Efetivamente, o que Brian O'Reilly batizou de Web 2.0 não foi nenhuma revolução tecnológica, e sim uma mudança de comportamento individual e coletivo conseqüentemente, Jean Baudrillard (1997) já tinha profetizado o "fim do palco e da platéia" e o aparecimento de pessoas comuns, onde antes seria destinada às estrelas. Nesta perspectiva de Baudrillard (1997), o simulacro digital que vemos hoje, como as comunidades virtuais e sites de relacionamentos, onde o que imprimimos não precisa, necessariamente ser idêntico a realidade, constroem um novo mundo de possibilidades, por isso é tão sedutor e causador de tanta imersão das pessoas comuns. Nesse cenário de revolução e devir o que insurge são novos formadores de opinião, sem compromisso com agencias de notícias ou qualquer outro tipo de organização, nem uma formação ideológica ou política linear, as vezes nem intenções pacificas, apenas se apresentam como emissores, que agora tem o meio amplificado pela nova face da web. Wolton (2003) comunga destas mesmas idéias afirmando que, os meios de comunicação não criam revoluções, ao contrário, são utilizados como instrumentos pelos processos revolucioná­rios, então, onde antes seria a rua o alvo das multidões, hoje o mundo virtual se apresenta como um cenário perfeito para ataques, rebeliões e revoluções com a grande vantagem da amplitude que a internet proporciona, antes o agitador necessitava estar na rua, correndo riscos físicos, disponibilizando energia e coragem, hoje o mais frágil ou covarde indivíduo conectado, pode se tornar o mais perigoso dos rebeldes quando o alvo é a reputação e a imagem institucional.

Hoje é muito celebrada as possibilidades da Web 2.0 no âmbito dos negócios, e realmente, vários sites que compõem esse novo conceito, proporcionam facilidade e barateamento de custos, amplificam áreas de atuação e mercados, mas vários perigos se esconde por de trás desta nova realidade, da mesma forma que se estendem os braços e pernas da instituições, fazendo alusão as teorias de Mcluhan, seu telhados de vidro também se alargam amplamente, se tornando alvo fácil de ataques. Toda e qualquer instituição é falível e alvo de críticas e ataques, sendo de responsabilidade do departamento de Relações Públicas gerenciar essas crises, propondo ações de assessoria de imprensa, para aclarar com informações as agências de notícias, publicar informativos e esclarecer fatos e ocorrências, quando antes os jornais tradicionais eram o grande amplificador das falhas e erros institucionais, ficava mais pragmático e visualizável a montagem e manutenção um canal de comunicação, facilitando o entendimento, buscando a reafirmação da reputação e da imagem institucional, hoje como se faz se os formadores de opinião são múltiplos, multifacetados e desconhecidos?

Contracultura na cibercultura

A sociedade, segundo Freud (1929), impõe restrições e limitações, não apenas na sexualidade, mas também nas mais variadas formas de violência do indivíduo, então a civilidade limita a liberdade, significa trocar o prazer da liberdade pela segurança da sociedade. O simulacro que Baudrillard (1997) se refere, que é a hiper-realidade, propõe uma forma de liberdade que a sociedade priva e reprime, onde o individuo é livre para parecer quem não é efetivamente e livre para exteriorizar suas mais diferentes forma de violência.

