Relato de Experiência: atendimento aos usuários do Caps ad de Vitória da Conquista e da Clínica escola a partir da linha de pensamento Equizoanalítico.

Judite dos Anjos Ferreira

Valter Aparecido Rodrigues 

Resumo: Este relato de experiência tem por finalidade, apresentar alguns estudos de casos de usuários do Caps ad (Centro de Atenção Psicossocial ao Usuário de Álcool e Outras Drogas) de Vitória da conquista e da Clínica Escola da Faculdade Juvêncio terra, como também o atendimento aos indivíduos dentro de uma nova perspectiva psicoterápica, a Esquizoanálise. Neste relato, será realizada uma pequena apresentação sobre esta nova perspectiva e em seguida a descrição dos casos, pontuados de acordo a leitura de textos que compreendem este nova Filosofia.
 
 Palavras-chave: Estudo de casos; Esquizoanálise; análise  e pontuação dos casos.
 

 

 

 

 

 

 

 

 

Agradecimentos

A Deus, por ter me dado a oportunidade de realizar mais uma etapa da minha formação acadêmica; aos meus colegas de estágio pela contribuição e compartilhamento de suas experiências enquanto futuros profissionais; a todos os docentes que fizeram parte da minha formação e também àqueles que  contribuíram de forma indireta; a supervisora substituta Prof. Ms. Kueyla pelo acolhimento e apoio aos estagiários órfãos neste semestre; aos pacientes e usuários que de forma confiante contribuíram para minha formação; e principalmente ao querido, estimável, Mestre e inesquecível Valter, que sem chances de despedida partiu para viver na eternidade, longe daqueles que o admiravam aqui na terra. Assim, sem mais palavras para agradecer-lhe, faço das palavras da colega de curso Denise Viana, uma descrição dessa pequena e tão importante personalidade que fora:

Ah Rodrigues!

E seus suspensórios

Que “insuspendem” a academia.

Que desnorteia, questiona, difama,

Desaloja, desapoia, desfaz,

Mas intrépido respeita

Incita, recita, acolhe, rejeita,

Emociona e invade com seu latido sagaz.

Adeus e muito obrigado Professor Valter A. Rodrigues!

Sumário

 

01. Ficha de identificação..........................................................................04

1.1. Identificação da estagiária..........................................................04

1.2. Identificação da instituição de ensino........................................04

1.3. Identificação da supervisora do estágio.....................................04

1.4. Identificação do estágio (duração) ...........................................04

02. Introdução............................................................................................05

03. Justificativa..........................................................................................07

04. Metodologia..........................................................................................09

05. Desenvolvimento..................................................................................10

            5.1. Descrição dos casos..................................................................

            5.2. Análise.....................................................................................

06. Considerações Finais........................................................................34

07. Recursos Bibliográficas...................................................................36 
 
 
 
 
 


 

  1. 01.            Ficha de identificação

1.1  Identificação do estagiário

Nome: Judite dos Anjos Ferreira

Endereço: Rua B, nº. 20 – Vila Marina. Bairro Felícia

Curso: IX Semestre de Psicologia - Noturno

Disciplina: Estágio Específico II

1.2  Identificação da instituição de ensino

Nome: Instituto de Ensino Superior Juvêncio Terra

Unidade: Faculdade Juvêncio Terra - FJT. Fone: 3425-1696

Endereço: Avenida Otávio, nº. 132 – Centro. Vitória da Conquista, Bahia.

E-mail: [email protected]/ site: www.juvencioterra.edu.br 

1.3  Identificação do supervisor do estágio

Nome: Valer Aparecido Rodrigues

Formação: Psicólogo

Função ocupada na instituição: Professor Mestre das Disciplinas Psicologia Urbana, Psicologia e Exclusão Social e Supervisor de estágio específico. 

1.4  Duração do estágio

Início: Julho de 2010.

Término: Dezembro de 2010

Duração: 144 hs curricular.

Supervisão: 72hs/aula 

02. Introdução


            O curso de Psicologia da Faculdade Juvêncio Terra dispõe estágios Específicos I, II e III curriculares e supervisionados por profissionais capacitados, tanto na área da saúde como na clínica (Serviço de Psicologia da Faculdade), de forma complementar ao que propõe a formação acadêmica.  Este estágio foi realizado no Serviço de Psicologia da Faculdade Juvêncio Terra (clínica-escola), no segundo semestre de 2010 e também no Centro de Atenção Psicossocial a usuários de Álcool e Outras Drogas (CAPS ad) de Vitória da Conquista, sendo que no caso deste último, o estágio foi continuidade dos atendimentos psicoterápico do semestre anterior, ou seja, sequência dos estágios específicos I e II, supervisionados pela Prof. Ms. Kueyla Bitencout.

