Edlane Leal dos Santos
Maria Daniela Santana
Rita Aline Souza Lima
Vânia Paixão
Viviane Ferreira

Centro Universitário Jorge Amado, Salvador-Ba, 2008

RESUMO

Este estudo buscou abordar um tema que atualmente tem sido discutido com frequência entre as adolescentes com menos de 19 anos, a gravidez. Meninas que estão no período da puberdade, um fenômeno orgânico que ocorre nos indivíduos quando o seu corpo se transforma mostrando a sua maturação para a reprodução, se deparam com uma gravidez precoce que exigirá um máximo de comprometimento físico e emocional da futura jovem mãe. Foram feitas entrevistas semi-estruturadas com duas mulheres que engravidaram na adolescência entre 15 e 16 anos, cujos filhos estão com idades entre 12 e 16 anos; duas adolescentes, uma de 19 anos cujo filho tem 02 anos e outra de 14 anos ainda grávida de 6 meses.

Palavras-chave: Gravidez; Adolescência; Família

1. INTRODUÇÃO

Não é novidade na história de vida das mulheres, o fato de engravidarem cedo. Muitas mulheres casaram, engravidaram e se tornaram mães ainda adolescentes. A sociedade se modernizou e as mulheres vislumbraram diferentes perspectivas de vida. No entanto, isso não impediu que, apesar da divulgação de métodos contraceptivos, a cada ano, mais jovens engravidam numa idade em que outras ainda dormem abraçadas com o ursinho de pelúcia. Atualmente este número tem aumentado, principalmente entre meninas de famílias de classe social mais baixa, com dificuldades de relacionamento com os pais e que interromperam os estudos.
A adolescência é uma etapa da vida repleta de mudanças. É o momento em que o indivíduo está construindo sua identidade, por isso ele se comporta de maneira inconsciente, não previsível. É sem dúvida um período de grande vulnerabilidade física e emocional. Na tentativa de afirmação e aquisição de autonomia, o adolescente elabora o seu próprio sistema de valores, no sentindo de se ajustar à comunidade onde se encontra inserido. A adolescência é um fenômeno psicossocial, e por isso, influenciado por seu contexto cultural, econômico e político.
Deixar de ser criança para entrar no mundo adulto já é difícil, e ainda ter que se transformar em mãe ao mesmo tempo, se torna mais complicado ainda. É neste momento que o apoio familiar tem a maior importância, é uma dupla crise de identidade para a menina-mãe, que muitas vezes não tem o acompanhamento do companheiro, pai da criança.
O desejo de pesquisar sobre esse assunto foi despertado através da curiosidade de saber as causas do crescimento do número de adolescentes grávidas e seus sentimentos em relação a esse momento, que representa um problema social e de saúde pública, devido às repercussões biológicas, psicológicas e sociais que podem ser acarretadas nesta faixa etária.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO

