A religião é, há muito tempo; há muitos e muitos séculos, para todas as civilizações, uma forma de o homem conviver com o inexplicável, com o etéreo, com o maravilhoso, com o eterno e imensurável, identificado, por ele e para ele, conscientemente, na falta e ausência de uma explicação lógica, justamente para fugir ao campo racional e estabelecer um plano onde possa existir a perfeição, como “o Divino”. Mas o mesmo homem sempre teve a necessidade de tentar explicá-lo, conviver com seus aspectos e tentar participar deles de alguma forma. E como sempre, imaginando um plano diferente de existência, bom e perfeito em sua essência, sempre desejou e buscou participar dele, criando suas formas de “divino” e suas normas para alcançá-lo, de acordo com a cultura, níveis de desenvolvimento social e intelectual de cada grupo, povo ou etnia, além do meio ambiente. Seu propósito é estar em paz e harmonia com estas forças inexplicáveis que o cercam e, consequentemente, alcançar paz e equilíbrio, emocional, psíquico e espiritual.

    A maioria das religiões busca proporcionar isto a seus seguidores; muito embora por práticas bastante diferentes e às vezes totalmente contraditórias diante do que pregam e mesmo que adorando o mesmo deus. Em suma; a religião , que foi criada e instituída para aproximar o homem de deus ou de Deus, como queiram, muitas vezes o afasta, não só deste deus ou de Deus, como de seus semelhantes.

Como existem evidentemente, envolvidas nesses processos muitas subjetividades e várias formas de perceber, interpretar e responder a um estímulo, a uma informação, fenômeno ou situação, a religião foi se adequando a novas mentalidades, conjunturas, passando a apresentar aspectos diferenciados, de acordo com as mudanças ocorridas nas sociedades e na cultura dominante na comunidade onde ela se manisfesta no tempo-histórico. Mas isto, entre outros aspectos, apenas para não perder seu espaço de poder. Desta forma, pode-se adorar árvores, imagens totens, ícones diversos, acidentes geográficos, locais em especial, corpos celestes, a chuva, entidades imaginárias, e por ai vai. Cada qual busca estabelecer diferenças entre suas práticas para " agradar gregos e troianos", cooptar seguidores, e estabelecer seu espaço de influência e de poder no tecido social, e não mais apenas para encaminhar o homem à salvação e à glória do seu deus ou de Deus, como prega e segue boa parte da humanidade.

    Mas isso não chega a ser um problema, visto a liberdade de escolha de cada um por aquilo que lhe ache mais coerente, conveniente e satisfatório. O problema começa, e de forma grave e perturbadora, quando a religião, que foi criada e instituída para dar paz e conforto espiritual ao homem individualmente – por isso cada qual tem o direito de escolher e praticar a sua - passa a orientar a conduta social de pessoas e grupos; e pior, interpretar os fenômenos sociais, históricos e culturais segundo seus critérios e dogmas, influenciando erroneamente a conduta de seus seguidores e até nas normas e leis que orientam a condutas da sociedade como um todo. Igualmente, assim como as pessoas não conseguem explicar todos os aspectos que existem numa manifestação cultural que ela própria escolheu, e da qual participa ativamente, por simples que esta possa parecer, também não consegue interpretar todos os fenômenos sociais e culturais que podem ser criados ou modificados por inúmeras culturas, que congregam bilhões de pessoas, mentes e razões pelo mundo afora.

    Mesmo que nem todos venham a se manifestar no convívio e no comportamento social, os poucos que o fizeram com este viés , se comparando com as possibilidades, já foram suficientes para para desencadear ou praticar vários eventos terríveis, cruéis e atrozes, como mostra a mídia todos os dias. Isto deixa claro que conduta religiosa e condutas político-social, quando se defrontam, podem gerar violência, intolerância, discriminação e preconceito; não necessariamente nesta ordem, e com gruas de intensidade também variáveis. Dizer que não se aceita socialmente tal e qual conduta de caráter puramente individual e pessoal porque se segue uma doutrina religiosa orientada por uma bibliografia que diz que aquilo é pecado ou vergonhoso ou proibido dentro dos costumes daquela comunidade é extrapolar os objetivos e direitos que qualquer religião pode e deve ter, e até faltar com respeito ao direito de liberdade individual. Por isso a religião, ou as instituições religiosas, personificadas em seus líderes, que por elas se autorizam a falar, não deveriam intervir desta forma no político-social. Político-social aqui entendido como as condutas que as pessoas e grupos que têm comportamentos e interesses em comum, procuram adotar para viverem em paz e harmonia entre si e no seio da sociedade. Por isso, as religiões, ou instituições desta natureza não deveriam censurar e condenar pública, social, institucional e pessoalmente, falando, nas figuras de seus líderes, a conduta de pessoas que não vivem atreladas a seus dogmas, ou que às vezes até vivem, mas não tão plenamente, com a forma e a intensidade que muitos gostariam de lhes impor.