I – Apresentação e Justificativa do Tema 


Nas ações de investigação de paternidade em que a sentença fez coisa julgada material, o ordenamento jurídico permite que esta possa ser rescindida até dois anos após a data do trânsito em julgado.

Esgotado este tempo, ela torna-se imutável, atributo este, criado como forma de se garantir a segurança jurídica entre as partes. Por um lado, pretende-se demonstrar que, dia após dia, a medicina tem evoluído de maneira inquestionável em todos os seus ramos, notadamente no que diz respeito aos exames realizados para comprovação da paternidade, como no caso do exame de DNA. Com relação a este, serão ressaltados aspectos pertinentes ao seu grau de certeza, bem como o seu valor probatório no âmbito judicial.

Por outro lado, pretende-se tratar do instituto da coisa julgada material, sua finalidade, seu conceito, limites objetivos e subjetivos, regime de revisão típico, qual seja a ação rescisória, e fundamentos de legitimidade de acordo com nossa Constituição Federal.

Por fim, será analisado o conflito existente na abordagem da evolução científica versus segurança jurídica, nas hipóteses dos processos findos em que haja coisa julgada material, em que realizado o exame de DNA este deixar comprovado de maneira inequívoca à inexistência da paternidade.

Assim, se trará neste contexto à discussão acerca da possibilidade de relativização da coisa julgada material, de modo que, embora prevista constitucionalmente como um direito fundamental, não pode ser entendida de modo absoluto, notadamente quando em confronto com o princípio do acesso à ordem jurídica justa, bem como da dignidade humana.

Não há como negar o caráter multidisciplinar que deve possuir o direito, enquanto ciência. Os avanços que ocorrem em todos os âmbitos da ciência fazem com que o direito também sofra a repercussão que tais mudanças provocam em um contexto social e jurídico.

Nesta abordagem, é inequívoca a impossibilidade de que o legislador possa prever todos os avanços científicos quando da elaboração das leis, fazendo com que ocorra muitas vezes um desencontro entre esta e os avanços científicos.

Exemplo notório é o surgimento no ano de 1980 do exame pericial de DNA, que tem uma probabilidade de certeza de mais de 99,99 por cento, o que trouxe um grande avanço científico na forma de se provar a paternidade.

Ocorre que muitos processos foram julgados antes do surgimento do exame de DNA, portanto os meios de prova que foram utilizados não possuem o mesmo grau de eficiência e certeza. Assim, referidos processos já fizeram coisa julgada material, instituto jurídico instituído pelo ordenamento com o objetivo de estabelecer a segurança jurídica que sempre foi vista como imutável.  

É certo, porém, que o ordenamento jurídico deve se utilizar dos avanços da ciência não podendo passar despercebidos às novas tendências, sob pena de haver injustiças no caso concreto.

Atualmente, realizando-se o exame pericial de DNA e estando comprovado de forma inequívoca à inexistência do vínculo da paternidade, é necessário que o instituto jurídico da coisa julgada material possa ser revisado para que a sentença atinja seu objetivo, qual seja a Justiça.

Não se admitir tal possibilidade, causa um grande retrocesso no âmbito social, uma vez que se afronta o princípio da dignidade humana, tanto com relação ao suposto pai quanto com a criança que tem o direito de saber quem é seu verdadeiro pai, bem como o fato de que ambos têm direito a um julgamento justo.

            Assim, é justa a discussão acerca da modificação dos limites e meios de alteração da coisa julgada material, diante da eficácia do meio de prova que é o exame de DNA.

 

II – Revisão Bibliográfica

 

 

Tratar das hipóteses de relativização da coisa julgada nas ações de investigação de paternidade na atualidade significa grande mudança neste instituto que até bem pouco tempo, foi visto como algo intocável.

É certo que não se pode defender uma total mudança no ordenamento, mas apenas sua reformulação com o intuito de ter uma efetividade do processo. Entretanto, diante da realização do exame pericial de DNA com probabilidade de certeza de mais de 99,99 por cento, manter a sentença que declarou que o autor não é filho do réu (ou o inverso), sendo que o exame demonstra o contrário, não é justa, tem que ser passível de revisão.