Desde 1970, tem aumentado os casos de gravidez na adolescência e diminuído a idade das adolescentes grávidas. Enquanto isso, a taxa de gravidez em mulheres adultas está caindo. A gravidez na adolescência é uma crise que se sobrepõe à crise da adolescência, ocorrendo durante os dois primeiros anos ginecológicos da mulher (a idade ginecológica zero, é a idade da menarca) e/ou quando a adolescente mantém total dependência social e econômica da família. E, por último, o acesso maior das classes populares da sociedade ao sistema de saúde tornou mais evidente não só a gravidez nessa faixa da população como as condições precárias em que ela se dá (AMAZARRAY E COLS, 1998).
Segundo os dados do IBGE, desde 1980 o número de adolescentes entre 15 e 19 anos grávidas aumentou 15%. Só para ter idéia do que isso significa, são cerca de 700 mil meninas se tornando mães a cada ano no Brasil. Desse total, 1,3% são partos realizados em garotas de 10 a 14 anos.
Parte do conhecimento disponível na sociedade sobre gravidez adolescente retrata-a como acontecimento marcante que repercute, inevitável e negativamente, na vida da jovem mãe, além de vê-la como associada a um conjunto de implicações negativas (para o bebê, para a gestante/mãe ou para ambos) na esfera biomedicinal: maior risco de mortalidade da mãe e da criança, prematuridade, baixo peso do bebê ao nascer, restrição de crescimento intra-uterino, sofrimento fetal agudo intraparto, desproporção feto-pélvica, diabetes gestacional, anemia, retardo do desenvolvimento uterino, pré-eclâmpsia (ESTEVES e MEANDRO, 2005).
O tema da gravidez na adolescência é bastante explorado e muitos estudos sugerem que esta é geralmente não desejada, não planejada, produto da falta de informação e de um contexto de desvantagem socioeconômica (SCHOR e SANTOS, 2003).
Em muitos casos existe um desejo inconsciente, ou mesmo consciente, de engravidar. Sendo que o desejo de ter um bebê pode estar ligado a determinados fatores como: provar a fertilidade, solidificar o relacionamento com o parceiro, ter alguém para amar e cuidar, mudar o status na família para adquirir independência, demonstrar uma atitude rebelde contra a família ou libertar-se de um ambiente familiar abusivo (AMAZARRAY E COLS, 1998). Segundo Souza (1997, p.543), apenas uma em cada quinze adolescentes em uma amostra nacional afirmou que não usou anticoncepcional porque estava tentando ter um bebê, e apenas uma em cada onze indicou que não se importava de engravidar.
A psicóloga Glaúcia Bueno, da PUC ? Pontifícia Universidade Católica, realizou um estudo onde apontou as possíveis causas da gravidez precoce, como fatores biológico, familiar, social e psicológico. a) adolescentes que iniciam vida sexual precocemente ou engravidam nesse período, geralmente vêm de famílias cujas mães também iniciaram a vida sexual cedo ou engravidaram na adolescência; b) o fato dos jovens não usarem métodos anticoncepcionais por acharem que não vai acontecer ou que portar os medicamentos ou camisinhas significa assumir a sexualidade perante a família. Eles têm a informação, sabem como se prevenir, mas não o fazem; c) a baixa auto-estima, falta de apoio e afeto da família, mau rendimento escolar e excesso de tempo livre, faz a jovem buscar na maternidade o que não tem.
Alguns estudos indicaram que, embora muitas adolescentes possam, a princípio, encarar a gravidez como um meio de obter atenção e de se fazerem sentir "crescidas" e importantes, ao final sentem-se sós, desamparadas e "aborrecidas". Algumas não superam o conflito que se estabelece quando recebem a notícia da gravidez, vivenciando a situação, freqüentemente, como "castigo". O medo de comunicar o fato à família, dificuldades em aceitar a própria gestação ou até mesmo a falta de instrução, algumas adolescentes postergam sua ida aos postos de saúde não favorecendo, portanto, os cuidados essenciais que o período da gravidez requer (SILVIA e SALOMÃO, 2003).
Se aproveitar a juventude é também testar fronteiras valorativas e morais, que na atualidade estão mais fluidas, então, a gravidez adolescente enfatiza o lado oposto, de vinculação com compromissos: filho, companheiro, casa e cônjuge. A gravidez seria uma das formas de ingresso feminino no mundo adulto, de maior liberdade, de ruptura com a própria adolescência, dependente e controlada socialmente. Além dos afazeres domésticos (ALMEIDA, 2002). A maternidade é assinalada como uma forma de passagem da fase adolescente à vida adulta, não pela capacidade biológica de fecundar e gestar, mas pela incorporação de responsabilidades e pelas implicações geradas por esse acontecimento na vida dos jovens (GONÇALVES e KNAUTH, 2006).
De acordo com Esteves e Meandro (2005) alguns autores ao descreverem as interferências da gravidez no processo de adolescência e a forma pela qual a adolescente estrutura a ocorrência de gravidez em sua vida, em suas relações, em seu mundo subjetivo, revelam tendência a descrever as decorrências de tal acontecimento como disrupção, concebendo a gravidez como interrupção e muitas vezes ponto final do processo adolescente, devido às implicações biológicas, psicológicas e socioeconômicas que traz.
O quadro 1, apresenta dados sobre os efeitos da gravidez adolescente.
Autores Efeitos gerados

