REPRESENTAÇÃO POPULAR

a restrição da representação democrática brasileira

 

 

Carolina Viegas Cavalcante1

Thiago Melo Ribeiro de Carvalho2

 

Sumário: Introdução; 1. A participação Popular no poder legislativo: contexto histórico; 2. A titularidade e o exercício do poder político; 3. O projeto de lei de iniciativa popular sobre a vida pregressa dos candidatos; Conclusão; Referências.

 

 

RESUMO

 

Realiza-se uma discussão sobre o processo legislativo brasileiro e a participação da vontade popular na definição dos integrantes que exercem o poder na constituição legislativa atual. Desenvolvem-se argumentos capazes de justificar e repensar a atual estrutura de participação popular brasileira, no direcionamento da utilização do poder. Utiliza-se ainda, como exemplificação, projetos de iniciativa popular que envolvem a estrutura do poder legislativo, como o projeto de lei sobre a vida pregressa dos candidatos.

 

PALAVRAS-CHAVE

Processo Legislativo. Representação Popular.

 

 

Políticos e fraudas devem ser trocados de tempos em tempos pelo mesmo motivo”.

Eça de Queiróz

 

 

INTRODUÇÃO

A participação popular como meio garantidor do Estado Democrático de Direito sempre foi vista com maus olhos pelo governo. A soberania do povo, se fazia valer mais em discursos do que efetivamente na prática. Foram necessários anos de luta para o reconhecimento da participação popular no governo.

Uma dessas conquistas refere-se à participação do povo no processo legislativo. Pode-se encontrar no § 2o do art. 61, a descrição dessa inicitaiva popular: “a atuação de, no mínimo um por cento (1%) do eleitorado nacional, distribuído por no mínimo cinco Estados, com três décimos por cento (0,3%) dos eleitores de cada um.” Há de se destacar que o atual quociente percentual exigido dificulta a participação popular nas iniciativas de lei, mas já há alguns casos de projetos de iniciativa popular como o projeto de lei sobre a análise da vida pregressa de pré-candidatos a cargos públicos a serem analisados posteriormente neste artigo.

 

 

1 Participação popular no processo legislativo: CONTEXTO HISTÓRICO

A Constituição Cidadã de 1988 assegura ainda no primeiro artigo a soberania popular da seguinte maneira: Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente. O poder popular está explícito em forma de cidadania ativa, ou seja, há a possibilidade do “povo” participar diretamente do poder público.

De forma clara e direta, a participação popular como meio legislador é uma conquista recente no contexto histórico brasileiro. Passou-se por períodos de ditadura, em que as decisões do Estado eram únicas e incontestáveis, e até tentattivas tímidas que esboçavam um plebiscito na Constituição do Estado Novo na Era Vargas, mas sempre de maneira disfaçada que escondia uma verdadeira forma de manipulação. Paulo Bonavides, no livro “História Constitucional no Brasil” explicita: “Mais do que técnica plebiscitária, o que a Constituição de 1937 visava com as propostas de plebiscito era o despistamento para facilitar o jogo do

poder.”3

O cientista político Wanderley Guilherme dos Santos usa do conceito de cidadania regulada4quando refere-se aos cidadãos da Era Vargas. Tal expressão refere-se às diversas decisões estabelecidas por Vargas nesse período, como a Lei de Sindicalização, em que somente trabalhadores sindicalizados gozavam de benefícios da legislação trabalhistas; ou seja para ser cidadão e poder gozar de direitos e “exigir” do Estado era necessário participar de uma estrutura corporativista de dominação. Para todos aqueles que não se encontravam nessa situação, a cidadania não passava de algo distante, inacessível e regulada.

No período da ditadura militar, houve o início de uma série de medidas que visavam sufocar os direitos políticos pré-conquistados, para a exclusão da participação popular na vida política e no controle das políticas públicas. Em nome da liberdade, da ordem e principalmente da segurança nacional, houve uma expansão da cultura autoritária no trato dos movimentos sociais e na gestão das políticas públicas. A Constituição de 1967 procurou legitimar o golpe de 64, o regime militar possuia então legalidade, o autoritarismo virara lei.

Embora gozassem direitos reduzidos, a população brasileira reagiu ao regime militar da maneira que pôde. A príncipio, houve a quebra de valores amplamente proclamados pelo regime; em lugar de valores de uma sociedade capitalista consumista, que pregava a ordem cristã, os jovens lutavam por uma sociedade justa e igualitária,. O lema “Sexo, drogas e Rock n' Roll” entoava multidões que tomavam as ruas, formando não apenas uma quebra de preceitos, mas uma revolução de linguagens.5

A partir de então, a voz do povo clamava o direito de eleger o Presidente da República, na maior mobilização popular da história brasileira. Milhões de brasileiros se uniam no movimento chamado “Diretas Já”. Apesar desta pressão, o governo manteve o Colégio Eleitoral como froma de escolha presidencial. A cor amarela foi escolhida como símbolo da campanha e simbolizava o poder de sabedoria que o povo devia lutar e conquistar.



