Tepe, Valfredo, 1918 - Antropologia Cristã: diálogo interdisciplinar. 1. Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003. 349 Pg.
Dom Valfredo Tepe 1918-2003 Brasileiro, depois de aposentado como bispo de Ilhéus em 1995, transferiu-se para Salvador, morando por sete anos na casa de retiro São Francisco. Nessa época se dedicou à leitura de obras teológicas e cientificas, atualizando, sobretudo os seus estudos de psicologia feitos na década de 1960 na PUC de São Paulo. As suas reflexões levaram-no a publicar diversos livros, como: Para que tanto sofrimento? ; Veio para servir; Pequeno Rebanho- Grande Sinal; Misericórdia eu quero. Durante esses anos viajava também pelo Brasil afora, pregando retiros.


O autor mostra que a Antropologia Cristã não se restringe ao setor espiritual do ser humano, mas também, embora ressalte este aspecto, busca a riqueza nos atuais avanços científicos nos setores psíquicos e somáticos. O livro abre um diálogo com a biologia e a psicologia modernas que abrem novos acessos ao enigma profundo do ser humano.



O projeto de elaborar uma antropologia cristã a partir dos dados da ciência atual é mais original e empenhativo do que parece, sobretudo por parte de um dignatário do sacerdócio católico. A "Apresentação" que celebra as muitas leituras do autor é de pouco proveito, porque o leitor é capaz de julgar pelo resultado. Um dos riscos era cair na superficialidade do concordismo, que viciou mais de uma exposição que pretendia conciliar ou reconciliar a ciência e a fé. Dom Tepe evitou este perigo ao consultar e resumir sem distorções obras contemporâneas, bem escolhidas, sem entrar nos detalhamentos muito técnicos, a fim de permanecer legível, mas sem descartar anotações, comentários ou recordações autobiográficos do gênero: "Agora, aposentado, gozo de excelente saúde aos oitenta e três anos..." (86). "Com este livro estou me envolvendo, pessoalmente, no diálogo interdisciplinar. Li não poucos livros informativos sobre o estado atual do conhecimento biológico. Admiro as descobertas de tantos cientistas e procuro assimilá-las. Depois de assimilá-las e integrá-las no meu esquema mental de antropologia, tento transmiti-las para meus leitores..." (92).

O Índice indica que a obra se divide em duas partes, a primeira, consagrada ao "diálogo com a biologia", e a segunda, ao "diálogo com a psicologia"; parece faltar um oportuno diálogo com a sociologia, mas os últimos capítulos, enfocando mais pastoral, teologia ecumênica do pluralismo religioso e espiritualidade encarnada movem-se bastante em terreno sociológico. Faltaria um diálogo com a arqueologia recente, se o enfoque fosse mais tipicamente bíblico e exegético. Em cada área o autor fornece um resumo suficiente das bases atuais da disciplina científica envolvida, mas evocando Schrödinger, por exemplo, acha inútil explicar por que o gato preso numa famosa caixa, vinculada ao nome deste físico, pode estar vivo ou morto, sem que o cientista possa saber se raios que penetraram a caixa romperam ou não a cápsula letal situada dentro da caixa. Basta saber que a física quântica está vinculada a um indeterminismo físico, sem que isso possa explicar a liberdade humana. Tampouco vinculou a hipótese das supercordas com a eventualidade de nosso mundo comportar não quatro dimensões, mas dez ou onze.

Sem misturar os gêneros e metodologias, após os dados do saber científico segue um comentário iluminado pela fé católica e sua espiritualidade. Evitando todo concordismo fácil, sobram muitas indagações por nós irrespondíveis. O método pediu tanto mais páginas que o autor usou com prodigalidade amplas citações, notadamente de Santo Agostinho. O confronto entre ensino científico e ensino religioso cristão é tanto mais amplo que o autor não oculta reações de sua subjetividade individual, de teor sempre razoável.