MARCELLI e BRACONNIER, 2007 Impossibilidade de completar a função de adolescência, tendo que antecipar escolhas e abreviar experiências, pois o ingresso em uma parentalidade precoce pode representar para a adolescente um meio de se lançar um status "pseudo-adulto: a gravidez adolescente é um risco de adolescência abortada
AMAZARRAY; MACHADO; OLIVEIRA E GOMES, 1998 Abandono da vida escolar (por vergonha, proibição ou interdição de outras naturezas)
AMAZARRAY; MACHADO; OLIVEIRA E GOMES, 1998 Menor chance de qualificação profissional, com óbvios reflexos para as oportunidades de inserção posterior no mundo do trabalho
MARCELLI e BRACONNIER, 2007 Grande dificuldade para rearticular a vida sexual e limitar a fecundidade


GONÇALVES E KNAUTH, 2006 Impossibilidade de estabelecer uma família com plena autonomia, autogestão e projeto de futuro, pois muitas adolescentes precisam ainda de suas mães e estão mal preparadas para assumir as responsabilidades psicológicas, sociais e econômicas como mães
BARKER E CASTRO, 2002 Dependência financeira absoluta da família ou do pai da criança
SOUZA, 1997 Maior risco de instabilidade conjugal, pois adolescentes que já estavam casadas quando engravidam, ou que se casaram antes do nascimento do bebê, tem uma probabilidade muito maior de se divorciar do que aquelas que são mães aos 20 anos, pois muitas não são maduras o suficiente para assumir responsabilidades de esposa e mãe.
ESTEVES E MEANDRO, 2005 Abandono familiar da adolescente, em alguns casos, levando a maior empobrecimento da mesma e da família que venha a constituir
GONÇALVES E KNAUTH, 2006 Vivência de preconceito em várias instâncias sociais
SOUZA, 1997 Despreparo para lidar com o desenvolvimento do filho ? seus conhecimentos sobre as necessidades e capacidades dos bebês, são, muitas vezes, irrealistas, levando a expectativas e demandas que seus filhos não podem atender
MUSSEN; CONGER; KAGAN e HUSTON, 1995
Maior risco de comprometimento da saúde física e/ou emocional do bebê ? os bebês de mães muito jovens têm maior probabilidade de nascer com baixo peso, com defeitos neurológicos e com maior possibilidade de contrair doenças infantis
ESTEVES e MEANDRO, 2005
MUSSEN; CONGER; KAGAN e HUSTON, 1995
Risco alto de comprometimento da saúde física e/ou emocional da mãe adolescente, diante das dificuldades enfrentadas no atendimento de suas próprias necessidades e carências, maior probabilidade de sofrer complicações na gravidez, tais como taxemia e anemia. Entre as jovens de 15 anos, a gravidez tende a inibir o crescimento físico da mãe, e também do bebê
Quadro 1: Efeitos da gravidez adolescente.

