Relato de experiência - biblioteca prisional-biblioterapia

Relato de experiência - biblioteca prisional-biblioterapia: e o inspetor penitenciário na busca de sua identidade em um recorte inclusivo: perspectivas, limites, dilemas e reais possibilidades ora dentro de uma cultura ressocializadora, ora dentro de uma

Resumo: Este artigo se propõe, entre outras coisas relatar experiências cotidianas vivenciadas no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, localizado no município de São Luís-Ma, br. 135, km 18, Bairro Pedrinhas, cujo objetivo é compreender e fazer uma análise do trabalho do agente publico prisional, desde sua origem até os dias atuais, refletindo sobre sua prática no contexto do cárcere, bem como, possibilitar o aprimoramento dessa “prática”, levando em consideração as representações sociais simbólicas. Proporcionar ainda, possíveis estratégias de intervenção e discussão acerca dos problemas, sua gênese e suas conseqüências. Para que esta pesquisa atingisse sua finalidade foram necessárias entrevistas com os profissionais “inspetores e agentes penitenciários”; observações “in loco”, onde também depoimentos de internas e internos enriqueceram o conteúdo deste relato. Avalia também, a importância desse servidor público, no sentido de ser ele, um mediador intra-muros, visando sempre a qualidade da formação humana para o pleno exercício da cidadania. Tal exposição ainda traz uma valiosa contribuição sobre a formação do projeto de pesquisa “Biblioteca Prisional” e sua importância dentro desse Presídio.

Palavras-chave: agente público prisional, ressocialização, biblioteca prisional e reflexão sobre a prática.

1. Introdução

Há mais de duas décadas que amadureço as reflexões sobre a experiência de trabalhar como “Inspetora Penitenciário” no acompanhamento do preso desde sua entrada no presídio para cumprimento de pena, até sua saída com destino a liberdade, isso possibilitou, através da “observação e reflexão da prática” que surgisse as seguintes indagações:

O que motiva o indivíduo a cometer um crime?
O que leva o indivíduo a reincidência no crime?
Ressocialização é utopia ou realidade?
Inspetor e agente penitenciário e a rotina de suas funções?
Educação prisional como incluir?
Biblioteca prisional e sua importância?
Superlotação e conseqüências?
Capacitação para servidores e sua importância?

Partindo dessas problemáticas acima diagnosticadas, o norteamento da pesquisa destacará o seguinte: o agente público prisional como ele observa o presidiário a partir de sua experiência profissional no Sistema Penitenciário?

O interesse pelo tema em questão surgiu ao longo dos anos, vendo o “descaso”, o “desinteresse”, a “falta de políticas públicas”, além do “desleixo” com que é tratada a Instituição do Cárcere. A pesquisa em si, não é agregada a nenhum instituto superior, pretende-se apenas enquanto servidora pública refletir e analisar a situação intra-muros, afinal o conhecimento empírico nos possibilita enxergar o que está por de trás da cortina de muralhas e ao mesmo tempo deixar transparecer através da metalinguagem um entendimento diferenciado.

Neste estudo a base teórica perpassa por alguns autores clássicos como: Jeremy Bethan(1748-1832); Cesare Lombroso(1835-1009); Emile Dukheim(1858-1917);Erving Golfman(1922-1982); Michel Foucault(1926-1984) ; Adorno; Horkheime; Serge Moscovici entre outros.

Veremos então, que o trabalho do Agente Público Prisional têm direcionamentos próprios, sendo que ele mesmo tem clareza dessas “especificidades”, mas muitas vezes fica “confuso” com tantas nomenclaturas: agente de segurança, agente ressocializador, agente repressivo e por ai vai. Ao buscar compreender essas especificidades dessa profissão se torna necessário entender a natureza desta numa dimensão ontológica, partindo de seu conceito, para a partir deste entendimento, caracterizar o trabalho e conseqüentemente identificar suas peculiaridades.

Nos propomos a percorrer um dos viés desse caminho e desvendar o sujeito central dessa investigação: o servidor prisional e seu olhar intra-muros, numa visão introspectiva. Neste estudo utilizarei da expressão servidor penitenciário para aqueles que trabalham com o preso diretamente ou seja o Inspetor e Agente penitenciário.

2. Origem e dilemas do Inspetor e Agente penitenciário no enfrentamento do cotidiano prisional.

Falar da trajetória do Inspetor e do Agente Penitenciário de hoje é necessário primeiro e antes de tudo fazer uma longa viagem no tempo, para se verificar em que lugar da história surge essa “figura” que vai ter a custódia daquele indivíduo que comete uma ação criminosa.

