido no país entre 1985 e 1989 foi uma reação ao clientelismo que dominou o país naqueles anos, mas por outro lado foi uma afirmação de privilégios corporativistas e patrimonialistas incompatíveis com o ethos burocrático. Foi muito além, uma consequência de uma atitude defensiva da alta burocracia, que, sentindo-se acuada, injustamente acusada, defendeu-se de forma irracional. Como resultado o desprestígio da administração pública brasileira, não obstante o fato de que esta seja majoritariamente formada por profissionais competentes, honestos e dotados de espírito público.

E, no lugar disso, começa a surgir novos contornos que se tem hoje: uma mal definida Sociedade Pós-Industrial no qual as elites burguesas e burocráticas, estas públicas e privadas, aumentam em tamanho e se diversificam internamente, o mesmo fenômeno ocorrendo com a classe trabalhadora; e um Estado Gerencial em formação, a partir do momento em que a Reforma Gerencial de 1995 retoma as ideias de um Estado reconstruído, eficiente e democrático.

Em 1995 Fernando Henrique Cardozo assume a presidência, dessa forma, a grande crise que o país enfrentava desde os anos 80, era uma crise do Estado, mas uma crise recorrente, que decorria das distorções que o Estado sofrera nos 50 anos anteriores. Portanto a solução não era substituir o Estado pelo mercado, mas reformar e reconstruir o Estado para que este pudesse ser um agente efetivo e eficiente de regulação do mercado e de capacitação das empresas no processo competitivo internacional.

A implicação foi, no entanto elaborar, ainda no primeiro semestre de 1995, o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado e a emenda constitucional da reforma administrativa, baseando-se nas experiências recentes em países da OCDE, principalmente o Reino Unido, onde se arraigar-se a segunda grande reforma administrativa da história do capitalismo: depois da reforma burocrática do século passado, a reforma gerencial do final deste século. As novas ideias estavam em plena formação, e o Brasil tinha a oportunidade de participar desse grande movimento de reforma, e constituir-se no primeiro país em desenvolvimento a fazê-lo. Mas a resistência foi muito grande.

A reforma constitucional foi parte principal da Reforma Gerencial de 1995, já que mudou instituições normativas fundamentais. A Reforma Gerencial de 1995 teve três dimensões: uma institucional, outra cultural, e uma terceira, de gestão. A questão da propriedade é essencial no modelo da Reforma Gerencial. No cerne estratégico e nas atividades exclusivas do Estado, a propriedade será, por definição, estatal. Na produção de bens e serviços há hoje, em contraposição, um consenso cada vez maior de que a propriedade deve ser privada, particularmente nos casos em que o mercado controla as empresas comerciais. No domínio dos serviços sociais e científicos a propriedade deverá ser essencialmente pública não estatal. As atividades sociais, principalmente as de saúde, educação fundamental e de garantia de renda mínima, e a realização da pesquisa científica envolvem externalidades positivas e dizem respeito a direitos humanos fundamentais.

Três instituições organizacionais emergiram da reforma gerencial, ela própria um conjunto de novas instituições: as “agências reguladoras”, as “agências executivas”, e as “organizações sociais”.

REFERÊNCIAS

BRESSER-PEREIRA, L. C. Do estado patrimonial ao gerencial. In: Pinheiro, Wilheim e Sachs (orgs.), Brasil: Um Século de Transformações. p. 222-259. Anais... São Paulo: Cia. das Letras, 2001.