REPERCUSSÕES PENAIS DA NÃO SUBMISSÃO À TRATAMENTO DE TUBERCULOSE



Suellen Souza Pereira

O presente trabalho destina-se à apreciação da repercussão de Ação Civil Pública, processo 273/2007 impetrada pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso contra a ré Â. G. C. R. que adquiriu tuberculose na forma pulmonar e se recusou a fazer tratamento de saúde, servindo, desta forma, de vetor de disseminação da doença para pessoas do seu convívio e para aqueles que, de alguma forma, entrassem em contato com a mesma. Foi pedida a concessão de medida liminar, com o escopo de submeter a paciente a tratamento ambulatorial compulsório, com fulcro no art. 196, CF/88.
A decisão do Juiz de Direito, foi no sentido de que, o meio ambiente saudável é direito de todos, não sendo, de tal forma, justa a recusa "[...] a tratamento médico gratuito fornecido pelo Poder Público, em detrimento da saúde pública" . Apesar do preceito Constitucional que emana no art. 5º, inc. II, a garantia de que, ninguém poderá será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei, há, por outro lado, a garantia à vida e à saúde, o que traz à baila o Princípio da Proporcionalidade diante de tal conflito.
Outro ponto alegado pelo Magistrado foi que, as autoridades competentes não mediram esforços no sentido de minimizar os casos da doença, sendo inclusive, instituído o dia 24 de Março como Dia Mundial de Combate à Tuberculose, e a Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso desenvolve diversas atividades para conscientização da população quanto a tal doença. E que, "por se tratar de um problema de saúde pública, a Tuberculose encontra-se incluída na lista de prioridades do Ministério da Saúde, principalmente por se tratar de doença de fácil contágio" .
Diante do exposto supracitado, o caso em comento apresenta os seguintes problemas: excluindo-se a possibilidade de prática do crime de desobediência, praticará algum crime quem não se submeter ao tratamento médico determinado na sentença abaixo transcrita?
Inicialmente vale, consideramos, a doença em questão, ou seja, a Tuberculose Pulmonar Bacilífera. De acordo Pedro João Gaspar , da Universidade de Aveiro, a Tuberculose, ipsis litteris, é uma:
Doença infecto-contagiosa, pelo fato de a sua via de propagação ou contágio ser predominantemente a via inalatória, através de pequenas partículas de expectoração provenientes de um doente com tuberculose pulmonar. (...) A transmissão da tuberculose é feita de indivíduo a indivíduo através de pequenas gotículas do ar exalado pelo doente bacilífero (com presença de bacilos na expectoração).Estas pequenas partículas (1 a 5 microns de diâmetro) podem manter-se em suspensão no ar durante algumas horas.
Diante de tal conceito, não devemos nos olvidar que há uma política nacional de enfrentamento contra a Tuberculose, pois, este é um sério problema de saúde pública. Destarte o Governo Federal lançou o Programa Nacional de Controle da Tuberculose (PNCT) que está interligado ao Sistema único de Saúde. Segundo documentação oficial :
É desenvolvido por intermédio de um programa unificado, executado em conjunto pelas esferas federal, estadual e municipal. Está subordinado a uma política de programação das suas ações com padrões técnicos e assistenciais bem definidos, garantindo desde a distribuição gratuita de medicamentos e outros insumos necessários até ações preventivas e de controle do agravo. Isto permite o acesso universal da população às suas ações.
A paciente em questão deixou, desta forma, deixou de cumprir uma determinação do Poder Público a qual ela estava subjugada. O Estado apenas cumpriu com sua função precípua garantida no art. 196, da Carta Magna, que preceitua:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
No que tange à determinação judicial pautada no art. 461, § 3º, do Código de Processo Civil, a liminar concedida tinha como escopo a submissão da paciente ao melhor tratamento, haja vista, que a ré alegou que se sentia mal com o tratamento convencional. O jornal A Gazeta, de Mato Grosso, a firmou em reportagem , que: "o organismo da mulher teve reações ao tratamento convencional e a SMS propôs medida alternativa, que ela recusou. A paciente precisa do tratamento com urgência, pois pode ter complicações".
Como determinações do Poder Público, podemos elencar: "leis, decretos, regulamentos, portarias emanados de autoridade competente, visando impedir a introdução ou propagação de doença contagiosa, suscetível de transmitir-se por contato mediato ou imediato" .
Já no que pertine à infração penal cometida pela ré, com a sua recusa em submeter-se ao tratamento alternativo, proposto pela Secretaria Municipal de Saúde, ela passou a enquadra-se no tipo descrito no art. 268, do Código Penal Brasileiro, in verbis:
Art. 268 - Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa:
Pena - detenção, de um mês a um ano, e multa.
Parágrafo único - A pena é aumentada de um terço, se o agente é funcionário da saúde pública ou exerce a profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro.
O objeto jurídico tutelado aqui é a incolumidade pública, particularmente a saúde pública . As reminiscências do crime em comento remontam ao Direito Alemão e ao Código Portenho. O que se averigua com a criminalização da conduta descrita no caput do art. 268, CP, é a "preocupação com a eficácia das medidas adotadas para evitar epidemias, que poderiam facilmente se alastrar através (...) do transporte de germes patogênicos (...) se cuidados necessários não são adotados ."
Quanto á conduta Típica, Júlio Fabrique Mirabete, esclarece-nos: "a conduta típica é infringir determinação do poder público, ou seja, violar, postergar, transgredir, quebrantar prescrição administrativa obrigatória ". O cometimento poderá ser por intermédio tanto da ação quanto da omissão do agente.
Portanto, conclui-se que a ré da Ação Civil Pública em voga, cometeu o crime de Infração de Medida Sanitária Preventiva, preceituado no art. 268 do Código Penal Brasileiro, por não se submeter ao tratamento de Tuberculose imposto, através, de determinação judicial.



















REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Ministério Público do Estado de Mato Grosso. Processo nº 273/2007. Disponível em: http://servicos.tjmt.jus.br/processos/comarcas/dadosProcessoPrint.aspx. acesso em: 08/08/2011.
DELMANTO, Celso ... [et al]. Código Penal Brasileiro ? 6. ed. atual. e ampl. ? Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
GASPAR, Pedro João. Tuberculose Pulmonar Bacilífera: o internamento compulsivo como medida de controlo da disseminação da doença? Disponível em: http://iconline.ipleiria.pt/bitstream/10400.8/114/1/Tuberculose.pdf. Acesso em: 08/08/2011.
FERREIRA, Raquel. Tuberculose. A GAZETA, Mato Grosso, 29/03/2007. Disponível em: http://www.mp.mt.gov.br/. Acesso em: 08/08/2011.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Programa Nacional de Controle da Tuberculose. Disponível em: http://www.opas.org.br/prevencao/site/UploadArq/ProgramaTB.pdf. Acesso em 08/08/2011.
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 16. Ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 139.
PRADO, Luís Régis Prado. Curso de Direito Penal, vol.3: parte especial, arts. 184 a 288. ? 3. ed. ver. e atual. ? São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 127.