Com o aparecimento do crime como fenômeno e inerente ao ser, nasce a necessidade de isolar o criminoso da sociedade e a partir de então, aparece aquele que vai lidar rotineiramente com o preso. Sua origem portanto, remonta desde os primórdios da humanidade, pois está intrinsecamente ligado ao confinamento do homem.

O hábito diário da vigilância e da disciplina desse profissional atravessaram séculos, de forma que, nesse longo período já foi chamado de: carrasco, carcereiro, guarda, agente de segurança, agente penitenciário e por último de agente ressocializador. Sua imagem de certa forma está sempre associada a “maus tratos”, “torturas” e “espancamentos” no interior das prisões. Paralelo a essa imagem coerciva, temos a imagem humanizadora, que o vê como “ressocializador”, uma espécie de educador atuando dentro das muralhas da prisão e que tem uma importante missão: transformar o presidiário numa pessoa melhor no sentido de promover sua reabilitação no retorno à sociedade.

Fazendo uma análise da primeira imagem, os servidores prisionais são discriminados pela sociedade e responsabilizados por: fugas, motins, extorsão, corrupção e até as rebeliões. Essa lógica de pensamento está no imaginário da sociedade que generaliza uma ação maléfica em detrimento de toda uma classe. Já a segunda imagem, define um servidor prisional que faz a intermediação entre dois mundos: o mundo intra-muros e mundo extra-muros. Se entende que um tratamento humanizado pode refletir positivamente para aqueles que estão presos.

Através da “teoria das representações sociais”, que na humildade científica se tentará absorver o porquê das “imagens”, “juízos de valor” atribuídos ora de forma violenta, ora de forma humanizada com relação ao servidor penitenciário. Do ponto de vista sociológico, Emile Durkheim é o primeiro a trabalhar explicitamente o conceito de “representações sociais” via “representações coletivas”. O termo se refere “a categorias de pensamento através das quais determinada sociedade elabora e expressa suas realidades”. Serge Moscovici(2000)viu as “representações sociais” de forma ou ângulo diferente desse sociólogo, que ilustra o papel da influência chamada “comunicação” que vão se tornando pouco a pouco senso comum, além de explorar a variação e a diversidade das idéias coletivas nas sociedades modernas, que reflete segundo ele a própria falta de homogeneidade dentro dessas sociedades e refletem uma heterogeneidade de representações. No seu conceito temos que:

“as representações sociais são entidades quase tangíveis. Elas circulam, se entrecruzam e se cristalizam continuadamente, através duma palavra, dum gesto, ou duma reunião, em nosso mundo cotidiano. Elas impregnam a maioria de nossas relações estabelecidas, os objetos que nós consumimos e as comunicações que estabelecemos(...)”.

Analisando as RS(representações sociais) dentro de nossa realidade com a problemática inerente ao sistema carcerário envolvendo fugas de presos, motins, rebeliões, observa-se que a responsabilidade é sempre transferida para o servidor penitenciário. Fugiu um preso?? As idéias por mais neuróticas se cristalizam no tempo e não se pára para observar a situação de uma forma macro-sistêmica, onde os “culpados” se é que existem têm sempre o poder. Assim, a imagem do servidor penitenciário vai se construindo e re-construindo na história da humanidade. Em cada período dessa história uma forma de fazer a história seguindo o Estado, que às vezes se apresenta politicamente mais severo e outras politicamente mais brando.

Assim a teoria das representações sociais tem como objetivo explicar os fenômenos do homem a partir de uma perspectiva coletiva, ao mesmo tempo não perder de vista a individualidade, ou seja, tornar familiar, algo não-familiar. Sua primeira base teórica veio através da obra: “a psicanálise, sua imagem e seu público”, no ano de 1961. Serge Moscovici lançou uma problemática: como constrói o homem a realidade?

O embasamento para esta problematização parte da trs(teoria das representações sociais) que afirma que a narrativa de uma história é sempre uma “representação” que edifica posicionamentos e visões de mundo e como tal, não há possibilidade de neutralidade para as narrativas, não há neutralidade nas representações de mundo. Presume-se que um veículo de comunicação como jornal, pode “ ...controlar o fluxo de informação que circula por dada sociedade (e) em grande medida, controlar o imaginário, a produção do imaginário social ou seja, atuar diretamente sobre a forma como os indivíduos representam a si mesmos, e seu grupo social, as relações e as condições de vida a que estão submetidos.”(GUARESCHI, p.44,2000).

Para essa teoria nesses embates de saberes, entre discursos, invariavelmente, alguns saberes tentam sobrepujar outros. E nessa luta, quem possui mais espaço e poder acaba muitas vezes tendo sua representação eleita como Verdade.

