UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

                                       TEREZINHA ROSA DA SILVA

REPRESENTAÇÕES DE GÊNERO NA EDUCAÇÃO INFANTIL: análise dos discursos de crianças de 4 e 5 anos a partir dos jogos e brincadeiras. 

SINOP – MT

2012

                                       TEREZINHA ROSA DA SILVA

REPRESENTAÇÕES DE GÊNERO NA EDUCAÇÃO INFANTIL: análise dos discursos de crianças de 4 e 5 anos a partir dos jogos e brincadeiras.

Monografia apresentada, para obtenção do título de Especialista em Educação Infantil, à Universidade Federal de Mato Grosso, no Instituto de Educação.

                                   Orientador: Prof. Dr. José Luiz Muller

SINOP –MT

2012 

TERMO DE APROVAÇÃO 

                                              TEREZINHA ROSA DA SILVA

REPRESENTAÇÕES DE GÊNERO NA EDUCAÇÃO INFANTIL: análise dos discursos de crianças de 4 a 5 anos a partir dos jogos e brincadeiras.

Monografia apresentada, para obtenção do título de Especialista em Educação Infantil, à Universidade Federal de Mato Grosso, no Instituto de Educação.

Aprovada em _______de abril de 2012.

 

BANCA EXAMINADORA

 

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 Profº. Dr. José Luiz Muller

Orientador

Universidade Federal de Mato Grosso

..........................................................................................

Profº. Dr.

Universidade Federal de Mato Grosso 

Para que seja incorporada pelas crianças, a atitude de aceitação do outro em suas diferenças e particularidades precisa, estar presente antes nos atos e atitudes dos adultos com os quais convivem.

TRECHO DO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE ÁREA TCA DE UM GRUPO DE GRADUANDOS EM PEDAGOGIA PARA EDUCAÇÃO INFANTIL- UFMT, 2010.

DEDICATÓRIA

Dedico este estudo a todas as crianças da Educação Infantil brasileira, por nos ensinar o verdadeiro exercício do amor da pureza, da verdade e da humildade. 

AGRADECIMENTOS 

A Deus, por mais esta oportunidade de evolução e conhecimento, por me amparar nos momentos de cansaço e desânimo, sempre me apontando para o melhor caminho.

A Sandra, coordenadora que lutou para esse curso se concretizar, o qual me proporcionou oportunidades de crescimento profissional na área infantil.

A meu orientador, Prof. Dr. José Luiz Muller. A todos os Professores e demais integrantes do curso, pelos conhecimentos que foram transmitidos.

BIOGRAFIA

Sou Terezinha Rosa da Silva, nascida aos doze de outubro de 1963, em São João da Ponte, Mimas Gerais.  Atualmente residente em Marcelândia/MT. Desde criança sempre quis ser professora. Como toda criança, brincava de faz – de – conta, ensinando meus amiguinhos e irmãos menores. Os tempos passaram... Fiz magistério, constitui-me educadora de crianças e adolescentes. Em 2004 me formei em Pedagogia pela Universidade Federal de Mato Grosso- UFMT.  De 2005 a 2010, atuei como Orientadora Acadêmica na formação de uma turma de Pedagogia para Educação Infantil pela Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT.

Cursei Especialização em Métodos e Técnicas da Educação Básica pela Faculdade integrada de Várzea Grande- FIVE e Orientação Acadêmica em EAD pela Universidade Federal de Mato Grosso-UFMT. Em 2010, iniciei o Curso de Especialização em Educação Infantil pela Universidade Federal de Mato Grosso-UFMT. Tenho três artigos publicados com foco na infância. Persegui essa área por gostar de trabalhar com o universo infantil e achá-lo encantador, universo este, que nos transporta para um mundo encantado e imaginário, que nos leva a um mergulho no que já fomos e pensamos, que permita-nos brincar, desenrolar significados e sentidos do viver e das experiências do Ser pequeno.

Em 2010/2011 atuei como professora de Metodologia Cientifica, orientando alunos nos trabalhos de conclusão do Curso de Pedagogia pela Faculdade Unida de Alta Floresta – UNIFLOR.

 Atualmente estou como professora da Educação Especial na rede estadual e como professora de Educação Infantil da rede municipal, onde tenho a oportunidade de redescobrir re- direcionar os caminhos pedagógicos, na educação de infantes.

RESUMO

A presente pesquisa teve como objetivo analisar como as crianças de quatro e cinco anos apreendem e reproduzem as identidades de gênero a partir dos jogos e brincadeiras nos espaços escolares.  Participaram da pesquisa doze crianças, com idade média de quatro e cinco anos, todas freqüentadoras de uma instituição de Educação Infantil do município de Marcelândia em Mato Grosso. Para a coleta de dados optou-se pela técnica de observação direta por essa melhor permitir, obter de forma mais rica e detalhada as informações numa pesquisa de campo envolvendo crianças tão pequenas. Após a análise dos dados, foi possível concluir que os “brinquedos” se apresentam como um poderoso instrumento na construção de identidades de gênero nas crianças. Observou que as brincadeiras infantis realizadas pelas crianças (Jogos e brincadeira de casinha), bem como os brinquedos de fabricação, propiciaram mais a demarcação da identidade de gênero, enquanto que nos jogos simbólicos essas representações ficaram bem menos evidentes. Pôde-se verificar que as crianças de quatro anos ainda não possuem práticas sexistas bem definidas em suas brincadeiras como as de cinco anos, elas vão aprendendo a oposição e a hierarquia dos sexos ao longo do tempo que permanecem na escola brincando com crianças maiores. Por fim, o estudo contribui para a reflexão do trabalho desenvolvido acerca das questões de gênero pelas pessoas implicadas na educação de crianças pequenas.

Palavras-chave: Relações de gênero – Crianças – Brincadeiras – Identidade - Representação social

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ABSTRACT

 

The present research aimed to examine how children of four and five years apprehend and reproduce gender identities from the games and plays in school spaces. The participants were twelve children, with an average age of four and five years, all who attended a high school in the city of Child Marcelândia in Mato Grosso. To collect  of data we opted for the direct observation technique improved by this permit, get more rich and detailed information on field research involving so children small. After analyzing the data, we concluded that toys activities are presented as a powerful tool in the construction of gender identities in children. Observed that the children's play performed by children (games and play for cottage), as well as toys manufacturing, provided further demarcation of gender identity, whereas in games these symbolic representations were much less evident. It was verified that the children of four years do not yet have well-defined sexist practices in their play as the of five years, they are learning the opposition and the hierarchy of the sexes over time to remain in school playing with older children. Finally, the study contributes to the reflection of the work on gender issues for people involved in the education of small children.

 

Keyword: gender relations - children - games - identity.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SUMÁRIO

 

1  INTRODUÇÃO ....................................................................................................11

                  

2  ALGUMAS CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS..................................................13

    2.1 Conceito de representações sociais ...............................................................13

    2.2 Representações e conceito de gênero.............................................................15

    2.3 A criança e as relações de gênero..................................................................17

    2.4 O papel da educação infantil nas relações de gênero...................................19

    2.5. Definição de brinquedo-------------------------------------------------------------22

3  METODOLOGIA................................................................................................24

    3.1 Local de estudo e sujeito da pesquisa...........................................................24

    3.2 Procedimentos para a análise dos dados......................................................24

4  RESULTADOS E DISCUSSÃO..........................................................................26

    4.1 Tipos de brinquedos priorizados por meninas e meninos...........................26

   4.2 A proporção da participação em brincadeiras de grupos de sexo diferentes....................................................................................................................30

   4.3 os papeis desenvolvidos pelas crianças nos jogos simbólicos.......................37

 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................41

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................42

 

APÊNDICES.............................................................................................................45

    Apêndice A - Modelo Termo de Consentimento Livre e Esclarecido..............46

    Apêndice B- Modelo de Carta de Apresentação................................................47

   Apêndice C- Modelo de Autorização para exposição de fotos...........................50

 

ANEXOS....................................................................................................................52

    Anexo A-  Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.................................53

    Anexo B- Carta Resposta.....................................................................................60

    Anexo C – Oficio de Autorização para exposição de fotos................................62

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho buscou, através de uma pesquisa empírica, conhecer os discursos de representações de gênero que um grupo de crianças de quatro e cinco anos manifesta durante as brincadeiras nos espaços de uma Instituição de Educação infantil, em Marcelândia, MT.  O estudo discute os tipos de brinquedos priorizados por meninas e meninos e a participação de sexo diferentes nas mesmas brincadeiras, buscando analisar como as crianças contestam, aceitam e  mantém as relações  de gênero  que se dão por meio do brincar.