O Serviço de Psicologia, articulando  teoria  e  prática  visa  proporcionar  ao aluno  estagiário  que  se  encontra  no  Estágio  Especifico  (8º  ao  10º  Semestres), oportunidade  para  intervir  em  situações,  contextos,  organizações,  instituições  e sujeitos,  preparando-o  para  atividades  profissionais  de  intervenção,  incluindo programas  de  prevenção  e  projetos  de  consultoria  e  assessoria. Neste estágio, o aluno desenvolverá atividades técnicas e instrumentais de maior complexidade, sob supervisão específica, tanto nas dependências do Serviço de Psicologia  como em outros locais conveniados, como no CAPS ad, por exemplo.

            Diante disso, foram estabelecidos alguns objetivos do Serviço, tais como: 1. Servir de espaço de formação  do  aluno  de  Psicologia  que  se  encontra  no Estágio Específico, ao  prestar  serviços  psicológicos  segundo  diferentes modalidades  técnicas  e  abordagens  de  natureza  preventiva  ou intervencionista  e  respondendo  a  demandas  individuais  ou  coletivas  da comunidade atendida; 2.  Proporcionar  ações de  natureza  diversas previstas  em  suas  ênfases  com  o fim de desenvolver a comunidade na qual está  inserida, consolidando assim sua vocação extensionista; 3.  Servir de campo de pesquisa para que, a partir dos dados coletados, possa contribuir com o desenvolvimento teórico-prático da ciência psicológica. O serviço de Psicologia da Faculdade Juvêncio Terra, localiza-se na Rua Genésio Porto, 961 – Bairro Candeias.

            O CAPS ad (Centro de Atenção Psicossocial a usuários de Álcool e outras Drogas), é um serviço gratuito, vinculado a Prefeitura Municipal de Vitória da Conquista, a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (SESAB), com atendimento assegurado pelo SUS (Sistema Único de Saúde), capacitado de profissionais especializados em atender pessoas que fazem o uso abusivo de substâncias psicoativas (SPA’s), oferecendo suporte clínico, social, psicológico, terapêutico e medicamentoso - se necessário - aos usuários em tratamento.

O CAPS ad em Vitória da Conquista localiza-se na Rua João Pessoa, nº.129, Centro.. Antes o serviço só atendia adultos conforme prevê a portaria 336, mas devido a inexistência de um CAPSia (Centro de Atenção Psicossocial a crianças e Adolescentes) na cidade e com a demanda presente, o CAPS ad burla a portaria 336 e passa então a integrar o atendimento a adolescentes usuários de SPA’s (substâncias Psicoativas), em casos de extrema necessidade. O serviço funciona de segunda a sextas-feiras, em horário comercial.

  1. 03.  Justificativa

O homem é um ser político, produzido nas relações coletivas e tentar desassociar o homem da política é construir nessa separação “a tentativa de exclusão do plano das forças como forma de retirar do humano sua potência crítico-inventivo de muitas maneiras de existir, pensar, agir, perceber e, enfim, viver”. (ABREU e COIMBRA, 2008, p.42).

Sendo assim, o que seria então o atendimento clínico? Qual seria a verdadeira função da proposta terapêutica, uma vez que o indivíduo é produzido nas relações coletivas, e é o próprio campo de forças, atravessados por fluxos e forças externas? Pode-se inferir que a clínica é o espaço da relação terapêutica, de produção, do fazer-se existir, a partir de um movimento para o Fora. É o que propõe a abordagem do fazer cartográfico, segundo (FONSECA & KIRTS, 2004), em que “cartografar seria um dispositivo de crítica ao instituído e de promoção de seu próprio desviar-se”, cuja abordagem visa dotar o indivíduo enquanto uma potencialidade clínica.

Vasconcelos de Almeida (2005) coloca a clínica enquanto produção de subjetividade e também produção de alegria. A alegria existente enquanto a obra de arte em si, um ser de sensação e que “ao encontrarmos essa alegria na experiência clínica ou literária é ara dela extrairmos os afectos e os perceptos”. E ainda completa “de um encontro clínico, é necessário desejar que ele produza vibrações. Que ele faça vibrar, corpo e encontro, e estamos a compor os espaços expressivos”.