Neste contexto, é a doutrina de Luiz Roberto de Assumpção:

 

“No caso de investigatória de paternidade, enquanto uma sentença, proferida antes de ser a tipagem do DNA, era destituída de comprovação científica da verdade biológica da paternidade, hoje passa a ter um embasamento científico, desde que aceita a perícia como idônea, a partir de uma avaliação interdisciplinar. Daí a possibilidade, em ações de investigação de paternidade, de se revisitar um julgado no qual não se tenha utilizado do critério científico na apuração da verdade para torná-lo cientificamente seguro, isso porque a sentença proferida pode ou não coincidir com a verdade real, dada a sua estabilidade jurídica como fruto da persuasão íntima do julgador, e não como uma convicção científica.” [1]

 

Embora a questão da relativização da coisa julgada material esteja intimamente relacionada ao princípio da segurança dos atos jurisdicionais, não é a mais adequada ao momento em que vivemos. Atualmente, busca-se uma maior efetividade dos comandos constitucionais.

Além disso, os direitos fundamentais não são absolutos. Neste sentido são também os ensinamentos do professor Luís Roberto Barroso (2004, p 172), argumentando que “[...]o princípio da segurança jurídica, como os princípios em geral, não tem caráter absoluto[...]” [2]

Este também é o pensamento do autor Candido Rangel Dinamarco, para quem:

 

 “Não há nenhuma garantia sequer, nem mesmo a da coisa julgada, que conduza invariavelmente e de modo absoluto à renegação das demais ou dos valores que elas representam. Afirmar o valor segurança jurídica (ou certeza) não pode implicar desprezo ao da unidade federativa, ao da dignidade humana e intangibilidade do corpo etc. É imperioso equilibrar com harmonia as duas exigências divergentes, transigindo razoavelmente quanto a certos valores em nome da segurança jurídica, mas abrindo-se mão desta sempre que sua prevalência seja capaz de sacrificar o insacrificável; é preciso repudiar certos preconceitos residentes em dogmas cultuados irracionalmente e projetados em interpretações radicais ou superadas dos princípios e garantias constitucionais do processo.” [3]

 

Aliás, é inegável que não admitir a possibilidade de revisão da coisa julgada material nas ações de investigação de paternidade que apontou uma determinada pessoa como sendo o pai de uma criança, fato futuramente reputado como falso, em razão de exame superveniente de DNA, ocorrerá afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana, haja vista que há interesse de se saber ao certo quem é o verdadeiro pai da criança.

O princípio da dignidade da pessoa humana é conceituado por Alexandre de Moraes como:

“Um valor espiritual e moral inerente a pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar.” [4]

 

O filho tem o direito de saber quem é o seu pai, sob pena de ter sua dignidade ofendida. O direito de filiação é um direito constitucionalmente protegido, decorrente do princípio da dignidade da pessoa humana e possui características peculiares como a indisponibilidade, irrenunciabilidade, impenhorabilidade entre outras.

Deste modo, restando conflito existente entre os princípios da segurança jurídica e da dignidade da pessoa humana, devem ser resolvidos em favor deste último, tendo em vista o direito fundamental de qualquer ser humano em ver reconhecida sua verdadeira filiação.

 

 

III - Objetivos

 

 

Objetivo Geral

 

 

Demonstrar a necessidade de relativização da coisa julgada material frente ao exame de DNA, para fins de investigação de paternidade.

 

 

Objetivo Específico

 

 

- Expor o exame pericial de DNA, enfatizando o seu grau de certeza no resultado e sua importância como meio de prova judicial;

- Tratar dos aspectos da coisa julgada material;

- Possibilitar a relativização da coisa julgada material depois de realizado o exame de DNA;

- Investigar os tipos de ações que podem ser relativizadas;

- Analisar a possibilidade de que o exame de DNA seja utilizado para a resolução de processos que ficaram indefinidos em razão da insuficiência de prova para atribuir a paternidade ao réu.

