1. A Magia no seio da Igreja Medieval:

Inicialmente, é bom salientar que todas as religiões primitivas são consideradas pelos seus seguidores como meio, como um caminho pelo qual podem alcançar o poder sobrenatural. Essas religiões funcionavam como máquinas que continuam sistemas de explicações, fontes de imposições morais, semiologia de ordem social ou ponte para a imortalidade, significado, também, a perspectiva de um meio sobrenatural que controla o homem sobre a terra. Nesse grupo de religiões incluem-se os cristianismos.

Na época Medieval, a Igreja viu-se conturbada pela tradição de que a realização de milagres era o meio eficaz de monopolizar a verdade. Um pouco antes da Reforma, a Igreja não alegava ter o poder de realizar prodígios, ou seja, sua fé em Jesus. No entanto adquiria prestígio com os efeitos realizados por membros a quem Deus concedera dons de efetuar milagres. Atribui-se igualmente uma eficácia miraculosa às imagens. Os milagres e curas sobrenaturais eram manifestadas no seio da igreja nas vésperas da Reforma e conferiam-se esses milagres, são somente às imagens, mas também às relíquias sagradas, que eram consideradas fetiches milagrosos.

Adoravam os santos e os tinham como parte integrante da estrutura da sociedade medieval. Cada igreja possuía seu santo padroeiro e, às vezes, conferiam a hagiolatria um caráter quase totêmico. Cada santo era profissional em atender um determinado pedido. Para cada ocasião havia um santo especial. Na dor, no parto, no olhado, nas tempestades, na escassez, na peste, etc... Cada santo era incumbido de atender de acordo com a ocasião. Havia métodos para abençoar os doentes e tratar dos animais, para afastar o trovão e trazer a fecundidade ao leito matrimonial; o ritual básico era o benzimento com água e sal para a saúde do corpo e a expulsão de demônios.

Dessa forma, o seio da Igreja Católica estava cheio de talismãs, rosários e amuletos eclesiásticos usados para fins milagrosos, destinados a dar proteção numa ampla variedade de contextos. Com uma série de sub-superstições em torno do altar, até a missa passou a possuir um poder mágico e, como os demais sacramentos cristãos, gerou um conjunto de crenças parasitárias, atribuindo-se a cada cerimônia um significado material que os dirigentes da Igreja nunca haviam alegado. O batismo era fundamental para tornar o bebê um ser humano integral, membro da Igreja, possuidor da salvação, e que tivesse um crescimento melhor. Assim como os batismos, as mulheres, após parirem, davam graças a Deus e prestavam uma cerimônia tipo "purificação".

As orações dos fiéis funcionavam como ponte que dava acesso ao auxílio divino e aos páramos celestiais. A oração assumiu diversas formas, mas o tipo mais diretamente relacionado com os problemas do cotidiano era o da intercessão, com o qual invocava-se a Deus tanto para orientar no caminho da salvação quanto para ajudar em dificuldades materiais. As orações mais constantes eram os pais-nossos, às ave-marias e os credos. Assim, a Igreja Medieval contribuiu para distinguir uma prece de um encantamento, além de atribuir virtude na mera repetição de palavras sagradas.

De acordo com o que já vimos anteriormente podemos perceber que a Igreja Medieval como um grande reservatório de poder mágico, apto para ser empregado para uma série de finalidades seculares, como a leitura de um versículo para revelar o destino das pessoas, a leitura sistemática da Bíblia para garantir um bom parto à parturiente, e assim sucessivamente. A principal preocupação da Igreja era espiritual, dando ênfase à natureza primariamente intercessora dos rituais eclesiásticos como a precipitação de preces, adoração dos santos, o emprego de água+ benta e do sinal da cruz. Ressalte-se, ainda, que a consideravam esses rituais propiciatórios, não coercitivos.

Não obstante várias circunstâncias contribuíam para consolidar a idéia de que a Igreja era um agente mágico, além de devocional. O antigo culto às fontes, árvores e pedras não foi abolido, mas modificado, associando um santo a uma divindade pagã e incorporando as festas pagãs ao ano eclesiástico. O Ano Novo tornou-se a Festa da Circuncisão, a Festa da Primavera virou o dia de São Felipe e São Tiago, a Noite de Solstício de Verão passou a ser o Nascimento de São João Batista, o Lenho de Dezembro foi introduzindo na celebração do Nascimento de Cristo.

