RELATO AO PSICANALISTA
Paciente: André Luis Porto, 42.

Quando me vejo diante do trabalho, por mais fácil que este seja não tenho a menor vontade de fazê-lo e na maioria das vezes não os realizo, ou os adio ao máximo, chegando ter atrasos perigosos.

Sempre que me vejo diante de um problema tenho vontade de desistir de tudo e sair correndo sem olhar para traz, mas como não posso fazê-lo só me resta uma série de sensações ruins.

Quando estou acordando, saindo do sono lentamente e retomando a consciência, tenho sempre uma sensação de desespero em pensar nos problemas que terei que enfrentar e acordo de sobressalto com taquicardia. Quando já estou plenamente acordado este desespero já diminuiu, restando agora uma angústia profunda. Isto ocorre sempre quando tenho problemas não resolvidos, ou mesmo em qualquer problema que demande meu esforço. Tenho dificuldades para dormir.

Esta angústia também se apresenta durante o dia, quando me deparo com trabalhos mais complexos ou de difícil solução, onde verifico o aumento da freqüência respiratória e cardíaca, sentindo pulsar o coração em meu pescoço, com rubor facial, sudorese no rosto e na palma das mãos e uma inquietação desesperadora. Da mesma forma que esta sensação se apresentou ela desaparece imediatamente quando o problema se resolve. A intensidade desta sensação ruim é diretamente proporcional ao tamanho do problema, mas meu semblante perante os outros é sempre de tranquilidade.

Quando me deparo com problemas menores, cotidianos, a sensação é apenas de total falta de vontade em resolvê-los, com sonolência e se não for possível delega-los desisto dos mesmos sem pensar nos riscos.

Rezo para que não apareça nenhum trabalho ou problema que demande meu esforço, pois me sinto sem nenhuma energia para solucioná-lo. Tento delegar ao máximo minhas tarefas, mesmo perdendo oportunidades e lucros. Quando ouço o telefone celular tocando fico ansioso, torcendo para não ser um problema que terei que resolver.

Sou taxado de pessimista em minhas análises das situações e acredito que esta visão seja fruto da contaminação por este mal estar. Tomar decisões é extremamente difícil, pois acredito que qualquer das decisões vai levar a um problema maior ou ao fracasso absoluto. Tenho várias de minhas decisões adiadas, por um medo absoluto de arriscar.

Quando sou criticado nunca respondo, nem me defendo, diferentemente do que acontecia antes, mas é certo que a crítica me destrói por completo, fazendo-me desistir do combate.

Sou tomado todos os dias por uma sensação da mais completa impotência, falta de forças, acreditando que sou o mais incompetente dos seres humanos e em outros dias simplesmente não sinto nada disso, passando muito bem. Isto normalmente ocorre quando não tenho problemas para resolver e não há falta de dinheiro.

Não permito que todas estas sensações sejam percebidas por outras pessoas, pois evidenciaria uma fraqueza que poderia me prejudicar muito e tento maquiá-las ao máximo, agindo como um ator, interpretando alguém que não sou eu.

Quando assisto aos telejornais, viajo, leio revistas, fico imaginando o quão competente e empreendedor é aquele outro, tão diferente de mim que ao me imaginar no lugar dele tenho a nítida sensação de que iria ser um desastre, por pura incompetência, por absoluta falta de vontade e por medo de arriscar.

Fujo sempre para os amigos que conseguem me fazer gargalhar entre conversas sobre amenidades ou a realização de sonhos impossíveis, como uma viagem de veleiro para outro continente, comprar um conversível, etc... Mantenho-me na maioria das vezes calado, apenas ouvindo e gargalhando, pois sei que não conseguirei comprar um conversível ou pilotar um veleiro. A internet é outra fuga, onde navego buscando fotos de paisagens, site de compras, viagens, variedades, aventuras, belas garotas, dentre outras amenidades, visando sempre assuntos muito distantes do meu trabalho.

Quando estas fugas (amigos, internet) não se apresentam interessantes, por algumas poucas vezes fiz uso de antialérgicos que dão sono, pois não consigo beber álcool e nem usar calmantes. Durante o dia, quando os problemas se mostram de difícil solução sou tomado por um sono angustiante, quase letárgico, uma vontade de apagar, cair na cama pra não ter que viver o problema e nesta circunstância sinto também meu ritmo psíquico e motor diminuírem.

Nos períodos em que estas sensações ruins se apresentam com maior intensidade minha memória fica bastante prejudicada, interferindo negativamente em meu desempenho profissional.

Nunca fiz uso de drogas ilícitas nem de bebidas alcoólicas, apenas faço uso de medicamentos com a devida indicação médica, sem relação com calmantes ou antidepressivos ou outros medicamentos desta linha. Minha sexualidade está muito bem resolvida sendo heterossexual, pois nunca tive qualquer interesse pelo mesmo sexo, sendo que esta sensação ruim em nada se relaciona com a minha sexualidade. Tenho relações normais com minha(s) parceira(s).

É muito difícil expor este assunto, pois este relato soa como pura preguiça e que esta é apenas vontade de não trabalhar e de ficar com os amigos debatendo amenidades, ou navegando na internet, coisa de malandro. Por esta razão não posso procurar ajuda, pois não teria coragem de relatar isto a ninguém, restando então uma sensação de solidão absoluta.

Nada me faz completamente feliz e meu sonho é apenas não ter nenhum problema para resolver. A música já não me agrada, ler é cansativo, viajar não me satisfaz, o sexo é bom, mas não tem nada de novo, não tenho vontade de comprar nada, nem de fazer nada, apenas de dormir. No passado recente adorava tudo isso com paixão. Não tenho para onde correr e vivo me contentando em nada fazer para não sofrer, correndo os riscos deste ato decorrentes.

Como mudo tudo isso? Como sobrevivo assim tão desestimulado?