A gravidez na adolescência é, portanto, considerada de alto risco, tendo em conta a idade, a imaturidade psicológica, e as alterações físicas que a gravidez origina no corpo ainda em desenvolvimento, com algum nível de imaturidade orgânica para a gravidez e para o parto. Deste modo, quando se cuida de uma adolescente grávida e/ou mãe, este cuidar não se limita ao fisiológico para o restabelecimento físico, mas também a todos os aspectos que caracterizam uma realidade de vida presente e a sua projeção para o futuro, baseada em um passado muito próprio e único de cada adolescente (LOPES, 2006).
Vale ressaltar que, segundo Barker e Castro (2002), a correlação positiva entre a idade em que ocorre a gravidez e o risco de problemas de saúde depende dos setores da população em que ocorre a gravidez. Aqueles que apresentam condições inadequadas da mãe em relação à nutrição e ao acesso ao sistema de saúde tendem a corroborar para maior incidência de agravos à saúde. Nesse sentido, não é a idade em que ocorre a gravidez nem os fatores biológicos associados à mesma que, por si só, constituem riscos relevantes. Esses riscos estão muito mais associados à interação com as condições de nutrição, de saúde e à falta de atenção e cuidados dispensados à mãe, ou seja, as condições sociais e culturais em que a gravidez ocorre. Esses fatores têm muito mais peso nas preocupações relativas à saúde da mãe e do filho do que a idade e/ou fatores biológicos.
Pouco é falado e escutado sobre o sentido, a significação desse momento não só para o sujeito, mas para a sua realidade social mais próxima, trazendo conseqüências futuras para a vida e o desenvolvimento desse sujeito e seu filho. Há, principalmente para a adolescente, um reviver de conflitos anteriores e algumas colocações novas importantes que merecem atenção, tais como: "sou ou não capaz de cuidar de meu filho", "minha mãe ou sogra faria melhor?", "sou capaz de decidir a partir das diferentes sugestões "experientes" do meu circulo familiar?, "o que tenho que pagar ou ser punida por ter tido um filho?", "quem sustenta e decide os cuidados de meu filho e/ou minha vida?", "que mudanças se fazem necessárias ou são importantes neste momento de vida?" (BARKER e CASTRO, 2002).
Essa gravidez representa também um "ataque" à ligação edipiana, quer se trate da ligação com a mãe (meio de romper uma ligação de dependência/submissão excessiva, de oferecer à mãe um presente liberatório, de afirmar agressivamente uma identidade não reconhecida), ou da ligação edipiana com o pai, em particular quando ele é muito próximo, autoritário, e pretende controlar a vida relacional e afetiva da filha (MARCELLI e BRACONNIER, 2007).
A ocorrência de uma gravidez em uma adolescente testemunha sempre uma situação psicossocial frágil, aumenta os riscos já presentes, tanto de marginalização social quanto de descompensação psíquica (depressão, conduta de ruptura), e geralmente entrava o processo de elaboração psíquica da adolescente. O ingresso em uma parentalidade precoce pode representar para a adolescente um meio de se lançar em um status "pseudo-adulto": a gravidez em uma adolescente é um risco de adolescência abortada (MARCELLI e BRACONNIER, 2007).
Para alguns grupos, a gravidez na adolescência faz parte de seu modo de vida, de sua trajetória de vida para formar uma família. Para outros grupos, a gravidez adolescente é vista e vivida como uma saída, mesmo que falsa, em muitas ocasiões, para problemas de violência familiar e abuso, ou mesmo como uma forma de adquirir valor social, "ter um lugar ao sol", ou um papel a desempenhar nessa sociedade. Assim, as verdadeiras razões pelas quais a gravidez adolescente constitui um problema social não são, como se supõe, a sua suposta colaboração para o crescimento descontrolado do número de gravidezes, as péssimas condições de saúde e a pobreza da população, mas para o aumento e a maior visibilidade da população adolescente, para a persistência das condições de pobreza da população e para a falta de oportunidade para as mulheres. É importante rever alguns pressupostos em relação a esse fenômeno. Muitos problemas que se atribuem à gravidez na adolescência estão vinculados a como concebemos ou atribuímos valor à sexualidade adolescente. Uma visão negativa ou repressora cria maior obstáculo para o acesso à informação, à educação e à preparação para exercer a sexualidade de uma forma prazerosa e responsável. Parte da questão reside em como o adulto qualifica o fenômeno e nas formas como as instituições sociais (família, escola, instituição religiosas e setor saúde) interpretam e intervêm (CONTINI, KOLLER e BARROS, 2002).
3. DELINEAMENTO METODOLÓGICO

Pretendeu-se ao longo desse trabalho verificar as possíveis mudanças sofridas na vida de meninas que passaram ou estão passando por um período confuso, onde seu corpo e o seu papel social estão em transformação.

3.1 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

? Enfatizar os sentimentos e preocupações da adolescente, decorrentes da confirmação da gravidez;
? Observar as mudanças identificadas nos relacionamentos e nas atividades sociais;
? Identificar possíveis dificuldades enfrentadas pelas adolescentes e seus familiares.
3.2 SUJEITOS

Foram feitas entrevistas semi-estruturadas com duas mulheres que engravidaram na adolescência entre 15 e 16 anos, cujos filhos estão com idades entre 12 e 16 anos; o pai da criança de 02 anos de idade e duas adolescentes, uma de 19 anos cujo filho tem 02 anos e outra de 14 anos ainda grávida de 6 meses, que está vivenciando além das transformações da puberdade, a gravidez precoce e a responsabilidade de se tornar mãe e cuidar de casa e companheiro.
3.3 COLETA DE DADOS

Os dados foram coletados em locais escolhidos pelos sujeitos entrevistados, observando-se os dispositivos éticos previstos na legislação sobre pesquisas com seres humanos. As entrevistas, individuais, foram gravadas e posteriormente transcritas. Após a transcrição integral das entrevistas, procedemos à leitura do material analisando e comparando com aspectos teóricos da literatura sobre o tema.

