REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE DOS RECURSOS DIRIGIDOS AOS TRIBUNAIS SUPERIORES: A REPERCUSSÃO GERAL DAS QUESTÕES CONSTITUCIONAIS DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO EM SENTIDO ESTRITO[1]

 

Jannya Cássia de Sousa Lima

Lucas Tavares Lurine Guimarães[2]

Christian Barros Pinto[3]

 

 

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2. Recurso Extraordinário. 2.1. Previsão Constitucional do Recurso Extraordinário. 3. Repercussão Geral das questões constitucionais. 3.1 A Repercussão geral como mecanismo de filtragem do recurso extraordinário em sentido estrito. 4. Considerações Finais. Referências.

 

 

RESUMO

 

O presente trabalho visa primeiramente fazer uma abordagem sobre o recurso extraordinário em sentido estrito que nada mais é que um recurso excepcional, adotado inicialmente no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Hodiernamente, tal recurso é admitido apenas em hipóteses restritas, previstas na Constituição Federal. Posteriormente, abordar-se-á a repercussão geral das questões constitucionais, introduzida em nosso Ordenamento Jurídico através da Emenda Constitucional nº 45/2004. Em seguida, analisar-se-á a divergência existente sobre a repercussão geral como mecanismo de filtragem do recurso extraordinário em sentido estrito.

Palavras-chave: Recurso Extraordinário. Sentido Estrito. Repercussão Geral. Mecanismo de Filtragem.

1 INTRODUÇÃO

O presente paper fará uma breve introdução acerca da teoria geral dos recursos, dando ênfase à sua importância constitucional, uma vez que os recursos estão diretamente ligados à função exercida pelo Estado, concernente à prestação da justa e adequada tutela jurisdicional.

É notório que quando há o controle pelos Tribunais de decisões proferidas por juízes singulares há uma contribuição no que diz respeito à eficiência, e, sobretudo, confere maior segurança às normas jurídicas existentes em nosso ordenamento jurídico.

O Recurso Extraordinário em Sentido Estrito está previsto na própria Constituição Federal, no art. 102, III. Tal recurso tem a finalidade de tutelar direitos objetivos, ou seja, não busca corrigir as injustiças da decisão, não busca decidir se a lei foi corretamente aplicada em casos concretos; por essas especificidades, tais recursos possuem um juízo de admissibilidade diferenciado e mais complexo que os demais recursos.

Por não servir para a tutela de direitos subjetivos, o próprio sistema estabelece condições específicas para sua admissão. Portanto, além das condições genéricas, serão delineadas as condições específicas: a) provimento que contraria norma constitucional; b) provimento que declara a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) provimento que julga válida lei ou ato de governo local contestado perante norma constitucional; d) provimento que declara válida lei local contestada perante lei federal – do cabimento do recurso extraordinário em sentido estrito.

Abordar-se-á, de igual forma, além dos requisitos de admissibilidade supracitados, a Repercussão Geral das questões constitucionais, bem como a divergência existente se tal pressuposto funciona (ou não) como um filtro do Recurso Extraordinário em Sentido Estrito.

 

2 RECURSO EXTRAORDINÁRIO

 

Os recursos possuem diversas classificações, dentre elas, classificam-se em ordinários e extraordinários. Recurso extraordinário é um gênero que tem como espécies o recurso especial e o recurso extraordinário em sentido estrito, este último, objeto do paper em tela, trata-se de uma criação do Direito Constitucional brasileiro, inspirado no Judiciary Act do Direito norte-americano (THEODORO JÚNIOR, 2013).

No Brasil, por motivos de fácil apreensão, só com a República surgiria o instituto. A Constituição decretada pelo governo provisório (que não chegou a viger), previa, no art. 58 § 1º, sob a inspiração do Judiciary Act, hipóteses em que caberia para o Supremo Tribunal Federal recurso contra as decisões de última instância das justiças estaduais (MOREIRA, 2012).

Ainda ensina Moreira (2012) que tal instituto foi acolhido, depois, no art. 59, § 1º, da Constituição Federal de 1891. Porém, a denominação “recurso extraordinário” somente se lhe aplicou no primeiro Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

A história do recurso extraordinário divide-se em duas fases nitidamente distintas: a anterior e a posterior à Constituição Federal de 1988. Na primeira, a finalidade do remédio, na sistemática constitucional brasileira, era a de “assegurar a inteireza positiva, a validade, a autoridade e a uniformidade de Interpretação da Constituição e das leis federais” (MIRANDA, 1993, p. 107).