             A atual discussão acerca das diferenças de gênero remete-nos à reflexão quanto à reprodução pelas crianças de modelos hegemônicos durante a vivência destas nos espaços escolares.

            Uma educação que contemple o respeito às diferenças e aos direitos humanos com objetivo de formação cidadã deve considerar as desigualdades entre sexos como um problema a ser discutido nas relações entre alunos e profissionais da educação, em especial na educação infantil, visto que as crianças também se apropriam dessas diferenças das quais elas próprias têm sido agravadas de muitos preconceitos e discriminação oriundos dos atributos ideológicos do papel feminino e do masculino construídos historicamente em nossa sociedade.

Dessa forma, este estudo buscou identificar e discutir que significados são atribuídos ao gênero nas brincadeiras das crianças de quatro a cinco anos possíveis de ser observadas durante o brincar no espaço de uma instituição de educação infantil do município de Marcelândia, MT, bem como colaborar na formação da consciência crítica dos educadores desse nível de ensino, a fim de que reflitam e desempenham adequadamente a tarefa de educador em diferenças de gênero com a criança pequena.

O tema se impôs pela recorrência das discussões sobre as representações de gênero nos espaços escolares, em especial os de educação infantil, assunto hoje obrigatório em todos os currículos das escolas brasileiras, conforme o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH/2006), o qual estabelece como um dos princípios nortedores que a Educação Básica no “âmbito escolar, deve ser concebida de forma articulada a combater o racismo, sexismo, discriminação social, cultural, homofobia, toda forma de intolerância religiosa e outras formas de discriminação presentes na sociedade brasileira.” O tema se apresenta importante também, pela contribuição que um estudo desta natureza pode oferecer a compreensão do real significado que as crianças atribuem (incorporam) ao ser masculino e ser feminino e como elas reproduzem tais discursos nas brincadeiras.

Por fim, o estudo se mostrou importante, pois permitiu ajudar responder perguntas básicas do tipo: como as crianças apreendem e reproduzem as diferenças de gênero nas brincadeiras? Qual a influência do brinquedo na “fabricação” do masculino e feminino?  No jogo de papeis evidencia situações de desigualdade entre meninos e meninos?  Que papeis são atribuídos pelas crianças nos jogos para meninos e meninas?   Que orientações culturais de socialização de gênero as crianças estão evidenciando no meio escolar?

          

2 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS

2.1 Conceito de representações sociais.

 

  Apesar da expressão “representação social” ganhar variados sentidos por diferentes autores, a construção do quadro teórico de referencias deste termo, concentra-se aqui, nas idéias de Moscovici em seu trabalho sobre Representação Social da Psicanálise, autor esse, representante da psicologia social e responsável pela modificação do termo representação coletiva para representação social. A importância de sua análise é fundamental para entender as representações na atualidade.

Como se sabe, a chamada representação social constitui - se numa das vias de apreensão do mundo concreto. A representação social pode ser entendida como conhecimento elaborado e partilhado socialmente. Toda representação advém da relação que os sujeitos estabelecem com o mundo, através dos objetos e das experiências e dos significados que lhes são atribuídos, isto é, a representação é sempre social.

            Para Moscovici (1978), as representações sociais possuem uma característica psicológica, vista como propriedade de uma sociedade e da cultura desta. “É uma modalidade de conhecimento particular que tem como função a elaboração de comportamentos e a comunicação entre indivíduos”. ( MOSCOVICI, 1978, p. 26).

Para o autor toda representação é uma representação de algo, seja ela, de fala, dos gestos das relações estabelecidas, as quais passam a ser uma maneira de perceber e de conhecer a sociedade.

           Através da interiorização os indivíduos vão apreendendo e interpretando os acontecimentos de acordo com o ponto de vista de pessoas com as quais interagem socialmente, acontecimentos estes, que tornam- se então, subjetivamente significativo a si próprio. Por meio das representações o individuo vai se constituindo, vai captando e interiorizando os valores, as posturas e atividades sociais dos sujeitos pertencentes a seu grupo e cultura. A representação atravessa o tempo todo a constituição de nossa identidade, ou seja, damos sentidos a algo a partir do pensamento social. Quando o individuo reproduz as representações sociais interiorizadas, acaba por sua vez contribuindo para a reprodução e manutenção das relações vigentes na sociedade a qual pertence. O sujeito se forma no social e dá sentido ao social. A subjetividade vai se constituindo no estar com o outro, na interação com o outro.

 Para Moscovici (1985) as representações sociais na sociedade atual correspondem aos mitos e crenças nas sociedades chamadas primitivas. 

“se focaliza na maneira pela qual os seres humanos tentam captar e compreender as coisas que os circundam e resolver os ‘lugares comuns’ e quebra-cabeças que envolvem seu nascimento, seus corpos, suas humilhações, o céu que vêem os humores de seu vizinho e o poder a que se submetem”. (Moscovici, 1985, p.02)

             As representações são então, uma maneira de interpretar e comunicar, mas também de produzir e elaborar conhecimentos.

São, portanto:

“conjuntos dinâmicos, seu status é o de uma produção de comportamentos e de relações com o meio ambiente, de uma ação que modifica aquelas e estas e não de uma reprodução desses comportamentos ou dessas relações, de uma reação a um dado estímulo exterior”. (Moscovici, 1978, p.50)

 Assim temos que a denominação de representação deve ser entendida como  algo  que é produzido coletivamente, através de um grupo, uma classe social, uma cultura, etc, cuja contribuição é de colaborar “para os processos de formação de condutas e de orientação das comunicações sociais”. (MOSCOVICI, 1978, p.50).

 Completando o quadro teórico sobre representações sociais Golffman (1983) apresenta em seus estudos uma tentativa de explicar a representação de si mesmo e da representação de seu comportamento social. Para o autor, representação compreende a toda atividade de um individuo num dado período, executada por um grupo particular, o qual influencia e é influenciado.

De acordo com Golffman, a representação é “socializada” a qual necessita de ajustes e modificações para atender as expectativas do contexto social onde se apresenta, ou seja, “ ...quando o individuo se apresenta diante de outros, seu desempenho tenderá a incorporar e exemplificar os valores oficialmente reconhecidos pela sociedade e até (...) mais do que o comportamento do individuo como um todo”.( GOLFFMAN ,1983. P. 41).

Tanto o enfoque teórico sobre representação proposto por Moscovici, quanto os estudos propostos por Golffman oferecem suportes fundamentais para a análise das representações que os indivíduos fazem do papel que ocupam na sociedade, bem como das concepções e atribuições de significados que estes dão aos fatos e conceitos do mundo real e concreto.

   2.2  Representações e conceito de gênero.

Partindo-se do princípio de que a representação de gênero constitui um objeto social ligado a um contexto e grupo social, o qual se apresenta como um campo bastante complexo é importante conhecê-la e refletir sobre ela.

Historicamente falando, o termo gênero surge no final da década de 60 após grandes contestações dos papéis e comportamentos sexuais e com a necessidade de reconhecimento e valorização da mulher no mercado de trabalho, entre outras reivindicações na década de 70.

O estudo das relações de gênero se apresenta como um campo bastante complexo. Historicamente falando, o termo gênero surge no final da década de 60 após grandes contestações dos papéis e comportamentos sexuais e com a necessidade de reconhecimento e valorização da mulher no mercado de trabalho, entre outras reivindicações na década de 70.

Nesse contexto, nasce o conceito de gênero idealizado por pesquisadoras como Joan Scott, Gayle Rubin e Betty Fridan, entre outros. Para Joan Scott (1995) a categoria gênero está associada aos limites das correntes teóricas do patriarcado, do marxismo e da psicanálise, buscando explicar a subordinação da mulher e a dominação dos homens. Para ela o termo gênero é fruto das relações sociais baseadas nas diferenças entre os sexos sendo a primeira forma de manifestar poder a partir de quatro dimensões inter-relacionais: simbólica, organizacional, normativa e subjetiva.

Em recente definição da categoria gênero Joan Scott (1998), aborda que o gênero é uma categoria historicamente determinada que não apenas se constrói sobre a diferença de sexos, mas, sobretudo, uma categoria que serve para “dar sentido” a esta diferença. Num sentido mais amplo, gênero é uma categoria usada para pensar as relações sociais que envolvem homens e mulheres, relações historicamente determinadas e expressas pelos diferentes discursos sociais sobre a diferença sexual. Gênero serve, portanto, para determinar tudo que é social, cultural e historicamente determinado.