As entrevistas ocorreram tranquilamente e os participantes discorreram sobre o assunto com muita naturalidade, com exceção da adolescente ainda grávida que parecia estar tensa, demonstrando sentimentos de insegurança sobre a nova experiência vivenciada.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

ANÁLISE DAS ENTREVISTAS
Entrevistas Família Educação Relações com o parceiro Sentimentos quanto a gravidez
E1
Tem 33 anos, engravidou aos 15, tem uma filha com 16 anos, é mãe solteira (viúva). Funcionária pública, terminando segunda pós-graduação Morava com os pais, tinha uma boa relação
"podia falar sobre tudo, qualquer momento, sem problemas" "estudava... logo depois do nascimento, 15 dias depois voltei as aulas, estudava o 2º grau e foi complicado" "eu tinha um namoro quando engravidei, de uma ano e meio, sério e após, quando ele descobriu que eu estava grávida ele foi morar na casa de meus pais comigo pra me acompanhar durante toda a gravidez" "eu fiquei apavorada, porque a gente nunca espera que aconteça com a gente"
E2
Tem 19 anos, engravidou aos 16, tem um filho de 02 anos com deficiência Morava com os pais e o irmão e não tinha diálogo
"eu não conversava nada...nadica com eles" Estudava antes e depois da gravidez parou, por conta dos cuidados especiais com o filho Era namorado e hoje convive com o mesmo.
"ele achou ótimo, ele adorou...ele queria ter o neném, ele tava alegre..." "eu achei péssimo, não queria esse filho de jeito nenhum, batia na barriga, achei péssimo...eu não gostei, pois ia destruir minha vida, minha adolescência..."
E3
Tem 30 anos, engravidou aos 17, tem um filho de 12 anos e é proprietária de salão de beleza Morava com avó, tias e pai, mãe falecida, não tinha muito diálogo Estudava e depois da gravidez continuou, porém não concluiu o nível médio "na época era boa, era meu namorado"
Está se divorciando "surpresa... não achava que eu podia engravidar, porque todo mundo pensa que não vai engravidar, a verdade é essa"
E4
Tem 14 anos, está grávida de 6 meses Morava com avós, os são pais separados, não tinha diálogo entre a família Estava na 6ª série do nível fundamental
"eu não estou estudando porque não achei vaga, mas vou voltar a estudar" "namorava a sete meses e fez um ano agora"
Atualmente mora com o pai da criança "não foi muito boa não, mas não podia tomar remédio, eu tenho problema de coração"

Quadro 2: Análise temática das entrevistas (n = 4).

No quadro 2, categorizamos os dados obtidos segundo aspectos revistos na literatura, onde a adolescente grávida passa por um duplo esforço de adaptação interna e uma dupla movimentação de duas realidades que convergem num único momento: estar grávida e ser adolescente.
Todas as entrevistadas moravam com os pais ou avós durante a adolescência e são de nível sócio-econômico médio. Por tanto, a gravidez na adolescência não é um acontecimento exclusivo de adolescentes de classe baixa e o fato não deve estar associado à pobreza, sendo que o nível de instrução e o apoio da família dessas jovens fazem com que voltem a estudar depois da gravidez, retomando a vida normal e buscando melhorias profissionais.
Quando descobriram da gravidez, passaram a morar com o pai da criança. A E1 continuou a morar na casa dos pais com o namorado que acompanhou toda a gravidez, mas faleceu ao reagir um assalto quando a criança tinha 6 meses de nascida; E2 também mora com o pai da criança; E3 foi "obrigada" pela avó materna a casar-se com o namorado, passou a morar na casa dos avós dele e hoje está se divorciando; E4 está morando com o pai da criança.
As entrevistadas admitiram ter um conhecimento vago sobre métodos contraceptivos, mas não usavam achando que a gravidez não aconteceria com elas. Como os pais não conseguem admitir que aquela menininha já está se transformando em uma mulher, as adolescentes não usavam contraceptivos por medo da família descobrir a atividade sexual, vivenciada de forma clandestina e pouco planejada. A falta de informações e os temores quanto à reação familiar têm relação direta com a dificuldade de poder exercer atividade sexual de forma natural e planejada, com utilização de métodos contraceptivos.
"sabiam do namoro, mas do fato de estarmos transando não, eles esperavam que eu procurasse eles para dizer o que tinha acontecido e eu esperava que eles me procurassem pra saber se já estava acontecendo"(E1)