Barbosa Moreira (2012) dispõe que a existência de um recurso com suas peculiaridades pressupunha determinados traços na fisionomia do ordenamento, a saber: pluralidade de fontes normativas, edição de regras jurídicas por um poder central e por poderes locais, hierarquização das regras judiciárias, com supremacia da Constituição, dentre outras características. Desse modo, não foi por acaso que o importamos do Direito norte-americano após a proclamação da República, nem é por acaso que a correspondência mais exata, na matéria, sempre se estabeleceu com outros Estados também não unitário.

Tal recurso tem o escopo de manter a unidade e autoridade da Constituição Federal dentro do Ordenamento Jurídico. O pátrio.Flávio Cheim Jorge (2013) diz que o critério predominante para diferenciar o recurso extraordinário do ordinário consiste no objetivo imediato tutelado pelo recurso. Assim, pode-se dizer que são tidos por ordinários aqueles recursos que visam à proteção imediata do direito subjetivo enquanto os extraordinários visam à tutela direta do direito objetivo em si, em outras palavras, não se destinam a resolver o conflito de interesses que originou a demanda.

Em linhas básicas, Moreira (2012) aponta que o recurso em comento retrata a estrutura político-administrativa da República. O estudo do recurso extraordinário sempre suscita dificuldades e questionamentos. Justamente pela característica especial (recurso de fundamentação vinculada), tal recurso exige do operador do direito a compreensão exata dos requisitos necessários para a interposição, bem como do entendimento dos tribunais superiores sobre o tema, notadamente quanto à admissibilidade.

Ainda ensina o autor supracitado que o recurso extraordinário em nível constitucional subtrai ao legislador ordinário a possibilidade de eliminá-lo, ou mesmo de restringir-lhe (ou ampliar-lhe) a área de cabimento, que a própria Constituição se incumbe de demarcar.

Seu cabimento se encontra fixado nas quatro letras (a, b, c, d) do art.102, III, da Constituição Federal de 1988, na redação da Emenda Constitucional nº 45, de 08.12.2004 (que acrescentou ao rol a letra d), que será retratado no subcapítulo a seguir.

A essas hipóteses explícitas se apresentam quatrocondições gerais. Desse modo, esse recurso acaba por controlar a atividade densa desenvolvida pelos demais órgãos nessa área específica (ASSIS, 2013).

Diante dos pressupostos do recurso extraordinário, o Supremo Tribunal Federal, realiza, através desse remédio processual, a função de tutela da autoridade e integridade da Carta Magna Federal.

Corroborando o entendimento, Bernardo Ribeiro Camara (2013, p. 21), afirma que esse recurso mantém “a prevalência da Constituição, a unidade e a harmonia do sistema jurídico”.

2.1 Previsão Constitucional do Recurso Extraordinário

O Recurso Extraordinário em Sentido Estrito, como já fora dito, é um recurso de fundamentação vinculada, uma vez que as razões pelas quais se impugna uma decisão estão contidas de forma taxativa em nossa Constituição Federal.

Tal recurso é aquele destinado a anular/reformar decisões finais que são proferidas em última ou única instância, que afrontem nossa Carta Magna (CHEIM JORGE, 2013).

No julgamento do recurso extraordinário, dá-se a competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal, estabelecida pela Constituição em conformidade com sua hipótese de cabimento (RIBEIRO CAMARA, 2013):

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:

a) contrariar dispositivo desta Constituição;

b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.

d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.

Tais hipóteses de cabimento serão analisadas, uma a uma, no presente subcapítulo. No que diz respeito à “Contrariedade à Constituição”, disposta no art. 102, III, a, CF, na definição de Aurélio Buarque de Holanda (1986), “contrariar” significa fazer oposição a; estorvar; embaraçar; dizer; fazer ou querer o contrário de; causar descontentamento a; aborrecer, descontentar, desgostar; estar ou agir em contradição consigo mesmo; contradizer-se; fazer oposição recíproca.

Para Ribeiro Câmara (2013), “contrariar”, no sentido que o emprega a Constituição, é decidir de modo diverso ao determinado pela norma, é dizer o Direito de forma a contradizer o direcionamento normativo. E nesses casos, caberá ao STF, como guardião da Constituição Federal, dizer e estabelecer qual determinação constitucional deve prevalecer.