Sobre a imagem coerciva, curso de capacitação, educação prisional a inspetora penitenciário Gisele Miranda Léda e as agentes penitenciários, Maria Elizabeth Barbosa e Wilma Rodrigues Camêlo falaram o seguinte:

“na verdade a imagem coerciva existe, mais pelas pessoas que não vivenciam a realidade do sistema. Eu Inspetora Penitenciário trabalho com uma visão ressocializadora na medida do possível, pois não temos o apoio necessário para realizar um trabalho eficaz, a exemplo, posso citar o Grupo de Oração”, que é realizado com as internas nos dias que estou de plantão. Esse trabalho foi iniciado com apenas 07 internas e hoje estamos com mais de 50 mulheres e é uma benção”(Gisele);

“acredito que hoje nem tenha mais essa imagem repressora, o tempo vai passando, faz com que tudo passe. Ah não ser num desrespeito se usa autoridade. Mas se tiver respeito tanto do agente como do preso não dá para se estressar” (Elizabete);

“eu acho que a ressocialização não dá muito certo... em alguns presídios, pode até ser! Entretanto, quando elas(as internas) colocam o pé na rua, a coisa já muda. Muda completamente. Existe muita reincidência”(Wilma).

Há quanto tempo você não faz um curso de capacitação profissional? A Inspetora Giselle Miranda respondeu que mais ou menos há 15 anos. Já as agentes Elizabeth e Wilma disseram o seguinte:

“seria importante capacitar o agente para situações práticas do dia-a-dia de enfrentamento como: fugas, motins, incêndios, revista, escolta, tiro, documentação. Situações que lidamos rotineiramente e que nós deveríamos estar preparados”.(Elizabeth)

“a instituição com relação a curso de capacitação é bastante carente. Deveriam investir mais, afinal, nós é que lidamos com os presos. A mentalidade e comportamentos são bem diferenciados e nós periciamos estar um passo na frente deles e esse passo só será dado através do conhecimento formal”(Wilma).

Com relação a Educação Prisional. Você acredita que a educação pode transformar o(a) homem – mulher, preso(a)?

“Acredito, que o preso ou presa possa ser transformado com a educação, levando em consideração o presídio que ele ou ela se encontra. Levando em consideração o regime que ele se encontra também. A estimulação familiar, a parceria do servidor penitenciário. Eu acredito”.(Gisele);

“a educação sim, transforma o homem, mas quando ele se deixa transformar e busca por essa transformação”(Wilma).

Foi perguntado para servidoras Maria Elizabeth e Wilma como elas se viam como agente penitenciário e como elas percebem, a sociedade na observação dessa profissão?

“Primeiramente como me vejo. Me vejo como servidora concursada, e que me esforcei muito para estar aqui hoje. Tenho orgulho da minha profissão. Gosto de ser agente penitenciário. Mas vejo com temor o futuro dessa classe; segundo, como a sociedade nos observa: tudo de ruim que acontece dentro da Instituição não tem um culpado, tem a classe culpada; a sociedade nos descrimina e nossos direitos são sempre usurpados”(Elizabeth);

“me vejo como agente ressocializadora, trato as internas bem, sem discriminações, na medida em que também sou tratada bem, e entendo que a sociedade nos discrimina pelo motivo de você trabalhar diretamente com o preso ou presa. E com relação a corrupção é interessante que sempre se referem ao agente fulano de tal sem se referir ao nome especificadamente, e ai a classe sempre é prejudicada”(Wilma)

Importante observar nas falas das servidoras prisionais a percepção destas quanto à esfera profissional e pessoal. Na esfera profissional a falta de credibilidade com relação a Instituição é sempre negativa. Na esfera pessoal a qual leva em conta os valores humanos e éticos, saúde mental e que também revela uma negatividade, já relacionada a fatores externos.

Dados revelam que nos primórdios, o recrutamento desses profissionais para trabalharem com criminosos eram pessoas: desempregadas, brutas e fortes, daí talvez, venha o entrelace em estabelecer estereótipos com a sua figura. De antemão se percebe que as autoridades não estavam nem um pouco preocupadas com o preparo técnico destes e sim com sua força física no sentido de impor ordens e estas serem obedecidas. Tratava-se de contratação ou indicação de pessoal despreparados para manejar com pessoas marginalizadas onde o poder da força era o recomendável para neutralizar qualquer ato de insubordinação dentro dos presídios. No ensinamento dos autores Britto(1926) e Pestana(1981) é revelado que desde o surgimento dessa profissão poucos eram o que se interessavam em exercê-la.

Sá(2009) diz que o servidor penitenciário é : “a voz da consciência da civilização dentro do pavilhão”. O autor coloca o (servidor) na condição de “mensageiro” das “boas” e “más” notícias, haja vista, ser ele quem informa na maioria das vezes ao encarcerado da chegada do alvará de soltura, como também do ente querido que vem a óbito. Sá(2009) complementando diz que: “o servidor penitenciário é ainda o responsável por excelência em manter o presídio em funcionamento”.