Nesse aspecto, este estágio não se embasou em uma abordagem teórica enquanto modelo “engessado” para a atuação clínica, mas teve como referência a linha de pensamento esquizoanalítico, mais precisamente no modelo cartográfico, uma vez que não havia uma forma ou modo a ser seguido pelo estagiário. Seria apenas acompanhar o que era produzido no espaço da clínica, os movimentos do paciente/usuário, o que era construído numa relação de afetos entre estagiário e paciente, a partir daí o supervisor fazia algumas pontuações e sugestões, numa perspectiva de trabalhar o estagiário em si e não apenas o caso do paciente. Ainda sobre o trabalho da clínica, PASSOS E BENEVIDES (2008), afirma que:

...o trabalho da clínica é acompanhar os movimentos afectivos da existência, construindo cartas de intensidade ou cartografias existenciais que registrem menos os estados que os fluxos, menos as formas que as forças, menos as propriedades de si que os devires para fora de si.

Sendo assim, minha atuação na clínica, baseada na linha de pensamento esquizoanalítico (leitura e discussão de textos), deverá sempre tentar acompanhar esses movimentos afetivos do indivíduo, o que faz mover sua existência e procurar compreendê-lo não só a partir de sua forma, de seu estado, das propriedades de si, mas enquanto um ser ético-estético-político, atravessado por fluxos e forças. Ao mesmo tempo tentar ajudá-lo a se compreender enquanto indivíduo-e-o-meio.

04. Metodologia

Quanto ao estágio, este teve início no mês de agosto e término em Dezembro, uma vez que o supervisor responsável oferece supervisão aos estagiários até o mês de fevereiro do ano posterior, data provável para início das aulas e de uma possível nova supervisão.

No Serviço de Psicologia, foram acompanhados dois casos: de uma criança, 09 anos de idade, do sexo masculino e o de uma jovem adulta, do sexo feminino, 23 anos. Já no CAPS ad, foram acompanhados dois adolescentes: um de 15 anos e outro de 16 anos, sendo que o de 16 anos compareceu apenas a um atendimento. Tanto no Serviço como no CAPS ad, todos os encontros foram registrados em prontuários individualizados.

As supervisões aconteciam semanalmente, uma vez que o professor Ms. Valter dividiu a turma de estágio em três grupos em número de5 a6 alunos cada, pois segundo o mesmo, “facilita o acompanhamento e discussão dos casos”. Os textos disponibilizados pelo supervisor para embasamento teórico são todos da linha esquizoanalítico, mas como disse O próprio, “leiam de tudo e tudo o que puderem desde que percebam alguma utilidade para os atendimentos”.

  1. Desenvolvimento

 

5.1. Descrição dos casos

 

 

Caso 01: (atendido no CAPS ad)

Identificação: R.M., prontuário 0000.

Idade: 15 anos

Sexo: Masculino

Queixa: Usuário de múltiplas drogas, com comportamentos de rebeldia, uma vez que, segundo sua madrasta, passou a ficar fora de casa (morando na rua) por alguns dias.

Demanda: R.M., adolescente de 15 anos comparece ao CAPS ad acompanhado da madrasta para ser acompanhado pelo serviço enquanto usuário de múltiplas drogas, para tratamento. Durante o tratamento, R.M. permaneceu internadoem um Programa de Reabilitação para Crianças e Adolescentes (PAI), de cunho religioso e filantrópico.

Desde o primeiro encontro, R.M. não se mostrou motivado para o tratamento, indo apenas ao CAPS ad para acompanhamento psicoterápico e avaliação médica, dispensando qualquer atividade de grupo ou oficina terapêutica oferecidos pelo serviço.

R.M. veio da cidade de São Paulo há 01 ano, passando a morar com seu pai e sua madrasta em Vitória da Conquista, desde então.Em São Paulo, sempre morou com sua mãe, uma vez que esta veio a falecer, quando ele ainda tinha 09 anos de idade. Após a morte da mãe, passou a morar com seu tio, onde residia a esposa do tio e seus dois filhos. R.M relata que foi a partir desta data que passou a fazer uso das Substâncias Psicoativas (SPA’s), iniciando pelo tabaco, maconha em seguida e um pouco mais tarde, outros tipos de drogas.

Em seu discurso, afirma que “tinha muita liberdadeem São Paulo”, pois vivia nas ruas, praticava atividades ilícitas com outros amigos que também viviam na rua e foi através destes que “aprendeu a viver”, diz ele, e que “sente muita saudade”.

Durante os atendimentos, que ultrapassou o número de oito encontros, foi possível perceber no enunciado de R.M. que este ainda não aceitara a morte de sua mãe, chegando a dizer que “ela era a coisa mais importante de minha vida”  e que sua vida agora havia perdido o sentido. Esse sentido para R. se tornou mais vazio quando diz que seus amigos substituíam a falta que sentia de sua mãe, pois seu pai trabalhava de caminhoneiro e também tinha outra família, por isso estava sempre ausente.