Durante a execução do Hino Nacional, grande parte dos presentes se debulhava em lágrimas. Nos anos da ditadura, acostumaram-se a ver o Hino Nacional como símbolo do regime militar. Cantá-lo em meio a mais de um milhão de pessoas como um ato de protesto tinha um indescritível sabor revolucionário. O povo vibrava com Lula e Brizola que lembravam que a luta política tinha de aprofundar as mudanças sociais no país.”

 

Depois da frustração por não ter alcançado as eleições diretas para o cargo de Presidente e Vice-presidente da República, a participação popular mais uma vez havia sido negada, tentou-se dar então, o próximo passo na busca de um Estado Democrático de Direito, a luta por uma nova Constituição que afirmasse e garantisse a soberania popular, que em seu plano organizacional, tinha como matrizes a descentralização e a participação popular no processo de reordenamento do sistema político do país.

Abriu-se possibilidades de articipação popular através do planejamento e fiscalização e da criação de instâncias como fóruns e conferências que pretendiam aumentar a participação popular. Apesar disso, passados 11 anos de constituição, percebe-se que a organização política dos setores populares ainda é de grande dificuldade, com poucos espaços destinados a esse fim. Na prática, obbserva-se que a mobilização social acaba por perder todo apoio formal que possui formalmente.

 

 

2 A TITULARIDADE E O EXERCÍCIO DO PODER POLÍTICO

 

Um dos pilares que legitimam o poder político no Brasil, está na afirmativa da emanação deste como produto da liberdade na ordem social, ou seja, a participação do indivíduo na criação das normas que determinam e direcionam a vida em sociedade. A base desta afirmativa consiste na representação popular segundo os moldes da teoria constitucional brasileira atual, uma forma de manifestação da vontade e do poder.

A legislação de normas jurídicas decorre do exercício do poder político, e ao contrário do que consistiu a experiência de Atenas, onde o poder pertencia diretamente ao povo e compareciam em praças públicas os cidadãos para discutirem a forma de administração e defesa da cidade6, a representação política brasileira atual é determinada pelo exercício do poder representativo, e este é constituído no princípio da soberania popular, que determina que o povo tenha participação predominante no âmbito público, e não se limita nem termina, apenas pela representatividade, pois o Estado Democrático está sempre em desenvolvimento, e os titulares do poder são responsáveis por constituírem a evolução constante do regime democrático.

A democracia de base representativa sintetiza sua estrutura a partir da afirmativa: a titularidade do poder, pertence ao povo. No entanto, existem restrições à participação direta do povo no sistema legislativo, principalmente no que diz respeito à análise de conduta dos membros representantes das casas legislativas federais, e determinantemente o exercício da democracia resumiu-se, no que Agustin Gordillo denomina de direito de votar e ser votado.

 

 

Deve ser recordado que, no Brasil, assim como em outros países que adotam a democracia em bases representativas, há restrição à participação direta, sendo comum que o exercício direto ou pessoal do poder político manifeste-se apenas em situações específicas, como é o caso do direito de votar e ser votado”. (GORDILLO, ANO)

 

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A limitação democrática é notória a partir da análise dessa concepção, já que a representação política atual consiste em uma delegação da vontade popular. O modelo dos atos e as condutas dos integrantes não são consagrados como responsabilidade direta dos cidadãos. Como afirma Canotilho o modelo vigente é denominado teórico formal, e contraditório ao modelo de representação democrática material7

O art. 1° da constituição esclarece que Estado democrático de direito, e a interferência popular é possibilitada nos destinos da nação. Antes que digamos que o povo deve cumprir as normas criadas por seus representantes, é exigido que estas sejam manifestadas a partir da vontade do povo. A imposição de limites à esfera individual de atuação, reputada imprescindível à vida em sociedade, é, em realidade, fruto de autolimitação, uma vez que decorre da vontade dos próprios atingidos.8

1Acadêmica do 3º período do Curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco

(carolviegascav@hotmail.com)

2Acadêmico do 3º período do Curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco ([email protected])

3 BONAVIDES, Paulo. História Constitucional do Brasil. Brasília: OAB, 2002. p. 346.

4Wanderley dos Santos afirmar que os cidadão eram somente “aqueles membros da comunidade quem se encontravam localizados em qualquer uma das ocupações reconhecidas em lei”. (SANTOS, 1985)

5 As artes também se integravam nesse processo revolucionário, músicas como “É proibido proibir!” de Caetano Veloso, “Revolution” dos Beatles, bem como o cinema da época de Glauber Rocha e o cinema novo serviam de influência para uma geração cheia de utopias.

6 FEIJÓ, Martin. A democracia grega. p.10.

7 CANOTILHO. Gomes Direito Constitucional e Teoria da Constituição. p. 287 e 278.

8 Cristiano Viveiros de Carvalho, Controle judicial e processo legislativo, p.23.