O autor citado refere-se à rotina de serviço do agente publico prisional, onde este é engolido por ela e por ela é absorvido totalmente desde o momento em que recebe o plantão pela manhã e o entrega no dia seguinte para outro agente público. Enfrenta problemas que não são poucos e no final do dia ainda tem problemas para serem resolvidos e solucionados. E alguém já se perguntou quais os riscos que envolvem essa Profissão? Quando se analisa riscos, se toma medidas de controle de riscos para se evitar acidentes. Será que nesse embate, aquele que o promoveu a agente público se preocupa hoje em aperfeiçoá-lo.

Para Carvalho(2010) em “o perfil do agente penitenciário” revela: “agente penitenciário é a mola mestra do sistema: o responsável por mediar qualquer intercâmbio, quer seja com o mundo exterior, quer seja com seus familiares”. Fica claro da importância do servidor penitenciário em criar condições que favoreçam a construção de um bom relacionamento “preso versus servidor” para o enfrentamento da dura realidade e transformá-la. Como? Não estamos de falando de prisões onde o silêncio é absoluto. O presidiário nos dias de hoje tem voz. Se sente dores, se está doente e necessita de atendimento médico-odontológico; se têm dúvidas a respeito de como remir sua pena; sobre visita familiar, como é o cadastro? Esse primeiros encaminhamentos são feitos pelo agente público prisional. E esses encaminhamentos não é pelo fato do agente penitenciário ser “bonsinho”, essas situações são de direito do preso e estão elencados na Lei de Execução Penal, na Constituição Federal.

Michel Foucault(2004) em sua obra, “vigiar e punir: o nascimento da prisão”, aborda a questão policial dentro do sistema prisional onde ele reforça a idéia que: “o agente está desde a sua instituição ligado aos mecanismos disciplinar” . O autor lembra que a “polícia é fruto de uma sociedade disciplinar”. Disciplina esta, que segundo ele é um “tipo de poder”.

Entende-se que o homem acostumado a valorar a liberdade ao adentrar em um presídio encontra-se submetido desde então às normas disciplinadoras regulares, como também às normas da cela, seu espaço de vida durante um certo tempo. Essa visão endógena que se forma no interior do organismo penal o autor Donald Clemer(apud FELDMAN) vai dar o nome de prisonização, que nada mais é do que se “adaptar” bem rapidamente ao meio, cumprindo as regras para sobreviver.

Assim o preso revoltado com a sociedade que o descrimina e brutalizado pelo próprio crime, entrará no cárcere. O inspetor e o agente penitenciário o receberá no Presídio. MIOTTO(1992) em : “a violência na prisão” diz que: “o individuo dentro presídio precisa ser ajudado a ajudar-se, de modo que assuma as responsabilidades de seus delitos”. Essas pessoas estão psicologicamente abaladas e muitas das vezes, desejando o dia de sair da prisão para a liberdade e cometer um novo crime, se aperfeiçoando, refletindo sobre o mal, refletindo sobre a vingança, refletindo o tempo todo.

Perguntado a uma interna R.S.M, 33 anos, analfabeta, o que a tinha levado para uma prisão. Ela respondeu:

“o sistema me colocou nessa situação. Não tenho pai nem mãe. Fui criada até os 13 anos em um orfanato. Uma família me adotou, mas já era tarde. Me colocaram para estudar, mais eu era rebelde. Na Tv, eu via os bandidos e com eles me identificava, queria estar no mundo deles. Me viciei aos 16 anos. A natureza criminosa de uma pessoa é dela mesma. Eu sou lanceira, descuidista, 157. Eu tenho profissão. O viciado não tem lei, quando está fissurado ele não respeita a própria mãe. Dentro da cela eu fico em pânico. Agente fica pensando, a gente vai pensando e o pensamento fica confuso, a gente só vê parede. É de enlouquecer.”(art.157 do cpb/84)

A uma outra interna E.M.S. 38 anos, fundamental incompleto, foi perguntado o que havia motivado a cometer crime. Ela respondeu:

“referente a droga foi a necessidade, eu vi que encima da droga eu ia gerar dinheiro para suavizar minhas condições. Comprar as coisas para os meus filhos. Porque da maneira que eu trabalhava eu não ia conseguir. Na realidade não é necessidade é a burrilidade, por que já que a pessoa tá presa ela tem que pegar o exemplo de vida. Eu penso assim, não sei das outras. Isso aqui, não é lição pra todas, mas pra algumas. Dentro de 200 e poucas, algumas tem filhos, pais e irmãos, que traz o medo de se envolver e fazer a mesma coisa.”