R.M relatou que não gostava de morar em Vitória da Conquista, pois achava as pessoa “metidas, individualistas” e que “não tinham bom gosto para nada...música, essas coisas assim, sabe?” (sic). Chegou a dizer que pensa em voltar para São Paulo e reencontrar seus amigos. Quanto a sua estadia na instituição PAI, dizia estar preocupado com a volta para casa, para a escola e para as sua vida aqui fora, pois tinha medo de voltar a usar, uma vez que não consegue ter certeza se vai deixar de usar ou não as SPA’s. Neste local, relata que não se sente a vontade por ter que conviver com “um monte de crianças e boiolas” e ter que encontrar “aquelas pessoas metidas a ricas da igreja nos fins de semana”, pois, como havia dito acima esta instituição é de ordem religiosa.

Análise e procedimento

            R.M é um adolescente que perdera sua mãe ainda muito jovem e o que se pode perceber é a falta da referência do pai que alega ser este muito ausente por conta do trabalho (caminhoneiro), e da mãe, que veio falecer quando ele tinha nove anos. Foi nos amigos de rua que este passou a buscar referência para sua vida, chegando a afirmar nos atendimentos que com eles “aprendera muitas coisas”.

Todo indivíduo passa por fases de desenvolvimento enquanto ser humano, com suas necessidades e prioridades para cada fase, como por exemplo, nos primeiros meses de vida, ainda bebê, necessita de cuidados básicos para sobreviver como alimentação, cuidados de higiene e de proteção, uma vez que essa independência perdura até os primeiros anos de vida. Já na adolescência, principalmente na pré-adolescência, o indivíduo começa a se perceber enquanto ser capaz no mundo, capaz de tomar algumas decisões, de realizar algumas atividades sozinho, mas também se dá conta de que precisa de pessoas que lhe são referência. Como aconteceu no caso de R.M, por exemplo, pois como coloca AFONSO (2006),

É no grupo que o sujeito humano se reconhece como participante de uma sociedade, inserido em uma teia de relações e papéis sociais, e é por meio dos grupos que constroem suas vidas. Estes grupos estão organizados no nosso cotidiano como a família, os amigos, o grupo de trabalho dentre outros.

Neste aspecto, o que se pode inferir é que o uso de SPA’s por R.M pode ter sido apenas uma consequência do contexto social ao qual este passou a vivenciar.

No caso de R.M, as intervenções foram apenas dentro do discurso do mesmo, uma vez que no enunciado dele não havia  uma busca de direcionamento para sua vida, apenas relatos de fatos que lhe afetaram e que lhe trazem algum sentido. Não restaria outra ação se não acompanhar esses relatos e devolver ao usuário que relevância teria para sua vida, tirando o foco da demanda que seus pais apresentaram, uma vez que difere da qual R.M apresentava nos encontros.

Caso 02: (atendido no CAPS ad)

Identificação: A.J., prontuário 0000.

Idade: 16 anos

Sexo: Masculino

Queixa: Usuário de múltiplas drogas, que segundo relato da mãe tem apresentado comportamento compulsivo por sexo desde criança, mas que passou a ficar agressivo e a morar na rua, o que a fez a solicitar ajuda do Conselho Tutelar. Assim, A.J veio encaminhado deste órgão e no momento internado em uma comunidade terapêutica para recuperação de usuários de drogas - Cristo Liberta.

A.J. morava com sua mãe e mais dois irmãos, sendo que nos últimos dias passou a morar nas ruas e segundo relato da mãe, passou quatro dias desaparecidos, morando nas ruas, fazendo uso de SPA’s e praticando atividades ilícitas para permanecer na rua e no uso de drogas.

No primeiro e único encontro, A.J relatou que gostaria de morar com sua mãe, pois ela acabara de mudar de cidade por conta de trabalho (empregada doméstica) e esta dormia no trabalho, deixando-o com sua irmã. Neste dia, A.J também relatou que gostaria de mudar de vida, parar de usar drogas e voltar para casa, gostaria de ser ajudado, mas não estava gostando da forma que estavam lhe ajudando, muito menos do local em que lhe “internaram”.

Análise e procedimento

Apesar de termos tido apenas um encontro, é possível inferir que A.J apresentava demanda para psicoterapia, pois este chegou a afirmar que necessitava de ajuda, mesmo contrariado com a que já vinha recebendo. No enunciado de A.J foi possível perceber também sua insatisfação com as escolhas que fizeram para ele, deixando a entender que não permaneceria na comunidade terapêutica, como de fato, na semana seguinte que haveria mais um encontro, A.J não compareceu no CAPS ad e ao fazer a busca ativa (procurar entrar em contato com o usuário ou responsável), fui informada de que este havia “fugido” da comunidade terapêutica.