No Brasil, mais de 60 milhões de pessoas acessam a internet, vinte vezes mais que a circulação de todos os jornais nacionais juntos e todas as revistas semanais juntas, daí se tem uma pequena noção da perigosa capacidade de volume da internet em promover um espaço oportuno aos que desejam liberar seus instintos recalcados e propagar e difundir escândalos, difamar e expor, isso porque qualquer um tem o poder e a qualidade de propagadores e produtores de informação, qualquer indivíduo on-line tem um blog, participa de alguma comunidade virtual, tem seu perfil em algum site de relacionamento e certamente tem uma longa lista de mailing. Não são apenas instituições que podem ter sua imagem corporativa destruída por uma ação inconseqüente, mas qualquer um que pode ser alvo e vítima de uma ação de vandalismo e ter sua intimidade apresentada distorcida mundialmente, aparentemente notícia ruim ou de cunho pessoal, tem muito mais procura e visibilidade, ampliando ainda mais a velocidade e o campo de alcance dessas, as vezes, inverdades, mas que certamente não narram o fato fielmente. Ultimamente está virando notícia nos jornais o que ocorre na web, casos sérios como a da empresas que perdem clientes e dinheiro por causa de ações antiéticas de concorrentes ou de indivíduos conectados sem compromisso com a verdade.

Essa realidade já trouxe a tona algumas empresas de monitoramento de mídias sociais, uma ajuda imprescindível às atividades de Relações Públicas, porém não são substitutas do efetivo olhar do Relações Públicas como zelador da reputação institucional, essas empresas monitoram o volume do BUZZ na rede, ou seja, o início dos processos da função panóptico, rastreiam e vigiam o que se fala e que se promove das instituições no mundo 2.0.

Vigilância e monitoramento

O panoptismo foi originalmente criado pelo filósofo e jurista Jeremy Bentham, que difundiu o utilitarismo, teoria essa que responde todas as questões acerca do que fazer, do que admirar e de como viver, em busca da maximização da felicidade, o panoptismo por sua vez seria uma forma privilegiada de olhar, uma vigilância que gera controle, ou seja um olhar vigilante e controlador sobre os corpos no espaço, através desta perspectiva, Bentham criou o panóptico, o conceito de um projeto arquitetónico que tem por fim vigiar e observar todos os prosineiros dentro de um centro penitenciário, seria uma forma mais econômica de vigilância, pois se utilizaria apenas de um guarda, que observaria os detentos dentro de um lugar estratégicamente localizada. OPanoptismo corresponde à observação total produzindo poder disciplinador na vida de um indivíduo, que tambem foi percebida por Foulcalt (1987) como promotor de uma "Sociedade Disciplinar", consistindo essencialmente um modelo de controle social por meio da reunião de muitas técnicas de separação, de vigilância, de monitoramento, de controle, que se rizomatizam pelas sociedades a partir de uma cadeia hierárquica vindo do poder central. Porém, podemos perceber o panóptico como uma nova forma de avaliar o ambiente virtual e assumir controle no espaço de liberdade total que a web produz, essa não é nenhuma afirmativa nova para a internet, um exemplo é que toda comunidade virtual que compõe a web 2.0, têm em suas ferramentas a opção de denunciar e posteriormente excluir aqueles que se apresentam imbuídos de má fé e conseqüentemente vinculam de forma negativa o nome destas comunidade virtuais que os hospedam.

O panóptico digital como nova ferramenta do Relações Públicas

Se percebemos a imagem e a reputação institucional como bens privativos, que merecem cuidados especiais por constituírem o ativo mais caro e precioso de uma instituição, se legitima a retórica do monitoramento digital mais combativo, isso para prevenir ou remediar há tempo hábil ações injustas e caluniosas que prejudiquem a reputação institucional na web, ou seja, o direito eqüitativo de cuidar do que lhe pertence.