Essa mesma interna disse o que ela entendia por ressocialização?

“eu entendo por ressocialização na língua aqui de dentro como regeneração, mudança de vida, mudar do ruim pro melhor. O ruim é o que nós estamos passando, e o melhor ainda estar por vir. Pra quem quer mudar é muito bom.”

E o agente público prisional, como observa?

“vejo o agente e o inspetor como profissionais que estão todos os dias aqui com agente. De uma forma ou de outra ele passa ter uma imagem familiar. Os que nos tratam bem, nós até fala, e que nos trata com aspereza, esse agente nem olha.”

A superlotação como você a entende?

“ a superlotação leva a rebelião, mortes e brigas. Na rebelião os presos sentem necessidade de dizer algo que não é agilizado. Ai não tem outro jeito. A injuriação gera rebelião”.

Para a interna M.F,30 anos, fundamental incompleto foi feita a a seguinte pergunta: O que a levou ao mundo do crime? Ela respondeu:

“necessidade. Não tinha como manter os filhos, meu ex-marido me deixou, foi embora e fiquei só. Conheci uma mulher que a família toda era traficante. Ela vendo minha dificuldade financeira me procurou se não dava pra fazer uma correria. Assim comecei a ganhar dinheiro. E quanto mais eu ganhava, mais eu queria. Percebi que não tinha diferença do viciado para o traficante. Todos dois são viciados. Enquanto um quer vender, o outro quer usar. Sendo que o vendedor fica mais no pânico para vender, do que o viciado para usar. Tinha clientes que empenhavam o celular para comprar a pedra. Conheci depois o “patrão”. Ele era forte e confiava em mim.

A interna também respondeu sobre a diferença de usuários. Se o usuário de merla, cocaína e crack quais eram as diferenças? Ela sorriu e respondeu:

“tem muita diferença. A merla não dá tanta fissura como o crack. O crack veio para destruir. A pessoa que usa fica que nem louco, fica chupando os lábios, para esfriar. Muda a personalidade. E você não deve acreditar nele, em nada, são capazes de matar para satisfazer a vontade de usar, de roubar, é frio, e além de perder a noção de higiene, pois fica dias sem tomar banho. Por tudo isso fica sempre devendo e isso o torna perigoso”

O fato dela estar encarcerada tinha servido como lição? Ela revelou o seguinte:

“aprendi na cadeia. A cadeia ensina. Basta a pessoa querer sair dessa vida. Não precisa de passar 10, 20 anos para aprender. Não precisa. Agora tem pessoas que vão sair daqui bem pior, a cadeia simplesmente lhe deformou mais do que já tava. O pensamento é sair e fazer a mesma coisa. A cadeia está ensinando a ficar mais ignorante, mais idiota. Tudo de ruim.”

3. Refletindo sobre a prática, encontrando o pânico: mulheres e homens no mesmo espaço.

O lócus da nossa investigação é a o Complexo Penitenciário de Pedrinhas em São Luis, no Estado do Maranhão. Há 23 anos atrás as lembranças do primeiro dia de trabalho dentro de uma Penitenciária são bem vivas. Apesar do curso de Formação com bons professores, das áreas: penal, penitenciária, sociológica, psicológica, psiquiatras, assistentes sociais, tiro, defesa pessoal, não sentia confiança. Especificadamente, o nervosismo era bem evidente, entretanto enfrentar todos os medos era importante, e ver de perto aquela realidade que antes era bastante irreal. Compreender a lógica de uma Penitenciária como servidora é totalmente diferente de quem não é, e escrever sobre esse espaço sempre me motivou, pois é inquietante percebê-lo e não questioná-lo.

Éramos um grupo de 15(quinze) servidores entre homens e mulheres. Como Inspetora Penitenciário iria trabalhar com as Agentes Penitenciárias na labuta com as presidiárias. Nessa época, não havia a Penitenciária Feminina destinada para as mulheres, existia sim, um “quarto” que cabia 04 camas e um banheiro, dentro de uma Penitenciaria masculina. Isso era um verdadeiro problema, que descobrimos logo que tínhamos que lidar. A população carcerária da época era de apenas 04(quatro) mulheres. Hoje o efetivo é de 160(cento e sessenta).

A situação era gravíssima! Os internos estavam sempre em contato com as detentas gerando um verdadeiro “abuso”, pois a prostituição, a falta de pudor, a falta de moral e bons costumes imperava nessa Penitenciária. Tentávamos coibir tal prática, mas éramos ludibriadas na Escola da Unidade Penal, nas Oficinas e sempre aquela interna que escapava da vigilância logo logo aparecia grávida. O que vimos e constatamos foi que, se há descaso com Penitenciárias masculinas, o descaso é bem maior quando o assunto se trata de mulheres.