Antes de iniciar o atendimento a A. - como o primeiro encontro é considerado apenas uma escuta - foi feita uma prévia leitura sobre compulsão sexual, sendo que, havia grande possibilidades deste usuário sofrer deste tipo de transtorno, e ainda em uma linguagem psiquiatrizante, ABDO & SCANAVINO (2008), no Manual do Transtornos do Controle dos Impulsos, diz que

 Os comportamentos compulsivos estão relacionados a déficits intrínsecos dos sistemas que regulam os afetos: o motivacional, o de recompensa e o da inibição do comportamento, respectivamente associados a desajustes nos sistemas noradrenérgico, domaninérgico e serotonérgico (p.106).

É como se a compulsão fosse apenas uma alteração biológica funcional. Mas, estes autores ainda complementam com a colocação de Goodman (2005), o e tenho que concordar que, “as alterações nos opióides endógenos (endorfinas) poderiam exercer influência sobre todos esses sistemas” (citados acima).

Já numa perspectiva psicodinâmica, este comportamento seria uma consequência da má relação da mãe com seu filho, ou falta de responsividade com este nos primeiros2 a3 anos de vida, uma vez que a relação mãe-bebê se deu de forma egoísta, em que a mãe teria utilizado dos sentimentos próprios não para atender as necessidades do seu filho, mas as suas próprias de forma narcísica.

Devido ao pouco contato, se tornou impossível pensar em uma prática clínica adequada ao caso de A.J,  sendo que numa perspectiva eaquizoanalítica, a clínica é o espaço de construção de sentidos e o papel do terapeuta não seria de interpretar o mundo do outro, mas experimentar aquilo que lhe afeta, e isso só é possível na relação de terapêutica feita de encontros e afetações.

Caso 03: (Serviço de Psicologia)

Identificação: G.Y., prontuário 000

Idade: 09 anos

Sexo: Masculino

Queixa: Segundo relato da mãe, G.Y tem apresentado agressividade, irritabilidade, desobediência e comportamentos infantis, como fazer xixi na cama todas as noites e ciúmes do irmão, principalmente dos brinquedos. Queixa-se ainda que seu filho tem um problemas de bronquite e isso a leva pensar que esses comportamentos é por conta da doença.

Demanda: G.Y é o primeiro de dois filhos do casal, com uma diferença de três anos do seu irmão. Após uma escuta com a mãe da criança, esta relata que nunca teve reclamações da escola quanto ao comportamento do filho, e ele fica agressivo e irritado apenas com os pais e ás vezes com seu irmão mais novo. Aos dois anos de idade, ele já tinha o controle dos esfíncteres, mas com a chegada do irmão, aos dois anos e oito meses, G.Y voltou a fazer uso de fraldas, perdurando até os dias atuais. Esta ainda afirma “que sempre procurou dar o melhor para seus filhos, aquilo que não tinha quando criança”, como boa educação, brinquedos, conforto e afeto, mas ainda assim se diz perdida por não saber lidar com os comportamentos do filho mais velho, uma vez que ela percebe não lhe faltar nada. Esta relatou que já foi em alguns médicos para investigar se há alguma doença para o caso do seu filho, sem respostas, encaminharam-na para acompanhamento psicológico.

G.Y fala que gosta de ir a escola, brincar com os colegas, principalmente com meninas.  Afirma ter boa relação com os professores e amiguinhos, dizendo que só não gosta quando seu irmão ganha um brinquedo e ele não e quando seu irmão “pega suas coisas e não tem cuidado”. Relatou que seus pais lhe prometeram várias coisas para ele parar de fazer xixi na cama, bem como algumas punições, mas que mesmo assim, ele não consegue. Outro fato é que G.Y diz gostar muito de novelas e ás vezes chega a dormir até a meia noite assistindo TV, mas que nem sempre seus pais conseguem fazer com que ele desligue e vá dormir. Relatou ainda que seu pai troca sua fralda todos os dias pela manhã na cama para ele não acordar, mas que ele vê tudo.

Refere receber atenção e carinho por igual tanto do pai quanto da mãe, comparando com seu irmão, só não quando o assunto é brinquedo, pois acha que deve ganhar os mesmos brinquedos que o irmão por ainda ser criança.