As práticas como a veneração da hóstia, das relíquias, a recitação de preces ou o uso de talismãs e amuletos podiam chegar a excessos, mas os teólogos não consideravam como problema, pois o efeito disso era unir mais o povo à verdadeira Igreja e ao verdadeiro Deus.

2. Cultura Popular, Magia e Sabá

A magia está vinculada à realidade da humanidade desde o pressuposto da civilização. Seria um meio pelo qual, o homem manifesta o desenvolvimento o desenvolvimento dos seus conhecimentos naturais e oculto, com o intuito de corresponder aos desafios de sua realidade.

Com o progresso moral, a magia dividiu-se em magia branca e maia negra. Sendo que a primeira, "é pública, orientada em função de grupo, socialmente aprovada". Enquanto a segunda, "tende a ser secretas, ilegais, subversivas, socialmente condenadas".

Segundo alguns estudiosos procura discutir a relevância do assunto, a gênese da magia está nas raízes da cultura popular. Já outros, opõem-se, essa posição, baseada na fragmentação e na insuficiência de argumentos nos documentos estudados. Mas, observa-se nos conceitos da magia, a penetração das características da cultura popular.

É nesse ponto que a cultura popular era muito apreciada até a Idade Moderna por todas as classes sociais. Cabe ressaltar, porque naquele período poucas pessoas tinham acesso ao conhecimento científico e também era uma forma de opor-se ao regime vigente. Apresentava grandes distinções, devido a descentralização territorial que conseqüentemente provocava a divergência da prática da cultura do campo e da cidade. O poderio econômico acentuava essa situação quando, um camponês não tinha condições financeiras de realizar o mesmo costume do nobre, de aristocrata ou burguês.

É importante chamar atenção para o fato de que o desejo da Igreja Católica era manter o seu domínio ideológico sobre todas as classes sociais, e afastar o fortalecimento de outras religiões, lançam a proposta de condenar uma "cultura unitária", com o mesmo fim para toda a sociedade. Isto significa dizer que os intelectuais também apresentavam interesse em reformular a cultura popular e queria expandir totalmente o conhecimento intelectual.

É evidente que os reformadores protestantes, iam mais longe com seu plano de afastar a igreja católica do seu caminho. Mas neste caso, acusava-se da prática de magia a fim de desvalorizar o poderio ideológico do cristianismo. De toda forma a Inquisição, foi lançada pela igreja católica e apoiada pelo Estado, levou a julgamento e condenou inúmeras pessoas sob a acusação de heresia, cisma, apostasia, magia e poligamia.

Mas o que é interessante neste fato para ser analisado, é que num período temido pelas normas da Inquisição; marcado pela modernização e transformação na Europa Ocidental, cresceu consideravelmente o uso de magia. Ocasionada pela falta de um conhecimento científico, como também pelas condições sub-humanas a que os povos estavam submetidos, era uma forma de opor-se ao processo de reformulação da religião e dos costumes, que estava sendo empreendido neste momento. Podemos perceber que é muito complexa e rica a cultura popular na Idade Moderna. Podemos exemplificar com a canção e a literatura popular, principalmente na Alemanha, onde a poesia e povo estavam associados na criação desses poemas.

Essa tradição oral estava mais enfatizada na obra dos irmãos Grimm e também Heder que tinham idéias iguais na forma de ver poesias e contos integrados com a natureza, e daí surgiram coletâneas e mais coletâneas de canções populares; como as famosas baladas russas surgindo coletâneas por toda a Europa como no caso as baladas suecas, dinarmaquesas, finlandesas, inglesas, espanholas, etc.

Dentre essa criação cultural o Iluminismo não era apreciado em certas regiões como na Alemanha e Espanha, visto que existia predominância francesa, concluindo-se que essas canções populares era inspirados em sentimentos nacionalistas.

Dentre de uma estratificação social e cultural, havia o contraste entre os habitantes das terras altas e terras baixas, por isso existiam as diferenças na cultura do pastor em particular era simbolizada por causas especiais como avental, eram pobres e isolados mas se deslocavam de um lugar para o outro pois eram livres e tinham o tempo para eles e se dedicavam ao seu próprios rebanhos, tocando flautas e gaitas.