Também éramos esperados! Foi o que entendemos, algum tempo depois! Os presos sabiam que iam chegar um grupo de servidores concursados. Os presos “talvez” para assustar ou para aproveitar a situação de ebulição assassinaram durante à noite um companheiro de infortúnio com várias chuçadas em um dos pavilhões conhecido como “Pavilhão da Morte”. Ao saber desse fato houve muita preocupação, pois a todo momento chegavam notícias de que poderia haver fugas.

No presídio é assim, a todo momento chega até ao agente penitenciário uma contra-mão de informações, que é preciso “ peneirar”, porque muitas delas não são reais, são presos querendo obter vantagens ou até mesmo com a intenção de desnortear uma outra ação tramada dentro dos pavilhões.

À noite são poucos presos que dormem. Observados e vigiados pela segurança, observam também! Se um agente prisional entrar em um pavilhão à noite por algum motivo, caso de doença por exemplo, o agente se depara com a insônia do prisioneiro. Presos acordados e amontoados em celas, fazendo que a intimidade de cada um seja totalmente desnudada.

É inevitável a intimidade, comprometendo a saúde e a personalidade, gerando uma subcultura criminal. Com o passar dos anos de observação, se percebe que o ambiente carcerário propicia a aparição de desequilíbrios. Vários são os fatores: a solidão, a ansiedade entre outros e para completar nunca estão satisfeitos, querem sempre alguma coisa, e reclamam o tempo todo.

No dia seguinte, após uma noite perturbadora, fomos convocados para uma Revista no interior desse pavilhão onde o preso havia sido assassinado. Iria entrar pela primeira vez em uma cela, ver o “criminoso face a face”. Ao entrar, verificamos que ali era o “inferno” na terra dos vivos! O “pavilhão da morte” estava submerso de seres humanos que não tinham a menor condição de entender a “ressocialização” tão pregada no curso de Formação. No ar “imperava a lei do mais forte”. Sobreviver é o que importa. O horripilante odor nauseabundo ficou por muitos anos atormentando o meu olfato. As paredes frias, os presos aparentemente despido de qualquer sentimento, eram revistados pelos agentes masculinos e nós as mulheres revistávamos seus pertences.

A ugusto Thompsom, anos atrás afirmava que: “cadeia é apenas um espaço de punição”. Décadas se passaram e o ex-ministro da Inglaterra Douglas Hurd disse recentemente o seguinte: “a prisão é uma maneira muito cara de tornar as pessoas piores”. Os anos passam mas a idéia de “masmorra” continua. O custo de um preso no Brasil está em torno R$ 1.500 e o contribuinte paga por isso, é bem real. Entretanto, o que não dá para entender é que essas pessoas são presas e condenadas por descumprir a Lei e vão cumprir essa pena num local onde essa mesma Lei que o prendeu é descumprida. Descumprida pela falta de presídios e pela falta de políticas públicas nessa área.

Reinserção como? Não há nenhuma luz. Já que ressocialização perpassa por uma sociedade mais igualitária e justa. Ressocialização é socializar, trazendo o indivíduo a compreender e transformar, ser transformado. Se sentindo motivado a mudar. Ali, há vinte e três anos atrás não havia motivação!

4. Biblioteca prisional: projeto de pesquisa e a Biblioterapia.

Projetos! Afinal quem no 5º período de um curso universitário não deseja colocar em prática suas atividades acadêmicas? Estava no 5º período do curso de Biblioteconomia da Universidade Federal do Maranhão-UFMA, e levava ao conhecimento do Chefe imediato as questões referente à reinserção do preso à sociedade, que sequer olhava, ou se dignava a comentar o assunto, fazer uma reflexão sobre os temas.

Assim fui percebendo que a reinserção social tão comentada no curso de Formação Profissional não passava de pura teoria. Porém sonhos são sonhos! No 9º período do curso já referendado, foi elaborado o projeto de pesquisa sobre Biblioteca Prisional visando a monografia. Professoras do curso de Biblioteconomia da época, perguntavam se não havia outra sugestão para o tema da monografia. Estava determinada! A professora Magnólia Bandeira que simplesmente gostou do tema, se disponibilizou a fazer a orientação do projeto, tendo inclusive visitado o local, uma pequena “sala de leitura”, já no Pavilhão Feminino. Essa sala de leitura foi esboço do que seria posteriormente a Biblioteca Prisional.

Targino em 2006 escreveu um livro: olhares e fragmentos: cotidianos da biblioteconomia e ciência da informação onde ele diz: “não há exercício da cidadania sem informação”. A Constituição Federal(1988) assegura tal direito no art. 5º, inciso XIV e a Execução Penal assegura o direito à Assistência Educacional, o ensino do primeiro grau obrigatório e recomenda a existência de ensino profissional e a presença de bibliotecas nas unidade prisionais.