A ofensa à norma constitucional que enseja recurso extraordinário deve ser direta e frontal, não se admitindo por oblíqua, indireta. Quando for necessária a intermediação de ofensa à lei infraconstitucional para configurar ofensa à Lei Maior, não será hipótese de recurso extraordinário, mas de recurso especial (MANCUSO, 1999).

O STF corrobora a tal afirmação: “A violação indireta ou reflexa das regras constitucionais não enseja recurso extraordinário”. (STF. ARE 684473 AgR, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª turma, julgado em 13/11/2012, acórdão eletrônico Dje 234, publicado em 29/11/2012. “A situação de ofensa meramente reflexa ao texto constitucional, quando ocorrente, não basta, por si só, para viabilizar o acesso à via recursal extraordinária” (STF. ARE 680650 AgR, Rel. Min. Celso de Mello, 2ª turma, julgado em 30/10/2012, acórdão eletrônico DJe 229, publicado em 09/10/2012.

A segunda hipótese de cabimento do recurso extraordinário está disposta na alíena b do art. 102, III da Constituição Federal, nesta regra é cabível o recurso em tela “contra decisão que declara a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal”.

Para Bueno (2010), tal regra está relacionada ao controle incidental de inconstitucionalidade, que qualquer juízo pode realizar. Cabe Recurso Extraordinário ao Supremo Tribunal Federal nesses casos, uma vez que é atribuição do mesmo zelar pela guarda da Constituição Federal.

Aqui, o STF efetiva-se como guardião da Constituição, vez que, através do julgamento do extraordinário fundado nesta hipótese, centraliza a interpretação constitucional. Por ter o constituinte feito referência apenas à “decisão que julgou a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal”, conclui-se que o recurso extraordinário poderá ser interposto tanto contra acórdão como contra sentença, já que o juiz de primeiro grau é competente para fazer o controle difuso de constitucionalidade (RIBEIRO CÂMARA, 2013).

Para Aroucha (2011), questão interessante quanto a essa hipótese é saber se do controle abstrato realizado em âmbito estatal cabe o Recurso Extraordinário. Segundo Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha (2010, apud Aroucha, 2011), a resposta é positiva, sendo pacífico o entendimento do STF nesse sentido. Contudo, isso não se dá de forma irrestrita, e sim apenas nos casos em que a Constituição Estadual se restringe a repetir dispositivo da Constituição Federal. 

A terceira hipótese de cabimento está contida na alínea “c” do art. 102, III, da CF/88. Por este permissivo cabe Recurso Extraordinário da decisão que “julgar válida lei ou ato de governo local contestado face à Constituição Federal”.

A razão da inserção da hipótese de cabimento de recurso extraordinário no caso de decisão que julga válida lei ou ato de governo local em face da Constituição não é outra senão a manutenção da federação. Visa-se à Supremacia constitucional e à efetivação da hierarquia das leis, que estabelece a Constituição como Lei Maior, magnânima no confronto entre as demais espécies normativas (RIBEIRO CÂMARA, 2013).

Por lei ou ato de governo local, conforme José Cretella Júnior (1993) deve-se entender todos os tipos de normais legais e atos administrativos editados pelos Poderes Executivos Estaduais, Municipais e do Distrito Federal.

Para Ribeiro Câmara (2013), o Recurso Extraordinário tem cabimento contra decisão que julgou válida lei ou ato de governo local em face da Constituição Federal, como já fora dito, porém, aponta o autor que se a discussão for sobre a invalidação da lei ou ato de governo local, o inconformismo deve ser apurado via ação direta de constitucionalidade. Também fogem à hipótese da alínea “c” as questões relativas apenas à ofensa a Direito local. Nesse sentido, sumulou o STF: “Súm. 280: Por ofensa ao direito local não cabe recurso extraordinário”.

A última hipótese de cabimento do recurso extraordinário está prevista na alínea d, do art. 102, III, da CF. A Emenda Constitucional 45/2004 ampliou o leque de competência do STF, passando o STF a ser competente para julgar mediante recurso extraordinário as ações que julguem válida a lei local em face da lei federal, tal competência foi suprimida do STJ (MANCUSO, 1999).

Ensinam Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha (2010, apud Arouche, 2011) que o conflito existente entre elas cinge-se à competência legislativa, cujas regras estão previstos na CF/88. Sempre haverá questão constitucional da competência legislativa, ensejando, destarte, manejo de recurso extraordinário.