Haviam os mineiros que tinham suas lendas e tinham seu orgulho de lidar com metais preciosos que eles próprios descobriram. Eles tinham seus próprios santos padroeiros, a sua dança, as suas canções. E como os pastores, desenvolveram sua própria cultura, por terem sido rejeitados pelo mundo que os dominavam, deixam uma rica cultura e teem sua vida retratada pelo clérigo luterano. Segundo João Ribeiro Júnior afirma que:

" Aonde existir opressão, alienação, ignorância, interesse em manter o povo marginalizado do processo histórico, insatisfação, descrença em todos os argumentos científicos ou desconhecimento deles; onde existir o desejo de coisas novas e diferentes que a sociedade de consumo insistir em produzir, mas que cada vez mais se distancia da grande massa aí estava a Magia Negra"( RIBEIRO, 1985, p. 35)

Para Ribeiro, como para os seus seguidores, se pode afirmar, quanto ao período moderno, as feitiçarias estão subordinadas à magia negra. E é neste sentido que esses elementos eram totalmente divergentes. Do que foi dito anteriormente encontramos-nos diante da idéia de que a feitiçaria ou de mago trabalha metodicamente, com o exato conhecimento do que está fazendo. Enquanto o bruxo trabalha de modo natural, e muitas vezes instintivamente.

Por outro lado, os bruxos e feiticeiros encontravam-se no Sabá, que representava o elo entre o velho rito pagão dos bruxos e o ritual anticristão, onde satanás era adorado como um Deus. Da mesma forma, a maior parte dessas assembléias praticava-se magia negra, orgias, sexuais, jogos, danças, canibalismo e assim sucessivamente.Podemos dizer que a maior parte dos Sabás, eram dispersos, isto é, não existia lugares nem dias específicos para poder realizá-los. Contudo, entende-se que a sua prática era proibida pela igreja e com ameaça de morte, por vir contra a ideologia cristã.

Apesar dessa noção, na verdade, o intuito de realização do Sabá era proporcionar a seus freqüentadores (homens e mulheres), uma fuga dos rigores de vida, principalmente por parte das mulheres. É evidente, que elas encontravam no Sabá, uma forma de sentir-se livre da repressão que lhes era imposta. Segundo João Ribeiro, afirma que:

"as orgias sexuais eram válvulas de escape para a satisfação de desejos carnais frustrados ou reprimidos por exagerados e severíssimos conceitos religiosos da época, parte do aparato repressivo que congregava o Estado Monárquico e a Igreja"( RIBEIRO, 1985, p. 40).

"Aliás, a liberdade de expressão sempre esteve vinculada à liberdade sexual. Onde se reprime a liberdade de expressão também se reprime a liberdade sexual."( RIBEIRO, 1985, p. 40). Neste sentido, podemos enfatizar que a relação ao vôo no espaço e as fantasias eróticas, eram provocadas pelo uso de drogas. Com isso, as transformações animalescas, são mais invencionice das pessoas que foram forçadas a confessar no tribunal da Inquisição. Seja como for, é inegável que diria que as transformações animalescas são mitos e lendas folclóricas. Além disso, estes Sabás realizavam-se a Missa Negra que é a Missa Católica deturpada com o propósito de aviltar a imagem de Deus.

É bastante provável que as Bruxas e feiticeiros reuniam-se à noite, geralmente em lugares solitários, apareciam em garupas de animais ou então transformados eles próprios em bichos. Mesmo quando os que vinham pela primeira vez deviam renunciar a fé cristã, profanar os sacramentos e render homenagem ao diabo, presente sob forma humana ou como animal. De fato, seguiam-se banquetes, danças e orgias sexuais. Além disso, antes de volta para casa, bruxas e feiticeiros recebiam ungüentos maléficos, produzidos com gordura de crianças e outros ingredientes. É a partir daí que esses são os elementos fundamentais das descrições do Sabá.

Inclusive, observando-se esse momento dos processos por feitiçaria realizado entre o princípio do século XV e final do XVII na Europa, emerge uma imagem do Sabá em que a existência de uma verdadeira seita de bruxas e feiticeiros espalhados por toda parte, praticamente os mesmos ritos horrendos. O importante é que os juízes arrancavam dos acusados por meio de pressões físicas e psicológicas, as denúncias, daí se desencadeava uma verdadeira caçada as bruxas.