Temos ainda, a resolução nº 14, de 11 de novembro de 1994, publicada no DOU de 2.12.1994 no Titulo 1, Cap. XII, Das instruções e assistência educacional, no art. 41 que : “os estabelecimentos prisionais contarão com bibliotecas organizadas com livros de conteúdo informativo, educativo e recreativo, adequados à formação cultural, profissional e espiritual do preso”.

Dessa forma, foi organizado questionários com o objetivo de identificar se tanto os servidores quanto os presos eram a favor da instalação de uma biblioteca no interior do presídio. Dessa forma, verificamos que eram favor da instalação da biblioteca, que iniciou com uma Sala de Leitura. A professora Magnólia Bandeira esteve na Penitenciaria de Pedrinhas e fazia as orientações necessárias. O passo seguinte foi a confecção da monografia que teve como tema: “A unidade de informação como fator de reintegração dos detentos: caso especifico o do Complexo Penitenciário de Pedrinhas”.

Desde o Egito Antigo a Biblioteca era considerada “remédios para a alma”. A biblioteca dentro de uma penitenciária é fundamental para o estabelecimento de uma ponte, sociedade extra muros e sociedade intra-muros, a leitura transcende, se expande, cria asas e num minuto você está onde a informação te leva. Nesse espaço o bibliotecário tem muitas opções de trabalho no incentivo á leitura. Pode o bibliotecário resgatar a auto-estima do preso, através de atividades como: poesias, hora do conto, oficinas várias. O bibliotecário só tem um problema; o burocrático.

De acordo com OLIVEIRA(1984, p.32), a Lei de Execução Penal nº 7.210/84, diz em sua seção V, art.21 que: “em atendimento às condições locais, dotar-se-á cada estabelecimento de uma biblioteca, para uso de todas as categorias de reclusos, provida de livros instrutivos, recreativos e didáticos”.

Duas internas deram depoimento sabre a importância da Biblioteca Prisional :

Depoimento 1, de S.V:“acho muito importante uma biblioteca, pois temos a oportunidade de ter mais conhecimento”;

Depoimento 2, de S.M.U: “A leitura Inspetora, é muito importante. A biblioteca também. É lendo que a gente se desenvolve. Inclusive posso até trabalhar numa biblioteca quando sair daqui, pois aprendi a organizar os livros por autor...assunto”.

ALVES(1984,p.5)diz que a ONU, também em suas: “Regras mínimas para tratamento de presidiários, (...)já fazia recomendações explicitas para que se mantivesse o preso informado por intermédio dos meios de comunicação(radio, Tv, periódicos em geral)e que , em cada presídio, houvesse sempre uma biblioteca.”

A biblioteca prisional está incluída na categoria de biblioteca especial que tem como fundamentos de sua classificação os seguintes elementos:natureza de sua coleção, categoria de seus usuários e função educadora que deverá desempenhar. Situada dentro de uma unidade penal tem como usuários os presos reeducandos e funcionários. Seu objetivo; em princípio são os mesmos que norteiam uma biblioteca extra-muro : a informação. No entanto, por atender a pessoa encarcerada a biblioteca prisional não pode deixar de ter um objetivo predominante que é de oferecer a seus usuários momentos de intensa liberdade.

Em países que se adotam as mais modernas técnicas de ressocialização, já não se pode prescindir da colaboração das bibliotecas. Encontramos já obrigatoriedade da inserção da biblioteca nos sistemas penitenciários de diversos países como: EUA, França, Inglaterra, Itália e outros, e, inclusive recomendada pela Assembléia Geral da ONU, na sua Resolução 663(XXIV) de 03-07-1957, em seu art. 40 e nos artigos 77 §§ 1, 2 e 7.

No Brasil a situação da Biblioteca Prisional não difere muito dos países de primeiro mundo, pois a superlotação, a falta de políticas publicas são sérios impedimentos, inseridas nesse ambiente acaba sofrendo as conseqüências da exclusão. NEVES(1991,p.41) assinala que: “...em prisões de países desenvolvidos as bibliotecas apresentam problemas semelhantes aos nossos: analfabetismo, censura, violência e precárias condições físicas”.

No Maranhão, capital São Luis teremos a primeira inserção da Biblioteca Prisional, que funciona até hoje na Penitenciária Agrícola de Pedrinhas em precárias condições, e que tem como princípio maior incentivar e orientar a comunidade carcerária local sobre a importância da leitura e também através dos seus serviços promover a reinserção dos presos à sociedade.