O deslocamento da matéria para o Supremo Tribunal Federal passa pela distribuição de competências, ensejando a hipótese de recurso extraordinário (art. 102, IV, c). Portanto, o cabimento de recurso extraordinário dependerá de lei infrafederal ter ofendido lei federal somente ou também a Constituição, caso em que poder-se-á vislumbrar, também o cabimento de recurso extraordinário pela ofensa a dispositivos constitucionais (RIBEIRO CÂMARA, 2013).

O autor elucida o que diz respeito ao caso da simples ofensa à lei federal:

Estar-se-á sempre no campo da competência concorrente (art. 24 da Constituição Federal), ou no caso de normas gerais e especiais (art. 22, XXI e XXVII, da Constituição Federal). Excluídos assim, o caso de competência privativa (art. 22, I a XXXIX da Constituição Federal), onde há patente de inconstitucionalidade. (CÂMARA, 2013, p. 49).

Após exauridas as hipóteses de cabimento do recurso extraordinário, passar-se-á a discorrer sobre o § 3º que do art. 102, III, da Constituição  Federal que diz respeito à Repercussão Geral das questões constitucionais.

 

3 REPERCUSSÃO GERAL DAS QUESTÕES CONSTITUCIONAIS

A Repercussão Geral é um pressuposto de admissibilidade do recurso extraordinário, introduzida em nosso Ordenamento Jurídico a partir da Emenda Constitucional nº. 45/2004, ou seja, além dos requisitos citados no capítulo antecedente, a parte deve demonstrar a Repercussão Geral das questões constitucionais discutidas no caso.

Tal requisito diz respeito à transcendência do interesse inter partes, ou seja, seus efeitos se estendem para além desta (JORGE CHEIM, 2013). Sua previsão constitucional se assenta no § 3º do art. 102, III:

§ 3º - No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros (grifo nosso).

Conforme ensina Cássio Scarpinella Bueno (2010), esse instituto foi introduzido no Ordenamento Jurídico pátrio por meio da Emenda Constitucional nº. 45 do ano de 2004, e foi regulamentado pela Lei nº. 11.418/2006, que veio a acrescentar os arts. 543-A e 543-B ao Código de Processo Civil.

O § 1º do art. 543-A do Código de Processo Civil dispõe sobre a repercussão geral conceituando o instituto como a existência de “[...] questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa”. No mesmo sentido disciplina o art. 322, parágrafo único do Regimento Interno do STF (AROUCHA, 2011).

Para Marinoni (2012) trata-se de grande inovação no direito constitucional pátrio. Antes, somente houve a arguição de relevância, na vigência da Constituição de 1967/69, porém, naquela época a exigência era regimental e não constitucional.

Aponta ainda o autor que uma vez que inserida na Constituição, no § 3º do art. 102, inciso III, a Repercussão Geral é pressuposto específico de cabimento do recurso extraordinário, pois, a inexistência, nas razões de recurso, de preliminar formal é caso de não conhecimento do mesmo (art. 543-A, § 2º do CPC).

Como pressuposto, a Repercussão Geral é do tipo intrínseco, já que seu manejo decorre da decisão em si considerada, sendo sua natureza jurídica de pressuposto específico de cabimento do recurso extraordinário, e nesse sentido o STF já se posicionou (DANTAS, 2008).

Ainda, Dantas (2008), ao conceituar a Repercussão Geral, muito bem delimitou o significado e a existência do instituto, para o autor, em síntese, a repercussão geral é o pressuposto especial de cabimento do recurso extraordinário, estabelecido por comando constitucional, que impõe que o juízo de admissibilidade do recurso leve em consideração o impacto indireto que eventual solução das questões constitucionais em discussão terá na coletividade.

Dessa forma, aponta o autor supramencionado que lhe terá por presente apenas no caso de a decisão de mérito emergente do recurso ostentar a qualidade de fazer com que parcela representativa de um determinado grupo de pessoas experimente, indiretamente, sua influência, considerados legítimos interesses sociais, extraídos do sistema normativo e da conjuntura política, econômica e social reinante num dado momento histórico.

Em suma, a Repercussão Geral traz a ideia de existência de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa, como aponta o art. 543-A, § 1º, do CPC. Tal instituto, para Ribeiro Câmara (2013) pode ser identificado no binômio: Repercussão Geral = Relevância + Transcendência. Desta forma, a decisão do STF de não reconhecimento do recurso extraordinário por ausência de repercussão geral, quando colegiada, é irrecorrível.