Nessa perspectiva, pensar gênero é colocá-lo nas relações sociais, visto que é na sociedade, nas relações entre as pessoas que esse termo é criado e estabelecido. Os sujeitos se fazem homens e mulheres no ambiente social num processo dinâmico e contínuo. Vão constituindo suas identidades através das inúmeras influencias com as quais tem possibilidades de interagir. Assim, a diferença biológica de homens e mulheres é significada socialmente.  O gênero é, portanto, uma construção social feita a partir das diferenças sexuais, ou seja, nascemos biologicamente macho e fêmea, mas nos tornamos masculinos e femininos nas relações sociais.

Auad (2004) concordando com as idéias de Scott conceitua gênero dizendo que este termo:

 não é sinônimo de sexo (masculino ou feminino), mas corresponde ao conjunto de representações que cada sociedade constrói, através de sua História, para atribuir significados, símbolos e características para cada um dos sexos. Assim, as diferenças biológicas entre homens e mulheres são interpretadas segundo as construções de gênero de cada sociedade. (Auad,  2004).

 Já Bourdieu (1999) aborda que as relações de gênero são relações de poder em que "o princípio masculino é tomado como medida de todas as coisas” do qual o homem foi ocupando um espaço privilegiado de poder perante a sociedade, em relação à mulher. Nesse caso, os dominados contribuem para a própria dominação e:

 as próprias mulheres aplicam a toda a realidade e, particularmente, às relações de poder em que se vêem envolvidas esquemas de pensamento que são produto da incorporação dessas relações de poder e que se expressam nas oposições fundantes da ordem simbólica. Por conseguinte, seus atos de conhecimento são, exatamente por isso, atos de reconhecimento prático, de adesão dóxica, crença que não tem que se pensar e se afirmar como tal e que faz, de certo modo, a violência simbólica que ela sofre. (BOURDIEU, 1999, p. 45)

Foucault (1995) analisa essa relação de poder como um objeto não natural, mas como uma prática social em que homens e mulheres nas redes de poder vão se constituído enquanto sujeitos. Neste caso, a mulher, é um ser em estado de submissão diante do poder patriarcal do marido ou marido. As relações de poder na perspectiva de       Foucault não possuem caráter de repreensão nem de posse, mas um poder que produz a realidade a partir dos discursos produzidos socialmente, discursos esses, que passam a ser “naturalizados”, vistos que são revestidos de poder acatados como verdades os quais produzem efeitos sobre as condutas dos sujeitos e de suas identidades. 

É importante ressaltar que a concepção de gênero não é sempre a mesma nas diferentes culturas, ela muda de acordo com um dado período histórico para outro. No caso do Brasil, as representações que se tinha para homens e mulheres no inicio do passado de acordo com Bandeira (2006) mudaram. As representações do inicio deste século, por exemplo, já não são as mesmas da década de cinqüenta quando o tabu da virgindade era muito forte o que já perdeu sua eficácia simbólica no inicio do século XX, século em que a socialização sexista perdeu parte de seu conteúdo, porém surgiram outros configurados pelo interesse de mercado, criando necessidades e desejos demarcados pela diferença de gênero.   

            

  2.3 A criança e as relações de gênero 

Como todo processo de socialização, as relações de gênero também interferem nas ações de socialização da criança pequena, por meio de narrativas de acontecimentos do cotidiano.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         

Para Bandeira e Freire (2006) antes mesmo de nascer, a criança passa a ser envolvida numa teia de símbolos, que concede significados ao masculino e feminino e apos. Após o nascimento esses símbolos amadurecendo por meio da aquisição de habilidades orientadas pela tradição cultural da qual vai-se aprendendo a ser menino ou menina e impregnando –se dessas representações. Porém, muitas vezes estes aspectos são ignorados, sendo vistos apenas sob a perspectiva cultural. Crianças de pré-escola que apresentam comportamento feminino, por exemplo, ou que só gostam de brincar com as meninas, devem ser incentivados de maneira gentil, mas firme a participar das atividades tipicamente masculinas. Os meninos que apresentam trejeitos femininos muito acentuados, além das atitudes tomadas pela escola, devem ser encaminhados para tratamento psicológico (Suplicy, 1990:77). Mesmo as crianças terem sido colocadas em discurso de forma tão intensa nas últimas décadas, segundo (Felipe, 1998), elas mais do que nunca tem sido vigiadas e controladas pelos adultos que buscam moldarem os comportamentos que consideram mais apropriados para meninos e meninas.     

Dessa forma,

Ser menino ou menina impõe à criança adotar gestos e expressões corporais estandardizados que compõe uma gestualidade, uma corporeidade masculina e feminina. Mas a produção do ser menino ou menina não se reduz à socialização sexista da expressão corporal. Desde que nasce a criança recebe informações das pessoas à sua volta, que permitem entender que há coisas que meninos não podem fazer ou podem fazer, e há coisas que meninas podem fazer ou não podem fazer. O que o menino ou menina pode ou não pode fazer vai compondo um repertorio de atuações de modos masculino e feminino de fazer, de pensar, de sentir, de se expressar. (BANDEIRA E FREIRE, 2006.)      

                                                                                                  

Nesse processo dinâmico, as crianças vão constituindo suas identidades. meninos e meninas vão sendo enredados pelas representações sexistas. Vão aos poucos se apropriando dos valores, das concepções e dos significados construídos socialmente, moldando-se a partir do contexto e transformando-se conforme as situações sociais e a consciência que delas se apropria.    

            Ao discutir a dimensão a problemática do processo de construção de identidade da criança, Louro (2003) chama a atenção para os diversos agentes socializadores que influenciam nesse processo, adestrando meninos e meninas, ditando as maneiras pelas quais devem se comportarem, se expressarem, gesticularem, etc.

 A inscrição de gênero nos corpos masculino e feminino é um processo decorrente do contexto de determinada cultura, de determinado contexto histórico.  No contexto em que estamos vivemos, as representações que nossa sociedade tem atualmente para homens e mulheres, meninos e meninas, são fortemente orientados para o consumo que tem agravado constantemente a imagem da criança por usos e abusos, dos quais trazem profundas conseqüências que revertem à criança na sua própria construção de pessoa. Dessa forma, não é possível falar em modo de ser, sem falar em modos de ser mediantes os elementos presentes em nossa cultura.

A sociedade indica como as crianças devem agir vestir, comportar-se, etc. As meninas aprendem o que delas se espera enquanto sexo feminino. São estimuladas a se destacar nas atividades de arrumação e a brincar em casa, a ser meiga, delicada, gentil, a expressar suas emoções. Dos meninos se espera destaque nos jogos e brincadeiras que mobilize a força física.  Eles “são estimulados a ter liberdade para fora da casa, a ser agressivos, a conter suas emoções, a escamotear suas inseguranças. ((BANDEIRA E FREIRE, 2006.)

 O segmento infantil é um dos mais explorados e rentáveis do mercado no século XXI. São muitos os produtos destinados ao consumo infantil, e, estes por sua vez se tornam ativos no processo de subjetivação da criança afetando a percepção de si, do mundo e de si no mundo. Essa exploração perversa da criança pelas ações de consumo constitui um imenso fosso de privação da infância, tendo em vista que desde pequena seu papel na sociedade construiu em função dos interesses do mundo adulto, os quais determinaram valores e normas às mesmas.                

 Felipe (1999) refletindo a construção social da identidade destaca que:

Hà um enorme investimento da sociedade em geral para que os sujeitos sejam ou se comportem desta ou daquela forma que gostem de determinadas coisas em função de seu sexo. Os tipos de jogos, brinquedos e brincadeiras que oportunizamos a menino e meninas, a utilização de espaços que permitimos a um ou outro, são alguns exemplos de como os indivíduos vão se constituindo. (FELIPE, 1999, p. 2.)

 O conceito de identidade é criticado Stuart Hall (1997)  o qual analisa não é estática nem estanque, ela movimento, mudança, transformação, está relacionada com atribuição de valores. A identidade se remete a posição que cada pessoa ocupa na sociedade. Nesse sentido o autor observa que não é possível falar em modos únicos de ser, sem falar em modos de ser na sociedade. O que quer dizer que o “eu” participa sempre como sociedade, nunca isolado.

Podemos imaginar as mais diversas combinações para configurar uma identidade como uma totalidade. Uma totalidade contraditória, múltipla e mutável, no entanto una. Por mais mutável que seja, sei que sou eu que sou assim, ou seja, sou uma unidade de contrários, sou uno, multiplicidade e na mudança. ( CIAMPA, 1994, p. 61)

 Portanto ao falar de identidade não falamos de indivíduos, mas de grupos coesos com interesses regulados pela sociedade como a religião por exemplo em que todos agem da mesma forma.