...não achava que eu podia engravidar, porque todo mundo pensa que não vai engravidar, a verdade é essa"(E3)

As quatro informantes mencionaram ter uma relação de namoro com o parceiro e os pais deles tinham conhecimento. Engravidaram logo que começaram a ter relações sexuais, com exceção de E3 que engravidou dois anos após o início das relações e por isso passou a acreditar que não era fértil.
Em relação às reações e preocupações inicias frente a descoberta da gravidez na adolescência, duas das entrevistadas ficaram apavoradas por achar que nunca poderia acontecer com elas; uma achou péssimo, não queria o filho de jeito nenhum, queria abortar, mas o pai da criança não deixou e a outra, pensou também no aborto, mas não podia tomar remédio porque tem problema de coração e o parceiro queria a criança. Em todos os casos, verificamos que os pais das crianças, todos também adolescentes na época, aceitaram bem a idéia de ter um filho e assumiram a paternidade. Com isso, percebemos que como no passado, alguns garotos assumem as namoradas grávidas, porém com uma diferença, nem todos se casam.
Os pais das adolescentes no inicio ficaram assustados, decepcionados, preocupados por acharem que suas filhas ainda eram crianças, mas depois aceitaram e apoiaram a gravidez das futuras mães. Em um dos casos, os pais assumiram totalmente a neta, para que a filha retomasse os estudos, já que essa também tinha ficado viúva 6 meses após o parto, depois de uma reação a assalto. Uma das jovens foi obrigada pela avó a casar-se, por questões culturais, de que não podia ter mulher grávida solteira na família.
Frente às transformações corporais durante a gravidez, as entrevistadas não tiveram uma boa aceitação, se achavam feias, gordas, não estavam preparadas para curtir uma modificação física como muitas grávidas que se preparam para uma gestação.
"...me achava feia, não gostava de tirar fotos..."(E1)
"Horrível! Fiquei cheia de estria e engordei." (E2)
Quanto ao parto, de duas foram normais, sendo um deles induzido por não ter contrações e já não ter líquido amniótico; outro foi parto cesáreo, pois a jovem não teve dilatação suficiente e da adolescente que ainda está grávida, afirmou que o parto será normal em decorrência do problema de coração que não permite fazer esforço, pois vem a desmaiar.
Após o nascimento da criança, as entrevistadas citam o aumento de responsabilidade, a dificuldade de tempo para estudar e o pouco ou nenhum tempo para diversão com as amigas. Passam a anular suas próprias necessidades frente às do filho. Todas participantes estudavam antes da gravidez e logo após duas voltaram, principalmente quando tinham total apoio da família com os cuidados do bebê. A E2, não retornou à escola, pois seu filho nasceu com uma deficiência que exige muito do tempo dela.
"Agora eu tenho um filho, tenho que cuidar dele, fazer as coisas dele direitinho, até porque ele nasceu com uns probleminhas."(E2)

O suporte de ficar com o bebê, para que a mãe adolescente pudesse estar livre para outras atividades, era válido para o estudo ou trabalho, mas não para outras atividades de lazer. Ao pensar em uma segunda gravidez, as respostas se diferenciam de acordo com as experiências vividas em relação a primeira gravidez. A entrevistada que tem hoje 32 anos e uma vida mais estabilizada, está planejando uma segunda gestação, mas parece ter um pouco de receio, pois não conseguiu acompanhar as primeiras descobertas de sua filha por conta dos estudos e acredita ser uma experiência nova, agora que terá mais disponibilidade. A segunda entrevistada, não pretende ter mais filhos, pois acha que o primeiro filho dá muito trabalho por ser uma criança especial. A terceira entrevistada, de 30 anos, que tem um filho de 12 anos, pretende ter a segunda gestação, pois também está se estabilizando financeiramente. A adolescente de 14 anos, disse, sem pensar muito, que não deseja ter outro filho. Verificamos com isso que as participantes que já tem uma experiência maior com a maternidade, têm o desejo de ter outro filho, enquanto as entrevistadas que ainda são adolescentes e que estão no inicio da maternidade, tem uma grande repulsa para com uma segunda gravidez.
"...depois de quase 17 anos, começar tudo denovo. Então, tô planejando..."(E1)
"não, por causa do trabalho que meu primeiro filho vai dar por
ele ser uma criança mais especial."(E2)

