Resenha crítica do texto "Medéia", de Eurípedes

Por Marcela Nascimento Netto



O drama se inicia com Jáson, personagem desencadeador de toda trama, decidido a ocupar o trono que lhe era de direito, porém, Pelias, usurpador do trono, por meio de um engenhoso estratagema, para impedi-lo de reaver o trono, o enviou para uma missão que seria impossível a um mero mortal: tirar do filho do sol, Aietes, o tosão de ouro que outrora fora roubado de um parente.
Jáson almejava mais do que corrigir uma injustiça, esperava receber honrarias com essa incrível façanha e seu reino de volta. Aietes, rei de Cólquida, lhe propôs a realização de quatro proezas, ao serem concluídas lhe seria entregue o tosão de ouro.
A deusa Hera compadeceu-se de jáson e fez com que a filha do rei, Medéia, que era conhecida pelos seus feitiços e bruxarias, desvairasse de amor por ele. E por meio de um juramento de amor e fidelidade entregou-se completamente a Jáson, capaz até mesmo de trair o pai, fazendo que jáson conquistasse o tosão de ouro através de bruxarias e também matar cruelmente o próprio irmão, logo, não poderia mais voltar para sua terra natal onde era uma princesa.
Terrivelmente apaixonada, Medéia não mede esforços para fazer com que seu amado atingisse os seus anseios e, um deles era recuperar o reino de Iolco, para isso astutamente ela mata Pelias usando as próprias filhas do rei.
Entretanto, a população de Iolco, ao tomar conhecimento do fato, se revolta contra Medéia e Jáson e os dois tiveram que fugir para Corinto. Mas o que Medéia não esperava era que após tantos anos de fidedignidade e servilismo ao amor, Jáson pudesse repudiá-la para casar-se com outra, uma princesa, filha do rei Creonte, posição que ela um dia também ocupou, mas abdicou a nobreza por esse amor.
Seu coração dilacerou-se, viveu uma turbulência de sentimentos, ora causava piedade ora pavor em quem conhecia sua história de renúncias por esse amor que agora era desprezado.
A Ama de Medéia e o preceptor dos filhos do casal temiam pelas crianças que outrora foram o símbolo do amor de ambos, mas que agora era a representação sórdida do abandono e humilhação que vivera.
Os gemidos de Média causavam dor em quem a ouvia, porém o medo permeava quem conseguia entender suas palavras. A ama aconselhou as crianças a evitarem o olhar de sua mãe, pressentindo que algo lúgubre pudesse acontecer.
Após saber que seria banida com os filhos da cidade, Medéia vive um terrível conflito interno e formula um plano para vingar-se de Jáson de maneira que o pérfido nunca pudesse esquecer.
Medéia simula aceitar sua condição, pede para que as crianças presenteiem a noiva do pai com um diadema e um véu, porém os tais objetos estavam enfeitiçados com um implacável veneno que a matou e também a seu pai, o rei Creonte que não suportou vê-la morrer de uma forma aflitiva, tocou-a e também sofreu as consequências do atroz veneno.
Quando as mortes foram confirmadas, Medéia encaminha-se para um dos mais absurdos atos humanos, o extermínio de sua própria prole. Medéia não titubeou em cometer o infanticídio, tendo em vista que o seu ódio e desejo de vingança se sobressaiu a qualquer outro sentimento que pudesse ter.
Os matou a punhaladas. Jáson se desespera quando ao longe pode ver os corpos dos filhos em um carro flamejante e Medéia a culpá-lo por todos os atos cometidos por ela, inclusive a morte dos filhos. Ele, enfim, lamenta o trágico desfecho enquanto os vê afastando-se lentamente em direção ao sol no carro de fogo.


Se o objetivo de uma tragédia é despertar piedade e terror, Medéia é o que se pode chamar de: a excelência de uma obra trágica, pois esses dois sentimentos oscilam durante toda a trama. Mas um questionamento pode surgir: Por que uma obra escrita a mais de 20 séculos ainda impressiona espectadores ou leitores do drama na atualidade?
Medéia é uma obra atemporal por tratar de sentimentos humanos. Um dos fatores que chama atenção dos leitores mais atentos é que o fim trágico em primeira instancia foi anunciado pela Ama de Medéia e a omissão dela diante do provável infanticídio. Ao tecer uma comparação com que se presencia nos dias atuais, facilmente se encontrará muitas "Amas de Medéia" dentro das escolas, na vizinhança e em todos os lugares em que existem crianças sendo agredidas e muitas delas chegando ao óbito por omissão de uma sociedade que parece fechar os olhos para os direitos das crianças e dos adolescentes.
Ao calar-se a Ama de Medéia tornou-se coparticipante dos homicídios, uma vez que poderia ter tentado livrar as crianças desse horrendo infortúnio. Entretanto não podemos ignorar a posição servil que a Ama ocupava, pois ela tentou alertar as crianças, mas não comunicou a ninguém que realmente poderia ajudá-las.
São inúmeros os casos de professores que percebem crianças vítimas de maus tratos, todavia, vêem-se incapazes de denunciar com medos de represarias. Mas se os adultos são covardes e preferem omitir-se a defendê-las, quem poderá livrá-las?
Muitos ouvem os filhos de "Medéia" a gritarem em desespero: "Sim pelos deuses! Vinde já para salvar-nos!" ¹, todavia é mais fácil aumentar o volume da TV e ignorar os gritos de socorro, porém se não os ouvirmos agora, talvez a sociedade os ouça depois de uma outra forma.
O mais incrível é trazer esse tipo de discussão por meio de uma obra Literária, ratificando que o valor da literatura está muito além do prazer e entretenimento. A literatura por vezes se baseia na sociedade e a sociedade encontra-se na literatura.
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¹ verso: 1456