Análise e procedimento

Nos primeiros atendimentos, G.Y explora os brinquedos, o ambiente, demonstra boa interação e interesse em continuar indo ao serviço. Nas brincadeiras, nas conversas G.Y não apresenta nenhum comportamento anormal, considerando os transtornos de personalidade e de comportamento dentro do DSM-IV e CID-10, mas apenas uma dificuldade de relacionamento com os pais, pois quando solicitei-lhe que relatasse uma cena entre eles e seus, em que ele apresentasse tais comportamentos relatados pela sua mãe, ele demonstra uma comportamento infantilizado como dissera a mãe, ao mesmo tempo que se pode perceber que esse comportamento é reforçado pelos mesmos. Por exemplo, quando G.Y diz querer algo e estes lhe confere um não de primeira instância, ele diz fechar a cara, faz que vai chorar e começa a se balançar e bater os pés no chão, após alguns minutos de discordância seus pais lhe dá aquilo que quer.

Como se pode perceber G.Y não se hesita em falar de seu comportamento, chegando até a dizer que não acha correto o que faz, mas foi a única forma que encontrou para ganhar as coisas dos pais, principalmente brinquedos.

Alguns encontros aconteceram com a presença da mãe, outros foram com a presença do pai e um com a presença do pai e do irmão. Nestes encontros foi possível perceber que G.Y ainda recebe um tratamento infantilizado pelos próprios pais, coloca-o como um bebê frágil, doente que precisa ser observado em tudo o que faz, não tem responsabilidade sobre seus atos. Assim, percebe-se também a falta de autonomia conferida a G. e isso o faz ficar irritado em muitas situações, como coloca o próprio paciente.

Nos encontros através dos jogos foram trabalhados regras, limites, competitividade e algumas maneiras de lidar com frustração. Considerando o modelo cartográfico, onde o indivíduo é um ser potencialmente criativo e como propõe o próprio Deleuze, “a clínica enquanto espaço de criação e resignificação existencial”, G.Y teve a oportunidade de desenvolver atividades que lhe foram conferidas autonomia, como a criação de fantoches, de bonecos, desenhos e histórias através de fantoches _histórias criadas por ele mesmo. Até mesmo o pagamento das sessões passou a ser feitas por G. e o dinheiro era sua própria mesada semanal. Nesse último caso, perguntei-lhe se isso lhe incomodava, ele respondeu que não se importava, mas que gostava de ir aos atendimentos.

Não se pode negar a importância de oferecer o espaço da clínica como um espaço diferenciado daquilo que se vivencia diariamente, e por alguns momentos G.Y perdia-se em si mesmo, nas suas criações que até se esquecia que usava uma “toalhinha” para secar a coriza que escorria do seu nariz. Houve momentos que ele se esquecia completamente de suas limitações e ligava o ventilador da sala, uma vez que sua mãe recomendara para não ficar em frente do mesmo por conta da bronquite e da alergia.

            Por três vezes foram feitas algumas devolutivas parciais, pois segundo ANCONA-LOPEZ (1987) a devolutiva parcial se faz importante, uma vez que os pais ou responsáveis acompanham mais de perto o que está sendo realizado nas sessões e o que está acontecendo com relação a queixa e a demanda, facilitando assim o prosseguimento da psicoterapia.

Nas devolutivas, foi necessário ouvir os pais sobre o que estes esperavam do acompanhamento psicoterápico, suas principais dificuldades em lidar com G.Y e como estes avaliaram os encontros que tivemos junto com o paciente. Estes disseram poder contar em ver seu filho menos agressivo e mais obediente, sem contar com uma explicação para o fato de fazer xixi na cama até essa idade, dizendo ser isso anormal, uma vez que o outro filho mais novo deixou de usar fraldas desde os dois anos e meio.

Afirmaram ter uma certa dificuldade em lidar com G., impor limites e regras, e de conversar com o filho, certos que o comportamento dele só ocorre com eles, sendo uma maneira que encontrou para lidar com os pais, ou seja, compreenderam que o comportamento de G. é também consequência da forma como eles procuram lidar com o filho.

Durante as sessões, que chegou a ultrapassar o número de 15 encontros, o que me impressionou neste caso, particularmente, por ser o primeiro atendimento a criança, é que o indivíduo se constitui enquanto um ser coletivo, produzido nas relações sociais, familiares, ou seja, há um processo de formação que independe de só alguns aspectos, mas vários. Isso corrobora com o que tenho visto nas disciplinas de psicologia social, e as pesquisas sobre representações sociais.