2.4 O papel da educação infantil nas relações de gênero

            As relações de gênero nos permitem também analisar o que acontece no espaço educativo em toda sua dimensão, visto que nele são construídas as subjetividades, a identidade, e as diferenças com suas contradições e possibilidades.

Falar em relações de gênero na instituição educativa, em particular na Educação Infantil, implica considerar o outro e a nossa relação com o outro, implica, sobretudo, pensar acerca da diversidade e da diferença. Somos sujeitos sociais, culturais, históricos, e conseqüentemente diferentes.  No entanto, é sabido que essas diferenças que nos singularizam nem sempre são consideradas nos espaços educativos, especialmente nos infantis.

Bandeira e Freire (2006) analisam a produção histórica da escola no Brasil ressaltando que esta enquanto instituição social, desde a Colônia vem produzindo e reproduzindo distinções e desigualdades, refletindo as diferenças sociais e separando as pessoas de acordo com os critérios dominantes. Segundo esses autores a escola em nosso país por meio da organização, dos currículos, dos regulamentos e, principalmente dos símbolos, define o lugar dos gêneros e acaba por sua vez, orientando, reforçando e muitas vezes determinando habilidades distintas para meninos e meninas, induzindo comportamentos considerados “adequados” para cada sexo.

Louro (1997) defende os que currículos, as metodologias de ensino, as linguagens e processos de avaliação sejam eles, campos das diferenças de gênero, de sexualidade, de etnias, de classe, precisam ser questionados pela escola. De acordo com a autora deve-se observar que nos arranjos escolares estão presentes as múltiplas e complicadas combinações de gênero, sexualidade, classe, raça, etnia, e que nós mesmos estamos envolvidas nessas relações de poder, às quais teremos que questionar. Embora não se trata de uma tarefa educativa nada fácil, há que ampliar a problematização na educação em torno das questões de gênero e sexualidade, pois a escola delimita espaços, utilizando-se de símbolos, e afirma o lugar dos grandes e dos pequenos, das meninas e dos meninos (LOURO 1997, p. 58).  

Na educação Infantil a questão do gênero é muito importante e deve ser considerada, “pois a identidade sexual da criança atribuída não é automaticamente assumida. É negociada, construída. ( BANDEIRA E FREIRE, 2006). Portanto, a forma como os espaços de educação infantil lidam com as questões de gênero pode contribuir para que as crianças se tornem seres completos e/ou para limitar suas iniciativas e suas aspirações.

 Dessa forma, as instituições infantis enquanto agentes socializadoras, onde se cria oportunidades para as crianças vivenciarem experiências de convívio e de interações sociais tem responsabilidades diretas na construção da identidade da criança e precisam ser um lugar onde meninas e meninos possam desenvolver ao máximo seus potenciais pessoais, no sentido de despertar a reflexão e a criticidade para a redução da desigualdade e para o enfrentamento do preconceito e da discriminação de gênero.

            Nessa direção:

A atual discussão acerca das diferenças de gênero remetem-nos à reflexão quanto a reprodução pelas crianças de modelos hegemônicos durante a vivência destas nos espaços escolares. Dessa forma, uma educação que contemple o respeito às diferenças e aos direitos humanos como premissa de formação cidadã, deve considerar as desigualdades entre sexos como um problema a ser discutido nas relações entre alunos e profissionais da educação, em especial na educação infantil, visto que as crianças também se apropriam dessas diferenças das quais elas próprias têm sido agravadas de muitos preconceitos e discriminação oriundos dos atributos ideológicos do papel feminino e do masculino construídos historicamente em nossa sociedade. É importante que os/as docentes que trabalham na Educação Infantil tenham consciência do potencial que o ambiente coletivo de educação tem para possibilitar a convivência entre a diversidade e repense desse modo, suas práticas educativas. A discussão das questões de gênero na educação infantil se traduz na possibilidade de uma educação mais igualitária, que respeite a criança na construção de sua identidade e que favoreça, desde as primeiras relações, a constituição de pessoas sem práticas sexistas. Demandam a incorporação de práticas educativas que introduzam conscientemente, como estratégia de socialização a meta de igualdade de gênero (FINCO, 2008, p. 2).

No processo de aquisição da cultura as crianças, vão incorporando e acreditando que existem padrões de comportamentos distintos e pré definidos para meninos e para meninas dos quais elas são obrigadas a seguir. Caso negue a isso são expostas a situações de discriminação e até mesmo punição. Vão sendo “moldada” de acordo com a tradição cultural da qual vai aprendendo um conjunto de regras que formatam o masculino e o feminino, como se pode notar ainda hoje, a criança, antes mesmo de nascer já tem seu enxoval definido nas cores rosa para menina e azul para o menino. Assim como a roupa, os brinquedos, o comportamento, as emoções, a linguagem, entre outros, classifica o que é permitido à categoria feminina e a masculina.

  Nesse aspecto, a escola tem um instigante desafio, conforme nos lembra Finco:

É importante que os/as docentes que trabalham na Educação Infantil tenham consciência do potencial que o ambiente coletivo de educação tem para possibilitar a convivência entre a diversidade e repense desse modo, suas práticas educativas. A discussão das questões de gênero na educação infantil se traduz na possibilidade de uma educação mais igualitária, que respeite a criança na construção de sua identidade e que favoreça, desde as primeiras relações, a constituição de pessoas sem práticas sexistas. Demandam a incorporação de práticas educativas que introduzam conscientemente, como estratégia de socialização a meta de igualdade de gênero (FINCO, 2008, p. 2

 Nos espaços das instituições infantis, as crianças, crescem entendendo como verdade a visão arraigada do ser menino e ser menina reforçada pela família e pela sociedade e acabam incorporando a concepção machista nela impingida. Neste caso, será tarefa do/a educador/a desconstruir esta visão, que muitas vezes gera insatisfação com o próprio corpo entre as brincadeiras e o próprio agir das crianças, sejam meninas ou meninos. Daí a importância da educação para as relações de gênero acontecer desde o início da educação básica, como sugere Montserrat Moreno (1999):

Os padrões e modelos de conduta não podem ser modificados com a simples imposição de uma disposição ou de um decreto-lei. É necessária uma mudança mais profunda na mentalidade dos indivíduos e o lugar privilegiado para introduzi-la é exatamente a escola. Para que isso seja possível, é necessário tomar consciência dos mecanismos inconscientes de transmissão do modelo que queremos modificar.

Assim:

Co-educar não é por em uma mesma classe indivíduos de ambos os sexos nem unificar, eliminando as diferenças mediante a apresentação de um modelo único. Não é uniformizar as mentes de meninas e meninos. É ensinar a respeitar o diferente e a desfrutar da riqueza que a variedade oferece. (Moreno, 1999)

Sobre essa questão, Louro (2003) enfatiza que devemos nos atentar para a pluralidade, pois os sujeitos são constituídos por múltiplas possibilidades identidárias.  Assim, no âmbito das representações de gênero, a experiência das crianças que estão envolvidas nesses processos e deve ser considerada, no sentido de buscarmos apreender a dimensão cultural desses pequenos sujeitos e compreendermos como eles apropriam destas representações, como vão incorporando e dando significados a esses aspectos culturais produzidos no processo de socialização, especialmente nas brincadeiras.  sobretudo, buscar compreender como lidam com  essa questão  ao brincar.

2.5. Definição de brinquedo

            Diferentes abordagens e autores tratam indistintamente os termos brincar, brinquedos e brincadeiras. Oliveira (1986) em seu livro “Brinquedo e Indústria Cultural” aponta quatro possibilidades para se definir o que é o brinquedo. Assim, tiradas de um dos mais conhecidos dicionários brasileiros, organizado por Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (apud Oliveira, 1986: p. 25) define que brinquedo é:

1) Objeto que serve para as crianças brincarem;

2) Jogo de crianças, brincadeira;

3) Divertimento, passatempo, brincadeira;

4) Festa, folia, folguedo, brincadeira.

 Reforçando a argumentação de que em nossa língua os termos jogo e brincadeira são utilizados de forma bastante semelhante, Bomtempo (1986) acrescenta, no entanto,  palavra “jogo”, é entendida por muitas pessoas quando a brincadeira envolve regras  e o “brinquedo”, quando se trata de uma atividade não estruturada.