4.1 A Biblioterapia

Com relação a Biblioterapia, é uma palavra que vem do grego “Bliblion” que significa “livro” e “therapia” que significa “tratamento” (Pereira, 1996,p.47). Seu uso pode ser indicado para pessoas em confinamento como a prisão. Ferreira(2003,p.36) revela que a leitura, com objetivo terapêutico, existe desde o Egito antigo. Caroline Shrodes, em 1949, foi a primeira Phd em Biblioterapia, sua tese intitulada “Biblioterapia um estudo teórico e clinico fundamental”. Acreditando nessa técnica e nessa possibilidade foi realizada ainda na Penitenciária Agrícola de Pedrinhas vários momentos que deram origem em 2003 à monografia “Biblioterapia aplicada em Instituições Carcerária; experiência realizada no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, no Curso de Especialização Metodologia do Ensino Superior-Acadepol-Uema, com orientação do Dr. Cesar Castro. Os internos e internas que participaram dessa jornada deram demonstração que a Leitura, a poesia, a arte, o drama das histórias servem de apoio nos momentos difíceis da vida.

Uma vez o preso L. Mario(falecido) deu um depoimento sobre a leitura e a biblioteca muito interessante. Esse preso gostava muito de ler, como tantos outros:

“__Inspetora a Biblioteca é muito importante. Aliás é uma jóia preciosa: primeiro, porque na Biblioteca buscamos informação. A informação é vital para o interno que ficará numa penitenciária por um longo período, como eu. O interno quando chega ao presídio perde a noção da realidade. E daí, então, o livro auxilia nesse processo de busca. De busca dele mesmo e da comunidade que ele deixou lá fora. Segundo, nos tira da ociosidade mergulhando como pescador de conhecimentos dentro dos livros. Terceiro, ele tem a oportunidade de pesquisar sobre sua pena nos livros de Direito existentes na biblioteca e então toma consciência de fato de seus direitos e deveres, bem como a gravidade de sua pena e toda sua extensão. Quanto a leitura, para falar a verdade foi a única coisa que me ajudou, porque não muda de personalidade”.

5 .Considerações Finais

Por fim, a herança dos primórdios legou ao servidor penitenciário uma imagem repressiva que tenta desfazê-la no mundo contemporâneo. Imagem essa que não condiz hoje com a nova realidade do sistema prisional. Dessa forma, temos visto um debate nos mais diversos ramos das ciências sociais, no sentido de, e para minimizar a crise que se alastrou durante décadas pela omissão dos poderes constituídos.

O que somos na atualidade? O que temos? O que faremos? Uma profissão em tese procurando seu espaço. Na ambivalência de valores no interior do cárcere luta para promover o bem, e nessa guerra de valores em um momento é herói em outro é vilão. Nessa dicotomia diuturna tenta sobreviver, haja vista, que a omissão em tese, tem como discurso o “despreparo dos agentes públicos”, dentre outros termos.

6. Referencias Bibliográficas

ADORNO, S. A prisão sobre a ótica de seus protagonistas.Tempo Social-Revista de Sociologia da Usp, São Paulo,v.3,nº1 e 2,p. 7-40,1991ª.

ALVES, Maria Helena Hees. Meios e objetivos na ressocialização dos detentos. Vitória, 1981.

CARVALHO, Carmem Pinheiro. A biblioteca nos sistemas penitenciários. Revista do Conselho Penitenciário Federal, Ministério da justiça,v.22, n.VI, jul./dez.1969.

FERREIRA, D.T. Biblioterapia: uma prática para o desenvolvimento pessoal.ETD. Educação Temática Digital.Campinas, v.4,n.2.p35-47.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: historia da violência nas prisões. Petrópolis:vozes, 1986.

GUARESCHI, P. Os construtores da informação: meios de comunicação, ideologia e ética. Petrópolis, RJ:vozes, 2000.

LIMA, Elaine Cristina da Silva; CARVALHAES, Flavia Fernandes de . Abrir e fechar cadeado: análise das representações sociais de agentes penitenciários sobre o cotidiano de trabalho. Disponível em:WWW.ppi.uem.br/campos sociais/ventos-jornada/05.pdf

MOSCOVICI, S.RepresentaçõesSociais: investigações em psicologia social. Rio de janeiro, Vozes,2003.404p. Trad. Pedrinho A. Guareschi, a partir do original em língua inglesa Social representations:explorations in social psycology[Gerard Duven(Ed)Nova Yorky, Polity Press-Blackwell publishers, 2000])

PEREIRA,M.M.G. Biblioterpia. Joao pessoa : UFPB-Ed. Univ.1996.

THOPSON, H. Ideologia e cultura moderna: teoria critica na era dos meios de comunicação de massa.6.ed. tradução do grupo de estudos sobre ideologia, comunicação e representações sociais da pós-graduação do instituto do psicologia da PURS, Petrópolis, RJ: Vozes, 1995