RELAÇÕES BANCÁRIAS SOB A ÉGIDE DO CDC

BREVE ABORDAGEM CRÍTICA


*Emerson de Aguiar Souza



INTRODUÇÃO.



No âmbito da jurisprudência federal mais abalizada, inclusive, aquela reinante no espectro judicante do Colendo Superior Tribunal de Justiça ? STJ, sem prejuízo do posionamento adotado por parcela das mais respeitáveis e renomadas dos estudiosos e aplicadores do Direito, no mesmo ramo de intelecção - os serviços bancários revestem-se da qualidade de vasto campo para aplicabilidade das normas protetivas estatuídas no bojo do CDC Código de Defesa do Consumidor.

A corroborar a presente ilação, o teor da Súmula nº 297 do Superior Tribunal de Justiça:



"O Código de Defesa do Consumidor é aplicável
às instituições financeiras" (STJ, 2ª Seção, DJ
09/09/2004).



FUNDAMENTAÇÃO E DESENVOLVIMENTO.



Tema controverso, relativamente aos moldes em que deva ser aplicada a legislação consumerista no trato dos serviços financeiros e bancários, em sede judicial, corresponde ao impasse acerca da fase processual mais adequada para incidência de um dos corolários basilares havidos em favor da classe consumidora, mediante a entrada em vigor do multicitado diploma normativo, qual seja, a inversão do ônus da prova.


Efetivamente, sem prejuízo do entendimento que vem se consolidando, há substancial espaço de tempo, na convicção dos aplicadores do direito investidos das prerrogativas judicantes de Ministros do Superior Tribunal de Justiça, os quais vem delineando a linha de exegese segundo a qual a inversão do ônus da prova - em se tratando de lides travadas entre clientes/hipossuficientes e as instituições financeiras e bancárias - deve ser estabelecida já durante o curso da fase instrutória, e não somente por ocasião da prolação da sentença, há que se sopesar se esse grau de amplitude processual, conferido à garantia da inversão do ônus da prova, está a denotar-se consentâneo com os corolários da razoabilidade e equidade que devem nortear a aplicabilidade dos institutos do moderno direito processual brasileiro.


Com o escopo precípuo de conferir maior visibilidade ao trato do assunto, tenho por bem em trazer à lume recente aresto, elucidativo da divergência remanescente quanto ao alcance mais adequado a ser auferido à inversão do ônus da prova em demandas cuja controvérsia enseje a icidência das normas e preceitos consumeristas.


Consulte-se:

RECURSO ESPECIAL. CDC. APLICABILIDADE ÀS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. ENUNCIADO N. 297 DA SÚMULA DO STJ. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA (ART. 6º, INCISO VIII, DO CDC). MOMENTO PROCESSUAL. FASE INSTRUTÓRIA. POSSIBILIDADE. 1. Há muito se consolidou nesta Corte Superior o entendimento quanto à aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às instituições financeiras (enunciado n. 297 da Súmula do STJ) e, por conseguinte, da possibilidade de inversão do ônus da prova, nos termos do inciso VIII do artigo 6º da lei consumerista. 2. O Tribunal de origem determinou, porém, que a inversão fosse apreciada somente na sentença, porquanto consubstanciaria verdadeira "regra de julgamento". 3. Mesmo que controverso o tema, dúvida não há quanto ao cabimento da inversão do ônus da prova ainda na fase instrutória - momento, aliás, logicamente mais adequado do que na sentença, na medida em que não impõe qualquer surpresa às partes litigantes -, posicionamento que vem sendo adotado por este Superior Tribunal, conforme precedentes. 4. Recurso especial parcialmente conhecido e, no ponto, provido. (HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, STJ, QUARTA TURMA, DJ DATA:05/02/2007 PG:00242 )




No nosso modesto entendimento, fazer imperar, durante toda a fase instrutória de uma demanda, em especial, uma ação comum, de rito ordinário, um preceito processual tão drástico quanto a inversão do ônus da prova, equivale a ampliar, por demasiado e sem qualquer matiz de proporcionalidade consentânea, e isto - registre-se - em detrimento da melhor dialética a ser impingida ao processo.


Convém, por oportuno, tecer a digressão, tal qual premissa rudimentar, que o processo não corresponde, em absoluto, ao fim, ou objetivo, ou, quiçá, razão de ser, da prestação jurisdiconal, mas, em realidade, instrumento eficaz a ser habilmente manejado com desiderato supremo de viabilizar a distribuição da justiça, no caso concreto.


Mas, atentando para a oportunidade e coveniência de que o enfoque permaneça adstrito aos limites originais da proposta deste arrazoado, é de se prosseguir com a depuração do aspecto processual nevrálgico objeto da abordagem, em especial, dada a relevância prática do eu desenlace para o cotidiano dos operadores do direito.


Nesse passo, mister evidenciar que pairam duas correntes doutrinárias substancialmente constituídas em sentido diametralmente oposto, uma da outra, relativamente ao instante processual mais aproriado e equânime para aplicabilidade da inversão do ônus da prova, a partir da égide do Código de Defesa do Consumidor sobre determinados tipos de demandas envolvendo partes manifestamente hipossuficientes.


De um lado, uma vertente dourinária abraçada, dentre outros, por Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe e Nelson Nery Jr., segundo a esteira de intelecção de que o momento processual adequado para a inversão do ônus da prova é o julgamento da causa.