 Concordando com as posições de Oliveira e Bomtempo, Kishimoto (1996) vem confirmar que é muito difícil fazer a definição de jogo devido à variedade de fenômenos considerados como jogo enfatizando que essa dificuldade cresce, quando o mesmo objeto pode ser visto como jogo ou não jogo, dependendo apenas do significado a ele atribuído pelas diferentes culturas e pelas regras e objetos que o caracterizam. Ao referirem-se ao brinquedo, esses autores colocam que através deste é estabelecida uma relação íntima com a criança, sem um conjunto de regras para a sua utilização. Segundo eles o brinquedo, visto como objeto é sempre o suporte da brincadeira e que esta última se constitui na ação que a criança exerce ao valorizar as regras do jogo, ao mergulhar na ação lúdica.  Desse modo “o jogo contempla várias formas de representação da criança ou suas múltiplas inteligências, contribuindo para a aprendizagem e o desenvolvimento infantil…”. (KISHIMOTO, 1996: p.36).

Kishimoto (1996, baseando-se também nos estudos de Brougére, buscou compreender a diferença entre os termos jogos, brinquedos e brincadeiras. Assim para a autora jogo seria a ação voluntária processual que inclui uma intenção lúdica do jogador, com regras internas e ocultas, possuindo caráter improdutivo e incerto, ou seja, trata-se de uma atividade livre, que se imposta deixa de ser jogo. O brinquedo seria objeto que representa certas realidades, é um substituto dos objetos reais em que as crianças possam manipular e brincadeira seria uma ação voluntária e consciente que a criança desempenha. Autora aborda também como algumas modalidades de brincadeiras se apresentam na educação infantil, fazendo uma diferenciação entre elas: De acordo Kishimoto o brinquedo/jogo educativo ao assumir, por exemplo, a função lúdica, propicia diversão, prazer e até mesmo desprazer quando é escolhido por vontade própria, enquanto ao assumir a função educativa, o brinquedo ensina qualquer coisa que complete o indivíduo em seu saber, seus conhecimentos e sua apreensão do mundo. Como ilustração, a autora coloca que a criança ao manipular livremente um quebra-cabeça, diferenciando cores, a função educativa e a lúdica estão presentes. Mas, se a criança preferir apenas empilhar peças, fazendo de conta que está construindo um castelo em uma situação imaginária, a função lúdica está presente. É a intenção da criança que vale e não exatamente o que o professor deseja. A brincadeira tradicional infantil, por exemplo, é um tipo de jogo livre, espontâneo, no qual a criança brinca pelo prazer de fazê-lo. Já a brincadeira de faz-de-conta é a que deixa mais evidente a presença da situação imaginária.

É importante ressaltar que apesar de este estudo procurar analisar a questão das relações de gênero por meio do brincar, tema este, que como abordado acima apresenta uma amplitude de significados, o foco aqui se remete mais precisamente ao termo brinquedos (objetos), especialmente os brinquedos de fabricação, vistos como artefatos culturais que veiculam representações de feminilidade e masculinidade que separam meninas e meninos. Portanto, não se pretendeu neste estudo falar do brincar enquanto exercício de inclusão da criança ao mundo e como uma ferramenta pedagógica que os educadores dispõem para ajudar no desenvolvimento da criança.

                              

3 METODOLOGIA

 

3.1 Local de estudo e sujeitos da pesquisa

 

       Este estudo foi realizado em uma creche pública do município de Marcelândia-MT, no período de agosto de 2011 a março de 2012. A população estudada constituiu-se de 12 crianças, na faixa etária de 4 a 5 anos, sendo  6 meninas e  6 meninos matriculados na instituição. Destes, 5 com idade de 4 anos, sendo 3 meninas e 3 meninos e o restante com 5 anos sendo 3 meninas e 3 meninos. Desse universo 6 cursavam  pré I e 6 cursavam o pré II. A idade das crianças, ao final das sessões de observação, variou entre 4  anos e 8 meses a 6 anos. Eram crianças pertencentes a famílias de classe média baixa, moradoras próxima à creche e em sua maioria possui o Ensino Fundamental e trabalha em madeireiras, no comércio e em serviços domésticos. A instituição funciona nos turnos matutino e vespertino e no período da realização da pesquisa atendia 170 crianças entre 4 e 5 anos, sendo 4 turmas do pré II, 3 turmas de pré I. Destas, 35  freqüentam o período integral. É uma instituição mantida pela prefeitura municipal e administrada pela Secretaria de Educação e seu trabalho pedagógico está embasado no Referencial Curricular para Educação Infantil, tendo como principal objetivo contribuir para formação integral da criança e valorização de sua infância.  As salas são distribuídas em 1 pavimento com espaço bem   restrito. No pátio contém 6 balanços, trepa-trepa, casinha de bonecas, escorregador e um pequena quadra de areia.  Numa das salas fica instalada a brinquedoteca que mede aproximadamente 10m2.  Nela há mesinhas e cadeirinhas cor de rosa. Há vários joguinhos de panelinhas, fogãozinho, pratinhos, geladeirinha, bonecas, jogos de encaixe e alguns carrinhos, carrinhos de bonecas, lavadoras, espelhinhos, escovas de pentear. No chão há um tapete com figuras geométricas. As crianças freqüentam a brinquedoteca por turma 1 vez  por semana com duração de 1 hora. Durante esse período elas brincam livremente utilizando os brinquedos disponíveis acompanhadas da professora.

Nos demais dias de atendimento as professoras disponibilizam vários brinquedos no espaço das salas de aula ou no pátio onde as crianças brincam livremente por 1 hora e 30 minutos.

3.2 Procedimentos para a coleta e análise dos dados

 

          Para coleta de dados optou-se pela técnica de observação direta por essa melhor permitir, conforme Delval (2002) obter de forma mais rica e detalhada as informações numa pesquisa de campo.

 A escolha da observação como instrumento metodológico fundamentou-se em dois princípios: a premissa de que as pesquisas deveriam abrir espaço para observar as crianças e por ser um dos instrumentos que melhor permite investigar esses pequenos sujeitos.

 Após a aprovação do projeto pela coordenadora responsável pela instituição e autorização do termo de consentimento dos pais, foram realizadas observações diretas de brincadeira livre utilizando-se o método de observação. As crianças foram observadas nas brincadeiras livres na brinquedoteca, na sala de aula e no pátio. A escolha por realizar a pesquisa com crianças de 4 e 5 anos, deu-se em razão da diferença de idade e por essas saírem para freqüentarem a brinquedoteca e o pátio no mesmo horário, visto que são crianças   estudam no período oposto e ficam na instituição o dia todo, e portanto, precisam dividir espaço intercalado as turmas do período regular. Ao todo foram realizadas 6 observações de 10 minutos para cada grupo de  6 crianças,   totalizando, 60 minutos por grupo. A ordem em que foram observadas foi aleatória, procurando não repetir observações da mesma brincadeira a cada sessão, bem como realizar as observações quando todas as crianças (população amostra) estivessem presentes na instituição. As brincadeiras observadas foram as de casinha, fazendinha, carrinho, papai e mamãe, policia e ladrão, casamento, construtor, cabeleireiro entre outras. Os registros das observações foram feitos com o uso de câmera fotográfica e o caderno de campo, tomando-se o cuidado de separar em quadros o material indexical (referências concretas do que as crianças fizeram quem, fez como fez, onde e porque) e as descrições generalizadas ( material argumentativo, movimentos corporais, sentimentos, valores, opiniões, juízos, sabedoria popular, tradições e cultura evidenciadas por elas.

 

4  RESULTADOS E DISCUSSÃO 

   4.1 Tipos de brinquedos priorizados por meninas e meninos

 

Com o objetivo de analisar os discursos das relações de gênero apreendidas e reproduzidas por crianças de 4 e 5 anos durante os jogos e brincadeiras nos espaços da instituição de uma educação infantil do município de Marcelândia MT, buscou-se, vivenciar as diversas narrativas  apresentadas   por elas  por meio da reprodução de suas ações no ato do brincar. Assim, as narrativas e as imagens coletadas nos momentos de brincadeiras livres foram agrupadas de acordo com  as seguintes abordagens:

  • Os tipos de brinquedos escolhidos por meninos e meninas;
  • A proporção da participação em brincadeiras de grupos de sexo diferentes;
  • Os papeis desenvolvidos por elas nos jogos simbólicos.

           Com relação aos tipos de brinquedos escolhidos pelas crianças num dos momentos de rotina pedagógica em que elas são deixadas livres para brincar com vários brinquedos disponibilizados pelas professoras, pôde-se observar que as meninas de 5 anos escolheram somente “brinquedos de  meninas”. Das 3 meninas de 4 anos, 2 pegaram brinquedos mistos e uma preferiu aproximar dos meninos observando – os enquanto escolhiam seus brinquedos. Dos 6 meninos observados, 3 de 5 anos escolheram “brinquedos de  meninos e peças de encaixe,  e 3 de 4 anos escolheram somente as peças de encaixe. Algumas dessas situações são transcritas no Quadro 1 a seguir. 