A Repercussão Geral possui vários vieses como apontados acima, para Azem (2009), a questão será relevante do ponto de vista social quando a discussão envolver direitos coletivos, difusos ou individuais homogêneos. A garantia do pluralismo, bem como a proteção das minorias, é passível de enquadramento neste viés.

Ainda segundo o autor, deve-se verificar a relevância intrínseca perante a sociedade como um todo e dentro disto, ele exemplifica hipóteses de repercussão sob o prisma social, como os avanços e limites da ciência (células-tronco e transgênicos, por exemplo); direitos dos indígenas e dos quilombolas; sistema de cotas para o acesso às universidades públicas; conflitos de terra e propriedade.

Ainda nesse viés, temos os direitos disciplinados no art. 6º da CF/88, são os direitos sociais como a “educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, bem como a assistência aos desamparados”. Para Dantas (2008), todos esses assuntos poderão ter repercussão social reconhecida.

No que diz respeito à Repercussão Geral no aspecto econômico, para Azem (2009) é necessário verificar a ofensa dos princípios descritos no art. 170 da CF/88:

 

Art. 170 - A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

 

I - soberania nacional;

II - propriedade privada;

III - função social da propriedade;

IV - livre concorrência;

V - defesa do consumidor;

VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;

VII - redução das desigualdades regionais e sociais;

VIII - busca do pleno emprego;

IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. 

 

Também remete o autor aos casos em que a decisão poderá criar precedente que outorgue direito que pode ser reivindicado por um grande número de pessoas. Exemplos contundentes são as questões previdenciárias, tributárias, especialmente os casos de reajustes de servidores públicos, alteração dos critérios para a correção monetária de salários ou assuntos atinentes as finanças públicas. Por fim, explica o autor que o aspecto econômico não tem como referencia o valor da causa, mas o reflexo que a ação  terá para a economia como um todo, principalmente se afetar um grande número de pessoas (AZEM, 2009).

Luiz Guilherme Marinoni (2012) aponta que haverá repercussão política quando a discussão envolver a organização do Estado, sua forma federativa, a repartição de competências e os direitos políticos de uma forma geral, podendo se enquadrar neste ponto a adequação social de políticas públicas.

Ainda ensina que decisões que alterem as diretrizes políticas e econômicas das esferas governamentais, bem como decisões capazes de exercer influência nas relações de Estados estrangeiros também podem ter repercussão política reconhecida.

E por fim, no que concerne à Repercussão Geral no aspecto jurídico, para Azem (2009), a repercussão jurídica, sem dúvida, possui o espectro mais vasto. Qualquer situação jurídica que necessite de explicação para se evitar dúvidas e insegurança jurídica poderá ter este tipo de repercussão

Para o autor supracitado, manter decisões judiciais com interpretação constitucional divergente afronta a força normativa da CF/88 e fere o princípio da máxima efetividade da norma constitucional. Assim, apesar de não ser cabível recurso extraordinário pela divergência, “assentar-se-á o remédio na alínea a do art. 102, III, da CF/88, servindo a demonstração de entendimentos distintos, tão somente, para caracterizar a presença de Repercussão Geral”. Em síntese, quando “disser respeito a aplicação e alcance de um determinado instituto jurídico ou princípio fundamental de direito”, haverá repercussão jurídica.

A nova fórmula, estabelecida pela EC nº. 45/2004 é inegavelmente democrática, já que não permite decisões secretas e desprovidas de fundamentação. Interposto o recurso extraordinário, e admitido no tribunal de origem, será ele encaminhado ao STF. Neste, a admissibilidade do recurso estará condicionada (além dos demais requisitos genéricos e específicos) ao reconhecimento da repercussão geral da questão constitucional nele ventilada (FREITAS CÂMARA, 2012).

Ainda aponta o autor que caberá ao STF, pois, decidir preliminarmente ao exame do mérito do recurso se o mesmo trata de matéria constitucional de repercussão geral. A preliminar de falta de repercussão geral só poderá ser rejeitada pelo voto de pelo menos dois terços dos membros do STF. Assim, não havendo dois terços de votos nesse sentido, ainda que a maioria simples dos integrantes do Pretório Excelso considere não haver repercussão geral, o recurso será admitido.