Em sentido oposto, célebres juristas, e processualistas de elevada estirpe, da matiz de Carlos Barbosa Moreira, Teresa Arruda Alvim e Luiz Antônio Rizzato Nunes, firmemente alicerçados sob a ótica de que é despacho saneador como momento processual adequado para a inversão do "onus probandi".

Reputo por assaz oportuna a contribuição ofertada por Viviane Ceolin Dallasta(1), em que fornece elementos de informação aptos a clarividenciar o assunto em apreço:


"Há o entendimento de que a sentença é o momento processual oportuno para a inversão, visto que somente após a instrução do feito, no momento da valoração das provas, estaria o juiz apto a deferir ou não a inversão, configurando regra de julgamento e não de procedimento.
Os defensores desta posição alegam, ainda, que em face do art. 6º, a inversão não seria fator de surpresa à parte ré, estando a relação processual sob a égide do CDC. Nas palavras de Kazuo Watanabe: "Quanto ao momento da aplicação da regra de inversão do ônus da prova, é o do julgamento da causa. É que as regras de distribuição do ônus da prova são regras de juízo e orientam o juiz, quando há um non liquet em matéria de fato, a respeito da solução a ser dada à causa."
Apesar disso, Kazuo Watanabe, na mesma obra, afirma que é interessante, de "boa política judiciária" que antes da instrução, o magistrado advirta as partes que a regra de inversão do ônus da prova poderá, eventualmente, ser aplicada no momento do julgamento final da ação. Assim, com tal providência restará afastada a possibilidade de alegação de cerceamento de defesa.
Ora, se o magistrado advertirá quanto à possibilidade de inversão, muito menos dispendioso, mais seguro e justo que ele analise os fundamentos do pedido e as defesas do réu e profira seu entendimento quanto à inversão do ônus da prova, o que facilita sobremaneira o julgamento da lide e a apreciação específica do pedido.
Outro argumento diz respeito à inércia do Poder Judiciário, o qual preceitua que o juiz não pode agir de ofício. No sistema jurídico brasileiro vige o princípio ne procedat iudex ex officio, que consiste em o Estado-juiz, órgão prestador da tutela jurisdicional, não exercer a atividade que lhe é peculiar se não for provocado pelo interessado, ou seja, não poderia o juiz inverter o ônus da prova sem o requerimento da parte interessada."



Também considero aptas a ilustrarem o raciocínio ora manifestado as informações constantes de preleção sobre o assunto, ofertada pelaAdvogada, Especialista em Direito Processual Civil pela UEPB,MICHELINE MARIA MACHADO DE CARVALHO (2):

"Watanabe considera que
"... somente após a instrução do feito, no momento da valoração das provas, estará o juiz habilitado a afirmar se existe ou não situação de no liquet, sendo caso ou não, consequentemente, de inversão do ônus da prova. Dizê-lo em momento anterior será o mesmo que proceder ao prejulgamento da causa, o que é de todo inadmissível" .
O autor não vê em seu posicionamento nenhuma ofensa ao princípio da ampla defesa e ao final endossa a sugestão de Cecília Matos de que
"... no despacho saneador ou em outro momento que preceda a fase instrutória da causa, o magistrado deixe advertido às partes que a regra de inversão do ônus da prova poderá, eventualmente, ser aplicada no momento do julgamento final da ação. Com semelhante providência ficará definitivamente afastada a possibilidade de alegação de cerceamento de defesa"..."


CONCLUSÕES/ILAÇÕES FINAIS.


Cumprindo, dessarte, o mister do presente esboço, concluo que denota-se excessivamente vasto oalcance da aplicabilidade da inversão do ônus da prova, em momento anterior à prolação da sentença.

Filiando-me, aqui, da baixeza do nosso modesto discernimento, à linha de exegese dourinária brasileira acerca do assunto honrosamente vanguardeada pelos ilustres Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe e Nelson Nery Jr.,e, portanto, em direção diametralmente oposta à tendência consolidanda no âmbito do Colendo Superior Tribunal de Justiça ? STJ, posiciono-me pela imperiosidade da redução da amplitude com que vem sendo aplicada a inversão do ônus da prova, sob o manto protetor do CDC, de molde a inviabilizar a aludida inversão em qualquer momento anterior ao julgamento da causa.

Por fim, na certeza do dinamismo do direito positivado e da própria renovação constante dos agentes jurisdicionais capazes de ditar diretrizes acerca de temas relevantes para a efetiva distribuição do melhor direito, observada a repercussão das matérias que acarretam influência severa sobre vultosa espécie de lides a desbordarem sobre o Poder Judiciário, o posionamento ora expendido se revela servível, minimamente, como alarme para a crcunstância de que - contrariamente do que se deveria desejar - as tendências jurisdicionais não guardam consentaneidade com os ideais da equanimidade e da razoabiidade almejadas pelo seio da comunidade jurídica nacional.

NOTAS:
Dallasta, Viviane Ceolin. In Artigo "Momento processual para a inversão do ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor", Site do Curso de Direito da UFSM. Santa Maria-RS.
CARVALHO,MICHELINE MARIA MACHADO DE.In artigo A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NO DIREITO DO CONSUMIDOR, Dezembro/2001