Caso 04: (Serviço de Psicologia)

Identificação: A.S., prontuário 000

Idade: 23 anos

Sexo: Feminino

Queixa: Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) que iniciou aproximadamente há dois anos, sintomas depressivos, pensamentos de pedofilia, desejos homossexuais, e alteração da senso percepção por alguns momentos.

Demanda: A.S compareceu ao primeiro atendimento e foi feita uma escuta sobre suas queixas e ela afirmou que as alterações de senso percepção, pensamentos de pedofilia e o desejo homossexual (como refere, por ter sido apenas um momento em sua vida e por uma colega de sala no ensino médio), desapareceram, conferindo-lhes como “problemas espirituais”. Sua preocupação no momento seria em como lidar com o TOC, pois este teria se tornado cada vez mais intenso e freqüente, chegando a interferir em algumas que ela as consideram importantes, como em perder aula por chegar atrasada. Neste caso, a paciente procurou o serviço por conta do Transtorno e afirmou estar sendo acompanhada por um psiquiatra e fazendo uso de Fluoxetina, porém, por ser dependente financeira do pai, gostaria de substituir as consultas com o psiquiatra pela psicoterapia.

Com este relato de A.S, é possível perceber que a atuação psiquiátrica tem se configurado cada vez mais em uma atuação farmacoterápica apenas. É o que coloca Birman (1998), em seu texto A psicopatologia na pós-modernidade, sobre as mudanças terapêuticas nos últimos dias:

...a medicação psicofarmacológica pretende ser a modalidade essencial da intervenção psiquiátrica. Em conseqüência disso, a psicoterapia tende a ser eliminada do dispositivo psiquiátrico, transformando-se num instrumento totalmente secundário face à intervenção psicofarmacológica. A psicoterapia passa a ser representada como uma peça de museu, sendo colocada como periférica no dispositivo psiquiátrico da atualidade.

Foram apenas três encontros com a escuta,em que A.falou um pouco da sua relação com a família (o pai a quem deu mais ênfase), da sua relação com os colegas de faculdade, com os professores e dos relacionamentos que tiveram, sendo que não conseguiu romper totalmente com nenhum deles, afirmando que já contava com oito caso e mantinha contatos com todos, alguns até relações sexuais.

Nos dois últimos encontros, A.S. falou quase que todas as sessões sobre seus relacionamentos, e o interessante é que cada um tinha sua peculiaridade que, segundo ela, “a mantinha presa”. Ao mesmo tempoem que A.pedia orientação para aprender a lidar com seus namorados, dizia que “não confiava em nenhum homem e que todos são iguais” (sic).

Análise e procedimento

Com apenas três encontros, tornou-se inviável fazer uma análise mais concreta sobre o caso de A.S, pois para se obter maior compreensão do indivíduo, de como este se relaciona com as pessoas e com o mundo seria necessário mais encontros, até mesmo por que houve pouco contato para considerar o estabelecimento, uma vez que para tal não é necessário tantos encontros, mas a confiança talvez sim.

A relação que A.S estabelece com as pessoas dá a impressão de controle, domínio e quando ela consegue esse controle, perde o sentido em manter essa relação. Como aconteceu com um dos seus namorados, pois segundo ela, após ir para a cama com ele, ficou apaixonado e sempre que quer ele aparece, mas segundo a mesma, “não tem mais nenhum interesse nele”.

Outra tipo de análise que se pode tirar deste caso é que, a expectativa de A.S quanto ao atendimento seria aprender a lidar o TOC, pois já fizera acompanhamento psicológico com uma profissional e segundo ela, “ajudou bastante”. Mas ao oferecer a escuta, acompanhando apenas os movimentos da paciente, esta se esqueceu que tinha TOC e que fora ao serviço procurar ajuda para este transtorno. O que pode-se inferir é que a sociedade muitas vezes está engessada pelo saber biomédico que tentam resumir sua existência em ter ou não saúde, ser ou não uma pessoa “normal”, distanciando assim de do que lhes trazem sentido na vida.

Caso fosse dar continuidade ao atendimento a A.S, sendo que a mesma deixou de comparecer ao serviço, assim como nos primeiros encontros, acompanhar os movimentos da paciente, realizando intervenções de acordo as necessidades que fossem surgindo no enunciado de A.S, seria um dos primeiros passos. Como não houve mais encontros, não se pode inferir qual a maneira ideal para realizar esse acompanhamento terapêutico, uma vez que no discurso de A. foi perceptível uma carga de preconceitos e saberes fundamentados no senso comum e ás vezes em práticas engessadas pelo positivismo, como o saber psiquiátrico.