 

3.1 A Repercussão Geral como Mecanismo de Filtragem do Recurso Extraordinário em Sentido Estrito

O recorrente, agora, além de ter que fundamentar o seu recurso em uma das hipóteses do art. 102, III da CF/88, terá também, de demonstrar o preenchimento desse novo requisito. A lei federal nº. 11.418/2006 confirmou o entendimento de que se trata de ônus do recorrente a demonstração da existência de repercussão geral, no art. 543-A, § 2º, CPC: “O recorrente deverá demonstrar, em preliminar do recurso, para apreciação exclusiva do STF, a existência da repercussão geral” (DIDIER, 2014).

Lênio Streck (2005 apud DIDIER, 2014) ensina que o quórum qualificado é para considerar que a questão não tem Repercussão Geral: “é razoável afirmar assim, que existe uma presunção em favor da existência de Repercussão Geral”. Se for interposto um RE e este contiver um tópico em que se demonstre a repercussão geral, passa então a haver uma presunção: presume-se que há repercussão geral, somente cabendo ao plenário do STF (somente por dois terços de seus membros) deixar de conhecer do RE por falta de repercussão geral.

Em outras palavras, somente o STF poderá dizer que não há repercussão geral, não podendo o Presidente ou o vice-presidente do tribunal local fazer essa análise. É da apreciação exclusiva do STF dizer que não há repercussão geral, isso não há dúvida. Para isso, deve o recorrente, em suas razões, incluir um item tratando da repercussão geral (DIDIER, 2014).

A Repercussão Geral, para Cássio Scarpinella Bueno (2010) faz as vezes de um verdadeiro filtro sobre os casos em que cabe o recurso extraordinário. Além de se tratar de causa decidida por única ou última instância que atenda ao menos uma das hipóteses das alíneas do inciso III do art. 102 da CF, a decisão recorrida também deve atender à novel exigência, oferecendo “Repercussão Geral”.

Ainda aponta Bueno (2010) que o RE busca preservar a autoridade e a uniformidade da interpretação da Constituição Federal em todo o território nacional, o que fica ainda mais evidente com a circunstância de só serem admitidos os RE’s que ofereçam Repercussão Geral que ultrapasse “os interesses subjetivos da causa” (art. 543-A, § 1º).

Nota-se claramente a intenção do legislador ao elaborar o instituto da repercussão geral era criar um filtro capaz de verificar a existência de questões que objetivassem a utilização do recurso extraordinário, não como mero emissor de juízo de valor a direito das partes, mas sim, a real guardião da aplicação constitucional, sendo que o conhecimento ou não de sua existência pelo Supremo Tribunal Federal faz com que uma parcela da sociedade experimente seus efeitos indiretamente (DANTAS, 2008).

Didier Jr. (2014) corrobora a tal entendimento uma vez que aponta a criação desse requisito como algo elogiável, já que faz com que o STF, Corte Suprema do país, só se debruce sobre causas realmente relevantes para a Nação. Para ele, não faz sentido que o Pretório Excelso perca seu tempo (e o do país) julgando causas que não tem qualquer relevância nacional, verdadeiras brigas de vizinhos, como fazia antes da Emenda Constitucional nº 45/2004.

Humberto Theodoro Jr. (2013) segue a mesma linha de raciocínio ao afirmar que a Repercussão Geral surgiu, sem dúvida, da necessidade de controlar e reduzir o sempre crescente e intolerável volume de recursos extraordinários que passaram a soberbar o Supremo Tribunal Federal, a ponto de comprometer o bom desempenho de sua missão de Corte Constitucional.

Os autores supracitados apontam que a Repercussão Geral surgiu como uma solução para a preocupação com a redução do número de recursos extraordinários endereçados ao STF, porém, de outro lado, Almeida (2013) tece uma relevante crítica constitucional à Repercussão Geral, apontando que a mesma não passa de um “mito”, uma vez que não cumpriu sua proposta de conferir maior celeridade e eficiência.

O autor aponta que a Emenda Constitucional 45/2006 se preocupou grandemente com a ineficiência da prestação jurisdicional no país, e, dessa forma, foi realizado um “pacto de Estado em favor de um Judiciário mais rápido e republicano”. Na exposição de motivos da citada Emenda Constitucional constava que amorosidade dos processos judiciais e a baixa eficácia de suas decisões retardam o desenvolvimento nacional, desestimulam investimentos, propiciam a inadimplência, geram impunidade e solapam a crença dos cidadãos no regime democrático.

