A humanidade, desde que se tornou consciente da sua condição de impotência perante os mistérios do universo, tenta explicar e atribuir significado ao seu próprio destino. Para tanto, criou estruturas e convenções para suavizar a falta de respostas para as suas principais indagações e frustrações - fica clara a necessidade de se incumbir poderes e responsabilidades, os quais extrapolam a capacidade humana, a um ser superior e dotado de infinita sabedoria. A esse ser superior, deu-se o nome de Deus; e o homem foi bem além do que apenas nomear: teceu leis morais, ideologias complexas, tudo em nome do nome que ele mesmo criou. Dessa necessidade humana, ramificou-se uma grande gama de religiões, cada uma com suas “verdades” e dogmas.

Diante de tantos templos que prometem a “salvação”, é natural se perguntar em qual deles a vontade divina está expressa. Justamente ao se tentar responder a essa indagação, ocorre a confusão entre o que é Deus e o que ele deseja da humanidade, se é que deseja algo. Quando o assunto é o transcendental, o homem tende a misturar conceitos e abstrações, ornando-os com a coroa do absoluto, esquecendo que todo esse aparato mental firma-se em alicerces especulativos sem qualquer possibilidade de comprovação. Mas as religiões são unânimes em concluir que essa lacuna se preenche com a fé e com a humildade de aceitar o que é pregado em suas congregações sem qualquer contestação. Será que somente entre as paredes da doutrina estão as explicações para o inexplicável? Seria subestimar o infinito, pôr-lhe limites.

Perdido e iludido com esse emaranhado ideológico, o homem se distancia do que realmente venha a ser a natureza divina, visto que cria um universo artificial conveniente a cada realidade particular - cada povo possui crenças adequadas à sua experiência social, fruto de um vasto processo de maturação através dos tempos, estratificando e dotando de individualidade algo plural e sem fronteiras. Tira-se desse contexto a conclusão de que o “Deus” que as religiões pregam é apenas um conceito destilado e amadurecido pela convivência com o vazio existencial, um verbete polissêmico e multicultural.

Uma religião é uma forma de interpretar o divino, criada por humanos, portanto passível de incoerências. Mas o que se observa é a disseminação de pontos de vista ortodoxos e engessados, como se Deus fosse uma doutrina e não um ente cujo âmago está acima de qualquer especulação. Para que alguém exerça sua fé de forma consciente, faz-se necessária a reflexão acerca das fronteiras existentes entre o conceito de “Deus” pregado pelas religiões mundo a fora e o que Ele realmente é, algo que não se pode afirmar com certeza. A falta de um raciocínio crítico sobre esse aspecto gera preconceitos, faz com que uma pessoa pertencente a uma determinada religião tome como erradas e pecadoras as pessoas que fundamentam sua fé em outros princípios, sendo eles religiosos ou não.

O ser humano está desvirtuando o verdadeiro papel da espiritualidade, que é proporcionar uma integração entre o Eu interior e as possibilidades infinitas de transcendentalidade, gerando harmonia pessoal e melhoria do convívio social - a fé deveria unir as pessoas e não ser um parâmetro para segregação, para rotular o próximo com defeitos de personalidade somente por acreditar de maneira diferente.

As religiões são, justamente, o grande fator dessa desvirtualização, pois disseminam a diferença e, não, a igualdade entre as pessoas de fé. Deus, seja qual for sua natureza, não se enquadra na segmentação e intrigas supérfluas geradas pelas doutrinas. Como poderia algo perfeito ser espelhado pela discórdia, pelas disputas por influência e poder? Não há como igualar duas realidades completamente díspares.