Apreciamos a habilidade com a qual ele atualizou os meandros das elaborações darwinianas com uma pitada de resgate do lamarkismo: "Não são as adaptações individuais que se transmitem na espécie. Mas os genes podem ser atingidos pelas experiências de um indivíduo. O genoma de um indivíduo vive no contexto com todas as células do organismo que sofre a influência do ambiente". Isto é, entre a adaptação do indivíduo e seus herdeiros intervém a modificação do capital genético. Ao evocar o criacionismo, porém, falta ao texto distinguir entre a doutrina da criação perfeitamente compatível com o evolucionismo e o criacionismo fundamentalista que recusa o evolucionismo e cujo arcaísmo encontra muitos defensores nos Estados Unidos.

A vida está radicada na química, ainda que permaneça de misteriosa origem, mas isto não impede uma enorme diversificação do DNA, cujo princípio parece ser único (37). De vez em quando, a tendência apologética reaparece: "Se o acaso não explica não se devia aceitar uma mente imensamente poderosa...?" (37). A interpretação cristã é a personalização desta entidade suprema, mas isto não parece evidente para todo cientista. A ordem que surge por vezes do caos ainda não revela todas as suas dimensões e procedências.

O autor aproveitou sadiamente a pista dos biólogos chilenos Maturana e Varela a respeito da "autopoiese" que caracteriza a auto-organização de todo ser vivo, ainda que o assunto ainda seja discutido, se o vírus é um ser vivo ou um cristal parasita? A respeito do cartesianismo, concordamos que a parte só se conhece convenientemente a partir da totalidade, mas a ciência do conjunto supõe uma anterior análise parte por parte, que foi o campo de estudo de Descartes. O relacionamento entre o campo empírico-científico e o mistério da Santíssima Trindade (42s) exige uma prudente reticência que nem sempre aparece em certos autores, sob pena de banalizar e reduzir um mistério divino que ultrapassa nosso entendimento.

"O zigoto, o embrião humano, antes de desenvolver o seu sistema nervoso ? o que parece para muitos seres indispensáveis para se falar em ser humano ? já utiliza alguma forma de cognição" (60). O autor está a par da biologia atual. O risco do clérigo lendo ciência atualizada é apontado pelo ditame da antiga escolástica: Quidquid recipitur ad modum recipientis (Tudo o que é recebido, à maneira do receptor é recebido) (61).

O autor repara com exatidão que as "leis da natureza" (objeto das investigações científicas) são diferentes da "lei natural" que a ética católica reivindica para sustentar seu edifício normativo, à luz da revelação (129). As metodologias de descoberta são diferentes: fundamental no último caso é a interpretação da natureza à luz da Revelação, ela mesma interpretada pelo magistério. De modo que o comportamento animal e as estatísticas relativas ao comportamento humano não têm influência sobre a ética oficializada pela Igreja. A categoria do lícito só tem cabimento no mundo humano.

Ainda mais ampla, a Segunda Parte trata do Diálogo com a psicologia. Ela evoca a difícil relação entre a psicologia profunda e a teologia. Pouco favorável a Freud, o autor é mais acessível a Jung, mais aberto a uma personalidade que uniria a consciência ao inconsciente no processo chamado de individuação. Trata-se da dinâmica religiosa pela qual o eu tende a se aperfeiçoar, imantado pelo Self que representa o sagrado ou o divino. A crítica feita a Jung, simpatizante do Cristianismo, mas não crente, parece excessiva na medida em que o autor não leva suficientemente em conta que, ao falar em Deus, Jung nunca entende exercer uma opção de fé religiosa, mas designa como psicólogo o arquétipo do numinoso divino na psique, deixando aberta a questão da existência ou não do Deus das religiões.

Algumas dificuldades que o autor teve com a Santa Sé a respeito de alguns escritos foram resolvidas e não impediram sua nomeação para o Conselho Teológico do Vaticano (Conselho Plenário da Congregação para a Doutrina da Fé). Seguindo, portanto, sua pesquisa, o autor aborda a questão do eu, que reemerge mais decisivamente posteriormente numa excelente evocação do budismo, que não deforma o essencial desta antiga filosofia-religiosa. Ocorre que a psicologia atual, ao desconfiar do eu (conceito mais filosófico do que biológico, não tendo órgão centralizador), tributário das mudanças individuais dos conteúdos psíquicos, alimenta a rejeição exercida pelo budismo no tocante a este tópico. Esta religião opõe à pretensa função de continuidade do eu a universal impermanência das criaturas no tempo. Com efeito, no ser humano, inexiste uma instância corporal, neuronal, centralizadora: o eu e a mente parecem fugir das localizações e exames biológicos. Ainda hoje, a psicologia do eu e a cristologia não se adequam facilmente: "o eu, expressão da mente" (66), exprime a natureza humana de Cristo, mas (neste caso único) não uma pessoa humana que inexiste no Verbo encarnado. "O eu é mistério" (103). As relações entre cérebro e mente ainda são confusas ou discutidas. Foi corajoso por parte do A. abordar sem tropeçar temas tão delicados. "Não dispomos de nenhuma boa teoria a respeito da causalidade mental", observou Colin McGinn, citado à p. 71.