Ou seja, o país reconheceu a chamada “crise do Judiciário brasileiro”. Almeida (2013) relata que institutos e instituições novos foram criados para enfrentar a chamada “crise do Judiciário”, entre os quais se destacam o direito à razoável duração do processo, o Conselho Nacional de Justiça e a exigência de demonstração da repercussão geral das questões constitucionais debatidas nos Recursos Extraordinários:

A criação do instituto da repercussão geral, fruto desse processo, deveria se afirmar com instrumento para assegurar maior celeridade na tramitação de feitos em todo o sistema judiciário do país. Todavia, tão logo o instituto foi criado, a doutrina, a legislação e a jurisprudência passaram a diminuir o escopo de seus efeitos. A justificativa original, diminuir a morosidade e aumentar a eficácia das decisões judiciais, foi logo substituída por outra, menos abrangente: resolver a chamada “crise numérica” de apenas um órgão judicante, o Supremo Tribunal Federal. (ALMEIDA, 2013, p. 11).

Desta forma, percebe-se que a repercussão geral, objeto de exame no presente estudo, foi criada como um filtro institucional capaz de assegurar que o Supremo Tribunal Federal apenas examinasse questões constitucionais relevantes, próprias de um “guardião da Constituição”, como afirma Osmar Mendes Cortês (2012).

Almeida (2009), objetivando avaliar a eficiência da sistemática da Repercussão Geral, analisou dados estatísticos divulgados no sítio eletrônico do STF, e após a minuciosa análise concluiu que o sistema não tem servido como filtro de relevância, uma vez que observou um resultado que aponta muita demora doSTF em julgar o mérito dos temas de repercussão geral.

O autor traz um exemplo fático: “em 2012, por exemplo, foi julgado o mérito de apenas 10 temas, ao passo que se reconheceu a repercussão geral de 104”. Apontando que se persistir esse ritmo, “em dez anos haverá pendência de 491 temas para julgamento do mérito, somados aos 324 que já estão aguardando julgamento” (ALMEIDA, 2009, p. 14). Posto isto, a Repercussão Geral não tem cumprido com eficiência a função de diminuir acentuadamente o número de Recursos Extraordinários.

 

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho tratou de alguns temas concernentes ao Recurso Extraordinário. Tal recurso é um recurso de fundamentação vinculada, uma vez que suas hipóteses de cabimento estão elencadas de forma taxativa na Constituição Federal.

O recurso em apreço possui algumas condições genéricas, tais como o esgotamento das vias recursais ordinárias, o prequestionamento da questão constitucional, bem como a ofensa direta à norma constitucional. Porém, nos atemos aos requisitos específicos que são: a contrariedade à Constituição, inconstitucionalidade de tratado ou lei federal, validade de lei ou ato do governo local contestado perante norma constitucional e validade de lei local contestada em face de lei federal.

Entende-se que sem esses requisitos é impossível o cabimento do RE. Somados a esses requisitos, a Repercussão Geral foi introduzida em nosso Ordenamento Jurídico pela emenda nº 45/2006. Em suma, Repercussão Geral é um pressuposto de admissibilidade do recurso extraordinário que consiste na transcendência do interesse subjetivo das partes, ou seja, embora determinada discussão tenha tido sua origem a partir de uma relação jurídica inter partes, seus efeitos estendem-se para além desta, levando-se em consideração os seguinte vieses: econômico, político, social ou jurídico.

A Repercussão Geral, para alguns autores, funciona como mecanismo de filtragem do Recurso Extraordinário em Sentido Estrito. Porém, de outro lado há quem critique tal instituto, apontando que ao contrário do que vem sendo divulgado, tem havido um aumento no número de recursos no sistema judiciário como um todo.

 

REFERÊNCIAS

 

ALMEIDA ABOUT, Fábio. A crítica Constitucional. O mito da Repercussão Geral: quando a busca pela eficiência paralisa o Poder Judiciário. Publicado em mar/2013. Disponível em: <http://www.criticaconstitucional.com/o-mito-da-repercussao-geral-quando-a-busca-pela-eficiencia-paralisa-o-poder-judiciario/ >. Acesso em: set/2014.

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[1]Paper apresentado à disciplina Recursos no Processo Civil, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.

[2] Alunos do 10º período do Curso de Direito, da UNDB. 

[3] Professor, Especialista, Orientador.