     QUADRO 1- Brinquedos escolhidos pelas crianças.

 A professora do Pré II leva 6 crianças a uma área externa da instituição destinada para as crianças brincarem livremente. No mesmo momento 6  crianças do pré I  de 4 anos  do contra turno  são levadas por uma monitora para o mesmo espaço. Ambas levam cestos e sacolas de brinquedos distribuindo-os sobre o chão. 3  meninas de 5 anos imediatamente  correm escolhendo bonecas, bebês, bercinhos, mesinhas com louças e panelinhas, mini fogão, sofazinhos, lavaduras, carrinhos de boneca, espelhos e escovas de pentear, geladeirinha e cestinhas, guarda- roupas e caminhas, todas cor -de rosa. 2 meninas de 4 anos observam atentas e  uma pega um carrinho  e a outra e pega um tratorzinho   que logo lhes tirados por 2 meninos de 5 anos . Meio tímidos 2 menininhos de 4 anos misturam-se as meninas e escolhem carrinhos, aviozinhos, bolas e peças de encaixe transformando –os  em espingardinhas,  revólveres, carretinhas e trenzinhos.

(Caderno de campo, quarta feira, 02 de agosto de 2011.)

Com esses resultados obtidos quanto ao tipo a escolha dos brinquedos verifica-se que as crianças de 5 anos privilegiam  os brinquedos caracterizados para “meninos” e para “meninas” mais dos que as de 4 anos. Nas observações pôde-se constatar que as meninas ficavam muito entretidas com as bonecas e com os brinquedos só de meninas. Ficavam todo o tempo de posse deles, manifestando prazer em arrumar os brinquedos pertencentes à cozinha e aos quartos. Em algumas situações, mostravam com bastante clareza uma sexualização na separação e classificação dos brinquedos. Este resultado pode ter sido influenciado pela distinção de brinquedos ofertados as crianças, os quais eram bastante definidos para o que era de meninas e o que era de meninos, uma vez que as professoras os distribuiu separadamente.             

Louro (1997) afirma que a escola tem grande parcela de contribuição neste processo. A autora aponta para o modo como as instituições e suas práticas ensinam determinadas concepções, envolvendo os sujeitos do processo educativo a formas de comportamentos e atitudes, diferenciadas pelo sexo, fazendo com que aprendidas e interiorizadas de forma praticamente “natural”. "Tal 'naturalidade' tão fortemente construída talvez nos impeça de notar que, no interior das atuais escolas, onde convivem meninos e meninas, rapazes e moças, eles e elas se movimentam, circulam e se agrupam de formas distintas". (LOURO, 1997, p. 56).

Felipe (1999) analisa essa questão chamando a atenção para o ato de brincar e os brinquedos para os meninos e meninos. A autora questiona o que as pedagogias culturais têm produzidos para as crianças na atualidade e como essas produções têm afetado o sistema educativo. Segundo Felipe, “brinquedos considerados de meninos caracterizam-se geralmente pela menção ao esporte, priorizando assim as atividades que exijam movimentos amplos, força física, competitividade e uma forte carga de opressão” (p.2).  Diferentemente dos brinquedos das meninas que caracterizam- se pelas funções ligadas à maternagem, á arrumação, aos cuidados com a beleza, etc. Os brinquedos que são oferecidos para as crianças estão carregados de expectativas, de simbologias e de intenções de acordo com as aspirações dos adultos. A separação que se faz dos brinquedos de meninas e meninos, justificadas pelas diferenças biológicas, acabam proporcionando diferentes vivências corporais e determinando um tipo específico de feminilidade e masculinidade que acabam proporcionando diferentes vivências corporais e determinando os corpos das crianças em meninos e meninas.

 Fantin (2000) também observa que os brinquedos vêm carregados de significações culturais, oriundas de uma determinada sociedade, os quais incidem também  sobre a forma de representação que a criança fará dos mesmos. Apesar da imagem do brinquedo provocar desejos, as crianças também encontram uma imagem cultural que lhes é destinada, antes mesmo delas poderem ter sua experiência lúdica. Do ponto de vista educativo, esse fator é um tanto preocupante, visto que pode provocar mudanças na cultura lúdica das crianças, uma vez que alguns brinquedos invadem seu universo, direcionando suas brincadeiras e sua forma de se relacionar com o mundo.

  Como aponta Vygotsky (1991) no ato de brincar, as crianças constroem e reconstroem, simbolicamente, a realidade e recriam o existente. “O brincar é uma atividade humana criadora, na qual a imaginação, fantasia e realidade interagem na produção de novas possibilidades de interpretação, de expressão e de ação pelas crianças, assim como novas formas de construir relações sociais com outros sujeitos” (VYGOTSTKY, 1987).

            Contudo, esse brincar criativo, simbólico e imaginário, enquanto forma infantil de conhecer o mundo, fazer história e cultura, de se apropriar originalmente do real brincando, pode estar sendo cada vez mais ameaçado pela indústria do brinquedo.

Felipe (1999) analisa os brinquedos produzidos pelas indústrias de entretenimento, especialmente os brinquedos “para meninas” são “personalizados” com predominância de peças rosa, lilases e brancas como, por exemplo, cozinha, guarda-roupa, salas, camas, bonecos, todos expressando representações de afazeres domésticos.

Redford (2006), dentro das teorias sócio-culturais da aprendizagem desenvolvidas a partir de Vigotsky, ressalta que os artefatos culturais, sejam materiais ou abstratos, servem de meios para o desenvolvimento da representação semiótica a partir da qual construímos, por processos interativos, os significados culturalmente aceitos, e assim nos inserimos nos conhecimentos institucionalizados por determinado grupo social.  Nessa perspectiva os artefatos (objetos, instrumentos, sistemas de signos, etc.) mediam o conhecimento por meio da sua utilização em práticas sociais. “Os artefatos, não são meras ajudas ao pensamento, nem simples amplificadores, e sim parte constitutiva e consubstancial deste. Se pensa com e por meio dos artefatos culturais...” (RADFORD, 2006, p.107).

 Nas instituições educativas, em particular as de educação infantil, educam- se o tempo todo. As práticas educativas ocorrem nas mais diversas trocas e relações. As várias linguagens e discursos presentes nas práticas cotidianas da Educação Infantil, dentre essas, as que veiculam representações do que seja a conduta correta de meninos e meninas. No entanto, na maioria das vezes os educadores que atuam com crianças não questionam e nem propõe práticas pedagógicas para repensar tais representações.

 No caso dos brinquedos de fabricação, estes apresentam informações e conceitos que produzem certo padrão do ser menino e menina, bem como outros artefatos que devem ser analisados e questionados pela escola.

 De acordo com (Soares, 2002) ao analisar os primeiros contatos das crianças com os brinquedos no âmbito da educação é possível observar que a forma como os brinquedos são guardados e oferecidos na Educação Infantil pode basear-se em uma manipulação da brincadeira, uma pedagogia do gesto e da vontade, configurando-se assim, uma “educação do corpo” (p.69-80.). Neste caso, pode-se dizer que as preferências não são meras características oriundas da biologia do corpo, são construções sociais e históricas. Ou seja, os sentidos e significações atribuídos à categoria de gênero, histórica e socialmente, são apreendidos pelas crianças nas relações lúdicas que um espaço coletivo propicia. Isso ficou visivelmente apresentado no comportamento das crianças observadas no momento em que lhes fora disponibilizados os brinquedos, considerando que estes conforme dito anteriormente apresentavam características bem definidas, isto é, os brinquedos de “meninas e brinquedos de “meninos”.

     Finco (2007) discorrendo sobre esse assunto defende que:

ao analisar a educação e o cuidado do corpo de meninos e meninas na Educação Infantil é possível perceber que os brinquedos são artefatos culturais que, voltados para as crianças, veiculam representações e produzem verdades e afetam a construção das identidades infantis, principalmente em relação ao gênero e à sexualidade, produzindo e reproduzindo determinados comportamentos que demarcam uma fronteira entre os sexos.

Muitas vezes a escola orienta e reforça diferentes habilidades nos meninos e nas meninas de forma sutil. A instituição educativa pode ser espaço de formação e transformação, mas pode ser também espaço de contestação de, de produção de novas significações nas constituições das diferenças, especialmente as de gênero (feminino e masculino) historicamente estabelecidas como fixas e estáveis. Essas representações precisam ser pensadas por educadores e educadoras que atuam com crianças, uma vez que os contextos educativos constituem-se também enquanto espaços culturais, que buscam formar, definir e produzir sujeitos por meio de práticas discursivas e não discursivas que reproduzem e sustentam as hierarquias de gênero segundo a lógica binária do ser homem /masculino e do ser mulher/feminino.