06. Considerações Finais

Pensar a prática clínica, às vezes parece algo muito fácil ao mesmo tempo ela se torna bem complexa. Foi essa sensação que tive ao me deparar na prática com alguns casos na clínica, e é por conta disso que o espaço da clínica é sim um momento de criação de sentidos, seja para o paciente em si, seja para o próprio terapeuta, momento de resignificação que pode ser compreendida apenas na relação, através dos encontros. Por isso que o nosso supervisor Valter Rodrigues pouco se interessava pelo caso do paciente, mas sim pelo que cada encontro significava para o estagiário, o que ele poderia compartilhar daquilo que lhe afetou. Pois, como bem coloca Deleuze (apud BENEVIDES & PASSOS, 2008), “o afeto remete a passagem de um estado a outro, tendo em conta a variação correlativa dos corpos afetantes” (p.90).

Quanto ao Serviço de Psicologia, sendo este o primeiro semestre a estagiar no local, é perceptível ainda, infelizmente, uma instituição direcionada para uma prática clínica ultrapassada, onde em cada sala comporta uma mesa com uma cadeira de um lado e mais uma a duas do outro lado, subtendendo que o psicólogo é o dono do suposto saber. Não é muito diferente da estrutura no CAPS ad (as salas de atendimento), portanto, pelo fato da instituição de ensino estar de adequando à Nova Psicologia, mais social – voltada mais para a uma prática clínica moderna – não condiz com o que venho aprendendo com o corpo docente da faculdade. Neste caso, há um certo descompasso com o que nos ensinam e a prática da instituição.

Outro fato que me afetou neste estágio foi a forma como o estagiário encontra sua demanda, ou melhor, marca os atendimentos com seus pacientes no serviço. Houve situações em que dá a entender que o estagiário se torna obrigado a procurar seu paciente, a justificar por ele caso ele não queira mais ir aos atendimentos. Fato esse vivenciado durante as supervisões, não por conta do supervisor, mas por conta das normas do serviço que o aluno teria que se adequar, caso contrário levaria advertência da coordenação do serviço.

Pelo curto período de tempo para estágio, deu pra perceber que cada caso é único e que nem sempre, enquanto profissionais, estamos preparados para lidar com a subjetividade do outro. Por isso, estar sempre em terapia ou mesmo sempre buscar, quando possível, orientações com profissionais mais experientes é uma forma de respeito para com o paciente e para si próprio, afinal também somos seres subjetivos que afetamos e somos afetados a cada encontro e a todo instante. Essa percepção mais aguçada foi possível após os encontros de supervisão, uma vez que o professor Valter, não se sobrepondo ao estagiário, nos incitava a refletir sobre nosso fazer clínica, para onde estávamos indo, onde iríamos chegar e para que estávamos fazendo?

Este estágio, assim como nos demais, fora único e rico em experiências, mesmo que as insatisfações com a instituição, sua forma engessada de “mecanizar” tudo, mesmo por que ela também tem que se adequar a normas e regras do “Senhor Ministério da Educação”, mas ainda assim, foi uma realização pessoal.

Sem mais, obrigado a todos que cooperaram para a minha formação profissional!

                                                   

07. Referências bibliográficas:

ABDO, C.H.N; & SCANAVINO, M. de T. Compulsão Sexual: In.: Abreu, Cristiano Nabuco de: Tavares, H.; Cordás, T.A. (Orgs.) – Porto Alegre: Artmed, 2008.

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AFONSO, Maria Lúcia M. (org). Oficinas em Dinâmica de Grupo: um método de intervenção psicossocial. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2006.

PASSOS & BENEVIDES: Passagens da Clínica. In: JÚNIOR, A. M.; KUPERMAN, D. e TEDESCO (orgs.) : Polifonias: Clínica, Política e Criação. Rio de Janeiro- Revan, 2008. 

FONSECA, T.M.G. & KIRST, P.G. O Desejo de Mundo: Um olhar sobre a Clínica. Ver. Psicologia & Sociedade; 16 (3): 29-34; set/dez, 2004.

Vasconcelos de Almeida, B. Alegria de Segundo Plano. Versão modificada do texto base utilizado para apresentação da dissertação de mestrado intitulada Cartografias da Alegria na Clínica e na Literatura, defendida em maio de 2005, na PUC de São Paulo.

Birman, Joel. A Psicopatologia na Pós-modernidade: As alquimias no mal-estar da atualidade. Conferência realizada em Paris, na instituição La Psychanalyse Actuelle, em 5 de fevereiro de 1998. Revista Latino-Americana de Psicopatologia fundamental.

ANCONA-LOPEZ, Marília. Avaliação da Inteligência I – Temas básicos de psicologia, Editora Pedagógica Universitária, 1987.