Todas concordam que o melhor cuidado que deve ser tomado para que seus filhos e/ou outras adolescentes não venham a engravidar precocemente, sem uma preparação prévia, é o diálogo, principalmente entre os pais. Duas das entrevistadas que já tem seus filhos adolescentes, dizem que conversam tudo com eles, tudo que seus pais não dialogavam com elas.
"a conversa que minha mãe e meu pai não teve comigo, vou conversar tudo certinho, que use camisinha e use remédio..."(E4)

A experiência da gravidez adolescente determinou transformações expressivas na vida das entrevistadas. As decisões de continuar com a gestação, talvez não seriam possíveis caso não existisse o apoio da família, do parceiro e da família do parceiro que nos casos aqui relatados foram fundamentais para dar um prosseguimento as suas realizações, mesmo que para isso tenha tido uma redefinição dos projetos de vida.
Podemos observar que ao relatar sobre as mudanças ocorridas durante e depois da gravidez, as mulheres que já tem uma experiência com seus filhos, falam em ganhos, como mais responsabilidade e falam de seus filhos demonstrando bons sentimentos, com satisfação; enquanto a adolescente que ainda está grávida, narra a sua experiência muito tensa, insegura e durante a entrevista, fala muito que não pode mais ir as festas e sair com as amigas, enfatiza muito as perdas, acredita que vai perder a fase da adolescência e parece ainda não estar muito confortável com a gravidez, com sua condição de menina-mãe.
"...pensei que sou muito nova, né?!
"...sair, sair com minhas amigas, não to podendo fazer mais."(E4)
Dessa forma percebemos que diante da confirmação da gravidez, as adolescentes se deparam com uma realidade extremamente confusa, vendo as suas vidas tomando rumos não desejados conscientemente e bombardeados por julgamentos sociais que muitas vezes levam a aceitar decisões de familiares, anulando seus desejos. Um exemplo disso, encontramos na E3, que casou obrigada, sem poder manifestar seu desejo e hoje está se divorciando. Antes da gravidez, elas pensavam em sonhos individuais; com a maternidade percebemos que esses sonhos são esquecidos e o que importa é a melhoria profissional para suprir as necessidades dos filhos.
Tiveram que abandonar as amigas, por vergonha da barriga ou até preconceito por parte dos pais dessas adolescentes que achavam que estavam protegendo suas filhas de um mau exemplo. Mudaram totalmente os locais visitados com freqüência, ao invés de ir aos shows, shoppings, passaram a freqüentar consultórios médicos tanto durante o pré-natal que todas fizeram quanto depois do nascimento de seus filhos, nas visitas ao pediatra.
Quando ocorre a separação com o pai da criança, elas sentem dificuldades para iniciar um novo relacionamento afetivo, pois vem a preocupação quanto ao relacionamento entre o filho (a) e o novo namorado e acreditam que por já serem mães, os homens não vão respeitar tanto quando antes.