Silva (2003) analisa essas questões focando as práticas pensadas e produzidas nos currículos das instituições educativas. O autor defende que as representações não são fixas e estáveis e que, portanto, o “currículo pode se transformar numa luta de representação, na qual os significados podem ser definidos, questionados, disputados. ( ...) É por meio desse processo de contestação que as identidades hegemônicas constituídas pelos regimes atuais de representação podem ser desestabilizadas e implodidas”. (SILVA, 2003, p.201)

Pensar a diferença de gênero na Educação Infantil implica defender práticas não excludentes entre crianças que estão se constituído enquanto sujeitos sociais. Assim, é no currículo da primeira etapa da educação básica que esse trabalho começa.

  4.2 A proporção da participação em brincadeiras de grupos de sexo diferentes.

 

No decorrer das observações foi notável a preferência por determinadas brincadeiras por parte dos meninos e das meninas, se materializando em comportamentos de gênero.  As fotos e o quadro dois a seguir mostram alguns desses comportamentos manifestados pelas crianças durante as brincadeiras em que os meninos preferiram brincar somente entre eles e as meninas somente entre elas.

 

  QUADRO 2-Participação em brincadeiras de grupos de sexo diferentes.

 

 

No pátio, dois grupos de crianças do pré II e I estão brincando juntos. A professora do pré II chega com uma caixa grande cheia de bonecas, bebês, bercinhos, mesinhas com louças e panelinhas, mini fogão, sofazinhos, lavaduras, carrinhos de boneca, espelhos e escovas de pentear, geladeirinha, cestinhas, guarda- roupas e caminhas, a maioria na cor rosa. Na outra mão segurava um saco plástico contendo carrinhos, jogos de encaixe, bolas pequenas, garrafas de boliche e sucatas ( caixa de leite, pote de margarina, caixa de sabonete, creme dental, embalagens de amaciante, xampu,  entre outros). A professora com a ajuda de uma monitora distribui os brinquedos sobre o chão deixando que as crianças os escolhessem livremente. Das 6  meninas observadas no  estudo, 4 de 5 anos se jogam sobre os brinquedos da caixa juntamente com outras colegas  e  pegam todos que podem e os acomodam num canto da parede,  arrumando-os de acordo com as repartições de uma casa e 2 meninas de 4 anos preferiram olhar ora as meninas, ora os meninos brincarem. As meninas imediatamente arrumam tudo que é de cozinha em uma mesinha cor de rosa forrada com um toalhinha, arrumam os brinquedos de quarto sobre uma caixa de papelão grande e a sua volta. Por último arrumam a sala com os sofás e tapetes. Dos dez  meninos presentes no grupo, 4 que fazem parte do universo da pesquisa nem sequer passaram perto das meninas e foram logo escolhendo carrinhos, bolas, jogos de encaixe e outros objetos que não faziam parte dos brinquedos oferecidos pela professora. No momento em que  brincavam  2 meninos aproximaram do grupo de meninas que brincavam e casinha e um deles pegou uma panelinha e uns pratinhos que estavam espalhados pelo chão. Uma menina viu e arrancou de suas mãos gritando, “mulherzinha”! “você não sabe que isso ai é brinquedo de menina”? As outras meninas viram a cena e gritam em coro, “mulherzinha, mulherzinha”! Os demais meninos brincavam o tempo todo com os carrinhos e tratorzinhos, fazendo estradinhas com um pedaço de madeira, construindo tuneis de areia, montando arminhas com as peças de encaixe, brincando de policia e ladrão com elas.

(Caderno de campo, sexta feira, 12 de agosto de 2011.)

 

 

Foto 1- Momento em que as crianças brincam de casinha.

 

 

Foto 2- Os meninos brincam apenas com peças de encaixe.

 

Foto -3 Momento em os meninos brincam somente de carrinhos.

 

   QUADRO 3 - Representações de gênero presentes no espaço escolar.

 

Um grupo de meninas de 4 e 5 anos  brincam no pátio. Uma monitora disponibiliza duas casinhas confeccionadas com caixa de fogão e TNT para as crianças brincarem. As meninas ao verem as casinhas correm imediatamente para a que está revestida com TNT rosa e lilás. Os meninos têm a mesma reação e correm para a casinha revestida em azul e verde. Pouco depois 2 meninos tentam entrar na casinha das meninas, mas estas os empurram dizendo “ esta casinha é de menina. É uma casa cor de rosa! Meninos não podem entrar”.

(Caderno de campo, sexta- feira, 15 de setembro de 2011.)

Foto – 4 Momento em que as meninas escolhem somente “brinquedos de meninas”

          Observa que, os brinquedos para meninas e meninos, privilegiam certo tipo de ser menina e menino. Eles expressam conceitos essencializantes, que não favorece as múltiplas possibilidades que as crianças têm para se constituir como sujeitos de identidade de gênero.  Tais representações, na maioria das vezes são consolidadas nas praticas docentes veiculadas pelos brinquedos e vão cristalizando-se através da fala, dos gestos, das relações estabelecidas entre as crianças.

  Ao refletir sobre representações Moscovici (1978) esclarece que a representação social remodela e reconstitui os elementos do meio ambiente em que o comportamento se manifesta e fornece um sentido ao comportamento, integrando-o num sistema de relações e vinculações ao objeto. Para Moscovici, a representação tem um caráter ativo, visto que a apreensão dos objetos externos, ao mesmo tempo em que sugere reprodução, resulta, também em reconstrução desses objetos no contexto dos valores, das regras e noções.

Assim, quando o individuo reproduz as representações sociais interiorizadas, está contribuindo para a reprodução e manutenção das relações sociais vigentes na sociedade.

As fotos abaixo mostram como algumas dessas linguagens e discursos se fazem presentes nas práticas cotidianas da Educação Infantil e como elas veiculam representações do que seja conduta correta de meninas e de meninos.

 

 

Foto 5 – Casinhas confeccionadas pelas monitoras.

 

 Foto 6 – Casinhas confeccionadas pelas monitoras.

 

Foto 7 - As meninas brincando de casinha.

  Observa-se que já de inicio, para as crianças ficou claro que a cor rosa, lilás e vermelho, bem como a decoração com flores era um marcador da identidade feminina de gênero na casinha propositadamente construída para as meninas. Sem que ninguém as orientasse ou determinasse, elas se apossavam das casinhas naturalmente, visto que já interiorizaram essas idéias e concepções. Por outro lado a cor verde e azul se mostra como um marcador de identidade masculina na casinha dos meninos.  Para reforçar esse marcador social do seu gênero, a decoração aparece com figuras de carrinhos e aviõezinhos.

 

Foto 8- Os meninos brincando na casinha.

 

 Com os resultados obtidos quanto à participação das crianças de sexo diferentes nas mesmas brincadeiras, foi verificado que as meninas, especialmente as de cinco anos brincaram mais entre elas nas brincadeiras de casinha, assim como e os meninos brincaram somente entre eles nas brincadeiras com carrinhos, aviõezinhos, arminhas, etc. Esse resultado está de acordo com as outras observações realizadas sobre a escolha de brinquedos, o qual também verificou a predominância na escolha de bonecas, bebês, bercinhos, mesinhas com louças e panelinhas, mini fogão, sofazinhos, lavaduras, carrinhos de boneca, espelhos e escovas de pentear, geladeirinha, cestinhas, guarda- roupas e caminhas pelas meninas e de carrinhos, arminhas e bolas pelos meninos.

    Apesar dessas situações, ter mostrado com bastante clareza uma sexualização nas brincadeiras das crianças, constatou-se muitas vezes que os meninos querem brincar com os brinquedos das meninas, mas sentem-se constrangidos temendo serrem vaiados pelos colegas, o que indica que os brinquedos como artefatos culturais são portadores de uma série de significados que cumprem uma função compulsória, levando meninos e meninas a desenvolverem determinadas formas de se comportarem e de se constituírem como sujeitos.