De certo modo, para alguns autores, essas confissões, continuam demasiadas extravagâncias tratando-se de elementos não reais. Afinal, para outros, as descrições do Sabá contidas nos processos de bruxaria não eram mentiras extorquidas pelos Juízes nem narrativas de experiências com caráter alucinatório, mas sim descrições precisas de ritos de fato ocorridos.

Dentro dessa vertente o Sabá emergiu por volta da metade do século XVI nos Alpes ocidentais, afloram também elementos folclóricos estranhos à imagem inquisitorial, difundidos numa área muito mais vasta. Deles emergem dois temas, as procissões dos mortos e as batalhas pela fertilidade os que dela participavam se autodefiniam BENADANTI, ou Andarilhos do bem. Carlos Ginzburg diz o seguinte: " A esse núcleo místico ligam-se também temas folclóricos, como o vôo noturno e as metamorfoses animalescas, os Xamâs, (...) da fusão desses temas surge uma formação cultural de compromisso.(GINZBURG, 1991, p. 123)

 

Dando ênfase a isto, o fim da perseguição, o Sabá desapareceu, digo dissolveu, mas os mitos sobreviveram ao desaparecimento do Sabá, permanece como um dos centros ocultos de nossa cultura. Sendo o autor Carlo Ginzburg, é possível reconhecer uma formação cultural de compromisso, resultado de um conflito entre cultura folclórica e cultura erudita.

Ainda existem muitas contradições sobre a existência dos Sabás, Haining Peter relata aos algumas pessoas vêem o Sabá Negro como um fato ou inconvecionante de imaginações férteis.

Com a maioria dos depoimentos sobre o Sabá estão nos processos do Tribunal da Santa Inquisição, e muitos desses depoimentos eram feitos sob tortura, teme-se deformações, ocasionada pelas obsessões de inquisidores e Juízes, portanto, esses depoimentos deixam margem a desconfiança.

Carlo Ginzburg procura analisar as contradições da existência do Sabe, através de extrato antiqüíssimo de mitos e processos de exclusão social, ou seja, análise em cima da cultura popular, especialmente o folclore, devido ao vôo mágico e as metamorfoses animalescas, e sob o ponto de vista inquisitorial, considerava mais um complô de um grupo social. Mas enfatiza que não devemos persistir na unilateralidade dos fatos. Devemos uni-los para estabelecer, conclusões gerais (HAINING, 1976, p. 21).

Já Peter Haining debruçados nos manuscritos secretos e livros negros, dia que os mesmos são fontes materiais que não deixam dúvidas de sua existência e informa aos praticantes não só os rituais como também "devoluções" e regras a observar.(GINZBURG, 1991, p. 125).

Vale lembrar que os livros negros eram proibidos pela Inquisição, devido a este fato muitos foram destruídos. Mesmo assim, eles existiam, mas era difícil acesso a esses livros, porque partes da sociedade daquela época não sabiam ler e nem escrever. Os que sabiam, procuravam repassar seus conhecimentos. Peter Haining em seus estudos, localizou em um Museu Britânico um desses livros, da era Elizabetana do século XVI – "O Livro de Devoções para Adoradores do Demônio da Era Elisabetana", escrito por um feiticeiro de Edinburg.

Em Suma, fantasia e realidades se misturam nas práticas mágicas. A busca do conhecimento e a luta para se livrarem de uma estrutura opressiva que ameaçavam os seus costumes e tradições, levaram as camadas mais pobres, a produzirem práticas e devoções mágicas. Para estas pessoas e talvez para todo nós, a fantasia se transforma em realidade e a realidade em fantasia.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • BURKE, Peter. Cultura Popular na Idade Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
  • GINZBURG, Carlo. História Noturna: Decifrando o Sabá, São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
  • HAINING, Peter. O Livro do Feiticeiro, Rio de Janeiro: Pallas, 1976.
  • RIBEIRO, Júnior João. O que é magia, 29 ed. São Paulo: Brasiliense, 1985.
  • THOMAS, Keith. Religião e o Declínio da magia. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.