 

 

 

IV - Problematização

 

 

Nesse âmbito da evolução da ciência confrontado com a segurança jurídica que surge os questionamentos:

  1. Nas hipóteses dos processos findos, que fizeram coisa julgada material, posteriormente, realizado o exame de DNA e restando comprovado à inexistência do vinculo genético da criança com o suposto pai, é possível e viável a relativização desse instituto da coisa julgada material?
  2. O ordenamento jurídico, levando em conta o fato de este instituto estar previsto constitucionalmente como um direito fundamental, deve entendê-lo de modo absoluto ou diante da realização do exame de DNA, que tem uma probabilidade de certeza de mais de 99,99 por cento, deverá possibilitar que a coisa julgada material seja revisada para que se tenha uma decisão justa?
  3. A relativização da coisa julgada só ocorrerá nos casos em que não ficou demonstrado que o réu era o pai da criança?
  4. Qual o valor do princípio da dignidade da pessoa humana nos parâmetros estruturais da relativização da coisa julgada?

 

V - Hipóteses

 

 

- A coisa julgada é sem dúvida um instituto de grande importância no mundo jurídico. Não há como contestar seu importante papel na realização da pacificação social.

-Diante do grau de certeza que possui o exame de DNA para a comprovação da paternidade é necessário que seja criado em nosso ordenamento jurídico uma ação que possibilite a desconstituição da sentença até mesmo após ter decorrido o prazo de dois anos da ação rescisória.

-Assim, especificamente nestes casos, deveria se entender que o exame de DNA trata-se de uma prova nova podendo ser argüido, com base no art. 485, inciso VII, do CPC, até mesmo após o prazo de dois anos da ação rescisória.

-Nem todas as ações de investigação de paternidade propostas antes da utilização do exame de DNA devem ser revistas. Deve haver realmente fato novo que gere dúvida concreta a respeito da paternidade juridicamente reconhecida. Não se pode, assim, querer desfazer a decisão já alcançada pela coisa julgada existente na avaliação da injustiça da decisão. Deve-se, contudo, perceber que a sociedade anseia por mudanças e o direito de família encontra-se sempre em constantes transformações.

- O direito fundamental relativo à coisa julgada não pode ser observado isoladamente. O princípio da dignidade da pessoa humana é o valor supremo da ordem jurídica e deve ser observado na interpretação das normas constitucionais. Da mesma forma, o direito fundamental da criança à dignidade, ao respeito e à convivência familiar deve ser considerado na solução da questão e no conflito entre este direito e o direito à coisa julgada, observando-se o princípio da dignidade da pessoa humana, a única solução aceitável é a que relativiza a coisa julgada, permitindo a reapreciação da paternidade nas ações em que não tenha sido excluída a mesma.

 

VI - Metodologia

 

 

Este trabalho foi elaborado por meio de documentação indireta, através da pesquisa na internet, documental e bibliográfica, pela análise de jurisprudência, legislação, livros, artigos, monografias, dentre outras fontes primárias e secundárias de documentos.

Além disso, utilizou-se o método dedutivo de abordagem. Para tanto, serão avaliadas as diversas hipóteses de relativização da coisa julgada recepcionadas pelo ordenamento jurídico brasileiro a fim de que se possa adequá-las à ação de investigação de paternidade. Também, uma abordagem dialética, em face de se buscar um equilíbrio entre a segurança jurídica do Estado Democrático de Direito e a flexibilização da coisa julgada, considerando-se, sempre, a dignidade da pessoa humana como elemento de justiça concreta. Como se busca um meio eficaz e apto a ser utilizado para relativizar a coisa julgada material, faz com que assuma também a característica de pesquisa exploratória.

Como método de procedimento empregou-se a pesquisa histórica e comparativa.

 

 

 

VII – Fontes e Bibliografia

 

 

a) Livros:

                

ASSUMPÇÃO, L. R. de. Aspectos da paternidade no Novo Código Civil. São Paulo: Saraiva. 2004.

 

BARROSO, Luís Roberto. O Controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2004.

 

DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a Coisa Julgada. Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, nº 55/56. São Paulo: Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, 2001.

 

MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. São Paulo: ed. Atlas, 2002.

 

 

 

 

 

 



[1] ASSUMPÇÃO, L. R. de. Aspectos da paternidade no Novo Código Civil, 2004, p. 137.

[2] BARROSO, Luís Roberto. O Controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 172.

[3] DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a Coisa Julgada. Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, nº 55/56. 2002, p. 188.

[4] MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. São Paulo: ed. Atlas, 2002, p. 215.