Relações Públicas é uma atividade estratégica de monitoramento perene, a clipagem de notícias é velha conhecida dos profissionais de Relações Públicas, normalmente feita ciclicamente, buscando em todas as mídias tradicionais, regionais e nacionais o que se vincula de uma marca ou um instituição,porém este se apresenta de forma estática, ou seja, apenas busca a informação, cabe ao executivo de Relações Públicas processar os dados, produzir informações e assim rever ações de proteção ao bem mais valorizado das instituições, sua reputação. A função panóptico digital produz um efeito mais extenso e utiliza-se de ações mais complexas do que o da clipagem tradicional, para ter sucesso no seus fins.A proposta é simples e comum no meio digital, monitorar sistematicamente e criar soluções rápidas antes que a informação equivocada tome proporções incontroláveis, porém esse modelo de vigilância deverá gerar uma nova percepção por parte do usuário que pretende gerar conteúdo, a sensação de que está sob constante vigilância. Não é nenhuma nova ferramenta tecnológica, mas sim uma nova postura de avaliação. Pierre Levy (2002) afirma que a opinião pública moldar-se-á cada vez mais às informações do mundo digital, o texto de um jornalista se distinguirá cada vez menos a de um especialista de renome ou a de um internauta de escrita fácil, eis a questão, fontes questionáveis criando informações confiáveis. Esta proposta de vigilância panóptico não é de fácil manuseio, depende muito de questões subjetivas, ou seja, o feeling doRelações Públicas que intervirá para proteger a reputação institucional junto aos pseudos produtores de conhecimento, agindo de forma diplomática deixando sempre transparecer que uma vigilância sistêmica está implantada afim de proteger a instituição de informações pejorativas.

Conclusões

A oclocracia toma novas proporções no mundo digital, a irracionalidade das multidões destroem com muito mais facilidade a reputação e a imagem das instituições, novos desafios se apresentam para o profissional de Relações Públicas, novas ferramentas devem ser estudadas e aprimoradas, a proposta da função panóptico digital prevê novas possibilidades de controle, teoricamente mais efetivas do que a de clipagem digital, pois propõe um efeito direto nos produtores de informação, seria utópico dizer controlador, masno mínimo mais acautelador.

É justamente a reputação e a imagem institucional como axioma da administração moderna que eleva ao nível de imprescindível a presença dos executivos de Relações Públicas nas instituições, e é precisamente estes pontos que se encontram e maior evidencia na web, tanto para auferir mais credibilidade e ampliar campos e mercados, quanto para cair em declínio por causa da má gestão virtual da marca e da reputação.

A função panóptico digital não pode ser percebida como invasiva ou coerciva, não é invasiva pois ela age nas informações públicas ou tornadas pública, e coerciva pois não há de forma alguma ameaças ou chantagens, o simples fato de aparecer com ações cautelares toda vez que o nome da instituição é citado pelo internauta simbolizará vigilância ou uma intimidação legitima, por que promoverá entendimento e esclarecimentos, não deixando se propagar informações inverídicas, fazendo com que os novos formadores de opinião pensem com responsabilidade todas vez que forem citar a instituição em suas publicações.

Resumindo, quando se consegue alterar as percepções dos usuários através da função panóptico digital, você criará uma boa imagem das instituições através de esclarecimentos e paralelamente cunhará a impressão de que estão sendo vigiados, fazendo-os reavaliar numa nova acusação sem embasamentos reais, isso também porque um ar de cordialidade sempre deverá ser percebida afim de não criar conflitos e novos ataques.

Bibligrafia

BAUDRILLARD, J. Simulacros e Simulação, Lisboa. Relógio D'agua. 1991;

BAUDRILLARD, J. Tela total, Poro Alegre. Editora Sulina. 1997;

BAUDRILLARD, J. Power inferno, Poro Alegre. Editora Sulina. 2003;

FOUCALT, Michael. Vigiar e Punir, Petrópolis, Editora vozes. 1987;

FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização, São Paulo, Imago. 1997

LEVY, Pierre. Ciberdemocracia, Lisboa, Epistemologia e Sociedade. 2002;

LEVY, Pierre. O que é o virtual, São Paulo, Editora 34. 1996;

LEVY, Pierre. Cibercultura, São Paulo, Editora 34. 1999;

MARTINS, Francisco M. Impressões Digitais, Cibercultura, Comunicação e Pensamento Contemporâneo, Porto Alegre, Editora Sulina, 2008

WOLTON, Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 20 • abril 2003