5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

As duas mulheres e as duas adolescentes entrevistadas optaram por assumir a gestação e maternidade, mesmo sabendo que essa escolha acarreta mudanças dos planos e dificuldades no desenvolvimento escolar, profissional, afetivo e social.
É na fase da adolescência que as pessoas costumam traçar metas e diretrizes para sua vida. A falta de informação dos pais de adolescentes é um fator fundamental para que as adolescentes venham a engravidar. Não havendo em casa alguém que possa informá-los, que sirva de modelo, que tire suas dúvidas e angústias, como esperar dos adolescentes comportamentos mais adequados? Como querer que eles aguardassem o tempo mais adequado para aproveitar a sexualidade como algo bom, saudável e necessário para o ser humano?
Devido a questões culturais, vergonha, preconceito, muitos pais tem dificuldades de falar sobre sexualidade com o filho. Na maioria das vezes os recados são dados de forma indireta, e que nem sempre o filho entende. O medo ou até mesmo falta de preparo para iniciar um diálogo com o filho, faz com que os pais usem histórias de alguma conhecida que engravidou muito cedo, para que sirvam de exemplos para as filhas ou falam frases que caracterizam o ato de fazer sexo como algo errado, como por exemplo: "Vê se não vai fazer coisa errada"; "Não vai aprontar"; "Olha o que aconteceu com fulano".
Muitas dificuldades foram encontradas, antes, durante e depois da gravidez. Dar continuidade aos estudos tornou-se tarefa complicada, as crises que normalmente ocorrem na adolescência para a construção da identidade, ficam sem espaço diante dos cuidados e preocupações do mais novo papel social que a mesma adquiriu. E a família que cuidava de uma adolescente, agora passa a ter preocupações, também, com o novo membro que no inicio traz muitas incertezas e logo depois, na maioria das vezes, cativa a todos com sua inocência e fragilidade de criança.
Adolescência não é o melhor período da vida para engravidar. Grávida a jovem tem que lidar com as tarefas de se tornar independentes, já que tem um dependente sob sua responsabilidade. Queira ou não, o adolescente vê-se obrigado a entrar no mundo do adulto; através do crescimento e das mudanças do seu corpo e, muito mais tarde, através de suas capacidades e de seus afetos. É muito freqüente que aos 16, 17 ou 18 anos se mostrem muito maduros, em alguns aspectos, mas paradoxalmente imaturos em outros. Eles iniciam as relações sexuais como uma demonstração de maturidade, crescimento e ao mesmo tempo, não se previnem com nenhum método contraceptivo, para não serem vistos pelos pais como adultos, capazes de assumir responsabilidades, preferem ser vistos como imaturos, dependentes. É um jogo de independência dependente, não querem abandonar o seu papel de criança diante da família, mas no mundo externo quer ser visto como um adulto.
A gravidez na adolescência, não é um problema se for avaliar o contexto social de cada adolescente, pode ser observada como uma possibilidade de vivenciar novas experiências, para tanto, é preciso perceber as significações que ela tem para cada sujeito. As condições sociais e culturais em que ela ocorre, determina muito mais os riscos do que a idade e os fatores biológicos e psicológicos, com exceção dos casos em que a gravidez ocorre em idade muito precoce onde existem consequências negativas para a saúde da adolescente.
Uma forma de se evitar que tantas jovens venham a ter uma gravidez precoce, é alimentar o exercício do diálogo entre as famílias, não basta só programas sociais, acompanhamento nas escolas sobre sexualidade, se os adolescentes se sentem desamparados para conversar, não tem apoio de alguém em que possam confiar e que faça parte de seu convívio direto, o papel mais importante na prevenção da gravidez na adolescência é dos pais.
Essas jovens tiveram o apoio da família, que cuidaram de seus filhos nos momentos em que estavam na escola ou trabalhando, não assumindo por completo o papel das mães como muitas avós fazem e, por isso talvez entre as entrevistadas não houve a segunda gravidez no período em que ainda se é adolescente.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMAZARRAY, M. R.; MACHADO, P. S.; OLIVEIRA, V. Z.; GOMES, W. B., 1998. A experiência de assumir a gestação na adolescência: um estudo fenomenológico, UFRS. Artigo disponível em http://www.scielo.org/.

BARKER, S.L.; CASTRO, D.M.F. Gravidez na adolescência: dando sentido ao acontecimento. Cap. VIII. Apud Adolescência e psicologia: concepções, práticas e reflexões criticas. Conselho Federal de Psicologia: Brasília, 2002.

Cartilha da gravidez na adolescência, disponível em http://www.adolescencia.org.br/,

ESTEVES, J.R.; MENANDRO, P.R.M., 2005. Trajetórias de vida: repercussões da maternidade adolescente na biografia de mulheres que viveram tal experiência. UNIVIX/UFES. Artigo disponível em http://www.scielo.org/.

GONÇALVES, H.; KNAUTH, D.R., 2006. Aproveitar a vida, juventude e gravidez, UFRGS/ UFPel. Artigo disponível em http://www.scielo.org/.

Gravidez na adolescência. Disponível em http://juventude.gog.pt/.

Gravidez na adolescência: Toda informação é necessária. Disponível em http://boasaude.uol.com.br/, acesso em 15/03/2008.

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