Ao evocar Lacan, o destaque aponta o conceito de falta, de lacuna, raiz do desejo. Poder-se-ia evocar aqui que Françoise Dolto, eminente discípula (não citada) de Lacan, mas decidida católica, comentou os Evangelhos à luz do desejo que Jesus teria incentivado e não abafado. Nesta pista outro autor, contemporâneo e católico, não mencionado, poderia suscitar maior reflexão: René Girard, que baseia sua antropologia social sobre o desejo mimético, com forte acentuação sobre as raízes religiosas da humanidade e da cultura.

Ao acreditar criticar Descartes no seguimento de Damásio, o A. confirma o pensador do século 17: "Eu existo, eu sei que existo porque penso... No núcleo da mente existe o sujeito que afirma sua realidade como experiência própria subjetiva", escreveu D. Tepe (162); precisamente, eu sei que existo porque penso.

Apesar de algumas explanações que teriam ganhado se sintetizadas, o conjunto oferece um sucesso ao relacionar resultados objetivos de disciplinas científicas, atualizadas, sem distorção apologética, com dados teológicos e reflexões de espiritualidade cristã, freqüentemente entrecortados com lembranças de vivência personalizada, cujo subjetivismo não está desprovido de sentido ou sabor. Todo concordismo simplificador foi evitado e um raio de valiosa espiritualidade e humanismo emerge do conjunto, uma rara competência tendo em geral descartado banalidades comuns.

Os últimos capítulos envolvem muitas questões de pastoral, revelando sábia experiência de terreno. A abordagem da religiosidade, da teologia do pluralismo religioso, da inculturação, outros assuntos de quente atualidade, é impecável, não carecendo de abertura sobre culturas diferentes das nossas. Reconhecer as atuais dificuldades da Igreja, agudamente expostas por José Comblin, amplamente mencionado, manifesto um realismo que, todavia, recusa um pessimismo que poderia desanimar profetas e pastores. No relacionamento entre a evolução das culturas e da história profana com a expansão do Reino de Deus, o auto evita toda confusão e cultiva o otimismo da esperança.

O autor teve o cuidado de não sugerir resolver toda indagação a respeito da antropologia, o que poderia ter sido uma tentação, tanto do estudioso das ciências quanto do teólogo ou do bispo. "O ?por que? Deus fez assim é-nos impenetrável. Os desígnios divinos são para nós mistério" (106). Entretanto, no chão que está ao alcance de nossa mente, o autor em apreço realizou honesto e excelente trabalho.
O autor mostra que a Antropologia Cristã não se restringe ao setor espiritual do ser humano, mas também, embora ressalte este aspecto, busca a riqueza nos atuais avanços científicos nos setores psíquicos e somáticos. O livro abre um diálogo com a biologia e a psicologia modernas que abrem novos acessos ao enigma profundo do ser humano.
No meu ponto de vista, nesta obra o autor tenta mostrar a todos sem restrição a maneira certa de se viver, como devemos tratar a nossa vida no seu todo e como devemos encarar os acontecimentos que a vida nos põe adiante. Mostra-nos e nos ensina a tratarmos e vivermos a vida da maneira certa e entendermos a importância de sermos o que somos e as habilidades que temos. O autor foi coerente, e mostrou uma obra original perfeita com um estilo religioso geral que é compreendido por todos até por aqueles que não são cristãos. No meu entender o bjetivo desta obra de Dom Tepe é de demonstrar a importância de conhecer o homem mesmo com a complexidade que esse tem. Essa obra é recomendável a todos sem exceção para que todos possam compreender para além da sua origem, também a vivência humana no seu todo.