 Ao analisar a forma como as meninas brincam de casinha, observa como elas vão se moldando para uma determinada feminilidade e como os meninos sofrem, nesse mesmo sentido com as pressões para um determinado modelo de masculinidade, visto que tanto os brinquedos ditos femininos, quanto os brinquedos ditos masculinos revelam os valores de uma feminilidade e de uma masculinidade hegemônica

 Portanto:

[...] a construção da identidade do grupo inscreve, nos corpos de cada criança, marcas que os diferenciam de outros grupos, tanto na relação entre grupos de salas diferentes ou mesmo pertencentes à própria sala. e ainda [...] jogo/brincadeira promove a criação de grupos sociais diferenciados, que exprimem suas diferenças pelo e através do jogo nas mais diferentes atividades. Dessa forma, meninos e meninas são testados constantemente pelos próprios grupos na definição do lado em que estão nesse jogo do “gênero”, através de mecanismos criados pelos próprios grupos (SILVA & DAOLIO, 2007, p. 29).

Nas análises feitas foi possível observar que a escolha de um carrinho ou um aviãozinho pelos meninos se dá justamente por já saberem que aqueles são permitidos e que se brincarem com tais brinquedos não sofreriam pressões por parte de quem quer seja.

 Belotti (1976), ao discutir sobre os brinquedos que são oferecidos para as crianças, aponta que estes, estão carregados de expectativas, de simbologias e de intenções que reproduzem determinados comportamentos e determinadas posições diferenciadas para meninos e meninas.

 

  4.3 Os papeis desenvolvidos pelas crianças nos jogos simbólicos.

 

            A organização das brincadeiras e a função dos papéis no faz-de-conta foram  outros aspectos analisados neste estudo. Com base nas observações constatou-se que os papeis representados com maior freqüência nas brincadeiras pelas crianças foram: papeis familiares (família nuclear) papai e mamãe e o bebe, o padre, a noiva, o noivo e convidados, “cabeleireira”, construtor, lutas entre polícia e ladrão, caminhoneiro e cozinheira, vendedor e aniversariante como mostra o quadro 4.

QUADRO 4- Papeis representados pelas crianças nos jogos simbólicos

Tipos de papeis                            

Papéis representados pelas meninas e meninos

   

Papéis representados pelos somente pelos meninos

                                                       

 Papai

Mamãe/papai

Padre

  Mamãe

Bebe

Noivo

 Bebê

Noiva

 

 Padre

Convidados

 

Noiva 

 Cabeleireira

 

Noivo

Cozinheira

 

Convidados,

Serviços domésticos

 

Cabeleireira

Vendedor

 

Construtor,

Aniversariante

 

 Lutas entre polícia e ladrão

Construtor

 

Caminhoneiro

Lutas entre polícia e ladrão

 

(Caderno de campo, sexta- feira, 06 de outubro de 2011.)

 Verificou-se por meio da análise que os meninos e as meninas brincaram mais juntos nesse tipo de brincadeira.  Tanto as meninas, quanto os meninos representavam os mesmos papeis, com exceção do papel de mamãe e da noiva que foi representados só por meninas, e do papel de padre e noivo que foi representado só por meninos. As demais brincadeiras favoreceram trocas entre os diferentes sexos. Esses resultados encontram-se em conformidade com os estudos de Moraes (2001), o qual destaca a importância da utilização do brinquedo de faz - de -conta para o desenvolvimento social das crianças, na medida em que podem oferecer uma forma livre e autônoma de interação entre elas.  De acordo com o autor, através da brincadeira social, a criança é capaz de resgatar valores e sentimentos que são importantes para a vida adulta, como a responsabilidade, além de aprender a importância da negociação, da conquista, de conviver com regras e a resolver conflitos.

Foto 9 – As crianças brincando de cabana.

 Moraes e Carvalho (1994) apontam que o faz-de-conta oportuniza a adaptação da criança à vida social através da construção e interpretação compartilhada da realidade. Segundo as autoras, desde o nascimento a criança faz parte de um mundo social onde a brincadeira de faz-de-conta promove também a identidade da criança como membro do grupo social. O faz-de-conta permite que a criança represente papéis, interaja socialmente, compartilhe e crie a cultura de seu grupo. E mais.  Na brincadeira faz-de-conta a criança exercita atitudes específicas do ser humano, ajudando-o a construir sua identidade social e constituir-se como sujeito social.

De acordo com Vygotsky a brincadeira cria zona de desenvolvimento proximal da criança que nela se comporta além do comportamento habitual para sua idade, o que vem criar uma estrutura básica para as mudanças da necessidade e da consciência, originando um novo tipo de atitude em relação ao real. Na brincadeira, aparecem tanto a ação na esfera imaginativa numa situação de faz-de-conta, como a criação das intenções voluntárias e as formações dos planos da vida real, constituindo-se assim, no mais alto nível do desenvolvimento pré-escolar. ( Vygotsky, 1984, p.117).

            Ao observar as crianças brincando verificou uma maior interação por parte de delas em todos os contextos da brincadeira simbólica.  Neste exemplo de interação mostrado pelas crianças percebeu-se que ocorreram trocas de olhares, de toques, carinho, ajuda mútua, informações, entre outros. Nas brincadeiras de aniversário e casamento as crianças montaram um cenário com flores e bolos de areia que atraiu atenção de todos os participantes. As crianças que representavam os convidados eram tratadas com respeito e carinho, sem nenhum tipo de preconceito. Nos jogos de vendedor elas evidenciavam noções de economia dando e recebendo o troco das vendas de mercadoria estabelecendo o valor coerente ao produto negociado e nessa troca de experiência elas vão se desenvolvendo.

Foto- 10 As crianças brincando de casamento.

  Neste caso, a função da escola deve ser a de proporcionar o maior número de experiências lúdicas, pedagógicas e sociais para que assim as crianças se apropriem de significados e conhecimentos científicos e do cotidiano compartilhados nas interações sociais.

Foi possível observar que o faz -de -conta precisa de um ambiente organizado e da presença de objetos para se desenvolver. Nos momentos em que as crianças organizavam e distribuíam os brinquedos em forma de cenários, todos se empenhavam em ajudar na arrumação. Selecionam objetos pertinentes ao tema, arrumando-os de forma coerente, categorizando-os brinquedos para que todos pudessem entender a brincadeira que estava sendo elaborada e poder compartilhar dela. E o que é mais importante observou-se que todas as brincadeiras ocorriam com calma, sem brigas e com muita criatividade.

Como um dos principais representantes da Psicologia Histórico – Cultural Vygotstky (1987) aponta que o brincar é uma atividade humana criadora, na qual a imaginação, fantasia e realidade interagem na produção de novas possibilidades de interpretação, de expressão e de ação pelas crianças, assim como novas formas de construir relações sociais com outros sujeitos. Neste caso, o autor juntamente com outros autores dessa psicologia compreende que, se por um lado a criança de fato reproduz e representa o mundo por meio de situações criadas nas atividades de brincadeiras, por outro lado tal reprodução não se faz passivamente, mas mediante um processo ativo de reinterpretação do mundo. Vygotsky entende o desenvolvimento psicológico da criança como um processo de natureza cultural. Ao abordar essa questão, o autor considera que a criança desenvolve-se essencialmente por meio da atividade do brinquedo. Nesse sentido, as transformações internas que ocorre em seu desenvolvimento, como o simbolismo e a capacidade de representar e de abstrair, surgem a partir das situações de brincadeiras.          

Neste caso, a função da escola deve ser a de proporcionar o maior número de experiências lúdicas, pedagógicas e sociais para que assim as crianças se apropriem de significados, de conhecimentos científicos e das experiências do cotidiano compartilhadas nas interações sociais.

      

 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A forma de compreender e investigar o processo de constituição das identidades de gênero que embasa a presente pesquisa, em conjunto com outros estudos tais como o de Moscovici (1988), Louro (2004), entre outros, contribui para o avanço do conhecimento acerca do comportamento das crianças na apreensão e reprodução da feminilidade e masculinidade. Deste modo, pôde-se entender como se opera determinados comportamentos específicos das meninas e dos meninos, por meio das brincadeiras, brinquedos, gestos, entre outros aspectos observados. Pôde-se entender, também, que estas preferências, essas representações são construídas social e historicamente, conformados por processos cotidianos que atribuem, com naturalidade, características às identidades como se estas fossem verdades.

Neste sentido, o espaço escolar constitui uma instância educativa não intencional e não oficial, espaço no qual meninas e meninos aprendem sobre feminilidade e masculinidade. Um momento no qual o brincar e as representações sociais se misturam articulando significados atribuídos ao gênero, construindo modos de ser e configurando ocupação de espaços e brincadeiras diferenciadas para meninos e meninas.

Por fim, esse conhecimento pode contribuir para que educadores possam, durante sua prática cotidiana, repensar acerca de suas próprias representações de gênero e sexualidade e como lidam essa questão, considerando o “outro” como diferente.

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